Ahh, idade?
32.
Nacionalidade?
Portuguesa.
Não tens dupla?
Não.
Só portuguesa. Ahhh, residência?
Odivelas.
Escolaridade?
Doutoramento.
Profissão?
Bolseiro de investigação.
Número de irmãos?
7.
Idades?
Idades deles todos? Então é 46, pera lá, 47, 46, 41, 41, 44.
São dois 41’s ou…?
Um é 41, outro 44… ahhh, 40, 38.
Estado civil?
Solteiro.
Número de filhos?
1.
Nacionalidade do teu pai?
Como?
Nacionalidade do pai?
Caboverdiano.
Escolaridade?
4ª classe.
profissão?
Ahhh, reformado.
Ahh, o que é que fazia antes?
Jardineiro.
Nacionalidade da mãe?
Caboverdiana.
Escolaridade?
4ª classe.
Profissão?
Ahh, ela maioritariamente foi doméstica, mas também já é reformada.
E porque é que vieram para Portugal?
Ahhh, foi para… eles tiveram em Angola e depois foi para fugirem à guerra decidiram vir para Portugal.
Pronto, agora começa a entrevista propriamente dita risos e queria que me contasses um bocadinho como foi o teu percurso escolar.
O meu percurso escolar… sim, sim, não fiz pré-primária, fui logo para a 1ª classe. Foi em Brejos de Azeitão, fiz lá quatro anos, depois até ao 9º ano estive em Azeitão mesmo, ahhh… o secundário, ou seja, 10º ao 12º ano como não havia… havia uma escola perto de casa, ficava a 5 minutos de autocarro, mas não era… não tinha… não, não era considerada uma boa escola para potenciar os alunos, decidi ir para Setúbal que ficava a 40 minutos de autocarro. Fiz lá o secundário. Em 2001 entrei em Évora em Química, acabei em 2006 e comecei com uma bolsa de investigação no Instituto Superior Técnico e a partir da bolsa, consegui uma bolsa de doutoramento e acabei por fazer o doutoramento, metade no Técnico e metade na Faculdade de Farmácia.
Como é que eram os teus hábitos de estudo, ao longo…?
Ao longo do tempo? Até ao 9º ano eu não estudava muito. Ahhh, no 9º ano percebi que precisava de estudar para ter melhores notas, apesar delas não serem más, mas não era uma questão de nota, era uma questão de aprendizagem, preparação para o futuro. A escola de Azeitão não era conhecida por, por preparar da melhor forma para o futuro. Era mais para pessoas para passarem até ao 9º ano e depois tinham mais dificuldades quando fossem para uma escola melhor, ou poderia ficar numa escola menos boa e aquilo dava para ter a escolaridade obrigatória. Ahhh, a partir do 9º ano comecei a estudar mais. Quando fui para Setúbal no 10º ano aí tive um grande choque porque percebi que a minha preparação não era assim tão boa como eu pensa, precisava de trabalhar mais. Aí começava… estudava… fazia sempre os trabalhos de casa, ahhh, ia tentando acompanhar a matéria e um, dois dias antes estudava para aquela disciplina mais a sério porque eu também tinha vários testes durante a semana e, e a partir daí tínhamos que organizar-nos para estudar tudo. Ahhh, na universidade eu já tinha alguns hábitos de estudo, mas também foi diferente. Ahhh, o estudo ao longo do ano não foi tão intensivo porque como estava num curso com laboratórios tinha que fazer muitos relatórios e então não tinha tanto tempo para estudar porque tinha que estar a trabalhar para essas cadeiras que tinham laboratórios. Então era mais feito mais perto do semestre, mas sempre tentando acompanhar ao longo do ano as matérias.
E costumavas estudar maioritariamente sozinho, acompanhado, em casa, na biblioteca… como é que era?
Ahhh, até ao 12º ano normalmente era sozinho. Mesmo em casa como na biblioteca, normalmente estudava sozinho. Quando fui para, para a universidade no segundo… em Évora, aí já criei maiores hábitos de, de estudo acompa… em companhia, muito porque estava a viver numa residência, éramos 300 pessoas, 150 rapazes, 150 raparigas, ahhh, havia uma sala de estudo grande e assim facilitava a troca de ideias. E mesmo na, na própria faculdade, no edifício da faculdade, havia salas de estudo e bibliotecas onde ia… muitas vezes trabalhávamos em conjunto para resolver exercícios, explicar umas coisas uns aos outros, e normalmente era onde fazíamos o estudo em grupo.
Suponho que nunca reprovaste. Certo? risos
Ahhh, até ao 12º ano, não. Mas depois na universidade fiquei mais um ano, não considero que tenha sido reprovar porque o currículo do curso dizia que era um curso para quatro anos, mas a parte do estágio, principalmente na minha área, é preciso uma dedicação total ao estágio durante pelo menos 9, 10 meses. E, e não conseguia conjugar esse, essa dedicação que seria das 9 da manhã às 6,7,8,9, 10 da noite com cadeiras ao mesmo tempo. Então por isso fiquei mais um ano a fazer o estágio e fiz em cinco anos. Foi o, o que achei… posso considerar que reprovei porque era um curso de quatro anos e fiz em cinco.
E quais eram as tuas disciplinas favoritas?
Ahh, até ao 9º ano era inglês e matemática. A partir de, do 10º ano comecei a gostar mais de… escolhi o agrupamento de ciências, comecei a gostar muito de ciências da terra e da vida, de bilogia e química, principalmente essas duas disciplinas.
E as que gostavas menos?
As que gostava menos… nunca houve uma disciplina que eu gostasse menos, acho que gostava sempre de tudo. Desde educação física, ahhh, educação visual… sempre gostei de todas as disciplinas.
Ou que tivesses menos jeito pelo menos… risos há sempre alguma!
Se calhar para educação visual.
E tiveste algum acompanhamento, explicações ou…?
Ahhh, não, nunca tive explicações. Se calhar podia ter-me ajudado um pouco mais porque na escola onde eu estava fiz o secundário… até ao 9º ano nunca vi necessidade nenhuma. A partir do 10º ano, andei numa escola em que todos os meus colegas estavam habituados a ter explicações. Não era só a uma ou duas disciplinas, era a quase todas, desde português, matemática, ciências, ahh, físico-química, quase tudo, só não tinham educação física. Ahhh, e nessa altura se calhar pensei em ter explicações. Mas na altura as explicações já eram caras e eu sabia que os meus pais não tinham essa possibilidade. Então decidi que teria que trabalhar por mim e se alguma vez precisasse de ajuda tinha os professores a quem recorrer… ahhh, mas também o engraçado é que n o 9º, no 10º ano a minha primeira nota a química foi negativa e nessa altura senti que precisava de ir falar com o professor para ver o que é que poderia melhorar. Ela foi muito simpática, deu-me logo algumas dicas, disse que poderia trabalhar com um livro de apoio em que pudesse estudar, fazer mais exercícios e no final acabei o secundário, a química com 15, essa negativa foi só mesmo um acidente de percurso e acabei por ir para o curso de química.
Já agora tu és de farmácia?
Eu tirei… eu sou de química, ahhh, tirei o doutoramento em Farmácia. Mas basicamente é a química orgânica. Porque quando eu comecei o doutoramento, comecei no Instituto Superior Técnico e estava a fazer o doutoramento em Química. No entanto, o meu orientador mudou-se para a Faculdade de Farmácia e vim com ele. E aí mudou o título. Eu sou doutorado em química, farmacêutica e terapêutica.
E porquê a química?
Porquê a química? Ahhh, química… eu sempre gostei de química, mesmo quando tive esse acidente de percurso no 12º ano, eu sempre gostei de química. Ahhh, mas a minha… no início, no final do 12º ano eu tentei candidatar-me a enfermagem, não consegui e química foi a minha outra paixão escondida, sempre gostei de trabalhar no laboratório e quis experimentar. Só mesmo para garantir que entrava, entrei em química, ao fim do primeiro mês percebi que era mesmo aquilo que eu gostava, trabalhar no laboratório, investigação, foi o que gostava. Então a partir daí continuei.
E se não fosse química, provavelmente estarias…?
Teria voltado a tentar enfermagem.
Sempre na área das ciências. Ahhh, algum professor influenciou-te na escolha?
Para química? Ahh, talvez a minha professora do 12º ano, a professora Alina. Acho que o primeiro teste que fiz foi um abre olhos, mas eu acho que ela fez o abre olhos para a turma toda e, e gostei muito dela. Ela foi uma professora que começou com uma cara amarrada, ahhh, e foi evoluindo ao longo do ano, mostrava um sorriso, mostrava que era nossa amiga e o que estava a fazer era para nos preparar para o futuro. E acho que essa professora influenciou-me um pouco, sim.
E ao longo do teu percurso, houve professores que tenham influenciado pela positiva ou pela negativa?
Ahhh, houve muitos professores que influenciaram pela positiva, não foi só na área da química, mas noutras áreas. Lembro-me na primária, a minha professora da 2ª classe, 2º grau, da 4ª classe, depois uma professora de inglês do 7º ano, uma professora de matemática do 9º ano e depois houve outros professores… ahhh, eu… não foi meu professor de educação física, mas eu treinava vólei no desporto escolar e o professor Flórido também influenciou-me muito. Ahhh, ensinou-me a lutar pelo que eu quero, para se não conseguir á primeira, repetir, repetir, repetir, até conseguir.
E quem é que achas que te influenciou mais a prosseguir os estudos?
Ahhh, a minha mãe. Porque a minha mãe… nós somos 8 filhos e a minha mãe nunca… a minha mãe… o meu pai era jardineiro, ele fazia… ganhava o ordenado mínimo e de vez em quando fazia uns biscates e criar 8 filhos não era simples. Eu comecei a trabalhar primeiro nas obras, depois num restaurante a partir dos 15 anos. Sabia que se quisesse ser alguma coisa tinha que trabalhar para isso. E a minha mãe sempre disse que “como nós não somos ricos, não temos uma herança para vos deixar, a única coisa que vos podemos deixar é os estudos.” Então foi ela sempre que disse para estudarmos e mesmo quando eu era miúdo e estava toda a gente a brincar lá fora, ela obrigava-me a fazer as minhas cópias, a fazer os trabalhos de casa, fazer composições e isso… e ela foi despertando o meu gosto pelo estudo e foi ela que me influenciou bastante.
E… deixa-me cá ver… ahhh, disseste-me que começaste a trabalhar com 15, nessa altura ainda estudavas....
sim, sim, eu… porque eu trabalhava, trabalhava nas férias de verão. Normalmente com as férias de verão conseguia guardar dinheiro suficiente para depois comprar alguma coisa que eu quisesse e guardar para o futuro. Ahhh, depois… depois quando fui para a universidade encontrei um amigo que me arranjou um trabalho num restaurante, perto de casa, aí já ia trabalhar alguns fins-de-semana e também nas férias de verão.
E como é que era trabalhar e estudar?
Como era na altura das férias não custava… custava muito porque os meus amigos estavam todos de férias a combinar saídas, a combinar férias e eu estava a trabalhar. Mas sinceramente não me custou assim muito, não, porque como era só na altura do verão não influenciava em nada o meu estudo durante o ano. Mesmo na universidade, quando vinha trabalhar aos fins-de-semana, como não eram todos, não influenciou assim muito a minha vida académica.
E voltando um bocadinho atrás, como é que eram as condições das escolas em que passaste?
Ahhh, condições?! Não eram extraordinárias, mas acho que nunca nos faltou, nunca nos faltou nada. Ahhh, lembro-me que se calhar na parte mais de educação física, em termos de ginásio faltou alguma coisa, porque o ginásio que nós tínhamos era baixinho, mas de resto tínhamos as condições mínimas para aprendermos, para ter uma boa formação. No secundário a escola era um bocadinho melhor, foi melhorando também ao longo do tempo e apesar de ser muito velhinha (era bastante velhinha a escola), mas sempre acho que tive condições para aprender, sempre tive uma biblioteca, sempre tive professor com um gabinete aberto para nos atender, para falar connosco, sempre tivemos uma sala de estudo, acho que sempre tive essas condições.
E em termos de ambiente?
Ambiente?! Ambiente também sempre foi, foi bom. Notei mais foi a mudança de geração, mais quando eu estava no 8º ano, ou seja, com 13 anos, a geração que por acaso era a geração do meu irmão mais novo, era uma geração diferente e começaram a criar assim mais… um ambiente um bocadinho pior, mas depois como saí, saí de lá para o 10º ano não apanhei tanto essa influência dessa geração, por isso o ambiente sempre foi bom. Havia alguns problemas dos que… ou que metiam-se em coisas que não deviam com drogas e… outros que tinham problemas em casa então descarregavam nos colegas andando a lutar na escola, mas nunca… sempre coisas de miúdos, nada de muito mau. Foi sempre bom ambiente, sempre considerei bom ambiente, sempre tive muitos amigos, sempre falei com toda a gente e acho que nunca houve assim um mau ambiente à minha volta.
E disseste-me que fizeste a licenciatura e depois foste para o doutoramento, não houve ali um mestrado pelo meio, certo?
Não, não houve porque na altura ainda dava para fazer, seguires da licenciatura directamente para o doutoramento, neste momento já não é bem possível, mas na altura…
Sempre soubeste que querias fazer doutoramento ou foi uma coisa que surgiu…?
Ahhh, eu quando saí do, da licenciatura mandei currículos para todo o lado e mais algum, principalmente bolsas porque já tinha feito um bocadinho de investigação no último ano de, da licenciatura, ahhh, sabia que gostaria de fazer o, um pouco de investigação, mas também a parte de trabalhar numa indústria também me atrai. Ahhh, quando estava a meio da minha bolsa de investigação surgiu a hipótese de concorrer a uma bolsa de doutoramento e como percebi que o mercado de, o mercado de emprego não estava assim muito bom, achei que eu fazer o doutoramento seria uma mais-valia e então surgiu a oportunidade de concorrer, concorri, ganhei e consegui fazer o meu percurso de doutoramento e agora pós-doc.
E, aliás voltando um bocadinho atrás, risos o percurso universitário sempre esteve nos teus planos ou também…?
Sim, sim sempre, sempre. Foi o que eu disse, foi incutido pela minha mãe que não nos podia deixar nada, só nos podia deixar os estudos e…
Mas não pensaste, olha vou fazer a licenciatura e fico-me por aqui ou sempre achaste que quanto mais além fosses…
Eu acho que… eu achei na altura que a licenciatura era pouco porque entretanto tinha chegado Bolonha e… que nos obrigava a fazer o mestrado, para ser equiparados a outros, apesar de ser a mesma coisa. Sabia que teria que continuar, pelo menos fazer o mestrado e ainda no Instituto Superior Técnico quando comecei a bolsa de investigação, ao mesmo tempo que concorri para doutoramento, inscrevi-me no mestrado. Só que entretanto não acabei o mestrado, só fiz três meses de mestrado e depois como ganhei o doutoramento não valia a pena estar a acabar o mestrado. Depois da licenciatura, sim sabia que tinha que fazer mais qualquer coisa. Ainda hoje sei que tenho que fazer mais qualquer coisa e há sempre formação contínua.
E como é que é transitar de empregos, ahhh, mais regulares para uma bolsa de investigação?
Ahhh, eu nunca tive barulho de avião, eu nunca tive um emprego regular. Isto aqui é o meu emprego, tenho o meu horário, trabalho basicamente para mim, tenho o meu orientador, tenho colegas com quem faço alguns trabalhos, mas tudo o que eu fizer é para publicar, é para fazer o meu currículo. Isso faz com que a gente trabalhe mais. Dizem que “és bolseiro não tens horário!”, isso é mau porque em vez de trabalhares as 8 horas, trabalhas 10, 11, 12, fins-de-semana e nunca desligas o chip. Ahhh, por isso nunca tive um emprego regular para comparar. O mais regular que tive foi o de trabalhar dos 15 anos aos 18 nas obras e dos 19 aos 25, 26, 25 no restaurante.
E como é que vês a tua vida enquanto bolseiro de investigação, tendo em conta a estabilidade?
Neste momento tenho um contrato que me permite estar estável durante seis anos. No entanto, sei que a vida, a carreira académica acabou, não dá para seguir além disto porque o financiamento é pela FCT e a FCT está cada vez a cortar mais, a Fundação para a Ciência e Tecnologia está a cortar cada vez mais nas bolsas e nos concursos de investigador e as universidades não estão a abrir lugares para professores. Sei que neste momento tenho seis anos para procurar uma alternativa ou numa empresa ou então fora do país. Neste momento, estou mais virado para procurar algo numa empresa, já tenho dois anos de pós-doc, tenho mais quatro anos, mas vou tentar fazer só três anos de pós-doc e daqui a um ano, ano e meio, tentar entrar numa empresa.
Está tudo muito bem planeadinho. Consideras-te uma pessoa que faz planos?
Ahhh, faço planos até onde posso fazer. Por exemplo, quando estava a acabar o doutoramento o meu plano era acabar o doutoramento e depois logo se via porque não tinha certeza se ia conseguir uma bolsa de pós-doc, não tinha a certeza se ia conseguir arranjar um emprego, então fiz um plano para esses quatro anos de doutoramento, depois ia candidatar-me e logo se veria o que é que ia acontecer. Ahhh, deixei algumas coisas paradas… eu há muitos anos queria ter um filho, só que depois acabava por não ter por não te a certeza, depois de ter a bolsa de pós-doc é consegui ter finalmente o filho, ahhh, e agora os planos para os próximos anos é fazer os três anos de pós-doc e tentar arranjar um emprego numa indústria.
E agora, hobbies?
Hobbies…
Fala-me um bocadinho da tua vida extra…?
Extra… Até sempre gostei muito de desporto, apesar de não… ás vezes não ter muito jeito. No secundário fiz, fiz vólei durante 3 anos pelo desporto escolar, em que participei em torneios contra escolas e isso tudo… quando fui para o universidade deixei-me um bocadinho do vólei e jogava futebol assim esporadicamente com colegas de residência, colegas de curso, ahhh, chegou uma altura que seria… era mesmo regular, todas as segundas-feiras tínhamos aquele horário para jogar à bola. Ahh, sempre gostei muito de ler, ahhh, ir ao ginásio, ahhh, correr, ver séries, mas, ahhh, o que eu gosto mesmo é de estar com pessoas. Isso é que é uma coisa… o hobby preferido é estar com pessoas na conversa, a rirmos uns dos outros, a falar, a trocar experiências, ahhh, esse é o meu hobby preferido mesmo. Estar com pessoas.
E como é que é o teu grupo ou grupos de amigos?
Ahhh, eu tenho, tenho vários grupos de amigos. Tenho grupos do secundário, grupos da residência, grupos do curso, grupos aqui do trabalho. Ahhh, normalmente estou mais aqui com o grupo do trabalho porque é, é… em termos de proximidade é mais fácil, mas regularmente encontro-me com amigos do secundário, alguns do curso (apesar de muitos deles já estarem fora, ou fora do país ou estão espalhados por Portugal inteiro), o encontro já não é tão regular, mas ainda vamos fazendo o esforço para, para nos encontrarmos.
E consideras que maioritariamente te identificas com pessoas que tenham origens parecidas com as tuas, ou não?
Ahhh, eu tenho um… tive um… tenho um problema que não é problema. Ahhh, desde a 1ª classe até à universidade, ahhh, a maior parte eram pessoas portuguesas de origem portuguesa. Não havia muita gente de origem caboverdiana na minha turma. Ahhh, havia na escola, até ao 9º ano, mas a partir daí já não havia tanto porque muitos optaram por desistir de estudar ou ficar na escola mais perto de casa. Por isso, eu tinha muitos amigos de origem caboverdiana lá no meu bairro, na escola não tinha assim tantos e eu geralmente passava 12, 13 horas na escola. Ahhh, quando fui para a universidade, estava numa residência, aí tive uma maior ligação com colegas de origem caboverdiana, alguns que já eram portugueses nascidos em Portugal, outros que vieram estudar para Portugal vindo de Cabo-Verde.
E viagens? risos
Viagens… Neste momento estou ainda pela Europa, ahhh, tenho um plano de ir a Cabo-Verde nos próximos anos, até porque a minha mãe quer, quer lá ir com a família toda, ahhh, e espero bem conseguir ir. Não fui antes porque, porque como já disse eramos oito filhos, era impossível pagar a viagem a oito filhos. Ahhh, tenho alguns irmãos que já conseguiram ir, tenho outros que ainda não, mas está nos planos futuros ir a Cabo-Verde conhecer o festival da ilha da minha mãe, das ilhas, São Vicente e Santo Antão e Brava que é a ilha do meu pai.
E outros países que tenhas visitado, porquê, em que circunstâncias?
Ahhh, a passeio, somente passeio, ahhh, fui a Espanha, fui a Madrid e Palma de Maiorca. A trabalho com um bocadinho de lazer, já fui a outros países, normalmente… França, Holanda (onde tenho duas irmãs, ahhh fui a trabalho, mas depois acabei por visitá-las), Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, ahhh, Itália, mas essas foi sempre em congressos por isso foi mais trabalho do que lazer nesses países. Tenciono conhecer mais, claro…
E o que é que achas que essas viagens te trouxeram em termos culturais?
Ahhh, trouxeram muito porque… conhecemos muita gente, conhecemos maneiras diferentes de pensar, mesmo com o pouco contacto que temos percebemos que somos diferentes e cada um tem os seus costumes e os seus hábitos e… mas não foram só as viagens que me fizeram ver isso. Ahhh, como estou nesta área da ciência, temos muita gente, ahhh, de outros países, ahhh, e tive, tive um colega búlgaro que viveu comigo e trabalhou comigo não laboratório que mostrou-me outra maneira de pensar, mostrou outra maneira de trabalhar e aprendi um pouco com ele. Tive outros que colegas que são da Índia, tenho colegas que… italianos, tenho colegas, ahhh, República Checa, Bélgica, vários países e então eles ajudaram-me a aprender mais qualquer coisa.
E agora falando um bocadinho, voltando atrás à tua infância, queria que me falasses um bocadinho como é que era o bairro onde cresceste?
Ahhh, o meu bairro era, era conhecido pelo bairro dos retornados, foi… era constituído por muita gente que fugiu da guerra, portugueses nascidos em Portugal e muita gente de origem caboverdiana, angolana, de São Tomé, e foi uma infância m muito saudável porque era uma altura em que toda a gente brincava na rua, toda a gente ficava no verão à noite, mesmo à noite os meus pais permitiam que chegasse um bocadinho mais tarde para jogar às escondidas ou na conversa. Ahhh, assim que via jogos de, de estrada… ao mata, jogo, um jogo parecido muito com o jogo de basebol que era o queimado, jogávamos mesmo na estrada porque na altura não havia muitos carros, podíamos estar ali à vontade, não havia perigos e jogos de futebol… sempre foi uma constante na minha vida essa amizade entre… com as pessoas do meu bairro. Ahhh, claro que havia situações menos boas que era mais uma vez o problema da droga que entrou no meu bairro assim de pantufinhas, mas acabou por se estabelecer e levar alguns amigos meus, mas no geral sempre foi um bairro assim muito calmo, toda a gente se dava bem e toda a gente se falava, toda a gente se conhecia, ahhh, acho que tive assim uma infância muito, muito boa, muito saudável, com muitos amigos, com muitas brincadeiras, com muitas partidas.
Ahh, e em termos de identidade, como é que te sentes? Português? Caboverdiano? Como é que te defines?
Ahhh, eu sinto-me mais… defino-me como português. Acho que também foi um pouco da origem pelos meus colegas de escola e uma opção da minha mãe que foi não nos ensinar o crioulo, só aprendemos o português porque ela disse e se calhar com alguma razão que isso ia-nos facilitar muito na escola, principalmente em disciplinas que teríamos que escrever e falar só português, iria ser uma confusão para uma criança ter o crioulo e o português. Ás vezes gostaria que a minha mãe me tivesse ensinado a falar crioulo, mas foi uma opção e percebo essa opção e acredito que ajudou muito, ahhh, mas como sempre tive maioritariamente colegas de origem portuguesa e era com quem eu passava a maior parte do tempo, sempre criei mais raízes portuguesas do que caboverdianas.
E em que é que te identificas com as tradições ou a cultura caboverdiana?
A cultura caboverdiana… ahhh, identifico-me com a comida, ahhh, não me identifico tanto com a dança porque não tenho jeitinho nenhum para dançar, ahhh, com alguma música, principalmente por influência do meu pai que ele gosta muito de ouvir morna e eu esse… ele transmitiu-me esse gosto. Ahhh, em termos culturais caboverdianos é mais isso e é também o… uma coisa da tradição caboverdiana que é a família é que é importante e ter sempre muita família em casa e isso influenciou-me, sim, e gosto de estar sempre a receber visitas de família, ver alguns familiares. Agora tem sido um pouco menos porque com o trabalho e com um recém-nascido não tenho tido tanto tempo, mas foi essa influência maior da cultura caboverdiana que tive.
E quais é que achas que são as características, as principais características do povo caboverdiano?
As principais características… ahhh, acho que é… são todos muito sociáveis barulho de avião sempre muito sociáveis, muito dados à festa, à confraternização, ahhh, são muito dedicados, principalmente em termos de estudo. Porque eu, uma coisa que eu reparei é que vem muita gente de Cabo-Verde, há muita gente a apostar no estudo. Eu acho que é, é sempre uma mais-valia, já que Cabo—Verde não tem assim muita riqueza para dar, isto a própria, a riqueza de Cabo-Verde são as pessoas. Acho que isso é, é o melhor que Cabo-Verde tem são as pessoas mesmo.
E agora o mesmo em relação ao povo português.
Para o povo português…
Com o que é que te identificas mais e quais são as características que achas que são assim chave...
Ahhh, quais são as características do povo português?! Acho que está… não, o povo português… metade é trabalhadora e acho que essa parte é que eu me identifico, ahhh, gostam de se.. ahhh, desenrascam-se bem. Uma coisa que sou, sempre fui é desenrascado. Por exemplo no laboratório não me cinjo ao trabalho cívico, muitas vezes tenho que fazer trabalho manual em que tenho que arranjar alguns equipamentos e acho que isso aprendi com… deve vir mais da minha cultura portuguesa. Ahhh, também, ahhh, não considero o mundo fechado nestes quatro paredes que é Portugal, olho para o mundo no global, não tenho problemas em emigrar, já tentei mas não consegui na altura, no futuro poderei tentar; acho que é um povo aventureiro e eu também tenho esse bocadinho de aventura em mim.
E já agora vais ter que me explicar um bocadinho melhor, já que falaste, tentaste emigrar para onde, para quê? Em que altura?
Ahhh, sim… foi na altura que estava a acabar de escrever a minha tese de doutoramento e surgiu uma oportunidade barulho de avião, surgiu uma oportunidade de candidatar-me a um pós-doc na Finlândia, ahhh, era com um amigo meu, que ele estava a, a formar um grupo de investigação e convidou-me para ir para lá. No entanto, ahhh, lá é bastante competitivo e não foi possível conseguir a bolsa, então isso ficou em águas de bacalhau e entretanto como consegui a bolsa aqui em Portugal, como a minha mulher trabalha cá em Portugal então decidi que podíamos ficar aqui mais uns anos e apostar um bocadinho mais na minha formação e tornar-me mais competitivo para depois ir para a indústria ou emigrar.
Ahhh, deixa-me cá ver…
risos a cábula…
Ahhh, o que é que achas que os teus pais te transmitiram de valores e…?
De valores?! Ahhhh… a minha mãe sempre foi muito protectora em quanto as más influências. Eu não acredito que hajam más influências porque nós só aceitamos fazer as coisas que queremos, ahhh, mas a minha mãe sempre nos disse como vou repetir agora que não nos podia deixar nada, só nos podia deixar a educação e o estudo. Sempre nos deu uma formação em que… para sermos bons, com boa moral, com, com… de ajuda ao próximo, ahhh, sermos trabalhadores, lutarmos pelos nossos objectivos e seguir a nossa vida de maneira que fossemos crescendo e conseguindo uma boa educação. Foram esses os valores que os meus pais nos transmitiram, tanto a mim como aos meus irmãos.
E tendo em cota que és dos irmãos mais novos… certo?...
Sim.
Em que medida é que os teus irmãos e o percurso deles influenciou o teu?
Ahhh, influenciou muito. Tenho dois… os meus dois irmãos mais velhos acabaram por fazer o 11º ano, até ao 11º ano mas não conseguiram e acabaram por desistir da escola, mas o meu irmão Manuel, que é o terceiro filho, ele chumbou algumas vezes, teve muita dificuldade a passar a matemática no 12º ano, ele só acabou por passar à terceira ou quarta vez, mas sempre trabalhou para isso. Sempre teve o objectivo de ir para a universidade e estudar, formar-se e isso foi uma boa influência em mim. A minha irmã Alice também foi uma das influências porque ela teve até ao 12º ano nunca tinha chumbado e vi isso como um exemplo a seguir. E eles influenciaram-me muito porque antes de entrar para a universidade, já três dos meus irmãos tinham entrado, então eles influenciaram-me e explicaram o que é que seria a universidade e ajudaram-me a perceber que tinha que estudar, tinha que lutar para conseguir entrar porque eles não tiveram a facilidade… a facilidade ou o exemplo que eu tive. Eles tiveram que trabalhar muito… esse meu irmão, Manuel, trabalhava de dia e estudava à noite e mesmo assim conseguiu acabar de fazer a matemática e entrar para a universidade. Eu percebi as dificuldades que eles tiveram e não fiz, não digo os mesmos erros, mas percebi o que teria que fazer para conseguir ter, conseguir entrar para a universidade para fazer, para ter uma boa educação, para conseguir fazer uma carreira… para conseguir crescer.
E eles davam-te apoio com as matérias ou…?
Ahhh, eu sempre fui muito de estudar sozinho. Até ao 5º, 6º ano, a minha mãe ainda podia acompanhar-me porque ela ainda percebia do que estávamos a falar. A partir de um certo momento, ahhh, eu tinha poucas dúvidas como fazia sempre os trabalhos de casa e prestava atenção nas aulas, nunca tive assim muita necessidade de pedir ajuda. Ahhh, no secundário, ahhh, a matemática no 12º ano ainda pedi ajuda ao meu irmão Manuel, só que foi assim pontualmente porque entretanto ele tinha as coisas dele para fazer, estava na universidade, tinha que trabalhar para ele, não podia estar a dar muita atenção. Mas no que eles puderam, ajudaram-me. Às vezes quando já não podiam, ou porque não percebiam a matéria porque não era às vezes da área deles (porque eu tenho diferença de 14 anos para o meu irmão Manel, por exemplo e os temas, as áreas mudaram muito desde que ele acabou o secundário até eu estar a fazer o secundário, a única coisa que ele podia ajudar mais era em matemática, foi onde ele me ajudou, de resto as minhas irmãs também estavam em áreas diferentes, não puderam assim ajudar assim muito) e na universidade recorria mais a colegas, colegas de turma, colegas de residência, pessoas mais velhas que pudessem ajudar.
E as bolsas? Como é que tiveste acesso à informação, como é que decidiste candidatar?
Ahhh, bolsas de investigação? Ou bolsas de universidade?
Ahhh,sim, as duas risos.
A bolsa da segurança social foi porque os meus irmãos sabiam e eu pensei… mas queres mesmo é as bolsasde investigação… ahhh, quando estava no último ano da universidade, último ano não, não foi logo no segundo ano, sempre me dei com toda a gente do meu curso e conhecia as mais velhas. Sabia que muitos deles quando acabaram o curso começaram a fazer bolsas de investigação, ahhh, e depois de contactar com eles, falar, saber o que é que era mesmo, o que é que podia fazer, que portas é que abria, alguns deles, ahhh, acabaram por fazer o doutoramento, ahhh, as pessoas da minha turma, quase todos, mais de metade ou desistiu do curso ou seguiu para doutoramento, ahhh, foi com eles, com os mais velhos que comecei a conhecer e a perceber o que é que são as bolsas de investigação.
E planos para o futuro?
Planos para o futuro.. ahhh, é fazer os 3 anos de pós-doc, acabar o trabalho que tenho para fazer e candidatar-me a empresas cá. Ahhh, ainda tenho um plano para o próximo ano que será fazer 3 meses fora, ahhh, porque acho que será importante em termos de currículo, porque sei que as empresas dão mais valor a pessoas que tenham estado fora do país, ahhh, e em termos de vida pessoal, criar o meu filho, ter outros, constituir uma família forte e saudável e é isso.
Achas que o teu percurso foi de alguma forma marcado por algum evento que tenha a ver com discriminação, racismo?
Não, eu acho que… sempre considerei o racismo ridículo, então nunca lhe dei a devida importância… ahhh, se me perguntarem uma situação de racismo que tenha vivido, pessoalmente não me lembro de nenhuma, não me lembro de nenhuma mesmo. Uma vez em Évora estava a ver um jogo de futebol que era entre o clube lá de Évora e uma equipa da Costa da Caparica, ahhh, e de repente os adeptos da equipa de Évora começaram a chamar preto isto, preto aquilo, preto aqueloutro e vi que havia ali um ponto de racismo e de pejorativo no preto, mas nunca me fez diferença, nunca dei importância a isso, nunca… até brinco com isso, mais do que sentir o racismo, a discriminação.
E sem ser contigo, tens conhecimento de algum caso que te tenha chocado ou…?
Tem… como disse, não dou importância nenhuma a essa parte então não presto muita atenção, ahhh… como nunca fui discriminado e as pessoas à minha volta também nunca foram assim discriminadas barulho de avião não consigo identificar nada que tenha a ver com a cor da pele, com discriminação por ter vindo do bairro de onde vim, ahhh, acho que nunca houve assim discriminação de algum tipo…
Com os professores…
Han?! Nada! Nada!
Ahhh, e em termos de valores, voltando à questão dos valores, agora que tens um filho, o que é que achas que os teus pais te transmitiram que gostarias de transmitir também?
Ahhh, quero transmitir ao meu filho a força para lutar pelo que quer, para ter uma boa formação. Eu já lhe disse que ele pode… ainda não lhe disse a ele que ele ainda não percebe, mas ele pode ser o que quiser, não há nenhuma profissão ou algo que seja diminutivo dele. Ele pode até ter uma carreira universitária, pode ir trabalhar como canalizador ou como vendedor, pode fazer o que quiser, desde que ele seja uma pessoa séria e com… seja uma pessoa boa e com valores, pode ser o quiser, pode fazer… é isso que eu quero transmitir para ele.
Eu já devia ter perguntado isto, mas lembrei-me agora… fala-me um bocadinho do teu dia-a-dia como bolseiro de investigação. O que é que faz um químico?
Então, ahhh, primeiro venho… entro para o trabalho entre as 8:30h e as 9h, ahhh, agora tenho feito um horário mais fixo, como tenho uma criança em casa, mas normalmente, ahhh, tenho planeado para a semana algumas reacções que tenho que fazer no laboratório, tento seguir esse plano, ahhh, como as reacções que eu faço demoram algumas horas e não preciso estar ali a olhar para ela o tempo todo ou vou pesquisando outras reacções que possa fazer, vou estudando um pouco mais sobre aquilo que estou a fazer, o que é que já foi feito, o que é que é preciso e quando é que há abertura na literatura para o meu trabalho ser integrado. Ahhh, como eu sou um bocadinho faz tudo ali no laboratório muitas vezes tenho que fazer manutenção de alguns aparelhos e normalmente tento também dar alguma formação a outras pessoas. Neste momento, tenho três alunos a meu encargo, tenho que dar um bocadinho de formação e de orientação, ahhh, e tem sido mais isso. O ano passado ainda cheguei a dar aulas durante um semestre, só que este ano como é num regime de voluntariado e como precisava de tempo para o meu trabalho e para a minha família, este ano decidi não dar aulas barulho de avião e dedicar-me mais à investigação e um bocadinho mais à orientação.
E se tivesses que te definir como pessoa…? risos
Hum?! Sou uma pessoa alegre, positiva e sociável. Acho que é, são as três definições, ahhh, que se enquadram comigo.
E defeitos?
Defeitos?! Sou preguiçoso. Ahhh, às vezes as coisas correm… não digo ser perfeccionista porque não o sou, mas às vezes quando não consigo fazer uma coisa bem à primeira vou adiando. Isso aí às vezes atrasa a nossa vida.
Ok. Deixa-me ir à cábula outra vez, mas acho que estamos quase.
Está tudo? risos
Pronto! risos