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1-Único testemunho conservado de uma determinada
2- único testemunho do processo de génese* de um texto, quando designa um testemunho
C. S.
A razão disto estará talvez na escassez de tradições manuscritas com mais de um testemunho, que tornam normal para o editor português a edição interpretativa de testemunho único, aliviada das grandes operações críticas que uma tradição plural exige e que nela não têm cabimento, limitada quando muito a uma modesta emendatio conjectural.
Pode dizer-se que o campo bibliográfico da Demanda do Santo Graal abriu com a edição de Reinhardstoettner62. Edição de testemunho único e então ainda pouco estudado, transcrita de modo quase diplomático mas com bastantes erros (Leite de Vasconcelos, no seu exemplar, anotou uma série de correcções certeiras — não sabemos se por palpite, se após verificação pelo manuscrito de Viena), esta edição estava destinada a ser superada, mais tarde ou mais cedo, por outra que desse maior satisfação à condição do texto.
A DA deve seguir-se o impresso E, porque contém a parte inicial da história e substitui, inequivocamente, o impresso DAI, sendo o alinhamento dos fragmentos que o constituem, pelo menos aqueles que conhecemos, indicado com clareza pelo autor. Findo o impresso E, a situação complica-se: se, por um lado, o manuscrito B, que seguramente não seguiu para tipografia, é a versão mais recente da continuação da história iniciada no impresso E, por outro lado não dá continuidade imediata a este último (razão por que decidi postular a existência de um fragmento perdido BBO, reconstituível apenas a partir do testemunho único fornecido pela edição de 1925 entre as pp. 152, 1. 22, e 169, 1. 27); além disso, e como demonstrarei mais adiante, o nível estilístico do texto deste manuscrito é consideravelmente mais baixo do que o dos impressos D e E — e sobretudo do que o deste último, muito trabalhado —, pelo que a linearidade do alinhamento indicado na figura 5 é falaciosa: considera, como se em sequência natural, elementos resultantes de níveis diferentes de produção e de correcção do texto, tal como é esquematizado na figura 6.
Estão indicados todos os casos expressos de fixação do texto de 1970 a partir do de 1925: nos casos lacunares de EA1, (E5) e EA2 (segunda lacuna), posteriores à edição de 1925, Helena Cidade Moura utilizou, correctamente, a lição desta edição (que, então como agora, constitui testemunho único), e anotou o facto; porém, no que respeita à primeira lacuna de EA2, cujo texto não se encontra em 1925, não deu qualquer indicação (seguindo o comportamento do seu antecessor).
Porém, é possível supor, como fez C. Michäelis (1), que a actual escassez de cancioneiros derive do sucessivo desaparecimento de todas as cópias eventualmente executadas no decurso dos séculos XIV, XV e XVI, menos os três que uma série de circunstâncias favoráveis salvou da destruição, isto é, que o que se nos apresenta como tradição pobre represente, na realidade, o único teste¬munho sobrevivente de uma tradição múltipla dizimada por desfa¬voráveis condições, de ambiente cultural.
A tradição manuscrita de um texto medieval pode consistir num testemunho único ou numa pluralidade de testemunhos.
Na eventualidade de um texto ter chegado até nós através de um só manuscrito, a edição crítica — que mais correctamente se deveria designar, neste caso, como «leitura crítica» — limitar-se-á a transcrever esse testemunho, emendando exclusivamente os erros mais evidentes, e portanto — faltando ao editor os indispensáveis pontos de comparação que lhe permitam circunscrever e restaurar as áreas contaminadas — sem pretender ir mais além da identificação e eliminação das alterações superficiais introduzidas ao nível do exemplar ou por ele perpetuadas.
Leva já século e meio de existência com o estatuto honorífico de relíquia (que não é de amesquinhar, porque a ele se deve seguramente a sua preservação, como não aconteceu com tantos outros dos manuscritos camilianos). Tal estatuto não ofusca a sua importância prática e moral como testemunho único da criação de Amor de Perdição.
Relativamente à tipologia das edições, Cambraia resiste a que a edição interpretativa possa ser chamada "crítica" [p. 97]. Assiste-lhe com certeza razão na medida em que na edição interpretativa o editor lida com um único testemunho subsistente conhecido do texto, ao passo que na edição crítica tem de entrar em consideração com um texto testemunhado por mais de uma cópia. Mas tanto num caso, como no outro, espera-se que o editor forneça um texto, enquanto nos outros tipos de edição tomados em conta (fac-similar, diplomática, paleográfica, segundo a divisão de Cambraia) o programa aproximadamente comum é o da representação documental. Por isso há uma componente de crítica na edição interpretativa, que pode mesmo passar pelo confronto entre o texto do testemunho único e os passos correspondentes de fontes do texto.
Tratando-se de uma edição feita a partir de um testemunho único, o aparato crítico é essencialmente de tipo genético, isto é, as variantes nele registadas correspondem a fases diferentes de um mesmo processo de escrita (ainda que, em alguns casos, cronologicamente separadas).
São de outra ordem as razões por que registamos as variantes da vulgata, quando a opinião tradicional é a de que uma cópia perde todo o valor para a restituição de um texto quando dispomos do seu original. A razão que acima apresentei tem a ver com o facto (não muito frequente, mas enfim) de a vulgata servir de testemunho único a certos textos, pelo menos enquanto não lhes descobrirmos o manuscrito.
Em 1 de Agosto de 2008, António Braz de Oliveira, assessor da direcção da BNP e arquitecto do Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea que, naquela biblioteca, alberga várias dezenas de espólios de homens de letras portugueses, assinou um documento propondo a abertura do procedimento de classificação do espólio documental de Fernando Pessoa como bem de interesse nacional (informação 37/DGBNP/2008), «dado tratar‑se — cito — de espólio de uma personalidade notável das letras portuguesas que constitui testemunho único do respectivo processo criativo e do respectivo modo de produção literária, bem como repositório de testemunhos por ele coleccionados, igualmente únicos e relevantes para a contextualização da sua obra e compreensão da sua personalidade» (p. 29).
Edição interpretativa: [1] edição crítica de um texto de testemunho único; nesta situação, o editor transcreve o texto, corrige os erros por conjectura (emendatio opeingenii) e regista em aparato todas as suas intervenções. [2] Edição de um texto de testemunho único ou de um determinado testemunho isolado de uma tradição, destinada a um público de não-especialistas: para além da transcrição e da correcção de erros, o editor actualiza a ortografia e elabora notas explicativas de carácter geral.
Testemunho único (codex unicus): relativo a uma tradição constituída por um único testemunho.
Tradição: totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos, conservados ou desaparecidos em que um texto se materializou ao longo da sua transmissão. Pode indicar dois conceitos diferentes: 1) conjunto de lições que caracterizam um manuscrito ou família de manuscritos; 2) conjunto de testemunhos de uma obra, sejam eles manuscritos ou impressos. Se apenas se conhece um testemunho, diz-se que é uma tradição de testemunho único; se se conhecem dois ou mais, diz-se que é uma tradição de testemunho duplo ou múltiplo. A tradição pode ser directa ou indirecta. O primeiro caso compreende os manuscritos e as edições impressas em que a obra se conserva; o segundo compreende as citações, as traduções e todas as outras atestações de segunda mão.
Toda a realização material de um texto. A existência de um testemunho de um texto implica necessariamente um suporte material sobre o qual a escrita foi praticada por um agente.
Os testemunhos dividem-se em duas categorias:
C. S.
TESTEMUNHOS - manuscritos ou impressos que transmitem uma obra.
(...) apresentaremos um grande número de testemunhos manuscritos até agora desconsiderados (...)
Também a respeito de terminologia, César Cambraia, apoiado em tradição forte expandida por diferentes quadrantes da reflexão sobre a crítica textual,20 faz equivalentes os termos “fonte” e “testemunho” [p. 133, 134, 135, passim]. Julgo, em contrapartida, que seria vantajoso distingui-los, mais ainda se se tiver em conta o público a que se destina o manual. Com efeito, acho defensável “testemunho” continuar a ser palavra relativa ao trabalho do editor, remetendo “fonte” para o trabalho do autor. Por isso, a não ser em casos como os antes indicados a propósito da edição interpretativa ou por razões alheias ao trabalho do crítico textual, o aparato de fontes não se funde no aparato crítico.
Testemunho: manuscritos ou impressos que transmitem a obra. Designa o exemplar de um texto com todas as características próprias: suportes, lições, variantes.
Ver
1-Pluralidade de testemunhos que transmitem um determinado texto; deste diz-se que tem uma
2- Pluralidade de testemunhos do processo de
C. S.
Porém, é possível supor, como fez C. Michaëlis (1), que a actual escassez de cancioneiros derive do sucessivo desaparecimento de todas as cópias eventualmente executadas no decurso dos séculos xiv, xv e xvi, menos os três que uma série de circunstâncias favoráveis salvou da destruição, isto é, que o que se nos apresenta como tradição pobre represente, na realidade, o único testemunho sobrevivente de uma tradição múltipla dizimada por desfavoráveis condições de ambiente cultural.
Como resultado da minha examinatio dos autógrafos d’ A Capital!, chego à conclusão de que tenho que adoptar um comportamento editorial que concilie as técnicas de tratamento de testemunhos múltiplos e de testemunho único, porque a realidade d'A Capital!, mesmo sem sair da esfera autográfica, consiste, parcial e interpoladamente, em segmentos de testemunho único e em segmentos de testemunhos múltiplos, todos eles marcados por ruídos de vária ordem — pelo que tenho muita pena em não poder aceitar li categórica afirmação de Paul Maas de que «quem tiver medo de fornecer um texto inseguro, melhor será que se ocupe apenas de autógrafos» [Maas 1927, p. 23].
A tradição manuscrita de um texto medieval pode consistir num testemunho único ou numa pluralidade de testemunhos.
É claro que a identificação da derradeira lição obriga a um processo nada simples de estabelecimento da cronologia interna da composição do texto, a qual tanto se pode encontrar documentada em testemunhos múltiplos (ou seja, cópias evoluídas em sucessão) como dentro de um único testemunho, em camadas sobrepostas de revisões.
Codices plurimi: múltiplos testemunhos de um texto, manuscritos ou impressos, de existência muito frequente (vs. codex unicus).
Tradição: totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos, conservados ou desaparecidos em que um texto se materializou ao longo da sua transmissão. Pode indicar dois conceitos diferentes: 1) conjunto de lições que caracterizam um manuscrito ou família de manuscritos; 2) conjunto de testemunhos de uma obra, sejam eles manuscritos ou impressos. Se apenas se conhece um testemunho, diz-se que é uma tradição de testemunho único; se se conhecem dois ou mais, diz-se que é uma tradição de testemunho duplo ou múltiplo.
Texto que o editor dá a ler depois de ter aplicado aos testemunhos disponíveis de um determinado texto os procedimentos definidos pela Crítica Textual para chegar a conhecer a última
O texto crítico é oferecido numa
O estabelecimento da última vontade do autor no texto crítico admite e até exige a correcção
Como resultado da aplicação ponderada e judiciosa de princípios estemáticos (v.
C. S.
Segue-se a necessidade de determinar qual seja o exemplar ideal do Cancioneiro Geral, uma vez que o texto crítico deve ser estabelecido a partir do texto desse exemplar ideal.
Muitas, para não dizer a maioria, das variantes acidentais serão «apagadas» pela normalização ortográfica que é lícito introduzir no estabelecimento de um texto crítico, e que as edições acima citadas não desprezaram.
O chamado método neo-lachmanniano submeteu à crítica o conceito de arquétipo, tomou em consideração eventuais limites à individuação do estema, enfrentou a fenomenologia da contaminação, abandonou a reconstrução linguística dos textos, introduziu novas ideias como, por exemplo, a de «difracção» de lição (Contini), ou a de edição esterioscópica (Segre). Com esta última proposta teoriza-se o conceito do texto crítico que é possível propor ao leitor numa edição crítica, como imagem virtual e não real: e isto com base na constatação de às vezes o conjunto da varia lectio sugerir com segurança a lição original, mas em muitos casos ela se limitar a indicar uma aparência semântica através do confronto entre os sistemas estilísticos dos vários grupos de manuscritos (20).
TEXTO CRÍTICO - quando o texto é estabelecido com base nas leis da Crítica Textual. Deve apresentar uma descrição exaustiva dos signos diacríticos usadas na edição. Alguns princípios tipográficos correntes: 1) entre parênteses curvos aparecem os suplementos introduzidos para colmatar lacunas; 2) entre parênteses rectos as interpretações; 3) em cursiva as abreviaturas; 4) asterisco antes e depois dos lugares reconstituíveis por conjectura; 5) um ponto debaixo de cada letra ilegível.
Mas, para o comprovar, darei em anexo a esta introdução, e antes do texto crítico, um exemplo de como uma edição crítica d'A Capital! feita em moldes tradicionais (isto é, anotando lugar a lugar, em aparato, todas as variantes da tradição) seria desmesurada: se, para cinco páginas de texto autógrafo, obtive cento e uma notas de variantes, quantas obteria para as setecentas e cinquenta e nove páginas a que monta o romance na sua fase terminal? (Eu adianto uma estimativa simples: seriam necessárias mais de quinze mil notas de variantes!)
Posto perante esta situação, o leitor torna-se parte activa no processo crítico: partindo da lição fornecida pela edição crítica, coteja-a com as lições da tradição, e considera como variante, e, logo, como lição não-autêntica, tudo aquilo que na tradição não coincidir com o texto crítico.
3.2.2. Aparato crítico. No aparato crítico (referido ao número da linha em que ocorre o facto a assinalar), dou conta das leituras duvidosas, das lições conjecturadas, das passagens lacunares, e das restantes intervenções a que procedi criticamente. A fisiologia das notas é a seguinte:
[ESQUEMA]
ou seja, número da linha, seguido da lição adoptada no texto crítico, que por sua vez e separada da lição autografa (substituída ou questionada), pelo sinal «]» (separador, que marca a delimitação do lugar em causa). Eventuais referências ou explicações da responsabilidade do editor são dadas em itálico entre parêntesis rectos.
Só a edição crítica pode dar conta desse fenómeno, através de duas componentes: por um lado, oferece a transcrição, conservadora ou normalizada, de um texto a qual pode combinar lições de dois ou mais suportes e pode ainda incorporar emendas conjecturadas pelo editor (texto crítico); em separado, apresenta os grupos de variantes dentro dos quais o editor escolheu as formas que fixou no texto (aparato crítico).
No pressuposto de que a variação produzida por uma tradição deste tipo é uma «evolução para pior», o editor procura a montante da tradição as formas menos evoluídas e, consequentemente, mais próximas do original, com as quais constrói o seu texto crítico: este não se apresenta como reprodução do original, mas como uma hipótese de texto tão aproximada quanto possível desse original desaparecido. A esta crítica do original ausente pode, aproveitando os dois sentidos do termo «tradição», chamar-se crítica textual tradicional. A conhecida distinção entre «crítica (neo-)lachmanniana» e «crítica bédieriana» resume-se a uma discordância de método quanto à escolha da base para o estabelecimento do texto crítico: a primeira confia no stemma para determinar os testemunhos arquetípicos, que pode combinar durante o estabelecimento do texto crítico, tornando-o assim híbrido (Maas, 1963; Timpanaro, 1981); a segunda prefere reproduzir apenas um testemunho, argumentando que um manuscrito existente é preferível a um texto híbrido, sem existência histórica garantida (Bédier, 1928).
Cabem-lhe missões de natureza nova: não precisa de reconstituir um autógrafo que está preservado, mas sim, e através dele, saber como decorreu o acto de criação do texto; não há que percorrer às arrecuas o processo de transmissão textual, mas sim desenhar o percurso criativo seguido pelo texto desde o rascunho até ao seu autógrafo final; não há que fixar conjecturalmente um texto crítico a partir de variantes corrompidas, mas sim identificar e fielmente publicar a etapa da evolução do texto que mais garantias dê de traduzir a vontade inalterada do autor, etapa que geralmente é a mais recente; não há que fazer, com as variantes significativas da transmissão, um aparato crítico que ninguém lê, como nos recorda Tavani, mas sim, com as correcções e variantes da reescrita do texto, um aparato genético que ninguém lerá tãopouco.
E dessa convicção, das considerações que dela derivaram, da experiência da variantística continiana, mas essencialmente da avaliação cuidadosa dos princípios fundamentais e das sucessivas elaborações teóricas e metodológicas da genética literária especialmente francesa, e mais especialmente ainda das que se vinham produzindo ao redor do ITEM, surgiu a ideia de uma edição que fosse ao mesmo tempo crítica e genética: crítica, quer dizer conforme com os princípios básicos da filologia textual dos quais, como filólogo, não podia nem queria prescindir; e genética no sentido que o texto crítico devia ir junto com os elementos pré-textuais úteis para conferir ao texto a dimensão plúrima e o carácter de inacabado — ou de provisoriamente e mesmo incidentalmente acabado - que a genética tinha oportunamente evidenciado e teorizado (TAVANI, 1988, 53-84; TAVANI, 1991).
Outra questão é: "em que circunstâncias é possível fazer convergir no mesmo texto crítico lições provenientes de testemunhos autógrafos diferentes".
A ideia de que o erro é uma modificação não-autoral do texto [p. 78] também concorda com o princípio da genuinidade e, por um momento, parece alhear-se de que o autor também comete erros ou modificações que não correspondem à sua intenção. Mas este aspecto vem a ser abordado nas p. 84-85 e, consistentemente, Cambraia, na esteira de Celso Cunha, defende quase sempre o estabelecimento da lição genuína contra a lição correcta. Mas podemos lidar com situações em que a lição correcta deve preponderar sobre a lição genuína: os erros mecânicos num dactiloscrito de Pessoa não devem ser acolhidos no texto crítico e têm estatuto semelhante ao de uma corruptela introduzida na impressão.
Enquanto filólogo que se ocupa prioritariamente de manuscritos autógrafos, eu encaro este tipo de manuscritos, na sua materialidade pura, como nada mais do que a parte visível do campo onde se desenrola a batalha, ou do tabuleiro onde se faz o jogo, contra as palavras, a gramática, as regras, os gostos, os hábitos, as expectativas - que o escritor travou enquanto construía o seu texto: tudo o que aqui encontramos foi ou sujeito ou objecto, arma ou qualquer tipo de aparelho ou de técnica utilizados na batalha ou no jogo que ali se travou - e tudo isso se torna importante para julgar seja o vencedor, se o há (quando o texto foi acabado), seja o vencido (se o texto não chegou a ser acabado). Na minha qualidade de filólogo, eu não posso fazer outra coisa que não seja decifrar e interpretar todos os traços deixados pelo autor no conjunto dos manuscritos do Texto com que trabalho e de que, eventualmente, retiro uma edição crítica: as conclusões, as certezas, e sobretudo as dúvidas com que me deparo permitir-me-ão que diga ao leitor que o texto que eu lhe dou a ler teria podido ser como este que eu lhe ofereço, mas poderia ter sido diferente se o autor tivesse decidido seguir uma das hipóteses por ele consideradas, postas em dúvida ou abandonadas ao longo do processo de génese textual - e o texto crítico poderia ser ainda diferente se fosse outro que não eu a editá-lo: pois se, como afirmou algures Paul Zumthor, os textos se movem, eu acrescentarei que as edições se movem também. E como todos poderemos constatar - muito.
Os problemas surgem implacáveis logo no momento em que consultamos uma edição crítica: o cotejo entre o texto crítico e o aparato de variantes - embora seja uma operação complicada, porque é sabido que os aparatos são nove em dez vezes ilegíveis e defeituosos ou incompletos – revela muitas vezes que o amanuense medieval caiu em erro na leitura do seu modelo, e que o editor moderno emendou — mais o menos acertadamente esse erro, sendo porém ao mesmo tempo possível que este último tenha interpretado como erro uma lição exacta do amanuense e tenha procurado emendá-la.
Limitei-me, portanto, a fazer correcções que julgo aplicarem os seus critérios, abundantemente explicados no texto ou que lhe ouvi expor, e que não abrangeram opções quanto ao texto crítico nem quanto ao aparato que o acompanha.
Como direi mais adiante, considerei Ta o manuscrito base para a grafia da presente edição: por esta razão, incluem-se também na tábua meros erros de ortografia ou banalíssimas distracções que não têm, evidentemente, qualquer valor separativo, registadas apenas com o fim de declarar todos os pontos em que o texto crítico, também nas minúcias gráficas, se baseia num grau diferente da tradição.
Em 24.81-84 Ta e β (podendo este ser reconstruído com segurança apesar da divergência de Nn e Tg, os quais apresentam precisamente a lição acolhida no texto crítico 8) concordam sobre esta lição: «e el-rrei como dalli partio com sua frota e as galees d'Aragom veherom-sse lançar em Calpe, onde a frota de Castella jouvera primeiro».
Efectivamente, enquanto as lições singulares abaixo de δ não podem em caso algum ser tomadas em consideração para definir o texto crítico, as lições singulares de Lb e de δ podem, em teoria, representar o texto do arquétipo em caso de divergência contemporânea entre Ta, Lb e δ (o que, na prática, acontece apenas em 19.55; cf. pp. LXXIII-LXXIV).
Uma diacronia tripartida, com uma fase dos rascunhos, que interessam enormemente para o nascimento dos poemas, uma fase da cópia limpa, que é fonte do texto vulgata, e uma fase das revisões, que são fonte do texto crítico e não foram ainda exploradas sistematicamente.
É nesse caso melindrosíssimo que o editor tem de trabalhar sem rede de protecção: ou mantém todas as variantes entre as quais Pessoa não optou, preservando-as de alguma forma, tipograficamente desconfortável, no interior do seu texto crítico (que nesses lugares, e por isso, deixará de o ser), ou então corre o risco de seleccionar, com critério que seja defensável, uma das variantes, apontando todas as outras no aparato e deixando claro que a escolha é sua e não do poeta.
Através deste método que tenho estado a expor e a defender de respeitabilíssimas reservas como as formuladas por Maria Aliete Galhoz, pude estabelecer um texto crítico do Guardador de Rebanhos que modifica 15 por cento dos versos, incluindo nesta conta alterações de pontuação e de capitalização.
A selecção das lições destinadas ao texto crítico faz-se segundo um princípio geral (que convém temperar de acordo com as concretas circunstâncias sociais que envolveram a produção da obra): a mais autorizada de todas as lições autênticas é a mais recente, aquela que representa a intenção do autor tal como foi, pela última vez, materializada através da escrita. Com esta precisa formulação, penso que se evita o risco de vincular o texto crítico a uma «intenção final do autor» que nunca se saberá qual tenha sido, pois pode ter ficado in petto, e vinca-se (como marca de rigor) o carácter relativo e não-definitivo da edição crítica, que não toma posição sobre o inobservável, mas se limita a constatar qual foi a derradeira lição em relação à qual o autor não teve dúvidas transmitidas ao papel.
Uma vez identificado o estado cronologicamente terminal do texto, aquele que figurará no texto crítico, fica o editor na posse de todas as etapas anteriores da génese do texto.
Informações preciosas não só quanto ao «processo de fabricação da obra», mas também quanto à fabricação da edição, pois são elas que permitem ao editor reconstituir a cronologia da génese e estabelecer o texto crítico.
Aplicações. Se os usos do texto crítico são substancialmente os mesmos em ambas as críticas textuais, já os seus aparatos têm constituição e aplicações diversas.
Quanto à fixação do texto, o método genético adoptado há duas décadas pela Equipa Pessoa tem-se revelado bastante apropriado à natureza dos materiais, se bem que assumidamente pesado: primeiro, os testemunhos autógrafos são inventariados e dispostos cronologicamente; depois, são identificadas e transcritas as variações que o texto registou desde o primeiro esboço de redacção até ao testemunho final; finalmente, o texto crítico é fixado com base nesse testemunho.
São edições que oferecem um texto crítico estabelecido a partir de todos os originais disponíveis, os quais são descritos um a um e ordenados segundo o momento da sua produção.
Além da edição crítica propriamente dita, que será sempre um objecto para leitura estudiosa, devido à presença de aparatos e anotações, é de prever a produção de edições contendo apenas o texto crítico. O único problema que essa série põe é de ordem científica: não conviria que ela fosse lançada antes de estarem adiantados os trabalhos de exploração do Espólio e de publicadas e recenseadas, há algum tempo, as edições genético-críticas, para existir a certeza de que nenhuma das soluções adoptadas na fixação do texto precisará de revisão.
— Outra intitulada Edição da Obra Completa de Fernando Pessoa, dividida em duas séries: a Série Maior terá as edições genético-críticas, equipadas de aparatos e anotações, precedidas de breves introduções filológicas, e sem estudos interpretativos; a Série Menor terá volumes de estrutura simplificada, destinados ao leitor comum, com o texto crítico não anotado, mas precedido de ensaio interpretativo.
Estes são os seus principais defeitos, que reclamam as habituais soluções terapêuticas da filologia, na forma que assumem em crítica textual moderna: em vez de originais desaparecidos que é preciso reconstruir, aqui abundam os testemunhos autógrafos, que é preciso organizar segundo a cronologia da elaboração do texto, com a intenção de determinar aquele ou aqueles que revelam a última intenção do autor e, por isso, deverão ser escolhidos para base da fixação do texto crítico.
a) Visto que o texto crítico é estabelecido a partir de autógrafos, poderia ignorar-se o texto da vulgata, cujas variantes não podem ser detentoras de autoridade a não ser em raros casos de desaparecimento do autógrafo. No entanto, dado a vulgata ser a fonte de todo o conhecimento do texto de Pessoa entre praticamente todos os públicos, preferimos incluir, junto ao texto crítico, um aparato com as variantes (leia-se ‘erros’) das suas edições, de modo a permitir ao leitor comparar o texto por nós proposto com aquele a que está habituado, e assim ganhar uma ideia rápida da profundidade das transformações (...)
Procederá do seguinte modo, dentro de cada texto unitário: as secções nunca corrigidas nem substituídas por outra mais recente entram directamente para o Texto crítico. O mesmo se aplica aos lugares que o autor reviu: é o estado final da revisão, a correcção mais recente, que se apura para o texto.
O texto crítico de uma edição tradicional corresponde ao arquétipo mais alto, construído com as lições mais autorizadas dos testemunhos; o de uma edição genética reproduz o testemunho mais recente, eventualmente actualizado por lições pontuais ainda mais recentes.
A teoria assim exposta admite, tanto para a edição tradicional como para a genética, que o texto crítico seja formado por lições que podem ter sido apuradas em momentos diferentes da génese ou da tradição. Há uma discussão a tal respeito, que passa por Bédier e outros autores. Também há uma tentativa esboçada por TRL de defender o texto homogéneo; mas um texto editado como sugere seria sem dúvida editado, mas não seria crítico.
Mas uma exigência tem de satisfazer: declarar pormenorizadamente que, a partir de certo ponto, o texto crítico não é simples reprodução de autógrafos e contém elementos de que o editor é o único responsável.
Texto crítico: é o resultado de uma técnica de eclectismo controlado, através da qual o editor corrige o texto-base, substituindo lições a partir de outros testemunhos ou fornecendo outras novas, convencido de que tais alterações representam melhor as intenções do autor do que as lições do texto-base, uma vez que corrige erros, omissões, ou alterações não autorizadas. É o resultado de qualquer edição crítica, incluindo aquelas que partem de manuscritos autógrafos ou de impressos controlados pelo autor. Quando o texto é estabelecido com base nas leis da Crítica Textual, deve apresentar uma descrição exaustiva dos signos diacríticos usados na edição. Alguns princípios tipográficos correntes: 1) entre parênteses curvos aparecem os suplementos introduzidos para colmatar lacunas; 2) entre parênteses rectos as interpretações; 3) em cursivo as abreviaturas; 4) asterisco antes e depois dos lugares reconstituíveis por conjectura; 5) um ponto debaixo de cada letra ilegível.
Ver
Refere-se à
Por antonimia de
O facto de uma tradição ser constituída por um único testemunho condiciona o processo de edição do texto transmitido. Ver
C. S.
A razão disto estará talvez na escassez de tradições manuscritas com mais de um testemunho, que tornam normal para o editor português a edição interpretativa de testemunho único, aliviada das grandes operações críticas que uma tradição plural exige e que nela não têm cabimento, limitada quando muito a uma modesta emendatio conjectural.
Porém, é possível supor, como fez C. Michäelis (1), que a actual escassez de cancioneiros derive do sucessivo desaparecimento de todas as cópias eventualmente executadas no decurso dos séculos XIV, XV e XVI, menos os três que uma série de circunstâncias favoráveis salvou da destruição, isto é, que o que se nos apresenta como tradição pobre represente, na realidade, o único teste¬munho sobrevivente de uma tradição múltipla dizimada por desfa¬voráveis condições, de ambiente cultural.
A tradição manuscrita de um texto medieval pode consistir num testemunho único ou numa pluralidade de testemunhos.
Na literatura portuguesa (e galega) medieval, a tradição textual é quase sempre representada por um só testemunho: e, neste caso, como ficou dito acima, o editor limitar-se-á a transcrever esse texto, analisando-o e emendando-o na base de eventuais tradições paralelas (no que diz respeito às crónicas ou às traduções de obras narrativas do ciclo artúrico, recorrendo às tradições castelhanas ou francesas das mesmas obras).
Para Paul Maas, e para a crítica textual tradicional, o «objectivo da crítica do texto é a restituição dum texto que se aproxime o mais possível do original (constitutio textus)» [Maas 1927, p. 1]; ou seja, quer o texto a restituir tenha chegado até nós através de um testemunho único (codex unicus), quer através de vários testemunhos gerados a partir de um arquétipo comum mas fatalmente discordantes entre si, mercê da passagem do tempo, da mudança nos contextos culturais, dos acidentes da tradição, dos processos de trabalho de transcrição, e da intervenção de factores fisiológicos, psicológicos ou ideológicos dos agentes humanos de reprodução (Dom Froger afirma que «não existe uma transcrição totalmente exacta», pelas razões acima indicadas [Froger 1968, p. 11 ss.]), será sempre necessária uma observação (examinatio) e uma intervenção críticas por parte do editor, de modo a eliminar, tanto quanto possível, todos os ruídos (conceito emprestado pela Teoria da Informação: «o ruído é aquela desordem que, inserindo-se na esfera da estrutura da informação, atenua, até ao ponto de apagar completamente, a própria informação» [Lotman 1970, cit. por Picchio 1973, p. 215]), sejam eles da responsabilidade do autor ou da tradição, que se impõem entre a intenção do autor (nem sempre fácil de restituir) e o texto que se edita. Vistas as coisas nestes termos, A Capital! de Eça de Queiroz pareceria não levantar problemas de maior, na medida em que os respectivos autógrafos estão disponíveis [cf. Duarte 1989a; 1989c], sendo a tradição impressa existente, ainda que gerada à revelia da vontade do autor, facilmente corrigível por eles. Só que não se trata de um codex unicus (daí a utilização do plural em «autógrafos»): estes autógrafos não poderão ser encarados apenas à luz da crítica textual tradicional, uma vez que ela assenta, no que diz respeito à caracterização das tradições dos textos, nos binómios «testemunho único/testemunho múltiplo» (quando não existe autógrafo) e «autógrafo/ não autógrafo», para decidir depois, com a segurança possível, em qual deles a vontade do autor está plenamente representada (e tratar-se-ia do autógrafo), ou melhor representada (um não-autógrafo relativamente fiel, ou então aquele que aparenta ser o menos infiel de todos os que estão disponíveis), eliminando os restantes (eliminatio codicum descriptorum).
Relativamente à tipologia das edições, Cambraia resiste a que a edição interpretativa possa ser chamada "crítica" [p. 97]. Assiste-lhe com certeza razão na medida em que na edição interpretativa o editor lida com um único testemunho subsistente conhecido do texto, ao passo que na edição crítica tem de entrar em consideração com um texto testemunhado por mais de uma cópia. Mas tanto num caso, como no outro, espera-se que o editor forneça um texto, enquanto nos outros tipos de edição tomados em conta (fac-similar, diplomática, paleográfica, segundo a divisão de Cambraia) o programa aproximadamente comum é o da representação documental. Por isso há uma componente de crítica na edição interpretativa, que pode mesmo passar pelo confronto entre o texto do testemunho único e os passos correspondentes de fontes do texto.
São de outra ordem as razões por que registamos as variantes da vulgata, quando a opinião tradicional é a de que uma cópia perde todo o valor para a restituição de um texto quando dispomos do seu original. A razão que acima apresentei tem a ver com o facto (não muito frequente, mas enfim) de a vulgata servir de testemunho único a certos textos, pelo menos enquanto não lhes descobrirmos o manuscrito.
Testemunho único (codex unicus): relativo a uma tradição constituída por um único testemunho.
Tradição: totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos, conservados ou desaparecidos em que um texto se materializou ao longo da sua transmissão. Pode indicar dois conceitos diferentes: 1) conjunto de lições que caracterizam um manuscrito ou família de manuscritos; 2) conjunto de testemunhos de uma obra, sejam eles manuscritos ou impressos. Se apenas se conhece um testemunho, diz-se que é uma tradição de testemunho único; se se conhecem dois ou mais, diz-se que é uma tradição de testemunho duplo ou múltiplo.
Refere-se à
C. S.
Tradição: totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos, conservados ou desaparecidos em que um texto se materializou ao longo da sua transmissão. Pode indicar dois conceitos diferentes: 1) conjunto de lições que caracterizam um manuscrito ou família de manuscritos; 2) conjunto de testemunhos de uma obra, sejam eles manuscritos ou impressos. Se apenas se conhece um testemunho, diz-se que é uma tradição de testemunho único; se se conhecem dois ou mais, diz-se que é uma tradição de testemunho duplo ou múltiplo.
Porém, é possível supor, como fez C. Michaëlis (1), que a actual escassez de cancioneiros derive do sucessivo desaparecimento de todas as cópias eventualmente executadas no decurso dos séculos xiv, xv e xvi, menos os três que uma série de circunstâncias favoráveis salvou da destruição, isto é, que o que se nos apresenta como tradição pobre represente, na realidade, o único testemunho sobrevivente de uma tradição múltipla dizimada por desfavoráveis condições de ambiente cultural.
A preparação de uma edição crítica exige — no caso de tradição plúrima — a classificação dos testemunhos e a fixação das relações genéticas entre eles, representadas graficamente no «stemma codicum», a eliminação das cópias tiradas de manuscritos disponíveis (na base do referido princípio segundo o qual cada cópia acrescenta erros aos seu exemplar: «eliminatio codicum descriptorum»)
Pretendemos reflectir aqui sobre o tipo de operações de transcrição e transliteração envolvidos na publicação de fontes medievais para a história da língua portuguesa: queremos centrar a discussão na edição de testemunhos e, portanto, na constituição de documentos linguísticos, pelo que excluímos liminarmente da discussão a constituição de um texto crítico pela comparação e colação de diversos testemunhos de textos de tradição múltipla (a edição crítica não gera dados linguísticos, no sentido de atestações, mas sim formas mais ou menos conjecturais que reflectem as hipóteses do editor sobre o texto).
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