Vou pedir que te apresentes. Quero que me digas a idade?
38.
Zona de residência já sei que é aqui.
Não, neste momento não é: Almada.
Almada.
Monte da Caparica.
Tipo de habitação, só se é apartamento, moradia…
Andar.
Nível de escolaridade?
Licenciatura.
Em que área?
Desporto. Ciências do desporto.
Ok, ok. Profissão?
Não sei dizer-te, não há uma designação, não tem designação. Acho que é auxiliar.
Numero de irmãos?
Oficiais são 3 mais 3.
Estado civil?
União de facto.
Número de filhos?
Dois.
Escolaridade do pai?
Não tinha.
Da mãe?
A mãe acabou agora… aquilo que ela fez à noite… 2.º classe, só para aprender a ler e a escrever.
Profissão do pai?
Era marinheiro.
Marinheiro… mãe?
Empregada doméstica.
Nacionalidade do pai?
Portuguesa, depois caboverdiana.
Depois de 75?
Não, depois perdeu a nacionalidade e ficou com a caboverdiana. A minha mãe foi o inverso, tinha caboverdiana e atualmente tem dupla nacionalidade.
Ok. E tu tens nacionalidade?
Caboverdiana.
Ok. Vou começar pela escola, como é que foi o teu percurso escolar? o percurso foi todo em Portugal?
Foi todo em Portugal, desde a 1.ª classe até à licenciatura.
A primária é feita em que zona?
Aqui na Buraca ao pé do bairro, na altura na escola primária, na altura na n.º 1 da Buraca, a primária agora Alice Vieira.
Mudaste de escola nesse período ou não?
Não, não, não. Não houve nenhuma alteração a nível escolar. Interrupção
Preparatória, mesma escola?
Não, foi noutra escola. Geralmente nós aqui temos o primeiro ciclo depois mudamos de escola. Então o 2.º ciclo foi na escola preparatória da Damaia, não é, hoje Pedro D’Orey da Cunha.
E todo o percurso feito na mesma escola?
Tudo feito na mesma escola.
Secundária?
Secundária foi feita na secundária da Damaia, atualmente D. João V, fiz o 7.º, 8.º e 9.º diurno e depois diz o 10.º, 11.º e 12.º noturno.
E a licenciatura?
Licenciatura foi feita na Universidade Autónoma de Lisboa.
Houve reprovações?
Houve sim. Na 2.º classe, e ainda bem. Depois no 7.º ano.
Dois anos só?
Dois anos.
Quais eram as disciplinas que tinhas mais dificuldades?
Na altura…é assim… na primária eu não sabia ler nem escrever na 2.ª classe, porque não sabia ler nem escrever na altura. No 7.º ano chumbei devido se calhar mais ao comportamento e se calhar ao pouco conhecimento ao nível da matemática, nas aulas de ciências exatas tinha mais dificuldades digamos.
E quais eram as disciplinas favoritas?
As de letras. Desde o inglês, história, geografia… todas as línguas, tive inglês, tive francês, tive alemão no meu percurso escolar e nunca tive problemas. A história tive ali um ano, acho que foi no 7.º ano que tive ali, no 6.º e 7.º ano tive ali uns problemas, não faço ideia porquê, porque eram sempre disciplinas que gostava e nunca tive assim problema. Mas normalmente eram essas áreas. As áreas mais ligadas às letras. Não vou dizer que educação física e moral eram assim… não, porque para já puxavam por mim e a dada altura na minha voda, apercebi-me que do 6.º… do 8.º ano se tivesse calado na sala de aula e tivesse atenção ao que os professores diziam até não precisava de estudar muito, até as coisas caiam dentro da cabeça. Foi assim sempre o percurso todo da vida. Foi sempre assim. Estar atento às coisas, olhar para as coisas, perceber, às vezes questionar, não é. Irritar os professores algumas vezes com as questões. Irritar colegas, procurar mostrar e afirmar que sabia as coisas, não é. Principalmente essas áreas… principalmente a geografia, história e inglês tinha tendência para ser indisciplinado na sala de aula no sentido de dizer sempre… ou mudar as frases dos professores, ou mudar frases de colegas, mas sempre no bom sentido. Interrupção
Achas que fazias isso intencionalmente ou era…
Não, não, não. É assim havia uma coisa… mais no 9.º ano, foi ali um ano muito espetacular para mim, porque havia uma competição dentro da turma, não é. Competição de querer ser-se melhor, de querer… aqueles que estudavam mais… era uma turma engraçada na altura. De certa forma nas áreas como matemática, físico-química que era o meu calcanhar de aquiles, os colegas digamos gozavam, mas quando chegava a história e geografia e conseguia. Depois a turma era uma turma engraçada, com colegas com grande potencial, que hoje conheço que trabalham em alguns institutos em Portugal e dão aulas… colegas dessa altura que dão aulas na universidade. Pessoas de muito grande valência ao nível intelectual na altura. Foi engraçado na altura. Não foi com ar de propósito, eu também sabia que era capaz. Depois também descobri que, depois nós jovens aqui do bairro naquela altura, nós tínhamos a tendência de achar que por exemplo só os alunos brancos é que tinham 5, tiravam 5, tiravam 4, nós tirávamos 2. Eu apercebi-me que era também capaz de tirar 5 a geografia, a história e sem muito esforço, acredita. Claro que quando chegava a matemática, quando tirei a primeira positiva a matemática foi tirada no 9.º ano, uma professora espetacular, preocupava-se com os alunos, preocupava-se, preocupava-se connosco todos e a foi a minha primeira positiva a matemática na minha vida toda. Recordo-me como se fosse hoje. Isto é, eu tinha uma turma muito boa, competitiva no bom sentido, os trabalhos de grupo também eram competitivos, fazíamos trabalhos de grupo que é uma coisa muito saudável, ao contrário do que aconteceu no 8.º ano e no 7.º ano quando chumbei fez-me muito bem. Não me fez mal. Chumbei porque não estava preparado para… tal como não estava na 2.º classe, não estava preparado para transitar para o 8.º ano, no 7.º ano não estava preparado. Eu acho que era muito infantil na altura, muito, muito infantil. Muito criança, em termos daquilo que se podia… em termos de desenvolvimento cognitivo naquela altura que se precisava. Eu para trás acho que as opiniões se tomaram.
Tinhas algum incentivo para estudar ou alguém que…
A única coisa que eu tive de incentivo é a minha mãe e o meu pai que diziam que eu tinha de estudar para ser alguém na altura. Tinha de ser melhor e tinha de ser exemplo dos meus irmãos, que tinha de ser exemplo da minha família, que tinha de ser exemplo para toda a gente, porque eles trabalhavam bastante para nós podermos… não foi… porque os meus pais só foram à escola na minha vida, na primária uma vez ou outra, roubei pão a uns meninos e outra porque andei a fazer porcaria. Os meus pais sempre foram à escola por causa das coisas quando corriam mal, na primária, na preparatória, e… e no secundário não me lembra de eles terem ido à escola, a minha mãe dizia claramente a partir daquele dia que eu chumbei, passas a chumbar, passas a ir trabalhar. Se não querias estudar… nem desgostava de estudar, mas eu sempre gostei da escola, por causa dos amigos, era lá que encontrava, para além da escola a igreja, é lá que encontramos os amigos, é lá que nós partilhávamos, é lá que nos transmitíamos conhecimento e percebíamos um conjunto de coisas que em casa não percebíamos, coisas tabus que não se falam. A minha mãe… o meu pai sempre teve fora do país, sempre trabalhava como marinheiro e raramente estava cá… e só cá vinha praticamente duas vezes por ano e nessas duas vezes por ano era duas semanas, não é. E muitas vezes ia ter com ele num ponto qualquer em Lisboa ou em Sines ou em Matosinhos e via o meu pai assim. A minha mãe ficávamos, ia, batia-me, procurava se fizesse maldades, ela ficava polvorosa e tinha que se fazer isto e tinha que se ter este tipo de postura na escola, respeitar os professores, respeitar os alunos, respeitar toda a gente desde a porta, desde o chão que pisamos até à pessoa máxima da escola. E foram bons ensinamentos. Depois também tive muita sorte. Na altura tinha tios que olhavam por nós, os vizinhos, muitas pessoas na altura olhavam por nós e havia essa questão do respeito dos mais velhos e essas coisas todas. E tinha muito gosto nessas coisas. O objetivo que os meus pais me deram foi nesse sentido, no sentido de olha tens de ser se não, não dá, tens de ser o exemplo, és o primeiro filho, tens de ser o exemplo, tens de ser o exemplo em tudo. Modesta à parte, o meu pai que já faleceu acho que ele tinha muito orgulho naquilo que eu era. A aminha mãe ainda hoje tem muito. Quando acabei a licenciatura ela levou para Cabo Verde a pasta com as coisas todas e acabei a licenciatura já com… depois dos 30. Depois dos 30. Deixei de estudar depois do 12.º ano… depois de acabar o 12.º ano tentei… acho que tentei… nessa pausa tentei, fiz os exames, nem sequer sabia… nem sabia se havia exames para ir para a universidade, eu pensava na altura que a escola tinha acabado ali. Só fui atrás porque uns colegas disseram que iam fazer coiso para ir para a universidade, achava o nome engraçado. Inscrevi-me para história, para história e para educação física. Não fiquei colocado salvo erro para história foi por um ponto na altura… acho que a média era de 15 e eu tinha 14, porque nem sequer estudei para o exame, nem sequer sabia que existia exame, fui ao exame por ter ido. Naquele dia não sabia. Depois no ano seguinte tentei , mas depois desisti. Fui para educação física, ainda cheguei a ir à FMH, quando foi para educação física, ainda cheguei a lá ir, entrei, não sabia que era preciso pagar nada, entrei assisti a uma ou duas aulas naquele dia e depois quando apercebi-me que tinha que se pagar vim-me embora. Eu disse à minha mãe e a minha mãe disse que eu não tinha dinheiro. Não tinha dinheiro na altura. Ela tinha os meus irmãos e os meus irmãos também tinham de conseguir as mesmas… nós tivemos quase todos os mesmos percursos, chumbamos todos na 2-º classe, chumbamos todos no 7.º ano, ouvi ali situações que uns chumbavam mais vezes e outros chumbaram menos vezes, mas a ideia era ter isso. Eu só depois de trabalhar, de ver a vida, de conhecer… conheci muita coisa, decidi um dia, olha se calhar estava na altura de reiniciar aquilo que comecei e fui tirar o curso de gestão desportiva na altura à noite, porque tirei o curso à noite porque estava a trabalhar, já tinha casa, já tinha um filho, tinha que preocupar-me e a minha mulher por acaso apoiou-me nisso, ela tem mais escolaridade do que eu e tem uma visão das coisas, ela achava que eu deveria. Achei… fiquei um bocado desiludido com a universidade, fiquei um bocado desiludido porque a maioria das coisas que fui aprender já sabia, excetuando algumas coisas a nível legislativo, que acrescentou ir lá, mas grande parte daquilo que era a nível do desporto, que a minha vida também é relacionado com isso, não foi acrescentar, foi dizer assim, pensava assim se calhar tenho de pensar um bocadinho mais assim para ser. Não foi assim uma descoberta que achasse. Tenho esperança de ainda ir fazer o mestrado em sociologia e desporto um dia, mas não pretendo fazer doutoramento, porque eu acho que quem quer fazer doutoramento é para dar aulas, é para dar aulas vale a pena. Porque depois o investimento tal que se a pessoa não for para trabalhar na área do ensino, não é, a par da investigação pura e dura, no ensino e investigação, é a minha opinião pessoal. Não acho que o investimento seja… se eu não quiser trabalhar, se calhar não compensa. Isso falo eu na minha opinião pessoal.
E os irmãos, fala-me um bocadinho mais dos teus irmãos? Para já queria saber idades?
Eh pá. A minha irmã…
São mais novos ou mais velhos?
Os meus irmãos aqui em Portugal são todos mais novos que eu, os de Cabo Verde são todos mais velhos do que eu. São irmãos porque são do mesmo pai, apesar de ser de um pai que eu digo que não é meu pai, não é, mas eu considero pelo menos dois deles meus irmãos. A escolaridade deles não tiveram muita escolaridade em Cabo Verde, não tiveram muita, tenho pena pelo menos por um deles, o meu irmão porque ele sempre gostou… preocupado com o este lado desta família, tive sempre… sempre soube que não eramos filhos iguais mas ele sempre como irmão, respeito mutuo, não é. Mas os meus irmãos aqui em Portugal como eu te estava a dizer eles estudaram todos na mesma área, excetuando aqueles que nasceram depois de 2001, o mais novo já estudou aqui na Cova da Moura, o outro fez Buraca, a menina fez a escola da Alice Vieira toda também. Ouve um o intermédio que fez parte ali e outra parte aqui na Cova da Moura. Depois eles foram para a escola… eles também fizeram a preparatória… já as escolas foram diferentes, por muitas razões. A minha irmã foi para a Azevedo Neves, os meus irmãos um deles não chegou a acabar, o mais novo acabou no 6.º ano, depois ele… nós mudamos de residência, ele foi para uma escola e as coisas correram muito mal. O outro só foi até ao 9.º ano, não conseguiu também, escola não conseguiu transmitir aquilo que me conseguiu transmitir, por muitas razoes, por muitas razões. Mesmo a rapariga não conseguiu… mês eles têm esta ambição… depois o mais novo conseguiu fazer o 9.ºano pelos cursos profissionais, o intermédio espero que um dia acabe, espero que um dia acabe pelo menos o 12.º ano. A rapariga que agora está a viver em Inglaterra com o tempo passe a terminar, porque é preciso. Isto tudo tem a ver com as necessidades, não é. Porque muitos deles não havia essa necessidade, eu incentivei sempre para eles continuarem a escola, fui o encarregado deles depois, mandava vir com eles, bater-lhes, ir para a escola e não sei das quantas, a escola é importante, a escola é importante, a escola é importante saber ler, saber línguas e essas coisas todas, saber o mundo, saber isto tudo era importante. Só que isto nem sempre… eu tinha um papel ingrato porque pai, irmão, encarregado de educação, e a relação às vezes é um bocado complicada. Eu acho que aquilo, acho que acima de tudo percebem e acho que eles vão educar os filhos deles e eu vou educar os meus filhos de modo muito diferente em termos escolares e a participação na vida académica deles. Aliás, eu vejo o meu irmão mais novo, o filho está na creche, os irmãos também estão na creche, a minha irmã também. A participação deles na vida ativa, as reuniões da escola, saber o que eles andam a fazer, o conhecimento, o conhecer as pessoas, é muito diferente do que os nossos pais tiveram connosco. A minha mãe… os meus pais…só foram à escola com coisas más. Mas eu também vou à escola quando é coisas más, uma vez perguntei se não havia coisas boas também para dizerem deles, do mais novo, sim, sim também há, mas as pessoas não conseguem identificar. Mas houve ali… é diferente ali a ideia. A ideia que eu tenho da escola e que eles tiveram, e a relação que eu tive com a escola muito estreita que eu tive.
O que é que tens a dizer sobre os professores que tiveste?
Na primária…acho que os professores da primária marcaram-me bastante, marcaram-me bastante. Primeiro era só um, mais fácil nós indicarmos de conseguirmos consciencializar o que nos transmitiram e depois já temos as fotografias que indicam alguma coisa e depois saber que mais tarde aquilo que elas nos disseram e aquilo que disseram da nossa turma aos outros, foi… na primária tive duas, tive duas, uma na primária a professora Adelina que batíamos bastante, bastante, eh pá, era a maneira que ela sabia na altura, não é. Era nova tinha chegado, a gente apanhou de cana, uma data de coisas que havia à mão, mas preocupava-se, queria que a gente aprendêssemos da maneira como ela sabia. Hoje ela ensina diferente, não tive o prazer ainda de estar em contacto com ela. Não estive o prazer de estar com ela posteriormente a esta situação, mas ela conseguiu transmitir isso para uma ex-colega minha que disse que ela pede imensa desculpa por aquele período. Porque ela marcou-nos, porque foi traumático. A gente tinha muitos problemas e ela conseguia dar calma da malta, batia-nos. Não sabíamos a tabuada ela levantava a mão e era até sabermos, até sabermos. Doeu, mas aquilo doeu na altura, hoje não dói e eu percebo perfeitamente. É como a minha mãe, a minha mãe batia-me porque era a maneira que sabia, já os meus irmãos não levaram porrada. Depois uma professora, uma professora pá que é a melhor professora que eu já tive na vida, porque ela foi professora, não foi amiga, encontrou com um colega meu há um tempo atrás e encontrou com ela e disse se um dia a gente quisesse encontrar, ela certamente não ia encontrar no que cheguei hoje. Ela ia ficar muito contente com isso. Ela conseguiu fazer um conjunto de coisas da 2-º até à 4º classe, com ela, um conjunto de coisas, que hoje na escola poucos ainda fazem, teatro com as turmas, fantoches, um conjunto de coisas que nós fizemos, pinturas, fazíamos passeios, sempre estávamos a passear, tínhamos passeios, passeios, e passeios com ela. Desde a 2.º classe, eu chumbei na 2.º classe e apanhei ela depois, até nós irmos, é sempre passear, passear, passear, atividades, coisas, ela mostrou-nos coisas. Aprendi com ela a fazer contas. Ela tinha uma turma muito, muito complicada, mas ela… ela era pequenina, pequenina, ainda me lembro, pequenina, pequenininha, só que metia aquela gente toda no respeito, na linha. E não precisava de ser má, a gente estava fazer break dance na sala quando saia e alguém ficava de vigia, ou eu ou outro colega, e quando a gente via ela a vir a gente sentava quietinhos e é claro que toda a gente a fazer, a gente não conseguia ir todos e ela dizia… e com ela os meus pais foram à escola, foram à escola. Foram à escola na altura, lembro-me no primeiro dia de aulas, bata branca na fila com uns rapazes aqui na Cova da Moura estávamos lá, uns a chorarem e eu lá todo aflito, a minha mãe não foi comigo, estava a trabalhar, a vizinha foi comigo, foi a vizinha e lembro-me perfeitamente disso até hoje. Lembro-me de algumas coisas que fiz com a professora. Lembro-me de um dia pedir o meu dossier da escola, já não estava lá, já tinham deitado tudo para o lixo, lembro-me de lavar o meu filho lá à escola e estar por ali pelos pátios e estar a ver a escola velha, o pai esteve aqui na escola velha e depois foi para a escola nova. Depois na preparatória aquilo foi muito complicado, apesar da turma ser muito boa, uma turma muito boa, grandes amigos que eu tive lá, que ainda há pouco tempo que me encontrei com alguns, foi espetacular. Mas foi complicado, muito duro. Sair do 4.º ano para o 7.º ano tens um professor, tens quatro disciplinas passas para dez ou doze, e aquilo sempre assim, nem todas as pessoas conseguem se adaptar da melhor maneira. Foi complicado… aquilo ali é mais… e os professores nem sempre têm tanta paciência que se tem com os alunos, que se deveria de ter naquela altura de transição… ter-se ali alguma sensibilidade, é complicado as pessoas terem… é muito duro, foi muito duro. Não me recordo de nenhum professor especificamente. Tirando a professora, que não é a minha professora, mas que é professora de educação física que fazia o rancho folclórico na escola, de resto não me lembro. Se eu quisesse recordar… no secundário já foi diferente. Alguns professores muito bons. De dia tive professores, tive maus professores de dia, de físico-química intragável, matemática intragável, porque muitos de nós tínhamos muitas dificuldades porque muitos de nós não tivemos as bases. Os meus pais não podiam pagar a explicadores não sei das quantas. Nem sequer sabia que existia isso, mais tarde é que apercebi-me que havia essas pessoas que ajudavam as outras pessoas. Outras professoras como, a professora de ciências, de francês ou alemão, depois à noite de alemão, de economia, e os professores de educação física da escola, os professores de educação física da escola. Os professores de educação física foram o máximo. Há lembro-me sim senhora de um professor do preparatória, o padre, o padre de religião e moral, passava filmes do Bruce Ling. Tínhamos aulas ao sábado, enquanto os outros ficavam a ver bonecos, eu e uns quantos íamos ao sábado. Eu lembro-me que no secundário os professores de educação física porque eram pessoas espetaculares, a professora nobre, o professor Paulos, a professora Olinda, pessoas que ficaram na memória, por causa das coisas que nós fizemos na escola. A coisa do desporto escolar marcaram imenso, deixou um bichinho do desporto escolar. a professora de geografia no 9.º ano e de história. A professora de matemática preocupava-se, para além de ser gira, preocupava-se com todos nós, todos nós, todos nós. Não queria saber aqueles que sabiam mais, aqueles que sabiam menos. Não queria saber aqueles que sabiam mais, que sabiam menos, preocupava-se. Eu lembro-me que no teste, ela foi-nos tirar o teste e ela disse… a gente não sabia nada daquela porcaria, pouco percebia daquilo, naquele ano ela preocupou-se em nós percebermos, aliás ninguém faltava, ninguém faltava à aula, não porque ela era gira, mas porque ela era boa professora, cativava-nos. Os rapazes, nós rapazes andávamos a sonhar com ela. Ela preocupava-se realmente connosco. Ela disse: estou chateada com vocês, nós já tínhamos feito porcaria, a gente não copiou pelo teste, a gente nem sequer copiou, ela disse: ninguém mexe no teste, chegou cá, virem o teste. Tivemos sessenta e tal por cento, cinquenta, passamos com positiva. Eu lembro-me perfeitamente e ela depois foi-nos dar um beijinho, a gente ficou contentíssimos, não dá para ficar vermelho, mas lembro-me como se fosse hoje, porque ela preocupou-se, preocupava-se imenso. À noite foi muito diferente, à noite naquela altura eu era o mais novo, era o mais novo daquela gente toda, eu lembro-me que às vezes até dormia na sala de aula. Estava a trabalhar, eu ia para lá e dormia. E foi duro, duro no sentido que foi exigente para mim, para o meu corpo. Mas consegui fazer aquilo com esforço, a estudar também, preocupado com as notas, porque via aquela competitividade toda e também queria mostrar, apesar de ser o mais novo. Foi giro com a malta da noite, com o nosso professor de filosofia, agente tinha as nossas aulas no café, a gente comia e depois quando faltava para aí uma semana para o teste ele dava a matéria a correr. A gente depois viu-se à rasca. Mas à noite era um ambiente diferente, era malta mais velha, professores com outro tipo de sensibilidade mas já assim…eu lembro-me de me acordarem no final e dizer está cansado não está, pode estar a dormir, como um bebé. Era um professor muito fixe. Foi giro… à noite, os colegas de noite eram pessoas mais velhas, alguns moram cá, a gente recorda-se e… eu já não me lembra deles, era muito novito e a cara deles… mas eles dizem que eu continuo na mesma, com a mesma cara de palhaço e de bebé. Mas foi giro, foi um período de relação dos professores, não vou dizer que todos foram maus, mas ouve gente muito má. Gente pouco preocupada, se calhar faziam o máximo, se calhar nós é que eramos… mas eu acho que eles podiam fazer muito mais na altura. Naquela altura os alunos do ensino secundário eram tempos complicados, não é. As questões de provas gerais de acesso, um conjunto de coisas que se passaram também, foram anos de luta, eu estava envolvido e na linha da frente e era mais para a diversão.
E hábitos de estudo?
Hábitos de estudo, só se iniciou a partir do 9.º ano. Só a partir do 9.º ano. Até lá não sabia o que é que era estudar porque nunca ninguém explicou o que é que era estudar. A minha mãe dizia para fazer trabalhos de casa, eu fingia que fazia os trabalhos de casa e depois ia-me safando, não é. Fazia algumas coisas, se a professora mandava trabalho e agente fazia trabalho de casa e mais nada. A partir do 9.º ano descobri uma coisa simples, para além de eu estar parvo, estar com olhar de parvo a olhar para a professora, e portar-me bem e não fazer barulho, era estudar uma semana antes de começar a estudar para os testes desde o inicio. No 9.º ano quando recebi os livros, li os livros todos. Li tudo, sublinhei tudo e quando chagava a aula já sabia as coisas que a professora ia dizer, ai tinha problemas com os professores, já sabia as coisas que iam dizer. Depois não estudava muito, olhava… algumas vezes à luz de candeeiro, algumas vezes à luz de candeeiro, no 9.º ano foi muita luz de candeeiro, luz de candeeiro a estudar com música, com música. Neste momento acho que é rádio…rádio clube de Portugal, na altura dava música calminha, eu estudava sempre com música ou televisão aberta. Outro método de estudo que eu tinha era a RTP 2, RTP 2 dava programas educativos de história, e se fosse preciso eu devorava aquilo tudo e depois as coisas tornavam-se muito mais fáceis. Tinha hábitos de não queria ler as legendas dos filmes, ouvir especialmente os inglês e ajudei muitos colegas, especialmente no 10.º ano, 11.º ano e 12.º ano ajudei muitos colegas. Ia para casa de muitos colegas meus estudar, íamos todos estudar alguns rapazes e raparigas. Os hábitos de estudos foram esses, não sabia o que era estudar e depois apercebi-me que se calhar se estudasse um bocadinho daqui, um bocadinho dali, não acumulava a matéria, porque no 11.º foi duro no sentido de corpo. 11.º e 12.º foi fácil, foi tipo universidade.
Achas que algum colega teu teve influencia no teu percurso ou não?
Os meus colegas…os meus colegas… portar muitos deles, para portar mal muitos deles, na primária tinha muita gente, muita malta que até hoje é malta perigosa, alguns deles é malta perigosa, uns deles já faleceram, muitos deles já tiveram encarcerados, e sobreviveram, andam metidos nesse tipo de coisas. Foi mais para a diversão, muitas vezes nem sequer a gente tinha consciência do que fazíamos, eu pessoalmente muitas das coisas que eu fiz, não tinha consciência. No preparatório muitos colegas que ajudaram, porque eram bons colegas, não é. No 9.º ano é que foi aquela competitividade, a Carina, o Ricardo, o Marco, essa gente toda, os colegas todos, a gente estava lá queríamos fazer os trabalhos de grupo, queríamos fazer coisas e mais coisa e mais coisas, e competitividade nos testes de ser melhor na matéria, eu lembro-me que a Carina ela tinha tido 99% e eu tinha tido 100% a geografia, eh pá e de gozar com ela feito louco e de ela chateada a chorar por não tinha tido melhor nota que tu, aquilo foi um gozo, mas foi um bocado mau. Foi aquilo depois entendemo-nos, eramos colegas. O Zé e aquela malta do bairro depois apercebemo-nos a uma certa altura que… ei, nós somos capazes de também tirar 5 e tirar 100%, a gente apercebeu-se disso de alguma maneira. Isso é uma boa geração, é uma geração de 70, 76, 77, 78, é uma boa geração daqui da Cova da Moura, que estudou. Por ventura nem todos nós fomos para a universidade. Por ventura nem todos fomos para a universidade. Há mas nós temos grandes competências, alguns foram, mas nem todos foram. Porque se calhar os nossos pais não tinham possibilidades financeira ou conhecimento para dizer… muitos de nós era acabar o 12.º ano e depois não havia mais nada. Os nossos pais não sabiam que existia essas coisas. Só mais tarde é que começaram a aperceber e a gente vai tendo consciência. Só um exemplo claro dos nossos pais, havia uma coisa que era o SASE, os nossos pais não sabiam que havia SASE, que havia apoio para as coisas. Eu tive de tratar tudo sozinho, porque disseram que podiam dar os livros da escola, e tive de pedir as coisas à minha mãe para fazer, porque a minha mãe não sabia ler nem escrever, fazia tudo sozinho. Depois tinha de por só um risco, depois é que assinava. Nem todos tinham conhecimento destas coisas. E foi… os colegas… muitos deles passaram influencia. As relações pessoais que se tem com os nossos pares continuam para a vida, se as coisas correm bem continuam para a vida. Podemos não ser os melhores amigos, os melhores amigos, mas são relações que perduram para a vida, eu falo por mim. Eu quando vejo um colega a gente fica doido, maluco, encontrar com um… há uns quantos que eu desejo um dia encontrar não é, o Marco, o Monhé, o Flávio, malta do 9.º ano, a Carina, eu quando vi a Carina disse eh pá fantástico agradeci-lhe, agradeci-lhe pela competitividade, pela ajuda que ela às vezes fez nos testes de matemática, que ajudava, que deixava copiar uma vez ou outra, não é. E foi isso, não mais.
Com que idade é que começaste a trabalhar?
16.
Em quê?
Comecei a trabalhar nas férias com o meu padrinho, porque a minha mãe tinha que ganhar dinheiro porque a minha mãe não tinha dinheiro para os livros, e fui trabalhar para tipo uma fábrica de carnes, era embalar carnes, era carregar carne para aqui, era ajudante daquilo que fosse preciso. Depois desse ano, depois de ter trabalhado… comecei a trabalhar na Ford como ajudante despachante, as pessoas vinham com peças, ia buscar as peças, entregava as peças. Depois comecei a trabalhar numa empresa de luz que é a ediclube ali em cima, e depois… isso no 9.º ano, depois no 10.º ano comecei a trabalhar nas obras com o meu pai. No 10.º ano… peço desculpa, no 10.º ano comecei a trabalhar nas carnes, no 9.º fiz as férias, depois quando fui para o 10.º ano comecei a trabalhar na Ford, na Fricarnes, para depois poder ajudar e depois ia estudar. Depois no 10.º ano para cima, tive um tempo na ediclube e depois comecei a trabalhar nas obras com o meu pai, até ao 12.º ano, até acabar. Depois ali no 12.º ano aleijei-me no ombro a jogar à bola, fui operado e deixei. Foi muito complicado, pá. Ser estudante trabalhador é muito duro porque alguma coisa vai ter de prevalecer, não é. Eu dou-te o exemplo agora enquanto trabalhador estudante, pai e com outras coisas à volta. Algumas pessoas perderam-se, algumas amizades ficam para trás, tenho de tomar opções, outras coisas que gostava de fazer deixei de o fazer, quando comecei a estudar à noite e trabalhar, deixei de poder estar ao fim de semana com algumas pessoas, à noite com algumas pessoas, deixei de estar em certos meios que eu gostava de estar por exemplo a nível religioso, com os meus colegas e mais tarde na universidade deixei de fazer um conjunto de coisas, o desporto ficou de parte, foi escola e trabalho. Apesar de não ter estudado, era mais pelo número de horas que estava ocupado, eu só estudei para os testes de direito, mais nada. Os outros não precisei de estudar.
Com que idade começaste a atividade que tens agora?
Aqui no moinho tinha 21… 23 anos, acho que tinha 23 anos. 23 anos.
Qual foi a motivação?
Não foi nenhuma, eles convidaram-me. Aliás minto, com isto no ombro… isto é com contrato foi com 25 ou 26, mas quando aleijei no ombro, não é, estava a estudar à noite, o ombro depois acabei o 12.º ano e estas coisas, o ombro não ficou bem e teve ser muito repouso e nem sequer podia trabalhar nas obras. Muitas estava em casa sem fazer nada o dia, depois ia para as aulas e vim perguntar se eles querem alguma coisa para ajudar, também fui aqui criado, fiz atividades aqui no moinho, então comecei a fazer recados para as pessoas, coisas… mais tarde ofereceram-me um contrato. Entretanto depois recusei, fiz uns tempos, mas depois recusei. Fui trabalhar na área de animação, entretanto convidaram-me para fazer parte de um curso de formação de animador sociocultural e de mediação, aceitei e fiz esses anos todos, foi divertido com colegas do bairro, com pessoas que já conhecia. Depois fui trabalhar para Alfragide para um associação, e aí…depois mais tarde é que convidaram-me por causa de um projeto europeu para vir cá trambalhar porque precisavam de uma pessoa com as minhas características e aceitei aqui. Não havia, não havia, não havia motivação nenhuma, era trabalhar, não estás a fazer nada, não estás na escola, podes ganhar mais, porque eu antes de decidir tento perceber qual os benefícios que eu fico beneficiado com isto, são um conjunto de coisas, desde salário fixo, comparado com o que tinha mais elevado, segurança social, podia ter férias, essas coisas que não tinha. Por isso, perguntei à minha mãe na altura o que ela achava e a minha mãe disse que se achava que era uma coisa boa para mim, aceitar, e cá estou hoje.
Fala-me um bocadinho do trabalho que desenvolves aqui e como é que isso te realiza como pessoa?
Acima de tudo realiza-me… aqui, o trabalho aqui não tem nada a ver com salario, tem a ver com um dever, com um dever, porque eu fui das primeiras crianças do bairro que também beneficio disto e enquanto criança e enquanto jovem. Enquanto jovem… enquanto criança, pudeste fazer parte de um grupo de atividades desportivas aqui na associação, não é, e ter conhecimento de coisas que já existiam, livros do tim tim e outros, banda desenhada cm sete oito anos li banda desenhada, são atividades que fizemos aqui, não é. Coisas que nos proporcionavam. Com as férias ir à praia, eu ia à praia com os meus pais, mas era muito diferente daquilo que se fazia, íamos de autocarro, nós apanhávamos uma data de camionetas, mais o comboio para ir à praia. Nós tínhamos o autocarro para ir à praia. A gente sentia-se importante na altura. A maioria da gente que estava aqui no futebol e no basquete dizia, tenho que ir para o estágio. Íamos de camioneta, era giro. Depois a maioria das pessoas era muito novas, a Zeia, a Augusta, a Mila, a Isabel, aquilo era giro na altura. Depois… aquilo que depois obti enquanto jovem, e as oportunidades foram surgindo e fui aproveitando elas, os intercâmbios juvenis, desde o poder de estar a comunicar com pessoas, de desenvolver competências de umas áreas que eu desconhecia, não é, poder perceber de um conjunto de coisas que existem para além deste muro, aqui. Uma coisa é viveres na Cova da Moura, Damaia, Amadora, não é, outra coisa é poderes sair para a europa e poderes ver outras coisas, que não é só existires, e que as coisas que tu tens…que existem na tua comunidade são iguais a muitas outras. Trabalhas com as pessoas para poderes desenvolvê-las, para mudá-las, ou mitigá-las ou erradicá-las. Poderes perceber por exemplo que há um conjunto de pessoas fantásticas por esse mundo fora que te podem acrescentar, apaixonares-te por essas pessoas, não é, intelectualmente e amorosamente por essas pessoas, e também poderes perceber que és só mais um… és mais um, és importante, mas não és nada, não és nada. Tens de aprender, crescer. Essas oportunidades vão surgindo e hoje o meu dever é este, porque também tive pessoas que acreditaram em mim, olharam para mim e viram o meu potencial e disseram assim: este rapaz como eu disse-te precisavam de uma pessoa com o meu perfil e com as minhas capacidades. O meu dever aqui hoje, é mais um dever cívico para com estes jovens, porque eu tive a oportunidade e gostava que estes miúdos também tivessem aqui as mesmas oportunidades. Pudessem aproveitar e ter alguém… que esta instituição pudesse proporcionar. Mas há uma diferença entre mim e outros como eu que tiveram cá na associação e os jovens de hoje, um nós não esperamos nada, nós não contávamos com nada, nós lutamos por merecer, fizemos por merecer, hoje estão mais à espera que as coisas aconteçam por eles do nada e que nada em troca têm que dar. Nós demos muito em troca, as paredes desta casa, as paredes, porque quem faz esta instituição, esta parte física e esta parte emocional da instituição são as pessoas. As pessoas é que trabalharam para construir o moinho da juventude, cada bloco, cada bloco. Depois aquela parte mais filosófica e mais intelectual da coisa que é o espirito do moinho, fazemos nós por passar. Estes miúdos hoje em dia nem sabem muito bem porquê que estão cá, porquê que vêm cá. Porque vêm, porque se calhar não têm outro sitio, não é. Porque eles têm hoje um conjunto de coisas que nós se calhar não tínhamos. Ainda bem para eles, ainda bem para nós. Não estou a dizer que somos melhores ou pior que eles, ou vice versa, é que há uma inercia nalguma parte de alguns casos, de que estamos a contar com algo que é um dado adquirido, é uma obrigação, que a instituição tem de proporcionar aos jovens da Cova da Moura e para obter tal, nada têm que fazer. ora muitas das coisas que existem já vêm de trás, não é, já vêm de trás. Se calhar… eu gostava de poder dizer a estes jovens que é preciso trabalhar mais, há um mundo, então hoje com esta relação de comunicação e formação muito mais proativa e próxima das pessoas, com Facebook, com as redes sociais, com a televisão , com o rádio e os jornais, hoje é tao fácil ter um jornal de papel, porque é grátis, antigamente tinhas de comprar e nem todos podiam comprar um jornal, ninguém comprava um jornal. Hoje a televisão pode te mostrar um conjunto de coisas, não é… e não consegues não consegues fazer com que aqueles jovens se apercebam que há um conjunto de oportunidades e não se esgota aqui. Na nossa altura esgotava-se aqui, mas mais tarde percebemos que não se esgotava aqui. Temos que mostrar que a oportunidade deles não se esgotam aqui e a gente… a gente não, nós, e eu falo por mim, e os meus colegas também acho que sim, tentamos isto, não é. Isto é um dever cívico, de proporcionar os mesmos direitos que estes jovens…se calhar ainda melhor, aquilo que eu faço, que fiz pelos meus irmãos foi isto mesmo, com intercâmbios, com passeios, conhecer pessoas, eles também tiveram todos. Em termos de educação, tentei, enquanto irmão mais velho, procurei que eles aproveitassem isto tudo, que tivessem isto tudo. Tudo, tudo que eu tive e se calhar eles tiveram a dobrar. Aproveitaram, sei que hoje… o que é que lhe fez, se calhar dão aos filhos deles outras coisas. Eu esperei que estes jovens consigam isso. É por isso que estou cá ainda, porque se não fosse por isso já me tinha ido embora há muito tempo. Oportunidades também de trabalho nesta área… atualmente não, mas há dois anos… há dois anos a três anos, tive oportunidades para melhor, as pessoas lançaram convite, projetos mais transversais a nível europeu enão aceitei porque acho que falta muito por fazer e não é o salário que me preenche é mais as pessoas.
Hobbies?
Ah…
Hobbies?
Hobbies… eu podia dizer que o meu hobbie favorito é chatear as outras pessoas…chateá-las, mas o que eu gosto de fazer é basquete, estar com os meus filhos, eles irritarem-me, estar com os meus familiares, estar ao pé dos meus jovens aqui do moinho, acima de tudo gosto de fazer… gosto de cozinhar, gosto de comer, gosto de passear pelo mundo e conhecer sítios… e gosto de estar com as pessoas acima de tudo, acho que…gosto de estar com as pessoas.
E em termos culturais? Leitura…
Leitura… não sou grande fã de romances, essas coisas assim, sou mias de livros técnicos, na área do desporto, tem a ver com essa área… uma vez ou outra um outro livro que possa digamos pela curiosidade que saia fora…, mas raramente leio livros de romance ou de drama. Gosto de séries, devoro séries, desde pequenino que devoro series, desde animação, de bonecos animados a séries de vampiros, vou ver… leitura como eu disse, alguns técnicos, alguns jornais… jornais hoje em dia acho que também não, acho que tendo ali a internet ver os jornais… não sou fã do Facebook, das redes sociais não sou muito fã, não paço lá muito tempo. Gosto mais de estar com as pessoas.
E havia hábitos de leitura em casa?
Só se fosse a bíblia, a minha mãe gostava de nos obrigar a ler a bíblia… ah… mas, eu até acho que nos faz bem de vez em quando porque tem um conjunto de frases inspiradoras que faz-nos refletir, frases poéticas. Mas acho que devia ler mais e transmitir isso também aos outros, mas eu não gosto de impingir aquilo que eu gosto às outras pessoas.
Também é coisa que não passa muito aos filhos?
Por enquanto não, porque enquanto eles são miúdos eu acho que tenho de deixar eles serem crianças, depois mais tarde conseguir ir educar. Os meus filhos adoram ler, livros em casa… eles desde um ano, por exemplo o mais velho desde um ano. Desde que nasceu até um ano, a maioria das coisas que ele recebe de mim e da minha mulher é livros, tipo livros. O mais novo tem livros… tem tipo uma estante… não é uma estante, é uma minibiblioteca com livros de histórias, de tudo e mais alguma coisa. Este está-se a habituar, o hábito… esse hábito a minha mulher cultiva-o bastante, tenho uma sala com uma biblioteca mas o mais são livros técnicos, mas é de outras partes mais da parte da psicologia, que a minha mulher é dessa área, e uma parte de animação para eles. O resto das coisas que são os valores para passar a eles, a nível religioso vamos tentando devagarinho, mas também queremos que eles descubram o seu caminho.
E em termos de educação, que valores é que transporta da infância e que valores é que….
Respeito, humildade, trabalho, dedicação… ah… respeito, muito respeito pelos mais velhos, novos, pelas coisas que estão ao nosso lado, que temos, valorizar a família, que eu acho que é o maior conselho que gosto de passar aos meus filhos e aos meus familiares. Nós podemos ser muitas coisas, mas sem família não somos nada, porque em ultima instancia a família é que nos vai defender. Os nossos amigos nunca vão defender de nada. Se nós um dia matarmos alguém e quisermos esconder o corpo, isso é a minha perspetiva, uns amigos nunca vão fazer isso por nós, um familiar é capaz de fazer por nós. Eu fazia isso por muita gente, faria por muita gente, mas não acredito que muita gente o faça. O conceito de família, de estar em família, a família como suporte básico da sociedade, eu atendo que é o principal valor que eu aprendi que não posso passar.
E de todos os familiares quem é que incutiu mais?
A mãe, a mãe. A mãe sem querer, sem querer. Depois o meu tio João Batista, João Batista, família, família, porque depois também fui habituado enquanto criança a levar com os familiares, tar sempre à volta de familiares, tinha a casa sempre cheia de gente. Eu quando venho aqui à Cova da Moura fico muito contente, porque vejo pessoas na rua com familiares a conversar, vejo as pessoas e a relação humana acima de tudo. Onde moro já não é bem assim, a família é muito reduzida, sou eu, a minha mulher e os meus dois filhos, e mais os meus sogros, e de vez em quando o meu irmão e a bisavó dos meus filhos. Aqui na Cova da Moura é muito mais que isso, é uma família muito mais alargada. A família não é só o núcleo duro da família é mais abrangente, vai desde as pessoas da rua, porque ser família é como ser irmãos, não é só o sangue que conta, conta um conjunto de coisas que nos unem e que nos une a todos, é por isso que tenho essa coisa de família.
Aproveito já para passar para o ambiente de bairro, como é que classificas o ambiente de bairro em que cresceste?
Eu cresci, espetacular. A minha infância… a minha infância foi a coisa mais deliciosa da minha vida e infelizmente os meus filhos e os meus jovens nunca vão passar, nunca vão passar, nunca vão ter o pé cheio de lama, nunca vão escorregar aqui até lá em baixo ao pé da Buraca num carrinho, nunca vão andar de madrugada a jogar à bola, nunca vão dar numa casa de arvore, nunca vão ter uma casa de arvore, nunca vão ter… andar atrás das meninas de noite de verão a querer andar a namorar com elas, nunca vamos ter aqui os miúdos de rua contra rua a jogarem à bola, foi uma infância de outro mundo, de outro mundo, que infelizmente os meus filhos não têm, eles não têm. Alguns aqui da Cova da Moura têm, mas não têm aquilo que nós tivemos.
Quais é que achas que são as vantagens e as desvantagens?
Do quê?
Da vida nesse ambiente?
Liberdade, respeito, autonomia… não digo liberdade, autonomia, respeito, amizade, relação humana acima de tudo, para com todos, sentido de comunidade. Hoje a vantagem do bairro para hoje é que existe mais coisas para os jovens, mas as coisas…são coisas momentâneas, são coisas do já, do agora, e a seguir vem outra, e a seguir vem outra… Esta sociedade é igualzinha à sociedade aqui do bairro, antigamente nós não íamos ao centro comercial, nós íamos à feira comprávamos um par de calças, aquele par de calças usávamos X tempo, os ténis X tempo, exceto se jogássemos à bola, não é, e atualmente não, não acabamos de usar e já queremos outros. Nós tínhamos dois canais e eles têm hoje trinta e tal canais, e a única vantagem que eu vejo é que tem desenhos animados e alguns deles mais espetaculares que eu tinha na altura. Desenhos animados mais espetaculares, mais parvos certamente, mais divertidos, mas com pouca conotação educativa. Eu tenho alguns, todos com conotação educativa, hoje é mais para a violência. Nós temos mais conceitos da amizade, da luta, do querer, tem essas coisas todas, mas estão subvalorizados. Claro, têm as novelas, acho que eles têm novelas mais fixes, porque as novelas agora têm raparigas mais giras que antigamente, mais giras e os temas são muito mais atuais do que antigamente. Os temas daquele tempo não se falava… eram histórias de encantar, hoje fala-se de coisas sobre a realidade que procuram afetar e mexer com os sentimentos, tenta haver essa consciencialização. Hoje já não é assim tanto, não é assim tanto, há histórias de amor, um conjunto de coisas da realidade que tem essa condição de amor mas está mais próximo das pessoas. Eles hoje têm… a vida do bairro, as pessoas há um certo receio do outro, do outro, as casas estão muito mais fechadas, antigamente era porta aberta, as portas do bairro, as casas estavam abertas e as pessoas relacionavam-se muito mais. Hoje não, cada um chega, trabalha e as pessoas todas trabalham muito mais horas, há mais desemprego.
E em relação há visão do exterior o que achas que…
Acho que… por exemplo acho que os amigos deles que estão fora do bairro vêm de forma diferente que os meus amigos viam, vêm muito menos. Os colegas deles têm uma relação muito mais… muito mais multicultural da coisa, e não acham engraçado, é uma coisa normal. Ir à Cova da Moura é normal como ir à Damaia, ir lá abaixo, não é. É uma coisa normal. No meu tempo não era assim, a visão de bairro tinha esta conotação muito forte de perigoso, ninguém podia. Para já condições… lá no inverno, as condições de estrada eram diferentes, as casas eram diferentes, as condições de vida que eles têm é muito diferente da que eu tinha também. Eu tive eletricidade mais tarde, antes era a petróleo e vela. Os amigos deles hoje têm uma visão muito diferente. Tem a haver com um conjunto de coisas que foram transmitindo, não é. Apesar de… de achar que se podia… esta visão que as pessoas têm de fora do bairro já não devia existir, há perigo em todo o lado, aqui na Cova da Moura, em Loures, nos Restauradores, no centro de Lisboa, no Porto, em Évora, em Madrid, e coisas que podem acontecer ruins, basta nós estarmos no momento errado, no sitio errado. Também acho que sobrevaloriza-se muito aquilo que… valoriza-se aliás muito mais aquilo que não é realidade, sobrevaloriza-se muito menos aquilo que é a realidade pobre, as pessoas aqui são tudo pessoas que são fantásticas, tenho aqui jovens, apesar de tudo eu tenho aqui jovens sorriem, riem, essas coisas, alguns não têm muito para construir mais, mas estão contentes, estão na rua, podem sair à rua sem problemas, os meus filhos estão a viver num apartamento em que há movimentos de carros e nem sequer podem sair à rua, e isso aborrece-me bastante não poderem sair à rua, estarem lá sozinhos com sete anos e quatro anos, brincarem e para já não têm mais com quem brincar, não têm com quem brincar.
Identidade, como é que te classificas em termos identitários?
Eu… vou-te responder de três maneiras. Sou caboverdiano acima de tudo, não me sinto português, não me sinto português, nunca me senti português, senti-me sempre caboverdiano. Apesar de ter vindo com um ano e meio de idade de cabo-verde, estava cá há uma data de anos, falava português como diz a minha avó adotiva sem sotaque e contribui bastante para este país, sinto-me caboverdiano. Sinto-me caboverdiano no meu intimo, no intimo, porque esta ideia atópica de ser caboverdiano. Depois sinto-me… o ser português, não me sinto português, porque ser português é como ser caboverdiano para mim, é uma mistura de coisas, de emoções de quereres, é idêntico. A única coisa que eu sinto realmente que é sentir-me benfiquista, que eu acho que também é uma coisa comum nas pessoas, que é ser-se de um grupinho. Eu não me sinto português, sinto-me português quando eu falo português no estrangeiro, quando as pessoas ouvem e a gente fala português. Sinto-me português porque é a língua que nos une. Mas depois sinto-me caboverdiano por causa das minhas raízes, da música, da língua, da língua, que tento transmitir ao meus filhos, vou tentando, das pessoas com quem convivo, não é, porque acima de tudo a minha identidade vai-se construindo, foi-se construindo ao longo do tempo e é uma mistura de coisas, em que eu me sinto desta maneira…, mas eu não me sinto por exemplo alemão apesar de gostar da cultura alemã, não me sinto, apesar de na base da infância ter recebido muita coisa da Alemanha. Não me sinto alemão, sinto-me caboverdiano acima de tudo, porque eu falo crioulo, tem a língua, tem a música, tem um conjunto de coisas… sinto-me português em determinados momentos da minha vida, essencialmente no estrangeiro onde o português é necessário, que mostro que sou português, ou vou em representação de Portugal, mas o meu passaporte é caboverdiano, não é português.
Por opção ou por…
Por opção. Por opção. Por opção. Por um desejo infantil de algum dia puder contribuir com algo para o meu país de nascimento.
E porque não a dupla nacionalidade?
Porque eu acho que devia… para já porque eu acho que quando determinados cidadãos deste país ou de outro país contribuem de uma maneira desacreditada esse… e têm vontade automática… esse desejo automático de querer ser português dava, dava à pessoa, sem problemas, eu falo por mim e falo pelos outros, aquilo que algumas pessoas contribuem para Portugal, a nível… nas variadas áreas ao nível de Portugal, deveria ser automático. Não devíamos de sequer pagar para ser alguma coisa que as pessoas… eu acho que mereço este direito sem ter que pagar 300€ ou 200€, porque eu acho que o que já fiz pelo país, porque já fui em representação deste país, acompanhar outras pessoas, e o trabalho que eu faço ou já fiz, podia merece-lo sem ter que o pagar. Deveria ser um carimbo taxativo, dizer assim: olha, os serviços para o país, mas também eu sendo caboverdiano estando em Portugal sou considerado um europeu, a única diferença em relação aos outros que eu tenho é o cartão e quando viajo para Inglaterra, que é preciso tirar um visto, porque de resto viajo sempre com o meu passaporte e residência, sem problema. Claro que se eu quiser trabalhar, se eu quiser trabalhar nalgumas áreas da administração pública portuguesa, esse passo tenho de dar, mas não tenho esse desejo. Podia querer ser agente secreto e trabalhar para o CIS, não é, mas aí nem precisava ser naturalizado, é preciso ter sangue português, ter uma linhagem portuguesa pura, maneira de dizer que é um bocado estranho estar lá a dizer estas coisas. Não é isso que não me deixa de ser português, por mim não me impede. Posso um dia ser português, não tenho remédio, ei-de ser. Mas gosto de ser caboverdiano, gosto de sentir que tenho o meu passaporte, mostro com orgulho o meu passaporte nos aeroportos, qualquer sitio que eu vá, e não mostro o português porque eu acho que é um direito que me assistia. Não preciso de ter… já demonstrei isso várias vezes, não preciso de pagar 300€, muito menos esperar 6 meses para me entregarem… para me darem o carimbo da republica para ter isso, é isso que me chateia. Claro que com o tempo se quisesse já podia.
E qual é a tua relação com Cabo Verde?
Sonho.
Já lá estiveste?
Tive, mas é um sonho. A minha relação com Cabo Verde é tipo quase imaginário, porque não vivo lá, mas é um sonho. Sonho que vivo em Cabo Verde, porque a Cova da Moura às vezes permite-me e as pessoas que estão ao meu lado permitem-me, porque tenho um sonho infantil de ser um dia presidente da camara de Cabo Verde ou primeiro ministro de uma forma real, porque eu acho que nós só conseguimos ter um impacto real naquilo que são os nossos sonhos se somos políticos, que tomamos decisões nas coisas, porque enquanto pessoa, enquanto operacional, não consigo fazer mudança, posso fazer em uma ou noutra pessoa, mas se quero fazer uma mudança mais abrangente tem de ser politico. Eu espero um dia fazer isso, ajudar o meu país na maneira que eu puder. Esta é uma das razoes que eu acho que ser português vai prejudicar, as pessoas de alguma maneira dizerem eu sinto que sou caboverdiano, não, sou caboverdiano, nunca neguei, falo crioulo não só de uma ilha, mas falo pelo menos de três ou quatro ilhas, e gosto da cultura caboverdiana, daquilo que proporciona, daquilo que proporciona à minha mulher e aos meus filhos, fazer com que as pessoas olhem para a cultura caboverdiana não só pela parte da praia e dos resorts, mas daquela outra parte onde nasci, são as pessoas que interessam.
O que é que é para ti distintivo no povo caboverdiano?
A maneira de ser… eu imagino o povo caboverdiano como a minha avó. A minha avó. Dedicada à família e às pessoas, que dá sempre o melhor para os nossos, desprendida das coisas, desprendida da riqueza, não da riqueza moral, não da riqueza moral, mas desprendida de muitas coisas supérfluas, mas agarrada a muitas outras coisas como são as pessoas, a família, à moralidade, eu imagino o povo caboverdiano como a minha avó. Eu sei que é utópico, mas eu quando fui lá vi muita pessoa assim. Em Santo Antão vi muita pessoa assim. Em São Vicente vi algumas pessoas assim. Isso deixa muita esperança. Muita esperança. Mas como eu não vivo em Cabo Verde, muita coisa que se passa… tento não ver noticias de Cabo Verde, prefiro manter-me nesta ignorância bela de não olhar para as coisas que o caboverdiano… o que existe de errado, porque aquilo que existe em Cabo Verde de errado é aquilo que existe aqui na europa também de errado. Existe pessoas más, pessoas corruptas, pessoas que só olham para eles, que também existe em Cabo Verde. Esses problemas especiais que existe em Cabo Verde, de desemprego e essas coisas todas. Mas em Cabo Verde já vi pessoas desempregadas há mais de 5 anos e andavam todas contentes da vida, sorrindo, parece que o tempo não passa. Acima de tudo é isso, não vejo… prefiro continuar nesta ignorância.
E que tradições caboverdianas que te passaram e que passas para os teus filhos?
O que é que é isso de tradições caboverdianas? Tradições caboverdianas será juntarmos uma família ao fim-de-semana e comermos uma cachoada? Procuro sempre que possível. Se é juntar uma data de gente e fazer barulho, que rimos e contar piadas e estarmos com as outras pessoas? É isso. Porque a tradição caboverdiana que eu cresci aqui, se calhar foi com o que existe em Cabo Verde… aqui, eu acho que é a questão de tudo o que está à volta da família, tudo o que está à volta da família, tudo o que me passaram da cultura caboverdiana. Mesmo o ato de beber, o ato de beber, não é uma coisa… uma coisa isolada, é uma coisa partilhada, estás a ver, é uma maneira da gente estar juntos, o ato de comer, essas coisas à volta, as festas, mas aquilo parece uma muito o que acontece lá no interior de Portugal. Eu fico contente com essas coisas, porque quando vou aos sítios quase que sinto-me em casa, não é. O milho, mexer na terra, eu lembro-me quando fui a Cabo Verde tive a felicidade de estar a chover em Cabo Verde, de mexer na terra, as pessoas contentes… a malta aqui às vezes foge da chuva, tem razão é fria. As tradições foram estas de… de todos os momentos que nós temos são momentos de festa, mesmo estar em família, estar com os outros é momentos de festa. Essa é a maior tradição que pode… depois a questão da música, não é, que é ouvir a música, da música, da música, de tocar tambor. O tambor na minha família é um instrumento importantíssimo, só que eu não sei tocar, não sei tocar mas tenho um tambor em casa. Já tive um cavaquinho que já foi destruído, mas tenho. É uma coisa importante para nós, é porque somos de Santo Antão, é porque sou da freguesia do santo, não é, porque é uma coisa religiosa também, tem esta festa, não é o mesmo que fazemos aqui que é muito diferente do que é em Cabo Verde, nunca vivi mas que já vi que o meu irmão quando esteve lá trouxe para eu ver realmente e fiquei feliz. Ah… é mais isso. Cultura…tudo o que passaram é mais em redor da família, da bebida, comida, de contar as pirraças, as historias, divertir-se, rir-se, o barulho no bom sentido, de irmos à praia em família, de irmos a uma festa, a um jogo em família, irmos todos em família, esta questão da família, sempre convivi isso aqui na Cova da Moura. Os meus pais foi isso que eu vivi.
Vês-te a morar em Cabo Verde?
Sim, sim.
Num futuro próximo?
Eu gostava. Por mim eu já estava a viver em Cabo Verde há muito tempo, a minha mulher é que não quer ir. A minha mulher é portuguesa e ela não quer ir. Temos casa. Felizmente tenho lá uma casa de família que podemos ajudar a melhorá-la de alguma maneira a torna-la mais confortável para tudo e para todos, mas está suficientemente boa para se viver. Eu gostava, eu gostava e quero, já lhe disse. Já tive uma oportunidade, tive que recusar porque não posso ir sem ela, deixá-la sozinha com os meus filhos porque eu sei o que a minha mãe passou vivendo muitos anos da vida dela com os quatro filhos, ela tem só dois, mas aqueles dois dão muito trabalho também, dão muito trabalho a ela. Mais a ela do que a mim porque eu tenho a parte mais fácil. A parte mais fácil é chegar e um dia mandar vir e fazer ar de mau. Ela tem quase de educá-los sozinha como a minha mãe fez. Circunstâncias da vida. Mas eu vejo, gostava imenso de passar o resto da minha vida e dos meus dias em Cabo Verde. Gostava de morrer em Cabo Verde… porque… não me prende… sem ser os meus filhos e a minha mulher não há nada que me prenda, não existe nada que me prenda aqui em Portugal. Existe sempre o anco para pagar a conta de uma casa, de resto não tenho nada a prender aqui em Portugal. Em Cabo Verde tenho muita coisa a aprender.
E qual é a tua relação com a cultura portuguesa?
silencio Acho que é uma relação pacifica. Existe muitas coisas que eu gosto dela. Especialmente delas que são mais de interior, a relação que têm com a comida… eu quando falo da comida é no sentido que a comida é um ponto de convergência de povos, mas antigamente quando as pessoas queriam-se negociar, tréguas, sentavam-se à mesa, comiam, discutiam, comiam, bebiam, essas coisas. Acho que a alimentação é um ponto de união de povos. Não há ninguém que não goste de comer e de apreciar um bom prato. Acho que em Portugal a minha melhor relação é com a gastronomia portuguesa, já tive possibilidade de experimentar e acho que a relação, Portugal tem um bom gosto, um bom gosto. Depois com algumas pessoas, as pessoas portuguesas são… são fantásticas… agora há uma distinção na cultura portuguesa daquilo que vejo no interior e a atual que vejo aqui no meio, que é a questão de aculturação global que existe, de todos partilharmos os mesmos gostos, as roupas, bebemos todos as mesmas coisas, e poucas coisas portuguesas hoje em dia nos transmitirem, não é, é por isso que algumas pessoas… os jovens têm crises de identidade, acabam por ter uma identidade muito própria, não se identifica. Mas a cultura portuguesa que eu conheço tem muita coisa em comum, tem muita coisa que eu vejo que gostava que a cultura caboverdiana fosse…acho que vejo, que eu quando vou ao norte, partilho isto com os meus amigos também, quando vou ao algarve na casa com os meus sogros faz-me lembrar perfeitamente Santo Antão, aquelas velhotas todas fazem-me lembrar os meus avós, e a maneira como as pessoas tratam as pessoas, a maneira desprendida das coisas, muito humana, faz-me… mais que a cultura, são os valores que cada um tem, os valores que os povos têm que de alguma maneira convergem, não é, convergem. Muita da cultura portuguesa que existe foi transmitida para Cabo Verde e adaptada aquela realidade, e… uma relação pacifica com a portuguesa. Não digo que a relação com a portuguesa…agora a relação com a cultura portuguesa que eu vejo que tenho a relação muito má é a passividade, de deixar as coisas andar, hoje se calhar não, amanhã, depois, fazem-nos mal, ok, foi sem querer, às vezes podia ser mais lutadores naquilo que devem desejar, nunca acreditam também, deviam se calhar defender mais, são maus, maus de alguma maneira. Acho que é um povo extremamente pacifico, esta… esta imagem que estas pessoas têm do 25 de abril, uma sintomatologia muito humana que não favorece a cultura portuguesa, acho que devia ser proativa e não… a proatividade não é só dizer aquilo que a gente pensa, agente manifestar-se de uma maneira rude, de dizer que estamos mesmo chateados com aquilo que a gente pensa, esta é aquela questão da cultura portuguesa que aborrece-me. No povo africano quando a gente se chateia, chateia-se mesmo a valer, não é, e deixamos de tretas, estamos chateados com esta porcaria não há nada a fazer, mas de resto é uma relação pacifica.
E viagens? A que outros países é que já viajaste?
Falta-me bastante viajar. Mas na europa acho que já corri quase todos. Excetuando os de leste, já estive quase ao pé da Letónia, já fui a…dos nórdicos falta-me a Dinamarca e Noruega, e Suécia, Finlândia já está, Inglaterra, Grã-Bretanha, ali aquela zona da Grã-Bretanha quase toda de Inglaterra já está, escócia e País de gales, Irlanda também já fui, França também algumas partes, França, Alemanha, Suíça… a Suíça não me entusiasma muito, tal como a Holanda. Alemanha bastante, tenho esta relação amorosa, paternal, paterna com a Alemanha. Cabo Verde. E ainda falta-me ali um dia Espanha, Itália e gostava de ir um dia às europas do Leste. Gostava muito de ir à parte da Ásia especialmente da Arábia, das Arábias. Ao contrário das pessoas não acho que a América Latina tenha muito para me mostrar, excetuando por razões desportivas, Estados Unidos da América, Boston e Nova York e Chicago e mais nada. Não me sinto entusiasmado, mais facilmente iria para a europa do leste conhecer esta realidade, problemas todos. E África, esta multidiversidade que existe em África, desde Arábia, a parte da África negra e depois mais ao fim, para lá para baixo, gostava, gostava. Austrália é muita longe, muita longe. Mas gostava de conhecer a Nova Zelo Nádia, não a austrália, mas a nova Zelândia, gostava, por razões… porque parece-me ser um povo muito civilizado, tá ali no cantinho deles, mas parece ser uma sociedade bem organizada. Se calhar nós não damos muito valor e muita atenção porque estamos aqui neste lado, mas parece…parece… mas a europa quase toda, digo mesmo, a Holanda não me fascina, não me diz nada completamente, tal como a Suíça. Não sei se é por causa da língua, não sei se é por causa da língua.
Dos países que conheceste qual é que destacarias e porquê?
Itália e Alemanha. Itália e Alemanha. Itália porque as pessoas… tive em Roma, numa parte da Riviera italiana que apanha ali a zona de Génova… está-me a faltar aqui…Génova, Roma e ao lado…Florença, fiquei apaixonado, parecia Portugal, parecia muito Portugal. Parecia-me também dava-me ideias de Cabo Verde, todos contentes, nunca tinha visto… Quando fui lá tinha 16 anos, e eu nunca tinha visto tanta mulher bonita por metro quadrado, vou ser honesto e simpáticas, parecia-me simpáticas, a gente via aquelas coisas e tal e víamos raparigas como sofia Loren e essas coisas todas no cinema e a gente pensava a gente não pode tocar nessa gente… Não, pessoas simpáticas a perguntarem de onde nós eramos o que estávamos aqui a fazer, passeios e essas coisas. Giríssimo. Depois as cidades todas tinham rio, todas tinham rio, todas as pessoas gostam de comer bem, sentavam-se à mesa a conversarem e eu tive o privilegio de fazer isso com muita gente, começar a comer até às tantas e comer num prato, a gente aqui como tudo num prato, lá é um prato deste, o prato deste, o prato deste e depois acaba. Achei divertidíssimo. A Alemanha, tenho esta relação com a Alemanha por causa do meu pai, trabalhou sempre na Alemanha, os primeiros filmes que vi na minha voda estava em alemão, a comida que eu comia, rosbife tinha de ser alemão, salsichas deste tamanho era alemão, uma data de coisas em alemão, as televisões que tinha na altura e estas coisas todas que o meu pai trazia da Alemanha, esta relação e esta paixão pela Alemanha, porque achava que era um sitio espetacular. Continuo a achar que é um sitio espetacular, onde as pessoas, onde as pessoas…eu digo o contrário, são pessoas muito frias porque são pessoas que sentem que temos de conquista-las primeiro, à distancia, mas uma vez conquistadas a gente… é para sempre a relação. A gente apaixona-se pelas pessoas, temos uma ideia muito diferente daquilo que é a estrutura organizativa das coisas, a maneira de eles viverem, são pessoas que sabem separar algumas coisas, não é, trabalho é trabalho, conhaque é conhaque, relação familiar é outra coisa… Algumas cidades é muito à frente, odiei Bodon é uma cidade muito escura, fria, muito parecida com lisboa, a única diferença lá é que lisboa e aqui tem uma fábrica de chocolate e aqui não temos. Eu achei muito parecida com lisboa porque vou lá vejo africanos, vou lá e vejo uma data de povos de misturas de pessoas, portuguesas também. Depois outros sítios como nunca imaginei ver como Hamburgo que é uma cidade limpíssima, não se vê lixo no chão, na rua, no centro comercial eu vi que tinha as mesmas lojas que em Portugal, mas aquelas lojas tipo a Zara ou outras que temos aqui, lá parecia lojas de rapporté, poucas coisas, tudo arrumadinho, o empregado sempre ali ao pé de nós sempre a guiar-nos o que nós precisávamos, a única dificuldade para algumas pessoas é a língua, não é, perceber que a língua é muito rude, não é, mas uma língua fascinante em termos gramatical, de palavras, faz com que as pessoas retraem-se. Depois a história da Alemanha e a relação da Alemanha com os povos, não é, eu acho que é injusto nós culpabelizarm0os estas pessoas com aquilo que aconteceu no passado dos avós, ou pais deles cometeram. Não é justo. A Alemanha também é um país de emigrantes, com muitos emigrantes lá… e com a emigração em que a cultura que existe lá foi levada para a Alemanha, o kebbab, muitas das coisas da europa de leste estão enraizadas na Alemanha. Vi pessoas fantásticas e não me posso queixar…nunca me queixei de ter sofrido algum racismo ou de ter sofrido… no aeroporto, nunca, jamais… aliás eu acho que eles têm muito cuidado com essas coisas, muito cuidado para as pessoas não sentirem-se…
É exatamente a esse ponto que eu ia, racismo, achas que Portugal em relação a outros países que conheces especificamente é um pais mais racista ou menos racista?
É camuflado, é camuflado. Não é um racismo demonstrado. O povo português… há um receio…eu acho que é normal primeira coisa, acho que é normal qualquer povo que vê o outro que é diferente…qualquer pessoa que é deferente e essa pessoa que é diferente acrescenta algo mais, onde estás, as pessoas sentem-se ameaçadas. As pessoas ao se sentirem ameaçadas refugiam-se muito naquilo que… o medo, o receio da pessoa que pode fazer mais que eu. estamos a falar daquelas coisas do emprego… antigamente era mais aquela coisa de branco não pode namorar com uma preta, não pode casar, os pais não gostam. Podia ser isso mas isto era mais uma questão de gosto. A minha sogra disse-me claramente, você não é aquilo que eu esperava da minha filha, e eu disse-lhe: se estava à espera de um médico, de olhos azuis, sueco, louro, azar, isto aqui é caboverdiano puro do duro, mas você vai-se divertir. Eu acho que em Portugal é um racismo camuflado, não é um racismo maldoso, não é um racismo maldoso, às vezes é interpretado mal pelas pessoas. Se eu tive racismo algum dia não acho, não acho, não acho, porque eu também não falto com respeito às pessoas e o racismo é uma questão de respeito. interrupção Nunca senti, porque eu também nunca senti lá fora isto. Eu não posso achar que a minha família, quase que nem admito que a minha família sinta isso, porque a maneira como nós estamos inseridos na sociedade, não é, daquilo que nós proporcionamos à sociedade e a maneira como as pessoas… isto é uma questão de relação, quando tu te relacionas com o outro e o outro que está à frente é diferente e vai acrescentar algo mais, e não conheces o outro, claro que vais ficar com receio, não é. É a mesma coisa que aparecer hoje aqui uma pessoa para trabalhar aqui no moinho, aqui é o meu lugar, mas depois se calhar se conviver com ela, eu vou dizer aquele branco…mas para mim o racismo não é dizer mal da outra pessoa, não é dizer mal por caus ada raça. Racismo para mim é dizer assim, aquele grupo de pessoas daquela espécie são o pior que à e com eles não convivo, vou lá e faço um ato de racismo e esse ato tem de ser consumado, que é violento, não pode ser só psicológico, porque psicológico, aquele que força psicologicamente não vai afetar. Tem de haver uma ação clara sobre aquele grupo especifico, aquele grupo especifico que depois transporta para a xenofobia e outras coisas mais. Mas eu não sinto que o povo caboverdiano pessoalmente aqui em Portugal seja descriminado, nunca foi porque há uma relação muito próxima com… em grande medida se há nos PALOP aquele povo que tem maior relação com Portugal é Cabo Verde e caboverdiano não sente. Eu fui a Espanha, os meus tios vivem em Espanha, eu fui a uma cidade em Espanha, e o que é que Espanha tem a ver com Cabo Verde, nada, mas eu fui a umas lojas e naquela zona existe muitos caboverdianos e as pessoas têm lá produtos de Cabo Verde, bolacha, banana, Gorga, tudo isto naquela cidade porque existe lá muitos caboverdianos. Aquela comunidade é racista, não, pelo contrário, aquela comunidade é inclusiva. Em Portugal caboverdiano quase que não precisa… faz parte de Portugal. Eu acho. Eu não sinto esta questão do racismo e hoje em dia nós não olhamos isto… eu acho que as pessoas extravasam quando dizem que as policias no bairro tem a var com racismo, eu sou da opinião muito contrária a isso, acha que é uma relação maior da policia com a comunidade em si, e por outras razoes mais que estão escondidas que hoje nós podemos ter o exercício mental de fazer e perceber que há algo mais, porque isto não tem a ver com racismo tem a ver com outras coisas. Porque nunca senti que fosse parado na rua, nunca fui parado na rua por causa de ser negro. A policia está a fazer uma coisa para as pessoas, mostra os documentos, ou quando vou no comboio se o fiscal pede o cartão, não pediu aquele pessoa, não pediu aquela pessoa, pede-me a mim não é por causa disto que é racismo, esqueceu-se. Acho que não se pode queixar de sofrer de racismo. Agora os caboverdianos é que são exagerados no racismo. Aquelas distinções que nós temos entre badjulo, badio, este é este, este é este, ai isso é que é. Sinto mais isto da parte dos caboverdianos com caboverdianos, desde pequenino que eu oiço isto, e nós somos todos caboverdianos. Para mim não há distinções, não há, não há. Porque na família eu sou também descendente dos dois. Badio é só quem é de Santiago? São de Santo Antão e de São vicente e alguns dizem, não. Então é pela cor da pele, é por pigmentação, é por língua. É esta que eu acho que é mais grave o caboverdiano não assumir também que acima de tudo o caboverdiano é um povo que tem problemas… é um prolema mais de identidade, identidade que depois roça ali o racismo, não é, tem a ver com a raça. Apesar de eu não achar que caboverdiano seja uma raça, alias caboverdiano é uma mistura de povos e esta é a riqueza que ela tem, que é uma mistura de povos, que vem de todo o lado, toda a gente parou lá, que decidiu formar ali, se há um sitio fantástico é aquele no meio do oceano atlântico. Agora em Portugal pessoalmente não sofri nenhum ato de racismo. Quando ando na escola se a minha colega me disse uma vez, ah os pretos apalpam as pretas, os brancos apalpam as brancas e eu disse, não, não, são todos iguais eu apalpo toda a gente que eu quiser. Pronto, se for só isto, só foi isso que eu senti uma coisa parva, de resto, as pessoas falam no desporto das pessoas africanas como um desejo enorme de ter no basquete a jogar que é uma coisa doida, no desporto. Isso é racismo? Não, porque tem a ver com uma condição, uma condição atlética, uma condição… na natação não há nadadores negros porquê? Tem a ver com a estrutura óssea, se calhar não flutuam na água porque têm os ossos mais pesados que a população caucasiana, isso são coisas cientificas. Não tem nada a ver com coiso… quando fechamos a luz são todos iguais. Não vejo essas coisas nesses termos.
Nem tens conhecimento de nenhum caso de violência?
Por causa disso, só aquilo que mostram na internet, mas não sei porque não posso afirmar uma coisa que nem tenho a certeza, nem dados claros. Para tu dizeres que aquela pessoa sofre de racismo tem de haver…qual é a prova, qual é a prova que deve ter… a evidencia que deve ter para aquilo ser um ato de racismo? Qual é que é? Como é que uma pessoa consegue provar perante a sociedade ou no tribunal que aquela pessoa foi vitima de racismo? Como é que a gente consegue provar isto? Como é que eu consigo dizer foram racistas comigo? Não consigo. É uma coisa tão subjetiva, não é. Por isso é que eu digo que tem de haver um ato próprio, ali, num ato que a gente possa ver, de violência ou de distinção entre pessoas. Mas não sinto. Quando vou à procura de trabalho não vou identificar que sou negro, se calhar até tem mais competências, as pessoas hoje em dia querem lá saber da cor da pele, querem ver as pessoas que melhor produzem, que mais lhe podem proporcionar. (foram interrompidos)
Planos para o futuro?
Para o futuro…eh pá, engraçado, fizeram-me essa pergunta há uns tempos atrás. Quase tudo se concretizou. Horizonte temporal?
10 anos?
10 anos, terei 49. Espero se calhar já estar reformado, a sério, a sério. Quando digo reformado é de estar menos preocupado com algumas coisas. Ter menos preocupações que os meus filhos estarem…. O maior desejo honestamente é a minha família, os meus filhos, ter conseguido transmitir aqueles valores que eu acho importantes, ter-lhes mostrado de onde é que eu venho donde é que eu venho, de onde é que eles são. Eles mudarem o comportamento deles na escola e em casa também. Isso já deve estar lá, a Daniela deve ter 17 anos, e o David fez 12 acho que já deve estar mais que na altura, se não vão exilados para um colégio interno de certeza absoluta. Espero estar com a minha mulher, espero estar com a minha mulher e ela ter paciência para mim e eu ter paciência para ela. Espero que nós tenhamos feito muitas coisas muito mais divertidas em família. Espero que a minha mãe esteja por cá ainda, o meu avô, terem a oportunidade de terem conhecido o meu avô, com toda a certeza e a minha avó. Estar a fazer aquilo que eu gosto imenso, estar a trabalhar com crianças e jovens, mas com menos preocupação, com menos preocupações. E estar a fazer alguma coisa pelo meu país, alguma coisa pelo meu país que eu acho que merece, merecem o meu cunho, merecem o meu esforço, porque eu acho que há muitas pessoas imigrantes como eu que gostavam de poder ajudar e às vezes dizem-me que não olham bem as pessoas que estão aqui fora, que são de fora, que não conhecem a realidade. É verdade se calhar, mas a gente aprende tenta conhecer e com o tempo a gente vai aprendendo. Nessa altura gostava de poder, se tivéssemos aqui, olha o que conseguistes daquilo que nós falamos, gostaria de ter conseguido. Gostaria que a minha família fosse ainda maior do que é. Ter mais sobrinhos, eu não vou ter mais filhos, mas ter mais sobrinhos. Se calhar ser tio avô na altura, com 49 anos…com 48 ser tio avô. Voltar a ter mais tempo para voltar a estar com o meu primo e alguns amigos que há muitos anos que não vejo. Ter conseguido fazer isso e ter viajado sozinho com a minha mulher sozinhos, porque agora não viajo por causa dos gajos, tenho dois apêndices na perna.
Em termos de investimento pessoal?
Investimento pessoal, hoje em dia é muito difícil fazer investimento pessoal por causa dos meus filhos. No Benfica, não digo que não gostaria de estar a ganhar mais dinheiro no Benfica, gostava, gostava, mas tinha de fazer um investimento pessoal na minha formação, como treinador, de ter coragem e disponibilidade para fazer o mestrado em sociologia do desporto, que não deve servir para nada, mas gostava para acabar o meu projeto pessoal. Por ventura já ter montado, nesse período de 10 anos também, um investimento pessoal, uma empresa nesta área do desporto. E…
E já agora desculpa lá, o que é que fazes no Benfica?
Sou treinador de basquete de miúdos de 14 e 15 anos. Gostava… como investimento pessoal gostava de investir no desenvolvimento dos meus filhos, escolar, pessoal, de eles terem tudo aquilo que eu tive e mais. Fazer aquilo que os meus avós fizeram com a minha mãe e fazer aquilo que os meus pais fizeram comigo. Espero que eles com 17 anos tenham muito mais coisas que eu tive com 16 anos. Com 16 anos eu já fiz algumas coisas bem giras. Eu gostava que os meus filhos tivessem possibilidade de fazerem muito mais. Enquanto criança eu para compensar aquilo que eu tive e que eles não vão ter, compenso de outra maneira, se calhar de maneira errada, mas não tenho outra maneira de como fazer. o meu investimento pessoal será mais na base dos meus filhos, depois espero um dia ajudar-me a mim próprio. Um investimento pessoal é os meus filhos. Espero bem que a minha mulher se aguente comigo se não vai ser um bocado complicado, se não arranjo outra, o que não falta são mulheres.
Se te tivesses que definir como pessoa, como é que te definias?
Isto é uma pergunta muita fácil, pá. Eu como pessoa sou amiga, chata, sou muito chato, sou dado às pessoas, sou muito dado às pessoas, sou super pai, gostava de ser híper mega pai, mas sou super pai, por uma razão simples, porque acho que o que procure passar aos meus filhos se eu conseguir serei a pessoa mais feliz do mundo. Depois como pessoa acho que sou… costumo dizer sou caboverdiano, benfiquista, amigo do amigo, super pai, dado às pessoas, chato, não tolero hipocrisias, uma coisa que eu detesto é hipocrisia, tolero mentira, mentira tolero, porque é a maneira como as pessoas encontram por não dizer a verdade que pode magoar a pessoa, por vezes e para se protegerem, agora hipocrisia é uma coisa intencional, as pessoas serem hipócritas, venderem uma coisa e depois não concretizarem, para mim isso é que é mau. E iludirem pessoas prefiro que as pessoas me mintam, é mais fácil para mim, acredito e fico na minha ilusão, gosto de sentir-me ignorante às vezes. Uma coisa é eu acreditar muito nas outras pessoas, eu acredito até ter razão para, tenho de ter uma razão muito válida para deixar de acreditar, eu geralmente acredito em todas as pessoas, acredito. Tenho de ter uma prova que aquela pessoa não vale nada.
E defeitos?
Defeitos e possa tenho tantos, falo de mais, sou chato, vendo ilusões, sendo ilusões às pessoas, a mim próprio porque tento transmitir um mundo que não é verdadeiro. Procuro mostrar às pessoas que a gente pode acreditar e às vezes é muito difícil as pessoas fazerem isso. Vendo um peixe que é complicado as pessoas acreditarem. Não engano as pessoas, tento vender um sonho, que eles papem esse sonho. Esse é um defeito muito grave que eu tenho, mas que eu gosto de ter, gosto de ter. Mais defeitos, sonho bastante, sonho demais, para a idade que eu tenho…para a idade que eu tenho sonho demais, acredito demais nas pessoas, sou dado às pessoas, sou dado, se isso é defeito, que seja, que seja. Agora, defeitos graves, graves, graves, graves, se calhar podia ser mais trabalhador para mim próprio e para os outros, trabalhar mais para mim e para os outros, só que às vezes não consigo, há forças ocultas, de resto acho que não sou má pessoa.