Tu és de onde?
Eu nasci cá, o meu pai é caboverdiano e a minha mãe é angolana.
O teu pai é de que ilha?
Santo Antão.
A minha Mãe também é de Santo Antão, já viste como o mundo é pequeno.
risos. É mesmo, por acaso ainda não tinha encontrado ninguém que fosse de Santo Antão. São Vicente, Praia, Santo Antão não. O meu pai é da Brava.
O meu pai acho que é daquela zona de Ribeira Grande.
A minha mãe é de Garça. Já foste a Cabo Verde?
Fui, mas era pequena.
Tens que ir lá outra vez.
Tenho.
Está diferente.
Pois, imagino.
Eu fui lá três vezes, fui em 99, em 2005 e 2006.
Eu só fui uma e tinha 13 anos já tenho 33 anos.
Estás velha então, não mais velha do que eu.
Idade?
Tenho 38 anos.
Nacionalidade?
Portuguesa.
Nasceste lá?
Não nasci cá.
Onde moras?
Brejos de Azeitão. Escolaridade?
Licenciada em animação.
Profissão?
Animadora sociocultural.
Número de irmãos?
8.
Idades?
46, 45, não sei de cor.
Quantos mais velhos e quantos mais novos.
A minha irmã tem 41, o meu irmão acho que fez… se ele é de 71 quantos anos tem?
44 não é. É 44.
Se é 44, a outra tem 41. Então esta tem 47, e este tem 46.
46, 44 e 41.
Depois tenho a minha irmã que tem 39, depois tenho um que sou eu, depois o meu irmão Daniel que tem 33 e o meu irmão Bruno que tem 29. Se não é, é parecido as idades.
É mais ou menos. Estado civil?
Solteira. Tenho duas filhas.
Nacionalidade do teu pai?
Caboverdiana, ele tem a dupla também.
Escolaridade?
4.º classe.
Profissão?
O meu pai está reformado, mas ele era jardineiro. A minha mãe também a mesma coisa.
4.º classe?
4.º classe e ela também tem a nacionalidade portuguesa.
Profissão?
Podemos considerar doméstica, ela sempre esteve em casa, só que… doméstica.
Porque é que os teus pais vieram para Portugal?
Os meus pais conheceram-se em Angola, e depois vieram para Portugal por causa da Guerra.
Então são considerados refugiados, dos primeiros. Passamos então à entrevista,
vou começar por querer saber como é que foi o teu percurso escolar, começando pela primária? Eras boa aluna, não eras boa aluna? Acho que sou média, sou para a média. Queres saber onde eu estudei?
Sim.
Estudei, na primária estudei na escola dos brejos do clérigo em Brejos de Azeitão, depois fui para a escola básica de Azeitão, fui para o 9.º ano. Depois no 10.º ano fui para setúbal, estive na escola secundária do Guiso. Depois como não havia 12.º ano naquela escola fui para a escola d. Manuel Martins, também em Setúbal. Depois como eu reprovei foi, no ano em que houve uma mudança de sistema educativo, então tive de ir estudar à noite. Tinha mudado, já não me lembro o nome, mudou. Então fiz o 12.º ano à noite, as disciplinas que me faltavam. Depois… passei, ainda bem, e acho que esse ano foi o ano que tive melhores notas. Também acho que me esforcei muito, para ter.
Ainda apanhaste aquele sistema que o 12.º ano eram só três cadeiras?
Sim, é esse tempo e o mais engraçado é que chumbei a duas cadeiras, chumbei a história e a filosofia, porque eu não percebia mesmo nada. Chegava à aula e sabes, o professor falava e era como se tivesse a falar uma língua completamente diferente. O mais engraçado, quando fui fazer à noite passei com 14… não passei com 15. Depois na prova que tínhamos de fazer de acesso à universidade tive 14. Por isso acho que o problema não era meu, era mesmo da forma como o professor explicava. História tive 12, mas pronto. Mas eu acho que dependia, tinha a ver com a forma como o professor explicava. Às vezes não era fácil. A matéria eu achava que também não era assim tão fácil. Mas tipo passei com 12.
E a única vez que reprovaste foi com 5?
Sim. Ainda fiquei uns anos a ver se conseguia entrar para a universidade. As minhas provas eram de português e de filosofia. As provas que tinha de fazer. entrei em 1999 para a universidade, mas através, entrei na terceira fase, fui à escola inscrever-me, se desse eles… havia a terceira fase, se a pessoa tivesse uma boa nota para entrar, entrava, se não tivesse pronto. Mas entrei para Portalegre. Acabei o curso em 2003, em 2003 e fiquei com média de 13.
E como é que fizeste a escolha de animação sociocultural?
Era as pessoas que estavam… que a pessoa com quem me fui inscrever disse há vagas para este curso, para este e para este e este. Eu tinha escolhido professora do 1.º ciclo, educadora de infância e animação. Então como acho que os outros cursos já estavam cheios, havia muitas pessoas a concorrer, então entrei para animação.
Voltando um bocadinho atrás, como é que eram os teus hábitos de estudo? Eras aluna aplicada que estudasse regularmente ou não?
Acho que quando tinha de passar os cadernos tinha de estudar, não é. Não sei se… eu não me considero uma boa aluna, não. Eu acho que era aplicada. Acho que tentava dar o meu máximo.
E eras organizada?
Tentava ser, tentava ser organizada.
Onde é que costumavas estudar?
Ou na biblioteca da escola, ou na residência.
Sozinha ou acompanhada?
Na maior parte das vezes era sozinha. Por acaso era sozinha na maior parte das vezes.
E o que é que te lembras do ambiente da primária?
Lembro-me que a minha professora me bateu, porque eu havia uma palavra que era meu e eu não conseguia dizer o U e ela deu-me uma bofetada. Acho que aquilo marcou-me muito, de uma forma negativa. Acho que essa bofetada mudou essa minha forma de… pôs-me medo. A pessoa está sempre com medo de errar. E acho que foi isso que aconteceu. Não sou muito de arriscar. Se pedirem um voluntario eu nunca me ofereço como voluntaria porque tenho medo de errar e é mau, não é. Mas hoje engraçado, tivemos lá nos jogos e estava com medo de errar, mas mesmo assim disse vou-me voluntariar e fiz as coisas e não me saí tão mal como eu pensava. Estou a gostar, estou a melhorar.
Achas que a professora era assim com toda a gente ou era mais contigo?
Acho que ela era assim com toda a gente. Ele era muito exigente. Vê lá tu, se ates numa criança na 1.º classe já viste que diferença tu fases na vida dela. Porque a gente costuma dizer que o professor primário é o que nos marca mais. Não é. Estás-te a iniciar na vida de estudante. Se tiveste um bom professor acho que muda a nossa vida. Tu vês, sais da tua casa vês ela como uma mãe, digamos assim, não é. Acho que é neste sentido, não sei se está bem ou não.
E como é que vês a escola? Achas que era uma boa escola?
Acho que era uma boa escola.
E tinha condições?
Eu acho que sim. Eu acho que os miúdos de agora têm tudo e nós como não tínhamos nada, dávamos mais valor às pequenas coisas. Agora estas crianças têm… é assim na primária não tínhamos biblioteca, mas sei que agora têm biblioteca. Eu gostei de ser criança, gostei muito. Não tinha aquelas preocupações e nós sabíamos brincar. Tudo era motivo de brincadeira. Tu pegavas numa pedra ou num pau, não era para bater uns aos outros, sabias transformar aquilo num jogo, em qualquer coisa de bom, não era uma coisa negativa. Agora tu olhas para estas crianças e se não tiverem uma bola ou qualquer coisa não sabem brincar. Claro que naquela altura também brincavam à porrada uns com os outros, mas eu acho que não é… acho que era giro, tínhamos muitos jogos, fazíamos muitos jogos de rua, mesmo na escola fazíamos muitos jogos. Agora tu não vês os miúdos a fazerem isso. Andam a correr uns atrás dos outros, a baterem-se uns aos outros…
De certa forma acho que éramos mais criativos…
Eramos e eramos felizes. Podíamos ficar na rua até mais tarde e agora não. Agora tu tens os teus filhos e estás sempre com medo. Faz-me confusão, onde eu estudei em azeitão, no ciclo, os pais quem é que ás 17h30m vai buscar os filhos? Agora tu chegas à escola, a porta da escola cheia de carros. Na minha altura não era assim. Nós víamos um ou outro pai que ia buscar os filhos, mas agora tu vês uma data de carros. Mesmo na escola primária é a mesma coisa. Eu ia para a escola com os meus amigos, a pé e depois lá voltávamos nós. A minha mãe só me foi levar no primeiro dia, e nos outros dias era com os colegas, com os amigos do bairro. Faz-me muita confusão. É verdade que os tempos mudaram. Mas acho que nós agora temos muito medo de tudo.
Passando agora para a preparatória como é que fizeste a transição da primária? Foi tranquila? Achaste muitas diferenças?
Sim, achei, muitas disciplinas. Mas, sabes nós eramos muito inocentes. Claro que estudávamos, aplicávamos… eu acho que não era assim tão aplicada, apliquei-me mais foi no 9.º ano. Também se calhar pelas disciplinas, porque as pessoas punham-nos muito na ideia quando era geografia, ah a geografia é tão difícil, acho que era no 8.º ano, então nós tínhamos um pavor da geografia. Toda a gente chumba a geografia. Não gostei de história do 7.º ano que era sobre o neolítico, paleolítico, não gostei. Tinha muita dificuldade nisso. Também não sou boa a línguas, gosto mais do francês do que do inglês porque para mim é muito mais fácil. Mais… eu acho que eramos muito inocentes, mesmo. Não tínhamos aquela maldade. Interessávamo-nos pelos rapazes sim, mas não como agora tu vês. Tipo à descarada. Nós no nosso tempo eramos tão inocentes. Acho que eramos… não temos aquela maldade que há agora. Eu acho que também ninguém fumava, que eu conhecia, assim o circulo de amigos.
No meu tempo já.
Não no meu acho que não. Eh pá, brincávamos à apanhada, fazíamos coisas… apanhávamos sol. Púnhamos as malas ao pé do pavilhão e sentávamos todos a apanhar sol, conversar e apanhar sol. Por isso acho que nós não tínhamos aquela maldade. Eramos mesmo inocentes, estou farta de repetir isto, mas porque olho para trás e vejo que sim.
E como é que era o ambiente da escola?
Qual?
Andaste nesta escola foi do 5.º até ao 9.º ano.
Foi quando fui para lá, o meu irmão estava no 9.º ano, o meu irmão mais velho estava a fazer o 9.º ano e estávamos… nós somos pequeninos e eles todos grandes, altos. Acho que foi uma boa transição, acho que o ambiente era bom o ambiente.
E os professores, houve algum professor que te marcasse pela positiva?
Gostei do meu professor de matemática, que era o professor Luís Neto do 5.º ano e era o meu diretor de turma. Era um bom professor. Gostei também de uma outra professora de ciências que já não me lembra o nome dela, mas tenho presente a cara dela. Também gostava muito dela. O professor de desenho, de educação visual também gostava muito. Também gostei muito da minha professora de saúde. Não me lembro dos nomes, mas vejo as caras. Também gostava.
E os colegas, como eram os colegas? Tinhas turmas complicadas?
Não, não. A nossa turma era muito pacifica, tínhamos um ou outro que saia do normal, não é. Mas eram turmas pacificas. Muito unidos, eramos muito unidos. No 9.º ano é que eu senti que havia muita competitividade entre alguns colegas, mas nunca fiz parte desse grupo de competitividade.
Já me falaste um bocadinho de quais eram as disciplinas que gostavas e as que não gostavas eram línguas só?
Sim, no geral acho que gostava de tudo. Sim.
No 9.º ano, não sei se nesta altura já tinhas de fazer a escolha?
Tínhamos… fui para saúde e depois no 12.º é que se quiséssemos podíamos mudar. e como não era muito boa a matemática, mudei. Só no 12.º ano. Por isso é que só tive no 12.º geografia, história e filosofia. Se continuasse na área da saúde tinha matemática e química e eu não era muito boa a química, físico-química, pronto.
Quando é que tiveste que escolher a área de humanidades, sem ser línguas…
Quando fui para o 10.º ano o meu irmão disse-me que, ah se fores para a área da saúde tens depois muito mais possibilidades de conseguires para outras áreas, por isso é que eu fui. Mas eu tinha muita dificuldade no 10.º, não tenho bem a certeza, ou no 11.º, uma disciplina que era saúde, e acho que a disciplina era horrível, não tinha nada a ver com a saúde que eu tive no 9.º ano, era totalmente diferente. Mas gostei de outra disciplina que era socorrismo, tive essa disciplina. Físico-química também não era muito boa. Acho que fui para uma área errada. Mais. Gostei de filosofia, tinha bons professores. Mais… também tinha educação física, mas não contava para a nota. Também tinha biologia e ecologia, mas acho que no 10.º tive uma e no 11.º tive outra. Já não me recordo bem, ou tive as duas ao mesmo tempo.
Depois chegas ao 12.º ano e reprovas porquê?
A história, nós tivemos duas professores e depois eu acho que não percebia nada de história. Eu gostei muito da historia do 9.º ano…
Mas achas que era da forma como a professora ensinava ou eras tu que estudavas menos?
Eu acho que já ia com medo para a aula de história, porque a professora fazia sempre a revisão do dia anterior e perguntava a qualquer um, então tu já ias tão nervosa para a aula, que estavas com medo de ser a escolhida. Mas acho que também não devo ter gostado lá muito. Acho que nós quando não gostamos, por mais que a gente se esforce também não conseguimos. A filosofia é que eu não percebia mesmo nada, acho que o professor só falava mesmo para alguns alunos, os que se sentavam à frente, os de trás não se interessavam e acho que o método de ele explicar era… era mesmo filosofia, e não percebes nada do que ela esta a falar, eu não percebia. Por isso estás a ver. Quando eu fui fazer filosofia à noite, a forma como o professor explicava era totalmente diferente, muito acessível mesmo. Tu fazes uma comparação e num ano chumbas e passas com boa nota no outro. Como é que é possível e tens sempre boas notas.
E chegas aí ao chumbo e o que é que te passa pela cabeça? Agora o que é que eu faço com isto, vou tentar outra vez…
Sim, acho que nunca desisti. Não, nunca pensei em desistir.
E achas que alguém te influenciou no sentido de continuares os estudos?
Os meus pais sempre. O objetivo dos meus pais foi sempre que nós estudássemos, que tivéssemos uma profissão, que tivéssemos bem na vida. Eles podiam fazer os sacrifícios todos, mas nós tínhamos que dar o nosso melhor. Foi por isso que eu acho que nunca desisti e acho que nunca tive aquela necessidade de desistir. Tenho irmãos que não foram para a universidade, mas acho que fizeram o 12.º, pelos menos ficaram com o 12.º.
Dos teus irmãos mais velhos, algum foi para a universidade?
Não, só… então vou-te dizer. O meu irmão Manuel que é o de 44 anos, ele fez o mestrado em… ele tirou em agronomia e fez o mestrado o ano passado, só que não tem trabalho. Depois tenho a minha irmã a Ina que vem a seguir, que fez a licenciatura em educadora de infância e está nos açores a exercer a profissão dela. Depois a minha irmã Eugénia tirou um curso, daqueles cursos profissionais de barman, cozinha, não sei bem o nome do curso, mas é parecido, mas não exerceu e está emigrada na Holanda, faz o que toda a gente faz, limpezas. Toda a gente não, uma boa parte das pessoas. Depois tenho o meu irmão Carlos… depois sou eu a seguir, depois é o meu irmão Carlos que é doutor, fez o doutoramento em química e está na universidade de farmácia. Depois o meu irmão António que fez a licenciatura em logística. Pronto. E eles trabalha no continente agora. Pronto. A minha irmã mais velha tirou o curso de esteticista, mas também não exerce. Exerceu também um tempo, mas depois foi para a holanda e trabalha na instituição de toxicodependentes. Depois tenho o meu irmão, o segundo, que é o Avelino que trabalha numa loja, mas ele é muito bom com eletricidade, canalização, é muito bom a trabalhar com mãos, tudo, acho que é muito bom, apesar de não ter conseguido acabar o 12.º ano. Mas acho que fizemos um bom percurso de vida.
Oito filhos, os teus pais devem ser super dedicados.
Acho que sim, nós somos muito certinhos, nós não somos aquilo filhos que dão, ou que deram problemas, acho que sim. Olhando para a minha vida acho que somos bons.
E quando é que começaste a pensar ir para a universidade? É um projeto que já tinhas desde sempre ou sentiste que foste influenciada pelo percurso dos teus irmãos?
Porque os meus pais sempre quiseram e também acho que era a última etapa.
E chegas à universidade e quais são as diferenças? O que é que te pareceu?
Salve-se quem puder. A mim disseram-me logo, lá é uma selva, e é. Tive uma boa turma, mas tu vês que há muita competitividade. As pessoas estão sempre a competir umas com as outras. Eu não percebia o que era o curso e não sabia o que era. Mas acho que tive bons colegas e que eramos muito unidos. Claro que há colegas que sobressaem, são muito bons, mesmo muito bons. E tu estás sempre naqueles que não são assim muito bons. Estás na parte de… à os muito bons, os bons e os menos bons. Mas também não me importei, acho que tudo o que eu fiz sempre dei o meu melhor.
E a qualidade dos professores como é que era?
Era boa. Gostava muito da minha professora de francês e acho que foi uma professora que me marcou muito. Gostei mesmo muito dela, uma pessoa superacessível, muito unida… acho que ela era especial.
Hoje em dia se não estivesses em animação sociocultural vias-te a fazer o quê?
Não sei…
Quais é que achas que são as tuas competências…
Gosto muito de trabalhos manuais. Gosto muito. Agora não tenho tido paciência, mas gosto.
Não tem nada a ver.
Não, trabalhamos mais ou menos, fazemos trabalhos manuais, mas não me vejo a fazer outra coisa. Eh pá não sei, não sei.
Agora fala-me um bocadinho do teu trabalho de animação sociocultural que é uma coisa que uma pessoa há partida não tem ideia de como é que funciona. O que é que se faz em animação sociocultural?
Não somos palhaços, acho que procuramos… animar, despertar o outro para as suas capacidades, para as coisas que nos rodeiam. Procuramos também dizer que apesar de tu teres alguma deficiência, tu ainda podes fazer alguma coisa, não é essa deficiência que te vai impedir de fazer algo, de ser melhor.
O que é que é o dia a dia de um animador sociocultural?
Tens de planificar, tens de observar, tens que avaliar, tens de… estar… estar, saber e fazer. acho que tens de dar muito de ti ao outro e também tens de saber escutar o outro para poderes fazer alguma coisa.
Qual é a tua melhor qualidade que achas que empregas na animação sociocultural?
Sou muito criativa… mas acho que sou criativa, mas se tiver a falar com alguém as ideias vão-me surgindo com mais facilidade, quando estou sozinha custa-me muito mais. Quando estou a falar com outra pessoa as ideias surgem… acho que dou muito de mim, também. Sou paciente para as pessoas com quem estou a trabalhar. Acho que sou uma boa pessoa… sei lá… sei também um bocadinho pôr-me na pele do outro, não é fácil. Ás vezes tu podes estar zangada e teres vontade de responder e não respondes. Eu não conheci os meus avós e por isso é que se calhar eu trabalho com idosos. Por isso é que se calhar eu gosto muito de pessoas idosas, como nunca conheci os meus avós, isso faz com que eu me sinta mais próxima a eles. É assim também tenho muitas falhas, tenho falhas. Tenho plena… ainda bem que eu tenho consciência que falho. Gostava de ser melhor e fazer melhor, mas ás vezes também falta-me a motivação. Acho que só… eu acho que a animação também não tens de estar sempre a fazer uma atividade. O estares simplesmente a conversar para eles já é muito bom, parece uma atividade. Há pessoas que estás a conversar e dizem que tu não estás a fazer nada, mas tu estares a conversar estás a dar o teu tempo aquela pessoa. (paragem – 33m50s)
Antes de estares em animação sociocultural, ou seja, saíste da licenciatura e foste diretamente ou tiveste algum trabalho?
Em setembro, comecei em setembro de 2003 e comecei a trabalhar em 2004, em janeiro de 2004, 21 de janeiro de 2004, num centro de reabilitação de Vale Figueira em São João da Talha, como animadora, era só part-time. Fiquei lá dois anos em São João da Talha e depois mudamos para Sete Casas em Loures, estou lá já há 11 anos. Já faço parte da mobília. Tu quando estás no mesmo sitio crias rotinas, crias vícios e por isso é que se calhar me sinto um bocadinho desmotivada e por isso preciso de alguma coisa que me motive, que me faça renascer.
E isso como é que é, tens oportunidade de progressão ou…
É sempre igual.
É sempre igual. E como é que vais fazendo as formações é pelo trabalho, é por iniciativa tua ou…
Já não fazia uma formação… a última vez que eu fui a um seminário foi em 2013… não em 2012, estava grávida, fui a um seminário, para mim foi uma “tortura” porque não conseguia ficar muito tempo sentada, depois com sono. Depois a minha gravidez foi assim muito chata porque era só muitos enjoos, até ao sétimo mês, muitos enjoos. Depois havia um congresso nesse ano em outubro em lisboa, não fui porque não ia conseguir estar sentada e depois com os enjoos era impossível. Mas já não ia a uma formação há muito tempo. Acho que a última antes dessa, fui a uma em Évora e nem me lembro em que ano é que fui. Agora este ano já fui a três, estou muito contente por ter ido, porque faz-me falta. Acho que o animador tem de estar sempre em constante atualização e eu já não estava atualizada há muito tempo. Nós temos de ter uma visão global do mundo e eu já há muito tempo que não tinha essa visão. Fez-me falta e faz-me falta fazer as formações e também ver… sentir que não estou só na minha luta diária, porque há instituições que também os mesmos problemas que a minha, temos as mesmas dificuldades de trabalhar com este publico alvo, que são os idosos. Eu penso ás vezes que sou a única. Ás vezes vemos na televisão tudo tão perfeito, tão bonito que pergunto-me: será que eles fazem mesmo isto? Eu não consigo fazer com estes. Admiro muito quem consiga fazer, mas ás vezes é só para a fotografia ou para a filmagem. Isso também acontece.
E o teu trabalho com os idosos… ou seja, porquê os idosos? Acredito que a animação sociocultural pudesses fazer com outros públicos, mais jovens, se calhar com outras dinâmicas.
O meu estágio… é engraçado que foi com crianças. Com adolescentes eu acho que teria alguma dificuldade em trabalhar. Tu tens de conseguir de estar ao mesmo nível de eles, e eu acho que não estou ao mesmo nível, acho que não conseguia cativá-los. Se tivesse que trabalhar, preferia trabalhar com crianças que é totalmente diferente, com crianças tens de estar sempre a criar e qualquer coisas para eles serve, não é. Para os adolescentes já não serve. Para os idosos também não serve. Ás vezes a gente pensa, vou fazer um jogo com a bola, não, tens de criar, tens de saber criar. Mas se calhar é um público diferente. Não é fácil, não é. Muitas vezes é assim, já não tenho idade para isto. Ah hoje não me apetece, dói-me o dedo, dói-me… têm sempre alguma doença, por isso é que não podem trabalhar. Ou acham que é uma brincadeira que tu fazes. Nós nunca podemos infantilizar porque eles não são crianças. Quando as minhas colegas dizem: ah estão a brincar. Não, estamos a fazer um jogo, não estamos a brincar. Com a bola nós podemos fazer um jogo. Com a criança tu brincas, também jogam depende também da forma como tu vês, ou encaras o jogo.
Vamos passar um bocadinho para a tua área de lazer. O que é que tu costumas fazer quando tens tempo livre, se é que tens tempo livre?
Acho que eu aproveito mais é nos transportes. O tempo livre acho que é nos transportes. Como tenho de fazer 5h todos os dias, 2h para ir para o trabalho e 2h30 de regresso para casa, leio. Gosto muito de ler livros policiais. Agora estou virada para os romances. Também ouve uma altura, agora não tenho paciência, ia fazendo trabalhos manuais, ia cozendo nos comboios, ia fazendo uns bonecos que são os suchicos, não sei se conheces, são uns bonecos muito giros. Os suchicos podes fazer de muitas coisas, eu fazia bonecos, porta chaves, pronto, fazia isso. Mas já não tenho tido paciência. Ver televisão vejo muito pouco, não tenho tempo. Sabes que eu já não sei sentar… não sei sentar para ver televisão, porque acho que tenho sempre alguma coisa para fazer em casa. Custa-me, porque quando não se tem nada para fazer, até sentes-te mal porque não tens nada para fazer e tu não sabes fazer nada já. É o que me acontece. Mais, ando na ginástica, faço crossfit duas vezes por semana, tenho um bom grupo, é um grupo muito unido. Não estamos lá para competições, estamos pelo prazer de fazer o crossfit. Acho que é bom.
Nos trabalhos manuais, és autodidata ou pesquisas na internet, ou como é?
Acho que tenho as duas coisas. Acho que é as duas coisas.
Interessas-te por alguma coisa e pesquisas um bocadinho e depois começas a criar por ti própria? É isso?
Últimamente tenho pesquisado mais porque não tenho imaginação. Tem-me faltado a imaginação, mas é aquilo que eu estava a dizer, quando tu conversas com outra pessoa, as ideias vão-te surgindo e tu pensas assim, eh pá podia fazer isto, ou isto é melhor. O estares a conversar com outra pessoa faz-te pensar noutras coisas e tu consegues criar, pode ser uma conversa que não tem nada a ver com aquilo que tu fazes, mas que às vezes vai de encontro aquilo que procuras e tu não sabes que estás á procura.
E viagens? Já foste por exemplo a Cabo Verde.
Já fui há holanda, umas três vezes também. Já fui duas vezes aos açores, ao corvo, porque é lá que está a minha irmã a trabalhar. Inicialmente eu tinha muito medo de andar de avião. Há também já fui a uma visita de estudo a frança, foi no meu 10.º ano. Mais… já fui a Badajoz, a Espanha aqui ao lado. Ai, não disse uma coisa que faltou, eu fiquei três anos sem estudar. Sem… eu não entrei logo para a universidade, ainda fiquei três anos. Mas nunca desisti e estudava à noite, continuava a assistir às aulas à noite porque tinha de fazer as provas e trabalhava à noite também num lar de idosos. Por isso faltou-me essa parte. gostava muito de trabalhar nesse lar, porque era um lar muito familiar. Claro, eu trabalhava como auxiliar, mas sabes quando tu sentes que fazes parte de uma família, que apesar de teres de limpar, vestir, o trabalho normal de uma auxiliar, sentes que fazes parte daquela família. Eu sempre me sento parte daquela família, enquanto que na casa onde eu estou agora a trabalhar, não sinto estas pessoas como se fossem a minha família. É diferente. Porque também é diferente as pessoas, eram pessoas mais do campo, estas pessoas com eu trabalho agora são mais da cidade. Enquanto as do campo eram mais… ajudavam a por a mesa, ajudavam a levantar as coisas da mesa, íamos dobrar roupa elas ajudavam a dobrar a roupa, era diferente.
Havia mais partilha.
Era totalmente diferente. Aqui não, eu estou a pagar vocês é que tem de fazer.
Sentes mais a hierarquia?
Sim, e o engraçado, eu quando fui estudar eu tinha de fazer algum… depois nas férias eu ainda fazia as férias das minhas colegas e sentia-me sempre, sempre como se tivesse a voltar para casa. Por isso é que eu me sentia parte daquela família. Enquanto com estas pessoas com quem eu trabalho agora, não me sinto. Vou de férias, mas é totalmente diferente. Posso pensar, penso nas pessoas, mas não é com as saudades. Quando volto não é a mesma coisa. É como na ginástica, eu também sinto que aquelas pessoas são família. Sentes-te bem-vinda, eh pá, não sei. É um sentimento muito bom. Tu estás lá, eu não sei explicar, tu sentes como se… apesar de tu estares lá aquela hora, sentes que aquelas pessoas são muito importantes para ti, ou que tu és muito importante para aquelas pessoas. Fazes parte de alguma coisa. Sentes-te bem-vinda. Eu sinto, mas explicar é mais complicado.
Continuando com as viagens, o que é que achas que essas viagens te trouxeram em termos de te alargar horizontes?
Ah… em relação a Cabo Verde, foi a minha primeira viagem, gostei de conhecer a cultura dos meus pais. Senti-me muito bem-vinda e senti-me se sempre fizesse parte daquele meio, é assim, não tenho… se calhar não conheço muito da cultura, mas sabes quando sentes que fazes parte, supostamente eu devia ter mais curiosidade para conhecer a cultura dos meus pais, não é… Mas é claro que gosto da música, mas não tenho tempo agora de ouvir música, mas de vez em quando gosto de pôr e ouvir. Não conheço assim muitos cantores, toda a gente está atualizada e eu não estou assim muito atualizada. Não me perguntes nada de quem são os cantores da moda que eu não sei nada, não sei. Gostei muito de ir a Cabo Verde, muito mesmo.
Foste com que idade?
Em 199 quantos anos é que eu tinha, nem sei… e em 1999 fui porque me ofereceram uma viagem. A dona do lar onde eu trabalhava ofereceu-me uma viagem e ela perguntou-me se eu tivesse que escolher um sitio, se eu tivesse de escolher um sitio onde eu gostasse de ir… se eu pudesse escolher um sitio, qual é que eu escolhia, eu disse Cabo Verde. Então ela disse: então vou oferecer-te a viagem a Cabo Verde. E eu fiquei muito contente.
O melhor presente.
Um belo presente da minha patroa. E uma coisa boa que ela também me fez, pagou-me a carta de condução. Por isso estás a ver, eu não sou má pessoa. Nem toda a gente nos oferece alguma coisa, por isso estás a ver. Uma coisa que não é barata.
Foste sozinha?
A Cabo Verde? Os meus tios nesse ano iam a Cabo Verde, então eu fui com eles, e estive lá um mês. Senti muita falta da minha família e sabes o que é que… os símbolos são muito importantes, e uma coisa que mexia muito comigo era ver a bandeira portuguesa. Era uma alegria ver a nossa bandeira. Não sei. Está bem que os meus pais são caboverdianos, mas a bandeira para mim… não sei explicar, mas ficava contente, e ficava contente quando ouvia alguém a falar português. Apesar de os meus pais serem caboverdianos acho que também puxamos muito para a terra onde nós estamos, em que sempre vivemos, a nossa casa. Não é. Acho que não podemos excluir as duas partes, não é.
De certeza que tinhas uma ideia do que era Cabo Verde…
Não, não tinha. Não. Foi uma surpresa. Gostei muito da simplicidade, da hospitalidade, do tempo… isto é, neste sentido de tu lá não corres, aqui estás sempre a correr, lá tens tempo para tudo, não é. Mesmo que tu tenhas pouco, é como se tu tivesses muito. Hospitalidade… as pessoas são capazes de… engraçado, sou uma pessoa que sou católica e gosto de ir à missa, e não me importo de acordar muito cedo para ir, mesmo quando estudava em Portalegre, a missa era ás 8h, as aulas eram ás 9h e eu ia à missa antes de ir para a escola, para a universidade. Eu gostava muito, sentia-me bem. Em Cabo Verde eu queria ir à missa e encontrei um senhor que estava a varrer e eu perguntei onde era a igreja e ele quase que me levava até lá, acompanhou-me um bom bocado. Agora pergunto, aqui em Portugal qual é a pessoa que deixa de fazer o trabalho que está a fazer para te acompanhar ou te mostrar, indica-te é para ali e não sei o quê, e tu tens de descobrir. O senhor acompanhou-me quase até lá. E admirei muito e gostei do gesto, não é. As pessoas, pelo menos naquela altura não têm maldade que nós vemos. Se tu agora na rua, tu queres uma informação, as pessoas têm medo, por causa da tua cor. Estão com medo que tu lhes vás fazer mal, e mesmo nos transportes tu vês pessoas que não se sentam ao pé de ti e vão-se sentar no outro lado que pode estar três pessoas ou quatro, e tu estás sozinha, também notas. São pormenores que tu às vezes… e ás vezes quando as pessoas estão a pedir, raramente pedem a uma pessoa negra. Não, já reparastes. São pequenos gestos que parece despercebido, mas não, não é. Começas a observar muito e vês que há qualquer coisa errada, não é.
Com o que é que te identificaste mais em Cabo Verde?
Olha não gostei da baia das gatas. Com o que é que me identifiquei, eu como sou uma pessoa simples também gosto das coisas simples, eu também não sou muito de ver maldade nos outros, não sou desconfiada, não sei se é bom ou se é mau, mas eu acho que não tenho aquela maldade, acho eu, ainda não fui corrompida, acho que não tenho aquela maldade, gosto de coisas simples.
E achas que isso é uma característica do povo caboverdiano?
Sim, são pessoas simples. Sabes o que me faz confusão, é que há pessoas qua não vão à sua terra… acho que quem está lá em Cabo Verde esquece-se que quem está cá fora muitas vezes… muitas vezes não, trabalha muito e quando vai à terra tem que mostrar que tem muito, mas às vezes não tem. Estás a ver, não tem. E quando vão lá… são praticamente obrigados a darem alguma coisa, tens sempre de levar alguma coisa para alguém. Às vezes quem está lá não percebe que para dares alguma coisa é um sacrifício que tu fizeste, não têm essa consciência. Porque tu vais a casa desta tens que dar uma moeda ou uma nota, acho que é mau, tu vais lá por amizade. Acho que nós temos de visitar as pessoas por elas. Acho que um abraço ou saber que tu te lembrastes desta pessoa acho que já é muito do que tu levares um presente. O gesto é muito mais rico do que tu levares um presente. É a minha opinião, não é.
O que é que achas características típicas do povo caboverdiano que tu identifiques?
São um povo muito alegre e trabalhador. Acho que quem vem acaba por perder um pouco da identidade, acho eu. Continuam a fazer… a gastronomia não perdem, não é, continuam a ouvir a música, mas também se me perguntares as coisas de quem são os políticos, eu não te sei dizer assim… se calhar devia-me interessar mas… já nem sei quem são os daqui… estou a brincar. Eu devia saber, estar informada, devia-me informar, mas pronto. Acho que também perdemos um bocadinho a noção do nosso país, de Cabo Verde, digamos assim. Não é. Já me perdi.
Características? Podem ser qualidades ou defeitos.
Defeitos, é assim é bom gostar de festas. Eh pá defeitos eu acho que têm alguns. Acham que a mulher, não sei se é… eles acham que a mulher é uma pertença deles, mesmo que não estejam com eles, acham que é uma pertença deles. Defeitos não sei…
Em relação ao povo português, o que achas que os caboverdianos são diferentes dos portugueses?
Acho que têm muitas coisas parecidas. Sabes o que é que eu acho? Acho que o africano agora está na moda. Agora tu vês muitos casais, não é. Acho que o africano está mesmo na moda. Africano e africana mulher, eu já vi, esta semana vi uma rapariga africana e u rapaz português. Eh pá, porque é que estão na moda. A música está na moda. A dança está na moda. Acho que o povo caboverdiano é muito mais alegre que o povo português. Eu acho que… não sei se somos muito comodistas nós portugueses. Uma coisa que me disseram assim: então estás boa? Nós temos sempre tendência em dizer o quê? Que não, vai andando. Não somos capazes de dizer que estamos bem, mesmo que não estejamos bem, dizer estou bem. Depois lamentamo-nos muito, não é. Devíamos ser mais lutadores e se calhar não somos tão lutadores, como somos conformistas, nós o povo português. Acho que também somos hospitaleiros, acho que também sabemos receber e deixarmos a pessoa há vontade. Acho eu, pelo menos falo por experiência, pela experiência que eu tenho.
O que é que em casa tem passado da cultura caboverdiana?
A minha mãe faz muita vez cachupa, faz alguns pratos típicos de Cabo Verde. Música é mais o meu pai que gosta de ouvir as mornas, as coladeiras. O meu pai gosta muito de mornas. Depois está sempre a explicar-nos porquê que esta música é assim. Também ele conta muitas histórias de vida, que ele foi ouvindo e são histórias que tem sempre alguma coisa para nos ensinar, alguma moral, digamos assim. Mais… o meu pai é que fala um bocadinho com o crioulo a minha mãe não. Acho que é homem e então está mais ligado ao crioulo, vai sempre contactando mais com pessoas que falam crioulo, a minha mãe já não, está mais em casa e vai perdendo, foi perdendo. Nós não aprendemos a falar crioulo, mas… eu percebo e há uma ou duas irmãs que percebem, mas o outro passa um bocadinho ao lado. É assim, se tu tens amigos que falam, tu ainda vais percebendo, vais… mas se tu não tens contacto…
Achas que os teus pais, a tua mãe não fala, foi uma estratégia de lembrar de não vos ensinar crioulo?
Eu não sei porque é que nunca nos ensinaram, acho que foi espontâneo, acho que não foi uma coisa pensada, não vamos ensinar.
Por exemplo um com o outro não falam crioulo?
Não, só falam português. O meu pai fala crioulo, diz muitas palavras em crioulo se calhar quando está a falar, mas por norma não fala.
Mas o teu contacto com a cultura sempre foi mais no seio da família?
Eu fiz parte de uma associação e acho que dentro dessa associação… por isso estava mais em contacto com o crioulo e as pessoas caboverdianas, mas já não faço parte do grupo, da associação. Enquanto estive lá estava mais em contacto e fui-me apercebendo da… acho que conheci um bocadinho mais da cultura. Só quando tu estás em contacto é que tu percebes, ouvistes falar, tens de estar mesmo dentro para perceberes as coisas, sentires.
Já agora como é que entraste para a associação?
Fui convidada, e interessei-me pelo projeto e fui. Mas acho que já não me identifico com… acho que não é não me identificar, acho que na nossa vida tudo tem um tempo, e é assim, eu na altura fazia parte da associação tinha uma filha e depois sabes quando tu te deixas, tu começas a pôr a tua filha em segundo lugar e a associação em primeiro, está mal. E olhando para trás eu sinto que pus a minha filha muitas vezes em segundo lugar. Com o nascimento da segunda, despertei. Sabes quando dás muito e recebes pouco. Sabes quando tu sentes, eu acho que dei muito e recebi pouco. Não monetariamente que era um trabalho de voluntário, tu estás lá pelas pessoas e pelos projetos em si, para desenvolveres alguma coisa e quando tu achas… sabes aquilo que eu te disse da ginástica, do lar onde eu estive, de sentires que fazes parte da família. Sentires no sentido de seres amada, seres necessários, não te excluem, o sentido de pertença e eu sentia que já não pertencia aquele lugar. Quando tu sentes que és amada… nesta fase eu sinto-me um bocadinho desmotivada, na quarta feira fui à ginástica… na segunda feira eu fui à ginástica por isso não nos encontramos, e custou-me muito fazer os exercícios, mas eu tentei dar o meu melhor, porque as pessoas que estão á tua volta motivam-te, é um trabalho de equipa. Apesar de estares cansada, apesar de te custar, as pessoas estão lá, somos um grupo, somos uma família, e puxam por nós. Lé eu já sentia uma obrigação de fazer as coisas.
Falemos um bocadinho de identidade, identificas-te como portuguesa ou como caboverdiana?
Eu identifico-me mais como portuguesa. Gosto da cultura caboverdiana, gosto de África, digamos assim, no geral, mas identifico-me como portuguesa.
Eras capaz de viver em Cabo Verde?
Era. Eu adapto-me muito… até nos açores, até no corvo era capaz de viver. Eu consigo adaptar-me aos sítios.
Mas achas que seria um projeto para ti, para o futuro ir para Cabo Verde viver definitivamente?
Eu tinha de ter lá alguma coisa que me incentivasse a ir. Eu também tenho de pensar, eu não estou sozinha, eu tenho duas filhas. Eu tenho de ter segurança lá, monetariamente, ninguém vive do ar… segurança também emocional, porque a gente pensa que o dinheiro é tudo, mas não é, se tu não estás bem emocionalmente não consegues ir para a frente. Às vezes nós esquecemos isso. Tens de estar bem no todo.
E os teus pais alguma vez tiveram vontade de voltar?
A minha mãe não, mas o meu pai gostava muito de voltar para Cabo Verde. Mas eu acho que estamos tão… acho que tu não deixas de gostar da tua terra, mas como tu já vives aqui há tanto tempo tu não te vês a mudar, não sei se é comodismo, já não te identificas com a vida que eles levam lá. A minha mãe teve uma vida muito sacrificada quando esteve em Cabo Verde, também já foi há muitos anos, não é. Há mais de 40 anos. Mas naquela altura era uma vida de muito sacrifício e acho que ela não gostava de voltar para lá, por causa disso, do sacrifício que ela teve de fazer muitas vezes. Não foi fácil. O meu pai não, ele gosta daquilo e ele adapta-se a qualquer lado. Mas a minha mãe, não. O meu irmão gostava de ir viver para lá, o meu irmão Manuel, gostava. O meu irmão Carlos eu acho que ele não tem muitos amigos negros. A minha irmã Ina acho que ela também não se identifica muito com a cultura, gosta da música e isso, mas acho que ela não se identifica. Acho que nós também devemos procurar os interesses da nossa terra, não é. Não podemos estar à espera que as coisas venham ter connosco, também temos de ir à procura.
Agora fala-me um bocadinho do sítio onde cresceste?
O meu bairro.
Sim.
Muito giro. Fica em Brejos de Azeitão, fica a 14 km de Setúbal e não sei quantos de Lisboa. Eu nasci em Setúbal. Os meus pais vieram de Angola e foram viver para Setúbal.
Tens algum irmão que seja angolano?
Tenho. São quatro angolanos e os outros quatro portugueses. Eu acho que fui viver para Brejos de Azeitão com 2 anos, acho que ia fazer 2 anos. O bairro é muito calmo. A gente quando houve bairro pensa que é aqueles bairros, não é. Parece uma conotação negativa, mas não, o meu bairro é super calmo.
Qual é a composição do bairro?
São casa… é assim, as pessoas que foram para lá são as consideradas as retiradas de… das áfricas, Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé, há pessoas portuguesas também, tínhamos lá um casal de etnia cigana, mas já faleceram. O que é que temos lá no nosso bairro? Temos lá um cafezinho, estou a falar do bairro em si, temos lá um café, tínhamos lá uma mercearia, mas com os supermercados aquilo foi absorvido, digamos assim. Deixaram de fazer parte, porque sai muito mais caro tu comprares num supermercado do que fora, não é, num hipermercado. Tínhamos um parque infantil já não temos. Agora temos uma escola primaria, uma escola básica, que é a escola básica Brejoeira. Acho que temos mais pessoas no nosso bairro, isto é, mais pessoas à volta, construíram casas. Antigamente era o bairro e à volta do bairro só havia pinhal. Mais… São casa pré-fabricadas.
O ambiente?
O ambiente é simpático. Eu acho que gostava mais quando era miúda, porque via tida a gente, conhecia toda a gente. Agora não conheço muitas pessoas, porque a minha rotina é, trabalho casa, casa trabalho, vou à ginástica, pronto, fico em casa já não vou. Se calhar só conheço as pessoas que moram ali à volta da minha casa, digamos assim, na minha rua. Conheço algumas pessoas, mas não conheço assim, como deixei passar nas ruas, em determinadas ruas, acabas por já não conhecer as pessoas, ou só conheces aquelas que não mudaram. As crianças já não sabes quem são, e também não sabes de quem são os pais, eu não sei.
Da infância, lembras-te por exemplo…
Brincávamos muito na rua.
Tinhas vizinhos a olharem…
Não, não tínhamos. Não havia tantos carros como há agora. Por causa da escola trouxe mais carros. Mais transito para aquela zona. Mas podias brincar até mais tarde. No tempo da escola podias mais era ao fim de semana, no verão vias sempre muitas crianças na rua. Fazíamos muitos jogos. Agora tu não vês crianças, nem no verão, nem no fim-de-semana, tu não vês, vês poucas. Não vês miúdos a andarem de bicicleta como antigamente vias, não vês. Eu não me importo que a minha vizinha vá à casa de vizinhos, eu não sou aquela que vou lá levar, eu tenho confiança que ela… deixou-a ir sozinha. Não tenho aquela preocupação como as pessoas têm. Acho que ainda estou no antigamente ainda não despertei para a maldade. Eu sei que há maldade, mas ainda não despertei para a maldade deste mundo.
Em termos de racismo, alguma vez sentiste racismo pela tua cor da pele ou por viveres onde vives?
Acho que não, por viver onde vivo. Mas claro, na escola senti. Não é muito, mas claro, chamavam-te preta, havia um colega que chamava estorninho, tens de ver… é um pássaro todo preto, acho que tem o bico… por acaso tive curiosidade e fui pesquisar como é que era o pássaro, é um pássaro todo preto, mas é pequenino. Mas é um pássaro bonito. Tinha um colega que chamava-me estorninho. Nunca me esqueço. Não, eu acho que não sinto tanto. Eh pá tu sabes que as pessoas chamam preta, mas em relação à minha filha quando dizem, pergunto assim, Júlia vê lá qual é a tua cor não é castanha, vê lá a cor preta? Não é esta a cor preta. Quando te chamarem preta diz assim: não deves saber bem a cor, se olhares bem para mim eu sou castanha. E se eu sou preta, vê lá se tu também não és cor-de-rosa, também não és branco. Já disse, quando te chamarem dizes: o meu nome é Júlia. Claro que tu quando te chamam preta tu não tens reação… porque tu… acho que ficamos sem reação. Sabes o que é que nos diziam quando eramos miúdos, vai ver de baixo das saias da tua mãe se é preto ou branco. É mau não é. Não posso dizer isso há minha filha, mas digo o teu nome não é preta, o teu nome é Júlia. Tu nem sabes às vezes, ficas sem reação, como é que vais defende-la. Não é. Tu já passaste por esta fase. Eu também não gosto quando dizem aquele preto ou aquela preta, não, eu digo aquele senhor ou aquela senhora. Eu nunca vou dizer uma característica que tenha a ver com a cor. Nunca vou dizer, aquela senhora é branca, não. Olha, aquela senhora de óculos. Acho que nós não devemos fazer… nós fazemos a conotação negativa da pessoa. Se é gorda, se é magra, não, temos de ter outra característica e temos que tratar sempre por senhora ou senhor. É a minha opinião e é assim que eu faço e assim que digo às minhas filhas. Aquele senhor, aquela senhora, aquele menino, aquela menina, eu não sei o nome. Acho que é importante… tu não podes dizer pela cor ou pela deficiência tens de dizer uma coisa que seja… não podemos fazer a conotação negativa, dar uma conotação… eu tenho uma colega que é forte, que é gordinha, eu nunca vou dizer aquela colega gorda, não. Acho que ela tem outras características, aquela colega que tem cabelo curto, ou aquela colega que costuma substituir a outra colega. Estás a ver, nunca vou dar essa… nunca vou dizer, porque é assim, eu também não gostava que dissessem aquela miúda, aquela rapariga preta. Não, eu acho que tenho outras características. Nós temos de ver o lado positivo da pessoa, não uma coisa negativa dela, ou que nós supostamente fazemos com que seja negativo, não é.
Alguma vez sentiste que as tuas características físicas influenciaram o teu percurso de alguma forma? Sentiste-te prejudicada?
Eu acho que não. Eu no 10.º nós eramos duas africanas, vou dizer assim, no 11.º era a única e no 12.º também era a única. Eu nunca me senti excluída, nunca mesmo. Sentia-me… se calhar por ser a única sentia-me muito mais próxima. Eu lembro-me que no 10.º ano… não sei se te acontece a mesma coisa, tens tendência se houver uma pessoa africana tens tendência a aproximares-te mais dela. É, não é. Parece que a cor atrai. Não sei se acontece contigo, comigo aconteceu. Eu atraí mais para ela.
Achas que os professores também nunca fizeram distinção contigo?
Acho que por se calhar por sermos africanos davam-nos mais uma oportunidade. Ou porque gostavam da cultura, não é. Eu tenho uns professores que eu sempre gostei muito deles, mas… por acaso também me marcaram esses professores, o professor Carlos e a Carla Beja Filipe, sempre… a professora acho que nasceu em Moçambique e acho que ela sempre gostou mesmo de africa em si. Acho que ela tinha um carinho muito especial por quem é africano. Até hoje quando os vejo, fico emocionada e recebem-me sempre bem. Acho que qualquer aluno, mas acho que o africano para eles têm um carinho especial, acho que sim.
Consideras-te uma pessoa que faz planos?
Acho que vou vivendo um dia de cada vez. Acho que vou vivendo um dia de cada vez. Acho que já deixei de fazer planos.
Olhando para trás, para o teu percurso, achas que de alguma forma planeaste…
Não, foi acontecendo. Eu acho que sou muito comodista. As coisas vão acontecendo mesmo. É mau, não é. Acho que ás vezes é mau.
Como é que é o teu grupo de amigos?
Sabes que eu não tenho nenhum grupo de amigos! risos acho que é assim, do que eu já reparei, quando a gente tem filhos, parece que a gente só vive para os filhos. Os amigos eixam de existir. Ou tu tens amigos que têm filhos, ou tu andas sozinha. Eu ando sozinha, sinto-me sozinha.
Costumavas ter amigos e depois de teres filhos deixaste-te gradualmente a excluir pessoas?
Acho que não exclui, acho que a vida foi excluindo. Acho que quando te encontras com as pessoas tudo muito bem, mas se calhar deixastes de fazer parte da vida deles e eles vão deixar de fazer parte da tua. Eu acho que não tenho ninguém. Ai, ai. Apesar de ser tipo… faço parte do grupo da ginástica, cada um tem as suas vidas, fazemos os jantares, mas não posso dizer, olha vamos tomar um café ou qualquer coisa. Mas sinto-me bem quando estou com eles. Mas se eu tiver algum problema não tenho a quem recorrer, é triste, mas é verdade. Já tive, mas já não tenho.
Acredita que é mais normal do que imaginas. És uma pessoa que socialmente te adaptas bem a várias nacionalidades…
Acho que me adapto bem.
Ou tens tendência como estavas a dizer para te juntar mais a pessoas…
Hoje eu fui à formação e se calhar… eu era a única africana e a pessoa que me sentei ao lado se calhar aproximamo-nos mais depois descobrimos que tínhamos coisas muito idênticas, descobrimos que trabalhamos na mesma localidade, temos o mesmo curso. Depois identifiquei-me com outra rapariga porque estudou na mesma escola que eu, tivemos os mesmos professores. Isso se calhar nos aproximou porque temos características… temos coisas em comum. Mas eu acho que adapto-me bem a outras pessoas, não é. Eu quando… não me interessa se tu és de etnia cigana, não me interessa se és de outra cultura, não me interessa, não é isso que me vai deixar de aproximar… isso não vai fazer com que eu me afaste de ti, por seres de outra cultura ou por teres outra deficiência, ou por alguma coisa diferente. Acho que não é isso que me vai afastar. É assim há pessoas que nós temos mais tendência de nos aproximar, é humano, eu não gosto de toda a gente. Há pessoas que não consigo mesmo… não é que a pessoa me tenha feito algum mal, mas não me identifico. Há qualquer coisa na pessoa que não…eu acho que em toda a gente acontece. Olha vê lá, eu no trabalho, eu tenho uma colega, que é a minha colega que me ajuda, que é a minha colega de sala, e nós temos tanta coisa em comum, ela tem 54 anos, mas ela não parece ter 54 anos, parece ter 40. Nós, nós… sabes quando a outra está a apensar e tu completas o pensamento, temos tanta coisa em comum que nós tratamo-nos por gémeas, porque temos muita coisa… eh pá, não sei, acho que nos completamos. É assim só nos encontramo-nos no trabalho, mas acho que agora é que começamos a falar mais da nossa voda privada, mas ao principio não. Apesar de termos uma boa relação de trabalho, que é muito importante e completarmo-nos, é diferente, e eu identifico-me muito com ela. Ela também esteve em africa, esteve em Angola e esteve… gosta muito da cultura africana, esteve na África do Sul, ela… sabes aquela pessoa que sabe muita coisa e dá-te a conhecer o que sabe, não guarda para ela. Acho que… ás vezes acho graça quando dizem, então a tua gémea hoje não vem ou quando se poem, oh gémea da outra. Eu sou a gémea, ela é que é a gémea da outra. (Rios) ela é que é minha gémea. Acho graça que as colegas já a vem como nós nos tratamos, e não lhe chamam pelo nome, oh gémea da outra. Acho que isso é… há cumplicidade que é importante. Já não sei porque estava a falar isto, mas tinha que partilhar.
Projetos para o futuro?
Ser feliz. O que eu preciso agora na minha vida, acho que é um ponto de equilíbrio que falta-me. Falta-me estabilidade emocional. Porque já passei por muito, por isso sinto-me sozinha, apesar de me dizerem, há quando olhas para as tuas filhas, é aí que vais buscar as tuas forças, mas não é fácil olhar e encontrar forças. Projetos para o futuro? Ser feliz.
Achas que gostavas de continuar a estudar? Nessa área não te vês a fazer mais?
É assim, agora não me vejo a estudar. Podia tentar tirar… agora como fazem o mestrado, ou uma pós-graduação, mas de momento não me senti capaz para o fazer.
Mas não excluíste?
Não exclui. Mas não me sinto capaz de momento de fazer.
Emprego…
Sabes uma coisa, já me saturei de estar lá muitas vezes, mas tu depois quando tens responsabilidades é mais difícil mudares. Quando tu és o sustento das tuas filhas, é difícil tu mudares, apesar de nem sempre correrem bem, mas é difícil tu mudares.
E vês-te a ires para fora do país por exemplo?
Eu sou muito família. Os meus pais estão aqui, não é.
Não te vês a mudares de vida completamente e ires para outro país?
Eu acho que não queria ir para um país que não falasse português, tinha de ir para um país que falasse português, porque eu tenho muita dificuldade em falar outras línguas, se calhar era obrigada a me adaptar e temos que nos adaptar, mas seria um bocadinho mais complicado. Eu não penso ir para o estrangeiro, engraçado eu nunca tive essa vontade. Tenho as minhas irmãs na holanda como eu te disse, já fui lá de férias, mas só que eu não gostava de ficar lá. Eu gosto mais da minha terra, se calhar porque dá-me outro tipo de segurança que eu acho que se calhar não ia ter, não é. Tinha de levar o meu pai a minha mãe, os meus irmãos, o cão, os gatos, as galinhas que eu não tenho, mas que eu já tive. Estás a ver… tinhas que levar toda a gente. Sabes o que me faz confusão no povo caboverdiano… eu seria incapaz de deixar as minhas filhas, apesar de fazerem-me cabelos brancos, não tenho nenhum, mas era incapaz de as deixar. Prefiro fazer os meus sacrifícios todos aqui do que abandoná-las, não é, cortar um laço. Nós cortamos um laço quando as deixamos. Engraçado a minha Leonor está muito ligada à minha mãe, a Leonor vai fazer 3 anos em janeiro, mas ela está muito, muito ligada á minha mãe. Eu não sinto ciúmes por ela estar ligada á minha mãe, porque eu si que ela passa muito tempo com a minha mãe. Ela sabe que eu sou mãe dela, que tem uma ligação diferente comigo, mas a avó dela para ela é tudo. Achas que… como é que eu ia quebrar esse laço. Quando fomos de férias, a minha filha quando viu a minha mãe no skipe uma tristeza tão grande, era de partir mesmo o coração depois que deixamos de falar com a minha mãe no skipe, porque para ela era doloroso. Porque olhos que não vêm coração não sente. Tu podes falar na pessoa, mas se tu tiveres um contacto visual pior ainda, dói-te muito mais, não é. Eu acho que sim. Por isso não me vejo a ir para fora.
E se te tivesses que descrever como pessoa, como te descreverias?
Eh pá sou uma boa pessoa. Como é que eu sou como pessoa… sou muito chata. Quando gosto, gosto mesmo. Sou capaz de fazer sacrifícios pelo outro… não é sacrifícios, sou capaz de me dar ao outro e quando dou-me, dou-me por inteiro. Não estou a dizer só homem, quando gosto de alguém, sou capaz de me dar mesmo. Sou muito insegura, mas acho que estou a aprender a ser mais segura, a valorizar-me como mulher e como pessoa, olhar mais para mim. Mais… mais… já passei por muito a nível afetivo, mas apesar de tudo não desisti. Eu já tive, acho que… não posso dizer que bati mesmo no fundo, mas… já cai e tive que me levantar e não foi fácil, não é fácil. Mais… acho que assumo as minhas responsabilidades, apesar de ser muito mimada, que sou, assume até ao fim. Mais… mais…
Defeitos?
Defeitos tenho alguns.
Quais são os defeitos?
Sou muito repetitiva. Quando me chateio sou explosiva, digo coisas que não devo dizer. Tenho consciência que não devo dizer, mas continuo a dizer, porque estou tão chateada, tão farta que digo. Eh pá, não tenho assim defeitos, sou uma pessoa perfeita. Mais defeitos… a insegurança é um defeito muito grande. Não me lembra de defeitos.
Qua valores é que achas que os teus pais te transmitiram que gostavas de transmitir às tuas filhas?
Sentido de família. Tens de dar o teu melhor, que deves valorizar-te. Nunca deves desistir. Ah também o gosto pela cultura dos países dos teus pais, deves ter curiosidade de conhecer.
E o que é que fazias diferente na educação?
Sabes que antigamente batia-se muito aos filhos e tudo era ameaçado com sinto risos, eu apanhei com o sinto. O que é que eu fazia diferente? Acho que uma coisa que eu… eu acho que tentaria aproximar mais as minhas filhas da cultura dos… dos seus antepassados, dos avós, dos seus bisavós, do pai, porque o pai é caboverdiano. Conhecer, estar mais em contacto com as raízes. Ah… mais… a minha filha não quer ir a Cabo Verde, mas acho que é uma coisa já dela por medo. Por medo só. A Leonor é pequenina não liga nada a essas coisas. Mais…valores, acho que foram esses valores. Acho que foram bons valores.