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Os Degraus do Parnaso dão título a uma série de textos do escritor e filósofo M. S. Lourenço (1936-2009) e aludem à designação que Johann Joseph Fux atribuiu ao seu tratado musical Gradus ad Parnassum. Tratando estes textos de assuntos muito variados, o denominador comum é constituírem um raro exemplo de prosa ática na literatura portuguesa e procurarem demonstrar que, sendo a linguagem um facto musical, as mais conseguidas obras literárias são composições musicais.

Os Degraus do Parnaso são o corolário de uma reflexão amadurecida ao longo do tempo sobre a relação entre a literatura e a música, a que o autor foi dando forma de diversas maneiras: em 1963, num comentário à tradução que Maria Amélia Neto preparou de The Four Quartets, de T. S. Eliot, escreve que se Dionísio de Halicarnasso tem razão ao afirmar que há um intervalo de quinta entre uma vogal longa e uma vogal breve, então a língua falada pelos Gregos teria carácter musical; nos anos 70 do século passado, as suas experiências de leitura radiofónica devem ser vistas de acordo com a posição de Alban Berg segundo a qual entre a fala e o canto não há nenhuma fronteira intransponível, mas um continuum feito de vários graus 1; em 1984, Lourenço desenvolveu algumas ideias sobre esta relação geral nas aulas que deu na Universidade de Innsbruck, poucos anos antes de escrever os textos d’ Os Degraus do Parnaso 2.

Estes 25 ensaios foram publicados originalmente em 1989, numa coluna do jornal O Independente, tendo sido coligidos num livro que ganhou o prémio D. Dinis, atribuído pela Fundação Casa de Mateus. Em 1990, se bem que de modo menos sistemático, M. S. Lourenço continuou a escrever peças de prosa breve que saíram noutro jornal, Público, e na revista Colóquio-Letras, tendo sido integradas numa revisão do livro (publicada em 2002 com a indicação edição integral). Ambas as versões vieram a fazer parte da edição coligida da obra literária de M. S. Lourenço, publicada em 2009, no ano em que morreu. Alguns destes textos circularam em tradução: uma versão inglesa de quatro ensaios, sob o título Before the Barbarians, foi incluída no volume A Revisionary History of Portuguese Literature, vindo a lume em 1996; outro texto foi traduzido para alemão por Erwin Koller, publicado em 2001 num número da revista austríaca Literatur und Kritik. No final da década de 90, embora tenha chegado a ser programada uma tradução inglesa integral a publicar pela Stanford University Press e apesar de algum trabalho preliminar realizado por Leland Robert Guyer, o projecto não passou de uma fase incipiente.


1. Até agora foram recuperadas duas gravações de leituras realizadas por M. S. Lourenço: uma é a de Tabacaria, de Álvaro de Campos; a outra diz respeito a textos de vários autores (além de Campos, Allen Ginsberg, André Breton e Rimbaud). As traduções destes textos são devidas a Pedro Tamen (Breton), José Palla e Carmo (Ginsberg) e Mário Cesariny (Rimbaud). As leituras remontam a 1975 (Tabacaria) ou em geral a meados da década de 70, resultando da colaboração de Lourenço com o programa radiofónico Em Órbita.

2. No semestre de verão de 1984 M. S. Lourenço deu aulas na Universidade de Innsbruck, tendo assegurado as disciplinas Die Entwicklung der portugiesischen Lyrik im 20. Jahrhundert, Eça de Queiroz e Kritischer Humanismus in der 2. portugiesischen Republik. Algum do trabalho que desenvolveu com os estudantes relaciona-se de perto com matéria abordada n’ Os Degraus do Parnaso (por exemplo, documentos 291 e seguintes do espólio E62, Biblioteca Nacional de Portugal).