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Entrevista_de_BS

Jovens adultos descendentes de imigrantes africanos em (dis)posições de destaque: um estudo sobre percursos de mobilidade ascendente entre as minorias

SubtítuloEntrevista com BS
Data2017
Sexofeminino
Idade: 34
Nível de formação: Licenciatura
Ocupação: professora
Percurso de mobilidade ascendente: percurso de Sustentação Comunitária
Copyright© Este trabalho pertence ao ISCTE-IUL e ao Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Pode ser usado livremente para investigação, ensino ou uso pessoal somente com autorização da autora ou de algum responsável das respectivas instituições e mediante a referência a esta declaração de disponibilidade no texto.
EntrevistadorLeonor Tavares

Quero que me digas a tua idade, profissão, escolaridade, se tens nacionalidade portuguesa ou não? E que faças o mesmo para os teus pais e os teus irmãos?

Tenho 35 anos 35 não, 34 porque vou fazer 35 agora e por isso estou a pensar nos 35. Tenho 34 anos, tenho uma licenciatura no 1.º ciclo do ensino básico, uma pós-graduação em ensino especial. No moinho sou agente de educação familiar. Sou professora das AECS para formar leitores.

Residência?

Eu vivo na tapada das mercês.

És casada?

Solteira, não tenho filhos, pelo menos por enquanto.

Tens irmãos?

Tenho três irmãs.

Idades?

39, 38 e 30 anos.

E o que fazem?

Uma é professora de português e história. Uma é auxiliar de educação e a outra trabalha no Ikea. Não sei o que ela faz no Ikea, mas trabalha no Ikea.

E os teus pais?

Idade a minha mãe tem 61 61 não, 63 e o meu pai tem 64. A minha mãe era empregada de limpeza e o meu pai era serralheiro e depois foi para a construção civil.

E nacionalidade?

Nacionalidade portuguesa, temos todos nacionalidade portuguesa.

E origem?

Caboverdiana.

Tiveram algum problema para adquirir nacionalidade?

Nós não tivemos porque eu nasci em 80 e na altura quando eu nasci eles tinham a nacionalidade portuguesa.

Como é que foi o teu percurso escolar? Tiveste alguma reprovação?

Eu face ao meu percurso escolar chumbei uma vez no 6.º ano e depois até à licenciatura abri os olhos e avancei sempre. Mas foi mais pela brincadeira.

E com quantas disciplinas é que chumbaste?

Olha, eu na altura no ano que eu chumbei não foi mesmo por eu andava na casa pia e então tínhamos um grupinho de colegas e tal. Nós íamos para a escola, mas não íamos para as aulas. Era rebelde e nesses anos resolvi brincar e então na casa pia contava também bastante as faltas e não chumbei tanto por notas, mas também por não ir às aulas. Estive quase um período que faltava bastante e era quase sempre às mesmas disciplinas. Se calhar por não gostar, não sei ou pela brincadeira. E foi por .

E agora onde fizeste a primária? A preparatória?

A primária fiz dois anos na primeiro e segundo ano na buraca, na escola primária da buraca. No terceiro ano abriu uma escola dentro do bairro da cova da moura e eu fiz o terceiro e o quarto ano no bairro da cova da moura e do quinto até ao decimo segundo foi na casa pia.

E a faculdade foste para aonde?

A faculdade fiz na ESE Almeida Garret, Escola Superior de Educação Almeida Garret.

E quais eram as tuas disciplinas favoritas?

Eu do quinto do sexto ao decimo segundo fiz um curso técnico profissional, optei pela via profissional. Fiz o curso de administração e comercio e técnico de contabilidade. Mas eu desde pequenina sempre quis ser professora. Brincava aos professores e tal. Então foi a profissão de criança. Eu gostava bastante da profissão então segui. Sempre quis ser professora e quando fui para a faculdade troquei da área de contabilidade e fui para a área de educação.

E quais as disciplinas que tinhas mais dificuldade?

A nível de decimo segundo eu nunca fui muito virada para as línguas então as disciplinas que eu tinha as notas mais baixas dentro da positiva ara inglês, matemática nem por isso, mas tudo o que fosse relacionado com línguas, tinha de pensar duas vezes antes ir para esse curso. No curso de professora, não tinha línguas, não tinha inglês. Tinha português e não era assim tao…era fácil e a disciplina no curso que eu tive mais dificuldade foi em história. Historia…no curso de licenciatura. Foi a única reprovação que eu tive, mas depois ainda consegui fazer a cadeira sem ter de fazer mais um ano de curso. Fui a exame e consegui. De resto não tive assim muitas dificuldades. Historia de Portugal foi assim aquela que me deu assim mais trabalho, mas pronto.

E hábitos de estudo?

Hábitos de estudo. Até ao decimo segundo era de véspera, não estudava muito, ia estudando. Ia estudando sempre que tínhamos testes. Não era assim muito estudiosa, nunca fui muito estudiosa risos mas sempre me consegui safar. Na universidade é que tinha, tive mais trabalho, tinha que preparar os trabalhos, as frequências, sim. Tive mesmo que…estudar. Mas nunca tive assim aqueles hábitos de estudar, vários dias a estudar para uma disciplina. Não. Até ao decimo segundo sempre de véspera, ia fazendo os trabalhos, também não precisava assim de estudar tanto, porque eu estava num curso profissional e nós tínhamos as aulas teóricas e as aulas práticas, então para mim as aulas práticas compensavam as aulas teóricas, por isso também não tive assim muita necessidade de estudar. Mas sempre nos testes, um ou dois dias antes dos testes aplicava-me a noite inteira a estudar.

Sentiste assim muita diferença do ensino secundário até ao superior?

Diferença em que sentido.

De ambiente, de adaptação?

Sim, porque eu na casa pia estudei do quinto ao decimo segundo ano, tive sempre aquele grupinho de amigos e funcionava saímos da escola e íamos para casa e passávamos bastante tempo na escola. Então era como se fosse a família dos amigos, não é na universidade e completamente diferente. Muitos colegas meus eram casados, tinham famílias e tinham responsabilidades. e o ambiente era mesmo escola. Cada um tinha o seu objetivo que era a licenciatura, acabar o curso.

E tiveste algum apoio escolar? em alguma fase tiveste algum apoio?

Não, não. Por acaso tinha as minhas irmãs se tivesse alguma dificuldade, as minhas irmãs mais velhas é que me apoiavam a mim e à Cátia, as duas mais velhas é que nos apoiavam nas dificuldades que nós tínhamos.

E a nível económico? Bolsa…

Tive bolsa nos três últimos anos do curso.

De licenciatura então?

Sim.

Era bolsa da escola ou era particular?

Era bolsa acho que do ministério da educação, do ensino superior. Não era da escola…era do ministério, as bolsas que estão disponíveis, não me recordo, mas não era da escola.

Suponho que tenhas sido tu a concorrer… Como soubeste que havia essa possibilidade?

Bom…alguém deve-me ter dito até porque eu e a minha irmã estudávamos na mesma escola, mas ela nunca pediu bolsa. Eu no primeiro ano tive uma bolsa os valores não eram muito altos, mas dava para pagar parte do curso porque eu estava numa privada, nessa altura trabalhava no Moinho, tinha umas horinhas e as horinhas do moinho não davam para pagar a licenciatura. A minha mãe com muito esforço pagou-me o primeiro ano, foi o ano que eu não sabia que podia pedir uma bolsa e os outros o curso foi sempre pago através das bolsas. Fui pedindo. Suportavam parte da mensalidade.

E incentivos? Quem é que te deu incentivos a estudar ou sempre foi uma coisa que aches que tinhas de fazer?

A minha mãe por acaso incentivou-nos bastante, mesmo com as dificuldades dela. Os meus pais não recebiam tao bem e sempre fizeram um esforço para estudarmos, para dar-nos aquilo que nós necessitávamos. E a nível de escola ela sempre nos apoiou no sentido em que vocês tem de estudar, têm de ter melhores habilitações que eu. A única que não estudou foi a Fatinha, a mais velha porque ela começou a trabalhar e ela fez o curso de cabeleireiro e começou a trabalhar desde essa altura. Se calhar perdeu o interesse pela escola porque recebia um ordenado não sei. Eu, a Tânia e a Cátia temos todas uma licenciatura. E sempre fomos incentivados mais pela minha mãe que estava sempre a puxar, estuda e estuda, para um dia mais tarde não terem de trabalhar nos jardins…ela incentivou-nos bastante. Dinheiro nunca foi um problema. Mesmo que não tivéssemos bolsa, de certeza que ela tentava pagar o curso.

E a transição da escola para o trabalho com que idade é que foi feita e como?

É assim eu trabalhava no moinho da juventude. Comecei num grupo de jovens…iniciei no moinho com 17 anos, não era bem um trabalho, mas era um género de uma bolsa, um incentivo para aquilo que nós fazíamos também na altura eu estava na Casa Pia, estava no decimo segundo e também ia optar pela área social, a trabalhar com crianças e jovens. Também foi mais um incentivo para fazer o curso de professora. Sempre quis ser professora, quando comecei no moinho se calhar é mesmo isto que eu quero, lidar com crianças.

E se não fosses professora o que achas que serias?

Se calhar se não fosse professora seria o curso técnico de ia para a área de contabilidade. Não tem muito a haver, mas pronto. Porque era a área onde eu estava. Do sétimo tirei administração e comercio, do sétimo ao nono. E do decimo ao decimo segundo curso novel dois e do decimo ao decimo segundo tirei o curso de técnico de contabilidade. Se calhar se não fosse para professora ia para contabilidade.

E tiveste algum período em que estiveste desempregada?

Não. Eu comecei no moinho em 1997. De 1997 a 2002 trabalhei como responsável pelo grupo de jovens. De 2002 a 2003 de 2001 a 2002 comecei a trabalhar a tempo inteiro, continuei com o grupo de jovens, como monitora de jovens e fui trabalhar para um projeto da segurança social que era e de 2002 a 2008 um projeto que havia da segurança social que era mães de bairro. O que é que nós fazíamos? Nós dávamos a educação parental aos encarregados de educação que tivessem crianças dos 3 aos 5 anos. O que é que é educação parental? Nós apoiávamos nas dificuldades que tivessem ao nível de documentação imagina se tivessem uma dificuldade em relação a algum documento da segurança social ou a deslocar-se à segurança social e explicar aquilo que eles queriam da segurança social, do centro de saúde todas as dificuldades que tivessem a nível dos serviços que pudessem precisar. O que nós fazíamos, utilizávamos as crianças com as brincadeiras e chegávamos aos pais. O nosso objetivo era chegar a família. Então levávamos jogos, em todas as sessões começávamos com brincadeiras com jogos, as sessões tinham sempre de ser acompanhadas pelo responsável, o responsável deveriam ser sempre os encarregados de educação ou um adulto, mas como nem sempre era possível tínhamos irmãos a assistir. Mesmo através desses irmãos o nosso objetivo era chegar à família, ao responsável. E porquê? Porque nós sentíamos que naquela altura no bairro as crianças estavam muito tempo sozinhas e sentiam o apoio precisavam de uma base familiar. Então nós utilizávamos os miúdos para trabalhar com a família, todas as necessidades que elas tivessem. E continuei com o grupo de jovens. Fazia o trabalho de acompanhamento familiar normalmente à tarde, das 2h eu estudava de manha, entrava no moinho por volta das 3 ou 4h, depois depende do horário da escola e das 7h as 8h30m e das 7h as 8h30m trabalhava com os jovens do quinto ao sétimo ano. E o meu dia todo preenchido. Mal tinha tempo para estudar. Na altura que eu não saia era que podia ter o estatuto de trabalhador estudante, muito sinceramente não sabia e então nunca fiz o pedido de estatuto e que nos dias de hoje digo se soubesse poderia ter dava bastante pelo menos nos trabalhos, no estudo para as frequências, porque eu não tinha tempo. Entrava normalmente às 8h na escola, saia da escola ia a correr para o moinho, depois saia do moinho ia para casa e no dia a seguir tinha de ir para as aulas. A minha licenciatura fiz com grande esforço. Porquê? Porque eu sentia que tinha de ter dinheiro. A minha mãe ajudava-me, tinha a bolsa que me suportava o curso todo, mas depois também tinha as outras despesas. E então mas consegui fazer a licenciatura debaixo de esforço. Mas consegui acabar.

E porque é que te deu vontade de continuar depois da licenciatura?

Terminei em 2003 a licenciatura e desde essa de 2003 fiz o curso, mas como eu estava a trabalhar no Moinho eu sentia-me bem com o que fazia. Tirei o curso porque sempre foi um curso que eu sempre quis tirar, mas como estava inserida no mercado de trabalho acabei por não concorrer também em 2003…2002 2003, no ano letivo 2002/2003 e eu comecei a concorrer no ano de 2005/2006 ou 2006/2007. Passados uns quatro anos nunca concorri e se calhar fui perdendo algumas hipóteses que neste momento está difícil para os professores. E entretanto quando comecei a ver as dificuldades agora mais recente fiquei…fiz três anos na escola, ali na Buraca como sempre a trabalhar no Moinho, tentava sempre chegar nos horários para chegar a tempo e conciliar todos. Concorri num ano, fiz uma substituição de sete meses na Cova da Moura na escola da Buraca. No ano a seguir também consegui ficar na escola fiz três anos, mas sempre assim, não num período de tempo inteiro, o horário completo, do inicio ao final do ano, mas fui fazendo substituições, de sete, oito meses e consegui três anos seguidos. E no ultimo ano não consegui mais não consegui colocação, porque começaram essas dificuldades todas ao nível dos professores e consegui fazer mestrado no ensino especial. Mas…ah…fiz o primeiro ano, fiquei com a pós-graduação, foi em 2012…fiquei com a pós-graduação, não conclui e também não vou concluir porque nos dias de hoje professora para quê aqui nesta terra não me vejo como professora. Cada vez temos mais obstáculos, são vários professores para poucos lugares e, entretanto, desisti do mestrado, fui para Cabo-Verde, pedi um ano de licença do Moinho, foi em setembro outubro de 2013, pedi uma licença, era para ir para Inglaterra não sei fazer o quêrisos foi mesmo, pensei... este ano vou descansar durante um ano vou ver o que é que eu posso fazer noutro sitio, ensinar outras pessoas, novas experiências de trabalho e vamos ver o que é que o que é que isto , pode ser que eu mude de profissão, pode ser que eu saia de Portugal. Foi mesmo…não sei o que me passou pela cabeça tinha tudo pronto para ir para Inglaterra, um dia antes de ir para Inglaterra telefonam-me de Cabo Verde a dizer olha temos aqui uma vaga num colégio que vai abrir na praia e tal, precisamos de uma professora. Isto não me está a acontecer eu nunca tinha pensado ir para Cabo Verde, num dia antes eu nunca tinha pensado ir para Cabo Verde. Olha nem sei quando me disseram aquilo onde é que eu estava com a cabeça porque naquele momento eu disse logo que sim. tinha as minhas malas preparadas, porque eu viajava no dia a seguir para Inglaterra, tinha bilhete, tinha tudo, nem sei como é que eu disse eu não sou desta de desconhecido. fui algumas vezes para Cabo Verde, mas de férias nunca para para passar um ano, mais que um mês. E fui arrumei as minhas malas, mudei tudo o que eu tinha na mala e fui para Cabo Verde passado dois dias. Tive a trabalhar num colégio n um colégio na praia como professora de 1.º ciclo, foi uma experiência completamente diferente. Entretanto em Cabo Verde o que me animou mais para ir foi…porque eu pensei que o colégio era…não era um colégio privado, era uma escola algo do ministério da educação e depois quando cheguei é que eu soube que era um colégio Português, particular e tal, e tal. Completamente diferente daquilo que eu estava à espera, porque eu queria trabalhar como aqui em Portugal, mas mesmo no…numa escola primária, mas que conhecesse os problemas do país e que tentasse ajudar de alguma forma. Foi completamente diferente, fui para uma escola, em que os miúdos praticamente não têm problemas, necessidades daquilo que eu gosto de apoiar. Estive esse ano todo. Fiz um voluntariado numa escola primária onde consegui perceber as dificuldades algumas dificuldades de Cabo Verde, num bairro não sei se é problemático, mas com muitas dificuldades a nível social. Não fiquei em Cabo Verde, terminei esse ano e voltei para Portugal, primeiro porque eu pedi uma licença sem vencimento e ou regressava ou tinha…perdia o meu lugar aqui no Moinho. Em Cabo Verde se calhar, se eu ficasse, tinha a certeza que tinha ido trabalhar para uma escola primária porque eu pedi a nacionalidade, para poder concorrer, mas vim de férias e não voltei. Não sei o que é que se passou…fiquei. Acabei por não voltar para Cabo Verde. E aqui esto, voltei para o Moinho, para o mesmo trabalho que fazia. Para o ATL, para as atividades de tempos livres e ainda estou.

Explica-me um bocadinho como é que é esse trabalho no Moinho e como é que é o sistema?

O que é que eu faço agora, não é?

Sim…

No Moinho, trabalho no centro de atividades de tempos livres, no ATL. No nosso ATL nós temos é um CATL, mas temos vários como é que eu te explico. É uma estrutura, mas dentro do CATL nós temos vários pequenos CATLS. Temos um CATL até ao 1.º ciclo, funciona como

O que é um CATL?

É um centro de atividade de tempos livresrisos centro de atividade de tempos livres. Temos o do 1.º ciclo, do 1.º ao 4.º ano em que eles fazem atividades escolares, não é, e outras atividades, tem futebol, tem atletismo, basquete e judo. Estas atividades extracurriculares na área do desporto e depois também podem fazer atividades de de expressão plástica, temos dança também. São as atividades que temos dentro do CATL. Funciona das 15h30 vamos busca-los à escola às 15h15m até às 21h. Ficam sempre das 20h às 21h quem janta. Nós também fornecemos jantar. O CATL abre às 7h30m, das 7h30m às 9h, depois das 15h30m às vamos buscá-los à escola às 15h15m por isso não temos crianças antes das 15h15m, das 15h30m até às 21h. Temos o CATL do desporto são estas atividades todas, e os nossos miúdos do CATL 1.º ciclo também podem usufruir das atividades das atividades todas do desporto. Temos o CATL 25 que é onde eu estou que é o CATL jovem de adolescentes dos 12 anos até aos 18. Fazem exatamente a mesma coisa, mas como são mais crescidos não têm algumas atividades que os mais pequeninos têm. Nós por dia da semana temos uma atividade diferente temos o dia da informática, temos o dia dos debates e das reflexões de grupo, temos o dia do filme, vemos o filme à escolha deles e depois fazemos uma reflexão sobre o filme que estamos a ver. Temos o dia da informática, temos o dia livre e no período de férias letivas temos atividades diversas em que o nosso objetivo é leva-los para fora do bairro. Eles passam muito tempo dentro do bairro então nas férias optamos por ficar a maior parte do tempo fora. E são mais ou menos esses CATS que nós temos. Depois temos outras atividades. Temos o estúdio de música, temos o escolhas, temos atividades do escolhas. Temos jiu-jitsu é uma atividade lúdica que pertence ao desporto. E temos diversas atividades.

Em termos da hierarquia como é que funciona da organização da instituição?

Nós temos uma direção, em cada valência temos um coordenador, as valências são o jardim de infância, os CTLS, aquele que eu também te disse das mães de bairro que eu também fiz parte e funciona em cada coordenação tem o técnico académico e o técnico da experiência. O técnico da experiência é uma pessoa que vivenciou ou conhece viveu numa situação de pobreza, de exclusão social, então os dois completam-se. O técnico académico aprendeu e o da exclusão social vivenciou alguma situação de pobreza e apoia nesse sentido. Ele sentiu na pele e o outro estudou, sabe solucionar. Então trabalham os dois em conjunto. É assim que funciona a coordenação ali, das respostas sociais do Moinho.

E o Moinho tem financiamento exterior ou é Estado?

Ao nível do jardim de infância tem do ministério e da segurança social, os CATL também têm da segurança social. Depois depende de valência para valência. Temos muitos projetos, vivemos de projetos, o desporto tem alguns projetos do instituto português do desporto e da juventude e vamos tentando os projetos para podermos dar continuidade ao trabalho. É mais ou menos isso.

Nos próximos 10 anos vês-te a continuar a fazer esse trabalho?

Ah eu concorri…inscrevi-me noutro mestrado para ver se acabo, não sei se acabo, mas pronto pelo menos inscrevi-me, nos próximos dois anos em educação social e intervenção comunitária. Porquê a intervenção comunitária? Porque na área social, não estou a fazer o trabalho de professora, apesar de o fazer duas horas por dia, faço todos os dias nas AEC na escola da Cova da Moura, mas se calhar é outra área que quem sabe daqui a 10 anos eu possa optar, ou menos que isso, daqui a 4 anos eu possa optar pela área social.

Ainda em relação ao trabalho, pelo que eu percebi não chegaste a trabalhar numa outra área?

Sim, na área da educação.

Como é que vês o ambiente tanto no Moinho como… em Cabo Verde é uma coisa completamente diferente, mas como é que vês o ambiente de trabalho no Moinho?

Em relação a Cabo Verde?

O ambiente de trabalho no Moinho e depois o ambiente de trabalho em Cabo Verde? Como são muito diferentes acho que é difícil comparar, mas se quiseres tentar…

Eu em Cabo Verde estive a trabalhar num colégio português e os colegas eram todos portugueses. Tive nove meses e fazia o meu trabalho de sala e não criei uma relação com os colegas de trabalho. Porque o que eu sento é que cada um trabalhava para si, trabalhava para a sua sala, trabalhava para os seus miúdos. E não criei relação, mas tive muito pouco tempo. Tive 9 meses. Primeiro período, segundo período e terceiro. Nas interrupções vim sempre para Portugal. Então foi mesmo trabalhar com a minha turma, com os meus alunos, o que eu mais gostei foi de ter feito o trabalho naquela escola, onde estava a fazer voluntariado, porque eu sentia as necessidades que os miúdos tinham, do adulto, de uma pessoa que era para os apoiar. No colégio particular era para estudar, não tinham necessidades nenhumas. As aulas em si e as atividades que tinham não criei assim um relacionamento no colégio. Os outros sim, eles sentiam a minha falta. Nos dias que eu não ia, nos dias que eu não podia tinha de telefonar e eles estavam à minha espera. Senti uma grande diferença. No Moinho eu estou desde 2007, estou bastante tempo e a relação é diferente. Para porque nasci e cresci no bairro, nasci e cresci e acaba por ser as necessidades que os miúdos sentem hoje acabam por ser as que eu senti no passado. Se calhar de outra forma eu sempre tive a minha mãe e o meu pai muito presentes e neste momento vejo que alguns pais vão deixando andar, os miúdos estão entregues a eles próprios muitas vezes. Por isso muitas vezes vejo as necessidades que eles têm do…do relacionamento que eu tenho com eles. Neste momento eu estou num grupo diferente, porque eu sempre estive no CATL 1.º ciclo e desde que voltei de Cabo Verde estou no CATL jovem e eles estão com aquela necessidade de afirmação. não respeitam tanto como respeitavam quando estavam no 1.º ciclo. A única diferença é que este grupo que eu tenho agora os apanhei na primária. Se não foi na escola foi no Moinho. Então os conheço, me consigo relacionar de outra forma com eles. Conheço os encarregados de educação, sempre tivemos alguma dificuldade eu não me importo de fazer o trabalho de bater perna e ir à casa dos miúdos. Passa-se alguma coisa no CATL ou na escola porque nós também temos uma relação com a escola, com mais facilidades os professores ou diretores de turma chegam a mim do que a alguns encarregados de educação. Porque? Porque temos um bom relacionamento com a escola. A primeira escola onde eu estava primária funciona em conjunto com pertence ao agrupamento de escolas da Damaia e a mediadora que está era mediadora da Cova da Moura. Então sempre que têm alguma dificuldade entram em contacto comigo la se consegues ajudar aqui neste problema falar com o encarregado de educação. sentimos mais úteis, porque todos queremos solucionar um problema de uma criança, um problema ou não. Muitas vezes podemos não conseguir. trabalhas com prazer, queres ajudar aquela criança e sentes de alguma forma que estás a conseguir porque trabalhas em conjunto com a escola e com os pais, muitas vezes não é não querer é não ter tempo, eles trabalham de manhã à noite e não acompanham o desenvolvimento desses jovens e muitas vezes pedem-me ajuda da forma que tu consegues, tenta falar e tal. Eles sentem necessidade de... em Cabo Verde no colégio onde eu estava os pais não têm necessidade de colégios, os meninos iam pagar um curso não pagavam a escola, pagavam o colégio e sentiam essa necessidade. Pagavam a escola.

E no meio disto tudo sobra tempo para hobbies?

ao fim de semana risos ao fim de semana e mesmo assim agora temos os miúdos do judo têm apresentações e têm campeonatos ao sábado e temos que os acompanhar e vamos tentando... nos trabalhamos de segunda a sexta e quando campeonatos alguém tem que os levar se não eles não vão. Os nossos pais não os levam. Às vezes vamos aos sábados, mas se não poder ir também não é por que sempre um colega que também pode os acompanhar. O fim de semana é o tempo livre que eu tenho.

E o que fazes nos tempos livres?

Olha eu nunca fico em casa…eu saio sempre de casa todos os dias, que mais não seja para andar risos, normalmente estou com as minhas irmãs aos fins de semana. Saímos…tudo que houver para fazer, fazemos ao sábado. Domingo normalmente é o dia que eu vou à minha mãe, apesar de eu estar durante a semana, a minha mãe mora ali na Buraca. Trabalho no Moinho estou de segunda a sexta para o trabalho. E normalmente o domingo é dia de ir à mãe, onde estão todos, os netos, os filhos, estão todos em casa no domingo.

Hobbies de leitura?

li mais, agora não leio muito. Antes lia bastante, mas a minha leitura que eu faço é leitura de comboio. Por acaso dois meses que eu não leio.

E o que é que costumavas ler?

Eu normalmente não compro livros, aproveito os livros da minha irmã. risos O que ela eu leio. Eu faço a leitura das Mercês até à Damaia, ida e volta. O engraçado é que a atividade que eu dou na escola é a atividade formar leitores, é o plano nacional de leitura. Não sei se ouvistes falar no plano nacional de leitura, nos dois primeiros anos era o plano nacional de leitura agora é formar leitores. E eu acho que comecei a ler mais a partir dessa altura, porque eu dizia mais aos miúdos, vamos ver quem é que consegue ler mais. Eu levava os maus livros e emprestava-lhes sempre um livro. Muitas vezes eu aldrabava claro, para eles poderem ler. Acho que foi a partir dessa altura que eu comecei a ler mais. Porque eu lia muito pouco, mas lia. Demorava mais tempo a ler um livro do que demoro agora. E agora opto por ler no comboio que pelo menos consigo ler. Eu hoje de manha estou em casa não leio. Depois à tarde eu entro à 1h e saio às 8h, então não para ler. Então o tempo que eu tenho para ler é no comboio.

É o que eu gostava de fazer e não consigo, ler.

Então.

No comboio.

Eu por acaso consigo ler muito bem no comboio. São 20 minutos, perfeitamente para ler, pelo menos para mim . Depois chego ao trabalho não tenho tempo, depois chego a casa é mesmo para descansar. Quando chego a casa é descansar mesmo sentada no sofá, ver televisão e ir dormir.

E viagens, quais são os países que já visitaste e importância?

Os países que eu visitei…aqui na europa... os países que eu visitei, Holanda, França, Espanha porquê? Eu saio sempre, eu por ano tenho de sair pelo menos umas três vezes de Portugal. E viajo mais porquê? Porque eu opto por viajar mais para sítios onde eu tenho conhecidos. Tenho conhecidos logo não tenho de pagar estadia, por isso que eu são mais do que uma vez. Holanda porque tenho familiares, Espanha, França, Escócia, Inglaterra são os sítios onde eu vou muitas vezes. A única viagem que eu não senti mesmo como viagem e porquê? Porque não estou em casa de familiares é diferente, não pagas estadia, mas também acaba por ser uma viagem de turismo, não é a única viagem que eu fiz que me senti como uma turista foi uma viagem que eu fiz para a Tunísia com os colegas, foi uma viagem diferente, porque não fui para casa de familiares, não visitei ninguém, foi uma viagem mesmo para conhecer, descansar e fazer aquilo que me apetecia mesmo. E vou para casa de familiares porquê? Porque assim com os familiares não me preciso de preocupar com a estadia, assim preocupo-me com o bilhete, com alguma alimentação, não é muitas vezes também na casa dos meus tios eles também não querem contribuo com a comida e assim posso viajar uma vez por ano.

E África?

Cabo Verde e a Tunísia e mais nada.

E o que é que achaste em relação a Cabo Verde? Em termos da ideia que tinhas?

Silêncio

Já foste mais que uma vez?

tinha ido quatro vezes antes de ir trabalhar, sendo que uma das vezes fui para um intercambio. Nós no Moinho também fazíamos vários intercâmbios, agora neste momento não intercâmbios. Uma das idas a Cabo Verde foi o intercambio as outras viagens foi de família, ir visitar familiares conhecer a ilha visitar familiares e conhecer as ilhas, não é e desta vez foi diferente porque fui trabalhar e estive na praia. E das outras vezes tinha ido para São Vicente. Foi mais complicado para mim desta vez, primeiro porque estive sozinha porque na praia eu não tenho familiares, os familiares estão todos em Santo Antão, mas 3 meses passam de pressa.

E em termos de identidade…

Problemas de identidade risos

A cultura caboverdiana na origem, achas que existem muitos aspetos diferentes da cultura caboverdiana em Portugal?

Espera que eu te digo, tenho de pensar…está muito difícil eu identifico-me bastante com a cultura caboverdiana, porquê? Primeiro pelo sitio onde cresci, na Buraca, a maioria da população é caboverdiana. Depois falo crioulo de São Vicente, como falo crioulo mais ou menos da praia. Falo os dois. Porquê? Também por crescer ali crioulo de São Vicente os meus pais falavam em casa e aprendi com a minha avó e crioulo da praia por conviver com os meus colegas ali da Cova da Moura. Identifico-me mais porquê? Porque também em casa falamos mais crioulo. A alimentação também não é muito diferente daquela que comi em Cabo Verde. A música africana, nós também aquilo que nos transmitiram em casa também foi a cultura caboverdiana. Os meus pais também vieram de cabo verde. A cultura portuguesa, aquilo que eu tenho da cultura portuguesa foi aquilo que eu fui adquirindo com as pessoas nas minhas relações, com os meus amigos, com a escola. Então tenho as duas, uma de vivencia em casa e a outra da sociabilização com as outras pessoas, com os portugueses. Por isso não tive prolemas de identidade em Cabo Verde. Até porque eu quando cheguei pedi nacionalidade caboverdiana e a gora tenho as duas. Tenho as duas nacionalidades.

E como te identificas em termos de identidade?

Como? Mais caboverdiana ou mais portuguesa?

Sim?

Achorisos mais portuguesa, porque nasci aqui, cresci aqui, sempre vivi aqui, não é então sinto-me mais portuguesa. Pedi a nacionalidade caboverdiana, primeiro porque quando eu fui em setembro…outubro, o meu objetivo era ficar em Cabo Verde. E para ficar em Cabo Verde tinha mais possibilidades se pedisse a nacionalidade caboverdiana e foi por que eu pedi a nacionalidade. Mas sinto-me mais portuguesa, não é.

Sim. E porquê que achas que os teus pais te transmitiram uma cultura tipicamente caboverdiana?

Primeiro a educação que me foi dada acho que foi a educação que os meus pais tiveram, que receberam em Cabo Verde, mas de uma maneira assim mais branda. E todos esses elementos do dia a dia a conviver com os meus pais, acho que é tudo da cultura caboverdiana. A alimentação, os pratos que muitas vezes fazem, as festas que nós costumamos ir no natal, os encontros com a família, acho que faz tudo parte da cultura caboverdiana.

E aspetos que tentas manter também?

Que eu tento, é assimrisos por enquanto vou mantendo porque ainda vivo bastante com os meus familiares, se calhar quando tiver os meus filhos também devo-lhes transmitir algumas coisas, não quer dizer que seja tudo, não é, mas se calhar aquilo que eu acho que foi importante do que me foi transmitido. Até porque nós no natal continuamos a passar sempre em família. Ocasiões importantes porque nós somos uma família muito unida. Quando digo família, os familiares de casa e os irmãos da minha mãe, os do meu pai estão em Cabo verde, temos sempre aqueles momentos, os encontros que nós fazemos, pelo menos os encontros que fazemos uma vez por ano e aquilo que nós vivemos faz parte da cultura caboverdiana.

E o que é que é para ti ser-se caboverdiana?

silencio

Como descreves o povo caboverdiano?

silencio deixa-me pensar um pouco

Ou o porque é que achas que os caboverdianos são diferentes dos portugueses?

silencio olha o que é que nós temos de diferente para acho que nós somos muito unidos, sempre que se calhar alguém sinta necessidade de alguma coisa sempre pode não ser familiar, mas tens sempre alguém que possa ajudar, um vizinho, um familiar. Nós quando eramos pequeninas as relações que nós temos de vizinhança quando eramos pequeninas tínhamos sempre alguém a olhar por nós enquanto os nossos pais iam trabalhar. Tínhamos sempre um vizinho independentemente de ser familiar ou não, apoiavam. Acho que os caboverdianos têm sempre esse espirito de ajuda, entre eles. Ajudam bastante. São muito humildes, pelo menos aqueles que eu conheço e convivo. Se bem que as coisas vão mudando de tempos para tempos, mas as pessoas mais velhas no caso dos meus pais acho que mantêm mesmo são unidos, ajudam-se se tiverem possibilidades, mesmo se tiverem de pedir ajuda a outra pessoa para apoiar e acho que isso é muito importante e que nos foi transmitido também. que muitas vezes nós jovens acabamos por não fazer aquilo que nos ensinam. Cada um segue o seu caminho, segue os seus objetivos e cada um esquece um bocado aquilo que nos foi transmitido. Mas para os mais velhos acho que é isso. Muito humildes, humildade, união, ajuda, simpatia se calhar aquilo que a minha mãe me ensinou eu posso ser muito diferente. Mas ela tem aqueles valores, aqueles valores que lhe foram transmitidos, que por mais idade que eles vão tendo os valores mantêm-se. Muitas vezes os valores podem-se mudar, vão-se mudando com o tempo.

E como é que foi crescer na Cova da Moura?

Como é que foi crescer na Cova da Moura! Como é que foi crescer ali no bairro

Agora chegou a parte das perguntas difíceis…

No meu tempo foi mais fácil crescer no bairro, porquê? Porque a Cova da Moura sempre teve os problemas que toda a gente sabe, de trafico de droga o grande prolema da Cova da Moura é o problema de trafico de droga, mas no tempo em que nós estávamos a crescer eu tenho 35 anos se calhar no tempo do meu crescimento o tráfico era mais escondido, não tinha tanto. Se calhar até aos meus 12, 13, 14, 15 anos não tinha tanto. Conseguia não havia muita criminalidade no bairro. Se calhar foi mais fácil crescer no meu tempo do que os miúdos de agora. Os miúdos de agora vivem sempre muitas coisas na rua. Têm o tráfico de drogas que é muita coisa à descarada, têm que…se calhar quando eu tinha os meus 20, 25 anos se o meu vizinho vendesse droga ele fazia com que as pessoas não se apercebessem, se calhar ia vender fora do bairro, ou vendia noutra zona. Na porta de trás ele não vendia de certeza. Se tivesse a fazer algo assim mais…que ele não queria que os vizinhos se apercebessem ele não fazia. Agora não, agora é tudo à descarada. Daí a grande diferença do meu crescimento, no tempo que eu fui crescendo e dos miúdos de agora. Os miúdos de agora, passas na rua, se for preciso as pessoas não escondem. Estão a vender, não querem saber, vendem na mesma. os miúdos estão a vivenciar essas coisas. Mesmo a falta de respeito entre vizinhos a grande diferença. No meu tempo de crescimento era fácil, os meus pais tinham apoio para ir trabalhar, podiam chegar tarde, mas tinham sempre um vizinho a que nós obedecíamos. um olhinho nos nossos filhos que eu chego a X horas. Nós obedecíamos à pessoa. Não eram os meus pais, podiam não ser familiares, mas aquilo que o vizinho dizia nós tínhamos que obedecer. Agora não. Se calhar não foi tao difícil se calhar se o meu crescimento fosse hoje, era diferente. Até porque os nossos pais iam trabalhar, tínhamos a escola uma escola dentro do bairro, que naquele tempo fazia sentido termos uma escola dentro do bairro. Porquê? Porque se calhar nestes momentos temos três…dois temos o Moinho, um ATL e temos o Club. No meu tempo tínhamos o sangerat penso eu. Se calhar nem todos os pais tinham condições para pagar um ATL e com uma escola dentro do bairro seria mais fácil, não tínhamos que andar bastante. Nos dias de hoje a escola não faz sentido. A escola não faz sentido, porquê? Porque os miúdos estão fechados dentro do bairro, não saem do bairro, uma escola dentro do bairro, os alunos da escola são praticamente todos caboverdianos. Quando digo caboverdianos digo descendentes de caboverdianos, deve ter alguns guineenses também, depois a maioria dos alunos são descendentes de caboverdianos, temos dois portugueses e eles convivem entre eles não convivem com mais ninguém. E estão fechados, não saem do bairro, convivem entre eles e será que é bom? Temos três escolas no agrupamento, sendo que uma das escolas é dentro da Cova da Moura para os meninos da Cova da Moura. Temos duas escolas na Damaia. Os meninos da Cova da Moura não vão para as escolas da Damaia e os meninos da Damaia não vêm para a escola da Cova da Moura. Por isso é que eu digo que se calhar no meu tempo fazia sentido a escola dentro do bairro, mas neste momento não. Fazia sentido porque os nossos pais tinham que sair cedo, nós ficávamos praticamente sozinhos. Se calhar com mais facilidade levanto-me e vou para a escola no final da minha rua e saiu da escola e vou para casa. Depois tenho a vizinha que um olhinho por mim, do que neste momento os miúdos estão ali fechados, saem para ir a um pingo doce e estão ali fechados, não vão a lado nenhum, não convivem com outras crianças. Convivemos nós, caboverdianos com caboverdianos. Dai os problemas que eu vejo neste momento, ali no bairro com a escola, com os nossos alunos.

Tu achas que de certa forma o bairro está um bocadinho fechado ao exterior ou não? Ou seja, no dia a dia é possível pessoas de fora irem ao bairro e conviverem ou é uma comunidade que vive muito só com os próprios habitantes?

Eu acho que o bairro não é que o bairro esteja fechado ao exterior as pessoas é que têm medo de ir ao bairro. Porquê? Com tudo o que ouvem falar, aquilo que a comunicação social diz, aquilo que as pessoas vão ouvindo. As pessoas têm de ir ao bairro, têm que entrar no bairro que é para dizerem eu tenho medo de entrar. Provavelmente se entram no bairro não veem nada de nada daquilo que normalmente ouvem na televisão. Se calhar ouve uma ou outra situação e a comunicação social passa de outra forma. Muitas vezes as coisas acontecem não digo que não aconteçam dentro do bairro, mas muitas vezes acontecem coisas nos arredores da Buraca ou na Damaia, mas dizem que foi na Coa da Moura. A Cova da Moura tem todos os problemas que todos sabem, mas nem tudo o que dizem é. O bairro está aberto quem quiser pode entrar e de certeza que não ade acontecer nada. risos não sei tu foste ao bairro, assim nos trajetos que tu fizeste viste algo acho que não acho que as pessoas é que têm receio. Normal, ouvem falar têm medo de entrar.

Achas que isso influencia em algum aspeto o percurso dos moradores do bairro? Se sentem…

Olha eu sempre deia a minha morada a minha morada sempre foi a da Cova da Moura. Estou ali na Tapada das Merces desde 2005, a minha morada sempre foi rua das hortas, tal e tal, Buraca. E acho que nunca foi nenhum impedimento para aquilo que eu faço. Nós muitas vezes temos que procurar as nossas oportunidades. Estamos sentados no bairro à espera que as coisas aconteçam, de certeza que não acontecem. Temos de procurar. Não temos de pôr na cabeça, eu sou da Cova da Moura, não vou conseguir. Até porque no bairro temos muitos jovens da minha idade e mais novos que acabam por seguir cursos superiores e neste momento trabalham fora, trabalham em empresas fora do bairro e não é porque não tem capacidades de vida na Cova da Moura que não conseguiram tirar um curso.

E em termos de racismo? Já alguma vez foste vitima de ou presenciaste?

Por acaso eu acho que não não, nunca fui vitima de racismo, graças a deus, mas ouvi muitas situações de colegas meus do bairro. Quando digo racismo são problemas que eles se vão deparando a nível profissional e muitas situações vão acontecendo no bairro. A última que aconteceu foi, não sei se posso dizer se é racismo ou não, que é o mais que foi assim próximo, foi este ano, foi uma situação que aconteceu em fevereiro com a policia e acontece varias vezes quando vão ao bairro. Os pretos isto, os pretos não sei o que, pretos para aqui, vão para a vossa terra não deviam estar. Foi a situação assim mais recente em que aconteceu no bairro não foi bem uma rusga, foi num dia normal, e aconteceu com dois colegas meus de trabalho em que foram praticamente espancados agressão verbal e física, que sofreram com os agentes da PSP. Eu não vi, mas pelo menos foi aquilo que eles contaram os nomes, que não deviam estar, vocês todos deviam morrer, pretos não sei quê mas aconteceu mesmo aconteceu em fevereiro começou com uma pelo menos o que eles disseram um jovem passou a carrinha da PSP e ele começou a rir-se e desta situação do jovem rir, sorri, não sei, a policia naquele momento começou a disparar tiros a toro e a direito e então levaram-no para a esquadra da PSP e esses dois colegas foram à esquadra ver o que se estava a passar. Quando chegaram à esquadra ficaram todos detidos, esses dois jovens do Moinho, funcionários do Moinho, mais um ou dois que iam a acompanhar e mais aqueles que estava e outras pessoas. Enquanto estavam detidos foram espancados, disseram muitas coisas a PSP disse muitas coisas que não deveria dizer. E pronto o caso está em tribunal, passou na televisão as imagens, circulou no Facebook e em todo o lado e vamos ver o que isto mas aquilo que eles descreveram foi mesmo racismo da PSP e mesmo os procedimentos para serem ouvidos em tribunal eles deram a entender é que eles queriam que eles ficassem detidos. Qual é que era o motivo? Desacatos, como é que um grupo de quatro jovens provocam desacatos em frente a uma esquadra da policia. Foi a situação assim mais recente não aconteceu comigo aconteceu com os meus colegas de trabalho, num dia normal de trabalho em que foram à esquadra saber o que se estava a passar com um jovem que trabalha connosco com um jovem que não trabalha connosco, mas é um jovem das nossas atividades. Mas eu pronto…por acaso nunca fui vitima de racismo graças a deus, que eu me tenha apercebido, no meu percurso escolar, profissional, e mesmo em contextos da cova da mora. Mas nesta situação destes meus colegas eu penso que foram eles e podia ter sido outra pessoa. Até podia ter sido eu se estivesse naquele momento, podia-os acompanhar para saber o que se estava a passar com esse jovem. E ficaram cinco dias detidos. risos ficaram cinco dias em Lisboa. E eles foram ouvidos num sábado em que fomos todos para o tribunal. Estivemos das 9h atá às 17h de sábado, sentados à porta do tribunal sem saber nada. Mas pronto. Depois aquilo que disseram foi, mesmo a policia PSP, porque tinha PSP e GNR, entraram como bandidos e saíram como heróis. Mas pronto é daquelas coisas que daquelas coisas que acontecem que nem vale a pena dizer nada. Mas graças a deus nunca fui vitima de racismo pelo menos que eu me tenha apercebido. Ainda bem.

E em termos gerais qual é a tua perceção do racismo em Portugal?

Por acaso eu não pensava muito nesse assunto, mas agora com esses acontecimentos do bairro e a partir desses acontecimentos do bairro comecei a ouvir várias histórias de jovens…porquê? Porque depois disto criamos um grupo que era para tentar perceber o que é que se estava a passar e porquê que isto aconteceu. E dentro daquele grupo o grupo começou do bairro depois espalhou-se por vários bairros aqui da Amadora e de Santa Filomena, acho que era um grupo que se conheciam todos, mas depois com o acontecimento do bairro resolveram criar um na Cova da Moura. Depois cada jovem ia contando situações cada uma pior do que a outra, mas mais relacionadas com o racismo e a PSP, a policia. Eram coisas que praticamente eram coisas que passavam-me ao lado. Passavam-me ao lado porque apesar de estar no bairro, viver e crescer na Cova da Moura, sempre fiz o meu percurso escolar e profissional sem problemas, estudei sempre fora estudei sempre fora do bairro, fora aqui da zona da Amadora e nunca tive assim problemas nenhuns. Sempre convivi os meus colegas eram brancos, não é, tinha colegas ali do bairro, mas a nível de escola praticamente eram quase todos brancos, mesmo na casa pia. Na universidade eramos duas duas descendentes de africanos, não é, e nunca tive assim problemas. Assim uma situação…situação de racismo. E agora as historias que eles vão contando fico até penso, as coisas acontecem…qual é o motivo que acontecem ali dentro do bairro eu nunca estava para virada. E…há…e agora fico cada vez mais aberta para essas situações porque eram coisas que me passavam ao lado, agora ficam mesmo nem sei como dizer, as situações que vão descrevendo ali naquele grupo, que também não faço parte porque são coisas que me ultrapassam, não sei como resolver, não tenho e quando começamos o movimento eu não tenho ideias e aquele é um grupo de ativistas, estão a lutar pelos direitos dos africanos, eu tive de sair do grupo porque não me sinto à altura. Não tenho ideias, não tenho respostas, não tenho…não consigo. Para mim o racismo é um tema bastante tem muito que se lhe diga não é e como é que nós vamos combater, porque sempre ouve e vai continuar a haver. Por mais manifestações que tu faças, por mais propaganda que se faça, vai continuar a haver racismo. Nós até fizemos duas ações, uma foi uma manifestação em frente à assembleia da republica, e aquilo que me espantou e as situações acontecem connosco connosco dos bairros, e quem é que estava? Eram mais portugueses do que nós. E como é que nós vamos combater essas coisas se as pessoas dos bairros continuam dentro do bairro, continuam a não querer sair. Têm medo do quê? Fizemos essa ação em frente à assembleia da república, fizemos uma no largo…ali ao do Mcdonalds ao do rossio, em que o tema era vidas negras importam-se. Também não foram muitos jovens que passam por essas situações. E como é que nós resolvemos? Como é que combatemos essas coisas, se nós que sentimos na pele não temos disponibilidades. Eles têm os seus motivos para não irem e não estou no grupo porque não me sinto capaz, não estou à altura destas coisas por enquanto não sei se vou estar à altura, mas pronto.

E no teu grupo de amigos ou grupos de amigos como é que é a convivência?

Eu tenho vários grupos de amigos vários não, pelo menos dois. Tenho o grupo de amigos que foram aqueles que foram formados no meu percurso ali no Moinho, desde os meus 17 ate agora. Pronto, muitos não estão, mas aqueles que estão continuamos antes saímos 1 vez por mês, mas agora cada um vamo-nos encontrando sempre. Antes fazíamos uma vez por mês, marcávamos um almoço na casa de um ou um jantar, seja o que for, agora não fazemos assim. Agora uma vez por mês sempre que uma festinha, sempre que algo que achamos que devemos ir encontramo-nos. Depois tenho o grupo da escola, quando digo da escola da casa pia, que também formamos um grupo, sempre no verão encontramo-nos. Depois tenho um pequeno grupo que vamos saindo de vez em quando ao fim-de-semana para a noite e são estes os meus grupos.

São grupos maioritariamente mistos ou…

Olha o da casa pia é misto. Ali do Moinho deve ter uns dois ou três portugueses o resto é todos caboverdianos. Os do grupo de saídas à noite são todos descendentes de caboverdianos também.

E achas que algum grupo desses tem uma maior influencia para ti no percurso que tiveste ou não?

O grupo da noite é o grupo do pessoal ali do bairro, independentemente de cada um ter as suas profissões, cada um ter as suas vidas, não digo que como é que eu te vou dizer no bairro aquilo que fazem eu não tenho nada a haver, o que importa é a amizade que nós temos. Não é porque ali no bairro tenho amigos que fazem tudo, desde como é que eu te vou dizer risos, é difícil dizer esta palavra está difícil, mas pronto, desde pessoas que trabalham, pessoas que roubam mas eu não quero saber. Cada um faz aquilo que entender, desde que não me que eu não interfira com o trabalho deles e eles não interferem com o meu trabalho Somos amigos, crescemos juntos. Se ele rouba ou faz aquilo que faz, eu não tenho nada a haver. É o percurso que ele escolheu e não deixamos de ser amigos por causa disso. No bairro pode haver uma festa, uma paródia, então vamos todos, não tem nada a haver. Naquele momento não estão a fazer as suas atividades, estão ali como amigos. O grupo da escola da casa pia foi o meu grupo que fomos percorrendo o percurso escolar juntos até ao 12.º ano, no 12.º cada um seguiu a sua área, a sua vida, mas continuamos o meu grupo do 10.º ao 12.º falamos sempre, marcamos encontros. Por acaso muitos que eu não vou, que eu não consigo, não tenho muita disponibilidade. Eles fazem muitos encontros, vou quando posso. Esses acompanharam realmente o meu percurso de escola, foram os meus verdadeiros amigos de escola. Os do Moinho é os amigos do percurso profissional. Cada um tem o seu lugar e saio com todos.

Há alguém especial que te marcou no sentido de… como sempre quiseste ser professora… alguém que…

O que me marcou a minha figura foi a minha professora da 3.º e 4.º classe. Que eu imitava bastante, mesmo na forma como ela falava e aquilo que ela fazia. O engraçado é que ela foi minha professora no 3.º e 4.º ano, quando eu saí da escola eu ia visitá-la sempre ali na escola da Cova da Moura e quando eu comecei nas AEC ela ainda estava nas AEC. Eu fui para em 2008/2009, no ano letivo 2001/2012 fiquei na escola. Fiquei na escola a fazer uma substituição em que eu era professora de apoio educativo. Eu dava apoio aos meninos que tinham mais necessidades. Ia buscá-los à sala e trabalhava na biblioteca, ou às vezes trabalhava dentro da própria sala as matérias que eles tinham mais dificuldades. No ano letivo seguinte fiquei como professora titular de turma do 4.º ano, em que a minha professora do 3.º e 4.º ano também tinha uma turma do 4.º ano. Então o que é que foi engraçado? Foi que ela foi a minha professora novamente no sentido, de como dar aulas. Eu no primeiro ano estava a fazer apoio, explicava aquela matéria, aquela necessidade, aquela dificuldade daquele aluno. Depois no ano a seguir eu tinha uma turma à frente. Pensei, espera como é que eu vou trabalhar com um a turma. Então para além de ela ter sido a minha professora do 3.º e 4.º ano, foi minha professora para lecionar uma turma do 4.º ano. Então tudo o que ela fazia eu fazia o mesmo. Foi praticamente uma cópia daquilo que ela fazia. O engraçado é que eu nunca lhe chamei de Luísa chamava-lhe sempre professora Luísa. Ela dizia-me sempre: eu agora não sou tua professora, somos colegas. Tu passaste de minha aluna a minha colega. Estamos no mesmo nível. E eu continuei a chamá-la sempre de professora: eu vou te fazer como fazia antigamente, tenho aqui a minha maria café, que era o pau que ela apontava para o quadro e vou te dar nas mãos. Cada vez que me chamares de professora Luísa sabes, tens três reguadas porque não me devias ter chamado. O engraçado é que passou da pessoa que eu imitei, praticamente acho que ela foi minha professora do 2.º ao 4.º ano. Foi a pessoa que eu imitei no sentido de ser aquela figura que eu queria ser passados uns anos, passou de professora a colega. Agora ela não está na escola, mas pronto.

Em termos de professores ela foi a mais marcante?

Foi e até aos dias de hoje, mesmo quando eu tirei o 4.º ano, no 5.º e no 6.º, os mais próximos do 4.º, eu ia sempre levar os testes para ela ver, ela tentava me apoiar e a filha dela era da minha idade, estudávamos em escolas diferentes, mas ela apoiava a filha e também apoiava-me. Sempre que eu tinha alguma dificuldade ia, professora Luísa

E em termos de professores, achas que em geral tiveste bons professores ou algum te deixou a desejar?

Até ao 4.º ano sim, no 1.º ciclo. Na casa pia também, acho que sim. Na universidade porque na casa pia também tínhamos um bom relacionamento com os professores. Na universidade acho que deixou muito a desejar. Mas pronto, acho que é mesmo a universidade é mesmo assim. Mas ao nível do 1.º ciclo e do 4.ºano para mim foram os melhores anos de escola. Tenho boas lembranças.

E as colegas de escola em termos de ambiente, sempre estiveste em turmas mais sossegadas ou não? Eram mais variadas?

No 1.º ciclo era com as colegas ali no bairro. Naquele tempo nós portávamo-nos muito bem em comparação com os dias de hoje, com aquilo que eu vejo na escola, a falta de respeito que vem de muitas coisas de casa. Tinha uma boa turma no 1.º ciclo. No 5.º e no 6.º quando fui para a casa pia em 89, eramos muitos dos bairros. Tinha pessoal da Cova da Moura, da Pedreira dos Húngaros, de vários bairros e acho que naquela altura estava na moda ir para a casa pia. Então em Pina Manique tínhamos turmas assim um bocado mais problemáticas. Eu como estava em lisboa, saia de casa para ir para a escola, e foi nesse ano que eu chumbei

Então tinhas que apanhar transportes?

Sim, saímos da Buraca, eramos um grupinho que saímos da Buraca, íamos para Belém, e o 5.º ano fiz muito bem, o 6.º ano se calhar devia ter um grupo de amigos que eu faltava bastante, faltava muito, chumbei esse ano, mas no ano a seguir foi um abre olhos para começar a selecionar os colegas, a ver quem é que realmente, apesar de continuarmos amigos, nós tínhamos eu mantive sempre o mesmo grupo na casa pia, do 5.º ao 9.º ano, e a partir do 10.º ao 12.º muitos foram ficando pelo caminho. Muitos foram ficando…porque nós seguimos a via profissional, era raro as pessoas que iam para o ensino o ensino normal, não sei. Então eles terminavam os cursos, ou desistiam ou ficavam nos sítios onde iam para os estágios. Então eu segui do 10.º ao 12.º fomos os colegas que fomos seguindo para a universidade que até hoje temos um bom relacionamento. outros que também continuamos com um bom relacionamento, mas não com tanta frequência como estes que continuamos, fomos à viagem de finalistas e continuamos com essa amizade.

E sempre viveste na casa dos teus pais até…

Sim, até 2005.

Quando é que decidiste sair?

risos foi em 2004. Final 2004 terminei o meu curso em 2003, sempre trabalhei no Moinho, consegui comprar a minha casinha e então porque não sair. Comprei, ainda fiquei um ano na casa dos meus pais, ia de vez em quando, ia dormir de vez em quando em casa. Em 2005 resolvi ir morar com o meu namorado para casa, mas não fui de vez. Ele fui…ia, levava um saco hoje, um saco amanhã, e fui levando as coisas. O engraçado foi que eu dormia em casa, de manhã levantava-me e ia para a Buraca, apesar de entrar às 14h, ia sempre cedo. Fazia a minha rotina como se ainda vivesse ali na Buraca. Jantava na minha mãe, jantava em casa. Por acaso naquela altura fiquei super forte, imagina quanto é que eu não comia. Tinha de petiscar na minha mãe, e depois tinha de jantar em casa. E assim fui indo. Cada dia levava uma coisa porque eu não levei as minhas coisas todas de uma vez ainda tenho coisas na minha mãe e até hoje. Desde 2005 ainda estou. Agora estou sozinha, estou sozinha e pronto de vez quando fico na minha mãe, mas passo mais tempo ali nas Mercês. As Mercês é o meu dormitório porque levanto-me e vou por volta das 13h e depois à noite regresso durmo e levanto-me para ir trabalhar.

Na casa dos teus pais sempre foi pais e filhos ou era família mais alargada?

Não. Eramos nós quatro filhas e os meus pais. Seis em casa. Agora a Cátia que é a mais nova é a única que vive em casa. É a Cátia, os meus pais e ao fim de semana é a Cátia, os meus pais e os netos. risos fazem questão de sexta feira ir para a Buraca e passam o fim de semana todo.

Se tivesses que te descrever como pessoa, como é que te descrevias?

Como é que eu me descrevia? Como uma pessoa muito, muito calma. Que vai fazendo as coisas com calma, sempre com muita calma. Gosto muito de viajar, sempre gostei muito. Aproveito para passar um fim-de-semana, dois, três dias, vou juntando horas no meu trabalho que é para poder fazer uma escapadela depois ao longo do ano. Ajudo sempre se tiver oportunidade, se não tiver tenho muita pena, mas não . Vou fazendo pela vida.

Defeitos?

Sou muito, muito, muito teimosa, tanto no contexto pessoal, como no profissional. Se as coisas não estão do jeito que eu quero para me dar a volta, até reconhecer que tenho de fazer daquela forma, que não estou correta, ou que aquela forma é a melhor, ou que devia fazer a outra atividade em vez desta, eu faço. Posso fazer, mas sempre de trombas até tentar perceber que aquilo não está bem feito ou poderia fazer de outra forma. Dou o braço a torcer, mas sempre a tentar mostrar que desta maneira, aquilo que eu estou a pensar é o que deve ser.

És uma pessoa de fazer planos?

Ah. fiz, agora não faço tantos. Porque fiz muitos planos e as coisas vão acontecendo a longo prazo e então agora estou a fazer planos para o dia de amanhã e não a longo prazo. Vou fazendo.

Achas que o teu trajeto foi planeado de alguma forma ou foi mais por acaso? (1H22m28S)

É assim, eu sempre quis ser professora, depois ali com o bairro fui se eu for a ver a minha experiência sempre foi ali com o bairro da Cova da Moura, não é. E se calhar por influencia do bairro, por aquilo que eu estou fazendo desde os meus 17 anos, aos 17 anos se calhar a pessoa ainda é muito novinha e desde os 17 que eu faço o mesmo. Trabalho no mesmo sitio. Faço praticamente a mesma função foi por isso que eu quando pedi a licença sem vencimento, pedi a licença e Daniel foi a pessoa…é a pessoa que eu falo bastante no Moinho. Eu estava para pedir mais tempo e ela sempre dizia: tens de sair, tens de procurar, tens de ir para fora e tal. Ele me dizia isso bastante tempo e eu dizia tenho de pedir uma licença sem vencimento, tenho de pedir, tenho de pedir. No ano quando eu pedi eu disse porque eu sempre tive muito medo de sair, ir para o desconhecido, ir à procura, de começar e de começar de novo. Então quando eu pedi a licença sem vencimento eu disse: Daniel eu pedi a licença. e ele disse agora vamos ver se tu vais. Pedi, mas também não tinha a certeza se ia ou não. Quando pedi era para ir para Cabo Verde e até disse: olha Daniel se calhar posso não voltar mais para o Moinho, vamos ver. Inicialmente era para ir para Inglaterra porquê? Porque a minha irmã está em Inglaterra, ela estava algum tempo e eu estava sempre para ir, desde 2009/2010 e acontece-me sempre…faço os meus planos e acontece sempre algo que impede ou porque porque eu sempre optei pelo profissional primeiro. Em 2011 fiquei em 2009 estava a gostar das AEC que é uma coisa que eu gostava. Estava a dar duas horas de AEC na boa. Em 2011 fiquei colocada também não fui, 2012 a mesma coisa. Em 2013/2014 pedi a licença para ir para Inglaterra. E sempre à espera e eu sempre para ir. Pedi a licença para ir para Inglaterra, um dia antes de ir para Inglaterra surgiu a oportunidade de ir para Cabo-Verde. tinha as minhas malas todas preparadas para ir, estava a caminho de Inglaterra, estava a um dia de chegar a Inglaterra, mudo de ideias, acontece algo e vou para Cabo Verde. Então agora não faço planos. Agora é aquilo que der é aquilo que será feito. Então sempre optei mais pelo profissional, esqueci a outra parte pessoal e as coisas foram ficando e fui optando, fui optando, optando e estou. Porque será? Não sei. Se calhar não estava para acontecer. risos

Como é que te vês daqui a 10 anos por exemplo?

Olha, daqui a 10 anos espero não estar no Moinho e estar noutra conhecer outra realidade. Pelo menos fui a Cabo Verde conheci outra realidade. tive a coragem de sair e daqui a daqui a 4 anos espero ter a coragem outra vez para dizer é desta, é desta que eu vou de vez. Quando eu digo vou de vez não quer dizer que tenha de ir para fora, mas quem sabe sair do Moinho. estou cansada não é cansada, desde os meus 17 anos ali na ali no Moinho. é uma realidade que eu conheço, que eu vivenciei, que eu cresci. acompanhei vários jovens, ajudei. Se calhar houve casos que eu não consegui e passaram muitos que neste momento estão numa situação em que eu passo por eles e eles têm que baixar a cabeça porque sabem que estão a fazer aquilo que não é correto. Para mim não é correto, não é. Sabem que estão a fazer aquilo que não é correto, ok não consegui apoiá-los, mas quero mostrar-lhes o seu caminho. Acho que chegou a altura de sair, de dar a oportunidade a outras pessoas, a outros jovens, não sei. Estou cansada da dali daquele trabalho, porque é um trabalho muito cansativo. O ano passado sai para não voltar, voltei porque as coisas às vezes tinha de voltar porque se não voltasse se calhar em Cabo Verde ia começar de novo. O ano que eu estive tipo não pagava despesas nenhumas. Tive oportunidade que eu aqui não tenho hipótese de fazer, era trabalhar para viver os dias de Cabo Verde, para ter uma rotina de vida que eu aqui não tenho. Quando eu fui, quando cheguei em cabo verde eu disse, espera vou aproveitar este ano para fazer aquilo que eu em Portugal não consigo fazer, que é trabalhar das 8h à 13h, ter a tarde livre para sentar na esplanada e para apanhar sol, para descansar, para bater perna, para andar de táxi. Eu aqui ando de transportes porque é o único meio que eu consigo pagar, em Cabo Verde andava de táxi. Aqui almoço a maior parte das vezes e janto em casa, em Cabo Verde pelo menos uma vez por semana tinha que uma ou mais vezes por semana almoçava ou jantava fora. Aquilo que eu ganhava em Cabo Verde o que é que eu pensei, isto é para gastar aqui, para viver, para curtir, para fazer. Tive oportunidade para fazer algo que eu aqui não costumo fazer, ou se fizer foi um ano para fazer as coisas que eu aqui normalmente posso fazer, mas depois tenho que ficar sempre a contar os trocos que depois tenho que pagar as dividas e pode não dar. Aproveitei. Fui para Cabo Verde, fiz coisas e agora estou de volta, tinha de voltar para o Moinho e não fiquei mais um ano porque como tinhas as despesas todas pagas de casa, não pagava casa, não pagava agua e luz, não pagava nada, tinha as despesas com a minha alimentação. Então dava para suportar a vida que eu tinha em Cabo Verde e a vida que eu tinha aqui em Portugal. Se eu ficasse este ano, então tinha de pagar a minha renda em Cabo Verde, tinha de pagar a minha renda aqui em Portugal, se calhar não dava. Eu senti que o nível de vida em Cabo Verde não é barato. Em Cabo Verde é tudo muito caro. Eu também vim nas férias do natal, na páscoa, vim duas vezes e tive a pensar não para essas coisas todas. Mais vale voltar para o Moinho, tenho o meu trabalho garantido, até sabe-se quando. Até, sabe-se quando.

Em termos de cultura e identidade, novamente voltando à conversa…

Não respondi?

Lembrei-me de outra coisa, estiveste algum tempo a viver mesmo em Cabo Verde e vês-te a viver lá novamente se tivesses oportunidade?

Se eu tivesse uma proposta em Cabo Verde, uma boa proposta, via-me a viver em Cabo Verde. Porquê? Porque para além do trabalho, tu tens tempo para muita coisa. O que eu digo é que em Cabo Verde eu não tinha 24h, tinha 40 se calhar. Dava para trabalhar, dava para lazer, dava para fazer as coisas da escola que normalmente fazemos em casa e fava tempo para tudo. Vivia em Cabo Verde sem problemas desde que viesse tinha de vir a Portugal pelo menos duas vezes por ano. Tinha que vir pelo menos duas vezes por ano, pelo menos no natal e mais uma vez.

E como é que surgiu esta proposta? Candidataste-te ou a proposta surgiu?

Tinha uma colega, também professora, da escola da Cova da Moura que ela também era contratada e sabia que não ia ficar colocada pelo ministério da educação. Ela foi em agosto, inscreveu-se em vários colégios e depois ela soube desse colégio português que ia abrir na praia e para além dela precisavam de mais um professor e eles optavam por professores que tivessem feito o curso em Portugal e de preferência portugueses. Eu quando cheguei eles pensaram mesmo que eu era portuguesa, branca e tal acho que o senhor ficou espantado quando eu cheguei e ainda por cima uma portuguesa que fala crioulo. Eles queriam pessoas de preferência que não falassem crioulo. E a preocupação

Eles explicaram porquê?

Porquê? Porque eles queriam que os miúdos falassem português e não queriam correr o risco de alguém falar crioulo no colégio. Eram portugueses, que iam para um colégio português, cheios de mania e tal. Eu quando fui disse-lhes, eu falo crioulo. Falo crioulo, falo português, mas eu no meu contexto de trabalho nunca falo crioulo com as crianças. Mas o senhor sempre muito preocupado, , não fales crioulo, e tal e tal. Não fales crioulo eu falei crioulo dentro do colégio com as funcionarias, porquê que não posso falar crioulo? Não falo crioulo com os miúdos porque estou no meu contexto de trabalho, porquê que eu hei de falar crioulo. Se tenho de falar português porquê que hei de falar crioulo. Mas no meu trabalho falava com as raparigas. Elas mal falavam português, as senhoras da limpeza mal falavam português, porquê que eu ia falar português com elas? Ele às vezes olhava para mim e não me dizia nada. risos porquê que devo falar crioulo com pessoas que mal entendem português. E foi assim que eu fui parar a Cabo Verde.

Que aspetos negativos é que achaste em relação à cultura caboverdiana? O que estavas à espera?

Eu não tive muito contacto com a cultura no contexto de trabalho. Em Cabo Verde falei mais português que o meu dia a dia aqui em Portugal. Porquê? Porque o meu colégio tinha muitos miúdos portugueses filhos de portugueses que estão a trabalhar na praia e então no colégio não tinha tinha alguns caboverdianos, mesmo filhos de caboverdianos, mas que também os pais tinham alguma ligação a Portugal, ou trabalhavam naqueles cargos assim superiores e se não eram superiores era como se fosse. Então, ou viveram em Portugal e queria manter a língua portuguesa e queria manter algumas coisas da cultura portuguesa. Então o contacto que eu tive com a cultura caboverdiana foi nos bairros onde eu fui, tive que conhecer alguns bairros, tive que conhecer algo muito próximo dali da Cova da Moura e no estágio que eu fazia uma vez por semana numa escolinha dentro do bairro. E foi assim o contacto que eu tive com a cultura caboverdiana com caboverdianos mesmo de Cabo Verde. Porque se não ficava esses meses todos ali no colégio com aquelas pessoas, com os meus colegas que todos os professores todos os professores eram portugueses, eu era portuguesa descendente que eles não sabiam, porque se soubessem não não me contratavam. Mas correu bem.

E do contacto com…

No meu voluntariado?

Sim. Achaste alguma coisa que não tivesses ideias.

Não é que eu não soubesse, mas fiquei foi espantada com eu estava numa escola e às vezes também ia para uma não era bem uma associação posso dizer uma associação em fase de crescimento. Escola primeiro, eu trabalhava na biblioteca, praticamente os miúdos não tinham nada, não tinham não tinham praticamente nada, não tinham materiais não tinham nada, posso dizer que não tinham mesmo nada. As salas eram as mesas, as cadeiras e o quadro. Não tinham recursos, não tinham materiais, não tinham nada, nada. O que é que eu pensei, o que é que eu vou fazer com estes miúdos? Então como é que eu dava a atividade? Não queria poiá-los ao nível não é que eu não conseguisse, mas ao nível das matérias escolares, primeiro a história é a história de Cabo Verde, não é, estudo do meio é do meio de Cabo Verde. Não é que eu não conseguisse, tinha era de não vou dizer estudar mas vou dizer apoiá-los nesse sentido. A língua portuguesa é de maneira diferente, não é. Nós aqui temos as regras de língua portuguesa em Cabo Verde têm outras, então também não queria entrar por . Como dava eu quando fui levei muitos livros, como trabalhava na atividade formar leitores, então o que é que eu fiz? Fazia a atividade formar leitores que eu estava a dar aqui. Ficava mais ou menos duas horas com eles. Eu levava um livro, contava a história e tralhava o livro como trabalhava com os meus miúdos aqui em Portugal. Engraçado que eles me diziam, eu não te percebo. Muitos diziam, eu não te percebo fala mais devagar. Houve um dia que eu levei uma amiga minha de Cabo Verde e eles viraram para a rapariga e disseram: ela fala mas nós não percebemos nada do que ela diz. Foi quase no final do meu quando eu estava quase a regressar para Portugal antes do final do ano letivo. Porque nós terminamos as aulas em junho e eles terminavam em julho. Eu fiquei parva. Então mas eles não me percebem? Como é que eles não me percebem? Ou eu falo muito depressa ou o que é que se passa? É uma escola primária logo o ensino é português deveriam perceber português. Fiquei mesmo parva. Depois o que é que eu pensei? Fogo, estive este tempo todo e os miúdos não me percebem. Às vezes também dava apoio nos trabalhos de casa. Depois uns professores souberam que eu estava e então pediram-me para eu apoiar na área da leitura e então também dava uma ajuda. Foi assim que eu os apoiei em Cabo Verde. E todas as semanas, eu uma vez por semana, por volta das duas, eu tinha os miúdos à minha espera. Tinha o mesmo numero de meninos todas as vezes. Não levavam nada e eu tinha sempre o cuidado de levar umas folhas, levar uns lápis, de levar algo para eles poderem fazer. Gostei mais daquilo que eu fiz nessa escola porque os miúdos tinham necessidade…sentiam necessidade daquele momento. O trabalho que eu fazia no colégio é um trabalho diferente. Era mais o trabalho de escola, aquele trabalho normal, que eu não criei assim muitos laços com todos os miúdos do colégio. Os da minha turma tudo bem, tinha pouquinhos, tinha sete. Foi uma ligação diferente, eles eram pouquinhos tinha uma caboverdiana, que era do Fogo e os outros eram todos estrangeiros. Imagina, tinha um do Perú, tinha uma de França não, tinha duas de França, um aluno do Peru que falava espanhol, essa caboverdiana e um português.

E tinham todos de falar português?

Tinham todos de falar português. E o peruano e a caboverdiana estavam no final do ano o pai da menina disse-me: a Cátia está a falar português como se ela estivesse em Portugal e o pai do peruano disse-me ele tinha dois alunos, um estava comigo no colégio português da praia e o outro estava no 9.º ano numa escola do ministério da educação, não estava num colégio mas numa escola, não estava numa escola particular e aquilo que o pai disse-me do Ricardo aquele que estava comigo era que ele falava português, o rodrigo fala crioulo. Agora imagina dois alunos no mesmo pais, um fala crioulo e o outro fala português. Porque eu falava sempre português com os miúdos. A preocupação do diretor era o crioulo

Pois… agora, em que é que te identificas com a cultura portuguesa? E aspetos positivos e negativos da cultura portuguesa?

Bom, te disse da cultura caboverdiana. Olha, com a cultura portuguesa identifico-me com tudo queres saber o que é que é tudo, risos com tudo, porque é que eu digo com tudo? Pelas relações que eu tenho com os portugueses. Acho que falo português, não preciso de sempre que vou a um serviço consigo desenrascar-me sozinha. A nível da alimentação também em relação à parte cultural não me identifico muito. Das festas, dos bailaricos e dessas coisas todas. Não me identifico muito.

Não vais às marchas?

Vou às marchas, vou aos arraiais ali na Damaia. Mas não é…vou porque é uma festa daquela altura e vou saiu…é muito raro ir a bares. Eu quando saio à noite é para discotecas, se bem que não sei se digo discoteca africana, porque tem de tudo a discoteca africana. Eu tenho que me identificar com a cultura portuguesa é aqui que eu vivo. Nasci e cresci aqui, como é que eu vou me identificar com a cultura caboverdiana. Eu não me relaciono com caboverdianos. Relaciono-me tanto com caboverdianos como com portugueses, com estrangeiros. É isso. Não sei se te respondi.

Faltam os aspetos negativos?

Aspetos negativos…quais são os aspetos negativos?

Ou melhor, diz-me como é que tu achas que são os portugueses? Ou se fosses por exemplo um estrangeiro como é que vias as características portugueses?

Os caboverdianos os descrevi. Olha em relação eu vivo ali nas Mercês e em relação aos meus vizinhos eu não tenho relações nenhumas de vizinhança. Acho que é aquilo que me falta bastante, relações de vizinhança. Eu vivo 10 anos ali nas Mercês e praticamente encontramo-nos nas reuniões de condomínio quando à e de resto o meu vizinho do lado não o conheço. É bom dia e boa tarde e se for. Ouve uma vez logo na altura que eu fui para morar, eu entrei ni prédio primeiro que ele e ele ainda entrou dentro de casa primeiro que eu. Foi mesmo entrar a correr para não se cruzar comigo. Acho que é isso que falta bastante relações de vizinhança. Tentar conhecer a pessoa que vive ao teu lado. Não quer dizer que tenham que me ajudar, mas pelo menos bom dia ou boa tarde. Quando eu digo ajudar, quando eu sentir necessidade de alguma coisa é a diferença da Cova da Moura. Se eu precisar de um quilo de arroz ou qualquer coisa posso bater na porta do lado que dão. Ali, pelo menos no meu prédio é o que acontece. Não sei se é um aspeto negativo ou não. Como eu estou habituada a um contexto e quando eu fui viver ali para as Mercês deparei-me com outras situações de não conhecer quem vive ao teu lado mais é uma coisa que eu não tinha pensado.

Normalmente aquilo que se costuma dizer que são acolhedores, que são…

aquilo que eu disse dos meus pais, não é. Isso eu não sei se são acolhedores ou não nunca me acolheram risos nunca me deram nada risos eu costumo dizer que nem o ministro me quer dar trabalho, imagina. risos

Por exemplo, como já estiveste noutros países, o que é que achas que os portugueses são diferentes dos franceses? Na maneira de estar ou não?

É , fizestes uma pergunta difícil. Agora pensar como portuguesa não consigo, se fosse como caboverdiana era mais fácil, viste.

É engraçado não é, a perspetiva.

Do lado dos caboverdianos eu disse sem pensar duas vezes, agora dos portugueses vamos ver está difícil

Se calhar não és tao portuguesa como pensavas que eras…

risos bom não vou pensar nos dias de hoje que eu estou ali muito fechada na Cova da Moura. Tenho que voltar atrás quando estava na escola. A relação que eu tinha com os meus colegas da da casa pia complicado ah como é que eles são

Já viste disseste eles…

Bom estas a apanhar as minhas palavras, pronto eu posso pensar como portuguesa como é que eu sou, mas não é uma resposta assim porque tu perguntaste-me como é que eu sou, agora estás a perguntar-me como são os caboverdianos e como são os portugueses. Então não estou nas duas. Então isso quer dizer que me identifico mais com os caboverdianos a resposta saiu mais ai, ai deixa-me pensar imagina, quando tu me perguntas como os portugueses são, ah eu si tiver ao de uma portuguesa vão dizer, vocês os africanos, logo ao olharem para mim não me vão identificar como uma portuguesa, vão-me identificar como uma estrangeira qualquer de um país de África. Ai, eles não sei como é que hei de dizer eles me identificam como é que eu sou perante eles. Não é não sei se respondi à letra. disse duas coisas, mas não sei como dizer esta segunda coisa. Se eu estiver à frente dizem vocês os caboverdianos independentemente de eu ter nascido . Pronto, duas coisas. Nem todos são iguais em relação aos meus colegas da escola, sempre tivemos uma boa relação, nos tempos da escola. Lembro-me que nós muitas vezes tínhamos a partir do 10.º ano nós não queríamos comer na escola queríamos ir comer fora, tínhamos ou não tinha dinheiro todos os dias para poder pagar ali o pão, pão. Algumas colegas ajudavam-me a pagar o almoço, mas se calhar eramos colegas, se calhar não ajudavam a todos, mas existia um apoio ao nível do comer, mas quando eles não tinham também os apoiava nesse sentido. Mas isso porque também eramos colegas da escola, mas também não faziam o mesmo com os outros. Os outros descendentes de africanos. Mas era a relação que nós tínhamos como colegas. Como nos conhecíamos mais facilidade. Apoiavam-me nesse sentido, mas eu também não via o mesmo perante os outros colegas. Porque eu tinha aquele grupinho da turma e depois tinha os outros ali do bairro, da Buraca, dos outros bairros dali de Algés. Com mais facilidade me ajudavam a mim do que a eles. Ai não sei também como dizer, e disse três coisas. Mas está difícil, ah

E os pais dos teus colegas, como é que… havia algum tipo de relação?

Sim, sim, normalmente nós as vezes íamos a casa almoçávamos na casa uns dos outros. Os meus colegas também vieram aqui à Cova da Moura sem problemas, porque também nos conhecíamos desde do decimo e alguns desde o 7.º ano, apesar de eu ter chumbado uma vez, eu quando fui para a turma do 9.º eramos alguns da mesma turma, eles apanharam-me. vinham uns do 7.º ano. nos conhecíamos dali também do contexto da escola. Então se calhar a relação era diferente do que se não nos tivéssemos conhecido menos tempo.

E achas que beneficiaste em algum aspeto por seres rapariga? Se fosses rapaz talvez fosse diferente ou não?

Da minha turma nós eramos quatro. Eramos quatro e eramos todos eu era da Buraca e os outros eram dali da zona de Algés e Linda-a-Velha. Eramos três raparigas e um rapaz. Mas acho que não foi por . Como acho que fomos seguindo percursos escolares juntos ali na escola, então foi mais fácil a aceitação por parte dos pais. Mas sempre que houvesse um jantar numa casa de um colega português nós eramos convidados e também os meus colegas vieram umas duas vezes à minha casa, na altura vivia com os meus pais, também não ouve problemas. Mesmo sendo na Cova da Moura. Mas também a Cova da Moura não era o que é hoje, com aqueles problemas todos. Na altura também não haviam assim tantos problemas, ou haviam, mas não a televisão não passava assim tanta informação sobre o bairro. Informação negativa.

E se puder ser assim um bocadinho indiscreta, não precisas de responder, mas agora ocorreu-me. Em termos de namoros, és uma pessoa que estás aberta a todas as nacionalidades ou és uma pessoa que estás aberta ou identificas mais com caboverdianos, angolanos…

Olha, por acaso eu sempre namorei com caboverdianos, tive também não tive muitos namorados. Tive um relacionamento com um angolano, mas também não foi assim nada De especial, foi sempre com caboverdianos. Não quer dizer que tenha uma preferência especial por caboverdianos, mas foram aqueles que me interessaram e se calhar são aqueles dos meios onde eu ando. Mas nuca tive nenhum português, português branco. Sempre africanos. Foi o que aconteceu até agora. Não sei no futuro, neste momento estou sozinha. Vamos ver.

Vou ter que insistir um bocadinho mais na parte da cultura, que é uma parte interessante para mim…

Está difícil não é…eu quero me identificar com as duas, mas na parte da cultura portuguesa se calhar faltam coisas para me identificar mesmo

Pois e eu queria que pensasses um bocadinho mais à parte da cultura portuguesa…deixa-me ver como podemos chegar mais fundo na questão…

Está difícil

Conheces Portugal… que sítios de Portugal é que conheces? Conheces Portugal de cima a baixo ou…

Eu em relação a isso, eu se tiver que ir de férias, vou de férias para fora. Eu nunca fiz férias praticamente em Portugal. Para mim todos os anos quando estou de férias eu nem penso em Portugal de cima a baixo, eu penso qual é o país que eu vou. Para onde é que eu vou. Os sítios que conheço de Portugal e que conheço-os porquê? Não é porque não consiga ir, se eu vou para fora logo eu consigo conhecer Portugal de norte a sul. As minhas escolhas são países fora, não as zonas de Portugal. Aquilo que vou conhecendo de Portugal, o que eu digo é que conheço os sitos através do Moinho. Porquê? Porque eu normalmente nas férias, nas interrupções escolares faço sempre a programação dos sítios onde nós vamos, onde nós vamos conhecer. O que é que eu faço, a minha opção é sempre sítios que eu não conheço. Os miúdos também saem muito pouco do bairro e então tento-os levar para fora. Posso dizer que os sítios onde eu conheço de Portugal, de norte a sul não quer dizer que não tenha ido, mas tenho ido mais através das atividades que vou fazendo com os miúdos. Porque a minha preferência é ir para fora, conhecer fora, conhecer outros países, explorar outras culturas, vou para sítios onde eu tenho conhecidos, fora. Para mim férias, são férias fora. Sei que Portugal tem zonas lindas, mas nunca fui. Fui aos Açores, mas fui com o Moinho. fui ao algarve, fui ao porto, leiria. Fui com os meus amigos também, com pessoas de casa. Mas todos os anos eu quando vou, vou para casa dos meus primos que tenho no norte, tenho também alguns familiares no algarve, aproveito, vou para o algarve. E os sítios que eu conheço, que eu exploro, que tenho um programa para visitar, para conhecer, eu vou explorando através das atividades que eu programo. Programo, imagina vou para Coimbra para a semana, na semana de 17. fui, esta é a terceira vez que eu vou para Coimbra com os meninos do Moinho. tinha ido na altura que eu estava na universidade, com o Moinho é a terceira vez, mas cada vez que eu vou exploro algo diferente. Tente explorar algo diferente para poder aproveitar para conhecer. Mas eu quando programo as minhas férias, não programo dentro. Se calhar devo ser um pouco se calhar deve ser um ponto que eu tenho que começar a explorar é conhecer Portugal. Posso dizer que não conheço Portugal. Se não fosse através das atividades que eu programei com os meus meninos não conhecia alguns sítios.

Mas se tivesses que recomendar a alguém sítios ou coisas a não perder em Portugal o que é que seria?

Olha, eu agora quero ir à Madeira. Quando não sei. Mas fui aos Açores e vejo, aquilo que costumo ver na televisão e gostava de conhecer a Madeira. Não sei para quando, mas a Madeira é o meu próximo se tiver que fazer férias este ano ainda não é, porque no verão tenho as minhas férias programadas, tenho os meus sítios fora de Portugal para ir. Vou para dois sítios fora de Portugal. Vou para a holanda e vou para a Escócia em agosto. Em dezembro devo ir, tenho de ver os bilhetes mais baixos, uma semana para Cabo Verde. Por isso a Madeira não é para agora, não sei para quando é, mas está nos meus objetivos conhecer a Madeira. Mas ainda não está nos meus planos para este ano, Portugal. Eu quando saio tem de ser para fora. Para sentir que estou de férias tem que ser fora, não sei porquê, pus isso na minha cabeça. Apesar de saber que temos zonas lindíssimas para explorar. O meu primo do porto está sempre a dizer que temos de conhecer Portugal, tentou fazer marcações. As minhas irmãs vão todas para o porto para a próxima semana, na semana de 19 mas pronto. Não é que eu consiga pagar o bilhete de havia que elas vão todas de avião. Não me apetece.

Ora deixa cá ver… está difícil…

Perguntaste também em relação às saídas bate tudo para a cultura caboverdiana saídas noturnas e amigos, viajar. Se calhar identifico-me mais com a cultura caboverdiana. Oh

E como é que vês o modo de estar dos portugueses? Dirias que… modo de vida dos portugueses em relação aos caboverdianos? Em relação aos caboverdianos disseste que… salientaste que sentias que tinhas muito mais tempo durante o dia… agora explica-me como vês o modo de vida aqui em Portugal? Mesmo o teu.

Eu aqui, apesar de não ter muitas horas de trabalho, passo a maior parte do tempo a trabalhar. Porque eu saio de casa vou para o trabalho, levanto-me e vou para o trabalho e tenho muitas horas nesse contexto. Se calhar aqui a única diferença é que o que eu ganhava em Cabo Verde dava para ter mais oportunidades de fazer aquilo que eu gosto. Que é lazer, descansar, sair, passear. Aqui tenho de pensar duas vezes antes de o fazer porque tenho rendas, tenho despesas, despesas que se calhar não tinha. O tempo que eu tinha para gastar, tinha mais tempo para gastar, para sentar nas esplanadas, para fazer as coisas que aqui não faço e que em Cabo Verde tive oportunidade de fazer, apesar de se calhar até posso fazer, mas tenho de pensar duas vezes porque tenho despesas para pagar. Eu aqui tenho de pensar eu aqui tenho estas despesas, em Cabo Verde não. Era ganhar para gastar. É o tempo e o tempo que aqui não tenho. Se calhar tenho de manha, mas de manha não para fazer nada. De manha é para descansar.

Bem…

Ainda não é desta. risos tens de pensar numa pergunta mesmo dirigida dirigiste o mais possível

This is the first translated utterance of the interviewer.

This is the first translated utterance of the interviewee.


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