Queria que começasses por te apresentar, dizer a idade, o que é que fazes…
Então… Eu sou a IC, tenho 32 anos… risos, já tenho dificuldade em encaixar esta idade risos… tenho que fazer contas e…. ahhh, bom, o que é que eu faço?! Sou investigadora em Biologia… Bioquímica é a minha área de investigação. Normalmente nunca se… não se consegue catalogar a área de investigação porque às vezes digo que sou microbióloga, às vezes digo que faço investigação em biologia molecular, outras vezes… às vezes digo só que sou bioquímica, mas normalmente a área de investigação é esta: à volta da biologia, da biologia molecular, pronto… e neste momento estou a terminar o meu doutoramento em Biologia.
E trabalhas na instituição…
Pronto, eu pertenço neste momento… isto é outra coisa complexa! Eu pertenço ao… como estudante de doutoramento, ao ITQB, que é o Instituto de Tecnologia Química e Biológica, mas o meu laboratório de investigação está sediado neste momento na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa. Mas, em princípio, estou agora a terminar, vou ter que seguir outro rumo, mas neste momento é onde eu estou sediada, onde eu pertenço.
Humhum. E escolaridade dos pais?
Pronto, os meus pais têm… tiveram a escolaridade obrigatória. O meu pai a 4ª classe que terminou aqui em Portugal porque… por carolice! E a minha mãe tirou em Cabo Verde a escolaridade obrigatória na altura.
E o que é que fazem?
Pronto, o meu pai já faleceu mas era servente de pedreiro aqui e a minha mãe era… é empregada doméstica.
E os irmãos? Quantos irmãos tens? Que idades?
É o que falamos há bocado…
Fala-me um bocadinho dos teus irmãos, idades…
Pronto, eu sou a segunda de 4 irmãos e em termos… e todos nós, ahhh, tínhamos o objectivo de fazer o ensino superior porque era uma coisa muito incutida na minha mãe, nos meus pais. Então, a mais velha é a XXX que tirou licenciatura em Psicologia Social e neste momento está a fazer investigação em Psicologia Social; depois sou eu; depois é o meu irmão que ele está… tem um percurso mais agreste do que o meu, não é tão linear, mas ele está a fazer Engenharia Mecânica e entretanto tirou um curso técnico de CMC, que é maquinação e produção de peças… peças grandes, vá, peças mecânicas e continua ainda a tirar a licenciatura em Engenharia… em Engenharia Mecânica; depois a minha irmã mais nova licenciou-se em gestão e é neste momento técnica de formação numa empresa de formação.
Então agora vamos começar a entrevista, que estes eram só os dados de enquadramento… e vamos começar a entrevista pela escola. Como é que foi o teu percurso escolar até agora, não é? risos
Ok! Eu fiz um percurso escolar linear, e pode-se dizer limpo, no sentido em que eu nunca reprovei. Eu nunca reprovei. E até posso dizer com alguma mo… sem falsa modéstia que não era uma má aluna, era uma aluna digamos que média, média-alta, vá, geralmente. Mas também não vou dizer que não era com esforço! Também era uma aluna dedicada. Eu gostava… não gostava muito dos trabalhos de casa, mas gostava das aulas e gostava da escola, pronto! Fiz o ensino primário normalmente, posso dizer que nesse aspecto foi muito bom porque eu tive uma professora muito boa no ensino primário, que de alguma forma ela sabia entender as minhas particularidades porque ela era caboverdiana e isso pode-se… pode ter beneficiado muito o meu percurso. E estava sempre a estimular-nos e a dizer que nós podíamos ir mais além e… depois da 4ª classe fiz o 5º e o 6º ano… eu mudei muitas vezes de escola e isso para o bem e para o mal… teve coisas boas e teve coisas más… mudei para o 5º e para o 6º ano para uma outra escola, num contexto social completamente diferente do meu e confesso que esses dois anos custou-me muito a adaptar, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista de integração e de adaptação, quer dos professores em relação a mim, quer de mim em relação aos professores e aos colegas. Foram dois anos muito complicados, mas passei também como todos os outros. Depois mudei de escola novamente no 7º e fui para… voltei a uma escola nova que foi aberta na altura no meu local de residência e voltei a adaptar-me e aí a sentir-me mais confortável na escola de novo. E pronto! Fiz o meu percurso absolutamente normal. Eu lembro-me que no 7º, 8º e 9º não tive assim muitas dificuldades, não me lembro assim de muitas dificuldades e foi aí um bocadinho nessa altura que eu percebi mais ou menos o percurso que eu queria fazer. Eu gostava de ciências e… gostava de ciências. Tudo o que fosse relacionado com ciências, ahhh, eu gostava. De matemática e… embora me desse bem com quase todas as disciplinas, à excepção das disciplinas de Letras que eu confesso que já era assim uma luta risos, tudo o resto eu adaptava-me bem. Então apercebi-me mais ou menos o que é que eu queria seguir e escolher a área de ciências para o 11º e 12º não foi muito difícil. Inicialmente foi porque não é uma coisa que as pessoas aceitam com muita facilidade. Então ouvia a minha mãe a dizer-me: “mas tu tens a certeza que queres isso?” Havia os meus professores a dizerem-me coisas do género: “Não devias seguir isso porque se depois não acabares vais ficar a perder!” Havia muitas… muito ruído à volta dessa área. Se bem que a minha irmã já tinha seguido a mesma área, mas também tinha sido com o mesmo ruído. Do género: “Não deves seguir isso porque se tu não chegares à universidade vais perder!”, ou “Não vais conseguir!”, ou “ É muito difícil!”, “A matemática…Escolhe outra coisa porque tens matemática…” e coisas assim do género. Mas eu também não tinha muitas opções porque do ponto de vista… do ponto de vista de interesses pessoais, eu só tinha aqueles! Eu na altura lembro-me que fiz os testes psicotécnicos e eu tinha para aí 99.9% de interesses ligados a ciências. Portanto, do ponto de vista pessoal eu não tinha muitas opções. Só tinha aquela, então foi aquela que eu segui. Depois chegando ao 10º, 11º, ahhh, com as aulas e com os vários… as várias disciplinas eu percebi claramente o que eu queria fazer, que é trabalhar em genética. E… e na altura, ahhh, as opções para se trabalhar em genética… a melhor opção seria Biologia e seguir o ramo de gené… ahhh, acho que era genética e qualquer coisa que já não me lembro muito bem. Só que na altura, quando me candidatei, entr… na altura a média era muito alta, ahh, já não me lembro se… eu lembro-me que na altura a média de entrada nesse curso era 16, à volta disso e eu depois não tive uma nota tão boa quanto isso, até porque eu tive uma altura… no final do 12º ano foi uma altura em… uma altura muito difícil, foi quando o meu pai ficou doente e o meu pai faleceu poucos dias antes de eu começar os exames nacionais. Então, foi mesmo assim uma coisa na altura muito complicada de gerir e, obviamente, eu posso dizer que tive um apoio muito grande da minha mãe par fazer porque eu estive ao ponto de desistir porque não conseguia. O meu pai faleceu no dia 7, o funeral foi no dia 10 de junho e eu comecei os exames nacionais no dia 17. Então, concentrar-me para estudar e isso tudo foi muito complicado. E algumas das minhas notas melhores, aquelas em que eu me sentia mais confortável e em que eu não ia precisar de muito estudo foi aquelas que se… que se ressentiram um bocado. Mas, ainda assim não me posso queixar. Tive um percurso… acho que foram boas notas na medida do possível. E acabei por não entrar em Biologia que era aquilo que eu queria e entrar numa opção que não tinha sido inicialmente muito bem pensada. Era… era uma opção que estava por lá entre aquelas opções, que era Bioquímica. Ahhh, eu ainda tentei mudar de curso, mas depois muito rapidamente percebi que eu ia atingir os mesmos objectivos tanto fazendo Bioquímica como fazendo Biologia, então mantive-me no curso e fiz o curso até ao final, e gostei muito do curso! Ahhh, o curso de Bioquímica dá-me horizontes completamente diferentes dos horizontes de Biologia. Ahhh, eu costumo brincar um bocadinho e dizer que na Faculdade de Ciências um bioquímico é um químico. Então eu neste momento, de base, eu sou uma química e que trabalhei sempre em Biologia que era sempre o meu interesse. Então quando terminei os quatro anos do ensino… da escola normal, da licentura e ia para o estágio, eu escolhi um estágio relacionado com a Biologia e com a Genética que era aquilo que eu sempre queria inicialmente, então nessa altura fui para o IPO de Lisboa e estive lá um ano a trabalhar em… ahhh, cancerígenes dos tumores da tiróide, ligado à genética dos tumores da tiróide e isso tudo. Esse foi mais ou menos o meu percurso até chegar ao final da licenciatura. Depois disto, acabei a licenciatura com aquele background mais ligado à genética, candidatei-me a vários sítios e acabei por ir para… para Braga, um ano, trabalhar em terapia génica em… um bocadinho mais… era um trabalho mais de química, que era em purificar material genético de DNA para ser utilizado em terapia génica. Estive lá um ano e depois desse ano, eu comecei a pensar em horizontes maiores. O que é que eu queria fazer a seguir? O que é que eu não queria? Se eu queria fazer o doutoramento logo, se eu não queria fazer o doutoramento logo… Se era uma das coisas… uma das perguntas saltava um bocadinho para trás. E eu decidi que estava na altura de fazer e para o fazer eu tinha que… as oportunidades estavam mais em Lisboa e eu tinha os meus pais em Lisb… a minha mãe em Lisboa, na altura e os meus irmãos em Lisboa e então decidi regressar a Lisboa e acabei por depois ingressar no outro laboratório, no Instituto que era um Instituto de referência e é ainda, que é o ITQB, ahhh, no laboratório… o laboratório de Microbiologia… de Genética Molecular e Microbiologia, aliás Microbiologia Genética. Ahhh, e comecei lá uma nova bolsa de investigação e foi aí que me foi proposto o doutoramento e iniciei o meu doutoramento em… ahhh, área muito vasta, mas no fundo, no fundo é regulação genética em microbiologia, pronto! E podia estar aqui horas a falar sobre o assunto, mas risos… era entrar numa área muito específica! Eu tenho estado no laboratório até agora. Tenho andado a fazer o doutoramento, a fazer investigação, trabalho e isso tudo e até agora… estou no final deste percurso, ahhh, escrever a tese, defender e é o que eu vou fazer nos próximos meses. Pronto, do ponto de vista académico é um bocado isto! Está tudo muito bem explicadinho! riso
Mas disseste que mudaste muito de escola. Isso tem a ver com mudança de casa também ou…?
Mudei muitas vezes de escola, não porque mudei de casa, porque eu… De facto, mudei de casa, mas mudei sempre perto… na mesma zona onde estava, sei lá… 500 metros, por aí. Mudei muitas vezes de escola porque quando fiz o ensino primário não havia escola preparatória no sítio onde eu morava, próxima, então tinha que ir numa localidade ao lado e foi por aí… aí saí de Outurela para ir para Carnaxide, escola. Depois disso, quando abriu o ensino preparatório ao pé do meu local de residência, voltei para essa escola. Depois quando terminei o ensino básico, o 9º ano, não havia ensino secundário perto de minha casa, então fui para Linda-a-Velha fazer os três anos que me restavam e depois é que fui para a faculdade. Mudei de escola muito por causa disso. Porque a localidade em que eu morava não tinha todas as valências de ensino e foi aumentando as valências à medida que eu fui crescendo e por isso fui sempre mudando de escola.
E influências? Já disseste que a tua mãe foi… os imãos…
Sim! Eu tenho que começar um bocadinho atrás. Eu acho que a minha maior influência e a influência dos meus irmãos e dos meus primos é o meu avô. O meu avô é uma referência muito grande na minha família. Eu não o conheci pessoalmente, mas tenho… percebi que ele era uma influência muito grande. O meu avô tinha uma… Eles moravam no interior da Ilha de Santiago, era uma pessoa muito pobre, era camponês vamos dizer assim, agricultor camponês, mas ele tinha a ideia que a única forma de quebrar a barreira da pobreza era pelo estudo, pela educação. E ele fez esse esforço de tentar transmitir essa ideia e esse… esse… incutir isso na minha mãe e nos meus tios. Só que na altura as dificuldades eram muito grandes, então dos meus seis tios, incluindo a minha mãe, seis e a minha mãe, pouco estudaram. A minha mãe não conseguiu estudar, uma das minhas tias conseguiu, duas ou três conseguiram estudar a seguir ao ensino obrigatório, uma é professora, duas ou três terminaram o ensino obrigatório em Cabo Verde. Mas era uma coisa que elas não conseguiram muito bem terminar porque as dificuldades eram imensas. Na altura o meu avô tinha esta ideia mas depois tinha outro problema. A minha avó era muito doente e esteve muito doente durante muitos anos era ele o suporte da família, então, do ponto de vista monetário, ele não conseguiu, ahhh… não conseguiu que os filhos dele estudassem. Mas essa ideia ficou muito enraizada na minha mãe e nos irmãos dela, que por sua vez transmitiram essa ideia a mim e aos meus primos. Então quase todos os primos dos vinte e tal primos, eu conto muito poucos os que não chegaram ao ensino superior ou que não têm essa ambição. Alguns ainda são muito novos, mas quase todos têm essa ambição ou quase todos têm essa perspectiva de futuro. E eu acho que também tem muito a ver com essa influência, com a ideia de que a educação seria a única forma de quebrar a barreira da pobreza e de… da exclusão social. E daí essa… e daí ser essa a influência. É claro que depois eu recebi esse suporte todo da minha mãe. A minha mãe tinha uma ideia muito clara daquilo que ela queria para nós, para os filhos. Ela não queria que nós passássemos as mesmas dificuldades que ela teve e então, nesse… nesse… nessa ideia ela apoiou-nos muito e tinha sempre referências altas para nós, objectivos estabelecidos e claros para nós… e isso, claro, facilita! Muito! Facilita muito o meu percurso, torna as coisas muito mais di… muito mais fáceis.
E na tua área tinhas alguém que conhecesses que já tivesse…
Não! Aí é que torna a coisa diferente. Na minha área não tinha ninguém. Eu não conheci ninguém que… até a… até eu fazer o meu percurso eu não conhecia ninguém que tivesse feito um percurso na área da investigação e que… que fosse para ciências ou que fosse para outra qualquer área de ciências exactas, não conhecia ninguém. Nem matemáticas, nem biologias, não! Até porque, pelo que… pelo que eu conheço da maior parte dos descendentes dos PALOPS e isso tudo, não é a área preferencial. Geralmente escolhem sempre áreas mais… Letras, Direito, Sociologia, ahhh, Gestão… muitos de Gestão, mas ciências não. Pensando bem, não me lembro… aliás eu só cheguei a encontrar alguém que tivesse a mesma origem que eu na faculdade quando encontrei uma colega minha que os pais eram caboverdianos e que tinha mais ou menos o mesmo per… ela tinha mais ou menos o mesmo percurso que eu. Mas antes disso, não!
E como é que eram os teus hábitos de estudo? Eras uma pessoa que estudasse diariamente ou…
Em termos de hábitos de estudo eu não posso… eu não sou um bom exemplo! risos Ahhh, eu usava… eu era muito atenta nas aulas. Eu percebi claramente que a grande maior parte da informação que o aluno tira, tira durante as aulas e eu aproveitei isso. Quando estava nas aulas, estava atenta, mas em casa não tinha muitos hábitos de estudo, de estudar, ahhh… estudar muitas horas ou ter de fazer os trabalhos de casa sempre. Isso eu não tinha! Até porque não tinha muitas condições em casa, era complicado. Tínhamos uma casa pequena, eu não tinha um quarto só para mim, tinha que estudar na sala com os meus irmãos a brincar e não sei quantos… era complicado! Então eu enveredei por essa opção! Estava sempre muito atenta nas aulas e tentava captar o máximo de informação nas aulas e, claro, estudava para os testes… ganhei sempre o hábito de estudar na véspera… mas, lá está, eu já tinha a informação toda apreendida das aulas, portanto, eu não precisava de estudar propriamente muito na véspera dos exames. Por isso, em termos de hábitos de estudo eu claramente não sou um bom exemplo, mas risos… tinha alguns.
E foi sempre assim em todas as fases depois da primária até…?
Eu acho que foi, praticamente. Olhando agora para trás, se calhar até eventualmente ao 7º , 8º ou 9º eu não tinha mesmo necessidade de estudar para ir para os testes. Depois disso eu passei a ter que fazer aquele estudo de véspera, um dia antes, dois dias antes e na faculdade eu fiz mais ou menos a mesma coisa, mas eu na faculdade, a razão também era outra. O nosso… a carga horária era muito elevada; os trabalho, tínhamos muitos trabalhos ao longo do semestre então era muito difícil fazer o acompanhamento das teóricas ao longo do semestre. Estávamos sempre preocupados com aquele trabalho que temos que entregar, com aquela prática que temos que preparar, então não havia muito tempo para estudar… ahhh, fazer o estudo mais teórico e então eu deixava sempre isso para a época de exames e, lá está, mas também é como eu disse. Eu não faltava muito às aulas e mesmo no ensino, na, na, na licenciatura toda a gente tem a carta de alforria para faltar às aulas que quiser, eu não faltava. Eu era muito raro faltar a uma aula e quando estava na aula estava atenta e depois isso facilitava o estudo porque eu não via… quando fosse estudar as coisas na véspera não estava a ouvir as coisas pela primeira vez, eu já… relembrava-me delas vagamente das aulas, então era só arrumar as ideias para… para os exames, caso contrário não seria possível.
E havia alguma disciplina que fosse assim o calcanhar de Aquiles?
Ah! Sim! risos O meu calcanhar de Aquiles foi e será sempre Inglês! Foi sempre o meu calcanhar de Aquiles, desde… desde que comecei a disciplina e aí, sim, eu estudava mais, esforçava-me mais, mas eu passei sempre no limite e tive… foi das poucas disciplinas em que eu tive negativas assim difíceis de… de tirar porque eu estudava muito… aí estudava um bocado mais e não conseguia. Eu lembro-me que na altura… houve uma altura em que a minha mãe até me pagou explicações de inglês e de matemática porque eu de matemática precisava de um suporte maior, mas inglês era daquelas que eu sozinha tinha dificuldade e até ainda o inglês para mim tem sido uma luta. Eu utilizo o inglês, neste momento é a minha língua de base em investigação, é a língua… costuma-se dizer que é a língua científica, eu escrevo em inglês, eu apresento as minhas apresentações são todas em inglês mesmo nos institutos portugueses, mesmo em congressos nacionais, são todas em inglês, mas confesso que é a minha maior dificuldade. É onde eu me sinto mais frágil. Mas, pronto! Estudando e praticando acho que atinjo… atingi um patamar que é digamos que aceitável. Não é excelente no inglês, mas é aceitável.
E como é que caracterizas as escolas por onde passaste?
Ah! É assim: as escolas por onde passei, eu não diria que eram excelentes ou boas. Ahhh, o ensino primário, foi como eu te expliquei… o ensino primário depende muito dos professores e não tanto das escolas e eu aí, embora não estivesse numa escola particularmente excelente, com muitos recursos, eu tinha uma boa professora primária e eu devo-lhe muito, nesse sentido. Não nos fechava horizontes, abria-nos horizontes, dava-nos muitas coisas diferentes, muito estímulo. Depois o ensino preparatório, quando eu fiz o 5º e o 6º ano, era uma boa escola, mas tinha um problema: eu sofri… nessa escola foi onde eu sofri mais discriminação e onde eu senti-me mais fora do contexto. Uma porque teoricamente não era suposto eu ir para aquela escola, a maior parte dos meus colegas de Outurela iam para uma escola muito mais longe que era Miraflores, eramos, vá, descartados para Miraflores que era uma escola mais longe, mas eu acabei por ir para a escola em Carnaxide porque a minha mãe interferiu e foi lá pedir por favor para me deixarem entrar naquela escola porque ela trabalhava lá ao pé e a minha mãe trabalhava muitas horas, então fazer o acompanhamento da nossa educação era muito complicado se a escola fosse muito longe. Então ela foi lá, pediu por favor, por favor e na altura, a senhora que trabalhava na secretária simpatizou com ela e acabou deixar a minha irmã entrar e eu consecutivamente entrar. Mas nessa escola… era uma escola boa do ponto de vista de formação, de professores, era uma escola excelente. Aliás, na altura, só os alunos muito bons é que conseguiam entrar naquela escola e eu aí posso dizer que o ensino português melhorou porque agora a entrada numa escola pública depende maioritariamente do local onde nós residimos e não tanto de escolhas que não são muito bem justificadas, mas na altura, no início da década de 90, final da década de 80, não era bem assim. Porque havia escolas em que os alunos mesmo sendo… a preparatória de Carnaxide é um exemplo claro! Os alunos de Outurela não tinham entrada naquela escola, eram recambiados para Miraflores sendo aquela escola, a escola mais próxima da residência. Mas o que eu digo daquela escola: era uma escola muito boa do ponto de vista, ahhh, de condições, mas eu… foi a escola que me custou mais. Aqueles dois anos custaram-me mais e eu digo muito claramente por causa da discriminação, porque custou-me muito passar aqueles dois anos. Depois das outras escolas… a escola de Outurela, ok, tem muitas… mui… muitos problemas, onde eu fiz o meu ensino do 7º, 8º e 9º ano, tem muitos problemas porque recebe muitos alunos de contextos sociais desfavorecidos e eu vinha do mesmo contexto, ahhh, mas a escola tem essas questões. Na altura eu não senti tanto porque a escola tinha acabado de abrir e havia tudo novo, por estrear, tudo… uma série de recursos que foram-se desgastando ao longo dos anos e eu hoje sei que a escola não é propriamente das melhores no ranking, muito pelo contrário, mas não era excelente, não era daquelas… eu tive bons professores na escola, mas em termos de recursos, a escola não oferece assim tantos recursos e eu acho que com o tempo também se foi degradando. E depois, quando mudei para o ensino secundário, não tenho assim grande razão de queixa. Não… digamos que passei pelo ensino secundário como quem já espera na expectativa do que vem depois. Eu fiz aquele percurso sabendo que queria Biologia, queria Bioquímica, então foram três anos… não me senti completamente desenquadrada, mas também estava longe, era uma escola nova, só… foram só três anos, não… posso dizer que é uma boa escola, tive bons professores porque eu acho que entrei bem preparada… 00: 24 –
Na secundária de Linda-a-velha?
Sim. Entrei bem preparada para o ensino superior e eu senti isso. em comparação com os meus colegas, no 1º ano da faculdade eu estava muito bem preparada na área de química, muito bem preparada na área de biologias, mesmo de formação e laboratório, eu tinha todo, ahhh… sabia trabalhar muito bem em laboratório e isto porque a escola tinha, a de Linda-a-Velha, tinha muitas valências nessa área. E isso, sim, foi bom! Posso dizer que não é uma má escola. Não sei porquê não tem os melhores, as melhores notas, mas eu acho que estava bem preparada e senti isso quando cheguei ao 1º ano.
E disseste que sentiste alguma discriminação na de Carnaxide…
Em Carnaxide! Em Carnaxide foi onde eu senti mais!
Ahhh, da parte de quem? Professores? Alunos?
Senti por parte de alunos, senti por parte de professores… ahhh, alunos e colegas e senti por parte de professores. E foi… foi uma das coisas que me custou mais porque eu não… aliás, eu… em Outurela, na escola primária, havia obviamente pessoas das mais diferentes etnias e muito diferentes. Nós eramos todos… mas havia uma coisa que nos unia de alguma forma, era as condições económicas. Todos nós tínhamos baixas condições económicas e eu não sentia muita discriminação porque eu tinha amigos de todo… de todo o tipo. Nem sequer via… eu própria confesso que eu não via diferença entre os que eram os ditos brancos, os que eram pretos, os que eram ciganos… nós não sentíamos… eu pelo menos não sentia diferença. E quando eu cheguei em Carnaxide, senti! Foi a primeira vez que eu tive percepção que eu era diferente, ou que eu poderia ser diferente. Senti por parte dos professores, muitas vezes pelo discurso. Era discursos do género: “Não vale a pena investir muito em ti porque tu mais tarde ou mais cedo vais desistir da escola!” ou então… eu lembro-me disso, ou então não perder muito tempo comigo. Eu lembro-me disso a Inglês, por exemplo, que a professora literalmente não perdia tempo comigo porque o Inglês não é propriamente aquela valência que o aluno na minha condição vai precisar mais tarde. Porque não… se eu for servir a um café ou isso tudo, eu não vou precisar do Inglês. Então ela diz… não dizia muito claramente, mas mostrava de alguma forma que não valia a pena investir muito em mim, então punha-me sempre recambiada par o último lugar da sala e eu lembro me que, no 5º e no 6º… no 5º não senti tanto, mas no 6º senti… eu acho que se troquei duas palavras com aquela professora foi muito. Duas ou três conversas num ano inteiro de aula foi muito e eu só me consegui… só consegui chegar ao final com uma nota positiva porque no último semestre, no último mês a professora mudou, e porque ela estava grávida e saiu e entrou uma nova professora e valorizou o meu esforço e eu estava mesmo ali no limiar e passei. Porque eu tenho a certeza absoluta que se a professora não tivesse mudado naquele último mês, eu tinha terminado o ano com uma negativa, com aquela negativa. Pronto! Em termos… foram muitas questões nessa escola! Eu lembro-me por exemplo… eu era uma boa aluna, apesar de tudo! Apesar daquele sentimento de não me sentir bastante confortável, eu era uma aluna razoável de 3s, 4s e eventualmente 5s em algumas cadeiras. E eu sabia, mais ou menos, tendo em conta o perfil dos meus colegas, que estava no quartil superior dos colegas e eu lembro-me uma vez de um professor… de um meu, ahhh, director de turma (na altura chamava-se assim) ter… a minha mãe ter chegado a casa muito chateada porque se cruzou com o meu director de turma e que olhou para a minha mãe e disse: “Ah! Eu lembro-me de si! Você é fi… é mãe de uma aluna minha.” E desdenhou um bocado do meu esforço e das minhas notas e disse: “Ah! Ela não era grande coisa.” E lhe disse isso! Ela chegou a casa muito chateada e ofendida e, pronto, magoada. E eu lembro-me, por exemplo, de esse professor também não me dirigir muito a palavra e não me… não valorizar… ele era professor de trabalhos manuais (na altura havia uma cadeira de trabalhos manuais) e não me… não haver nenhum estímulo da parte dele, nem… lá está, também foi daqueles professores que eu passei um ano inteiro em que não havia muita troca de informação mesmo tendo… ele tendo sido meu director de turma no 5º ano, ele não… no 5º, não! No 6º, se não me engano… Ele não me dirigia muito a palavra e normalmente eu só falava com ele uma vez por sema… por trimestre, porque em trabalhos manuais nós levávamos o que tínhamos andado a produzir durante esse trimestre para ser avaliado e ele avaliava o meu material com algum… é muito difícil de descrever a discriminação quando ela é subtil! É muito difícil de… de explicar, o que é certo é que eu sentia claramente e acabou por se reflectir naquilo que ele disse à minha mãe, mas de resto… foi o sítio onde eu me senti mais discriminada. Não me senti… não senti na escola primária até porque como expliquei, teoricamente ela era branca mas ela era caboverdiana, então ela conseguia muito bem perceber os nosso contextos diferentes. No 7º e 8º ano havia um esforço por parte dos professores e da escola, de alguma forma não excluir ninguém e quando eu cheguei também ao 10º, 11º e ao 12º eu não tinha nada a… eu não precisava de provar nada a ninguém e as minhas notas falavam por si. Eu era boa aluna, eu era excelente aluna e por isso eu não tinha… não… de facto, também houve momentos pontuais em que isso aconteceu, mas não era assim uma coisa muito… tão ostensiva. O 5º e o 6º ano foi onde eu senti mais. Ali… porque aí tinha que provar, aí eu tinha que me impor um bocado na aula, na sala de aula e, … e… e também posso dizer que essa foi a razão pela qual eu também me esforcei para ter boas notas. Porque eu tinha que provar às pessoas que era capaz, que conseguia fazer as coisas e que não dependia de gostarem ou de não gostarem de mim para ultrapassar as barreiras. Então, eu esfor… a partir desse momento, a partir do meu 5º ano o meu percurso escolar mudou. Foi aí que mudou! Eu confesso… porque eu até à 4ª classe gostava de ir `a escola e gostava de… mas, não tinha aquele objectivo de ser uma boa aluna ou de ter boas notas. Foi a partir daí que eu decidi que eu precisava disso.
E a mudança para a universidade? Sentiste algum… alguma diferença?
Mudar para a universidade… É assim, ao longo daqueles anos todos eu fui-me preparando para entrar no ensino superior, como eu te disse era um objectivo meu. Claro que senti algumas diferenças. O meu contexto era um contexto completamente diferente da maior parte dos meus colegas. Eu vinha de um contexto socio-económico baixo, a maior parte dos meus colegas vêm do contexto socio-económico muito elevado e tinham muitas outras… ahhh, quer em termos de material escolar, tinham muito mais coisas do que eu. Eu tinha que saber gerir o meu orçamento muito apertadinho e por aí eu senti mais dificuldades, mas não do ponto de vista de me sentir preparada para a faculdade. Isso senti-me bem preparada. Agora, não senti assim muita di… consegui encaixar-me bem, digamos. 00: 32 –
E em termos de ambiente? Ahhh, achas que a convivência com as pessoas e com os outros alunos era algo diferente do que já tinhas experienciado ou…?
Não era muito diferente. Olhando para trás, não foi… não é muito diferente. Pontualmente sente-se alguma discriminação, mas é uma coisa pontual e se a pessoa se souber impor há… eu acho que consegue-se impor, ahhh… e lá está, eu mantive as minhas boas notas mais ou menos no ensino superior, portanto, não precisava de provar mais nada a ninguém, não precisava de me impor assim tanto. Sim, o contexto… ok, eu tinha o meu grupo de… de colegas, amigas, amigas e colegas de trabalho, ahhh, que me adaptei bem a esse grupo e consequentemente facilitou também a adaptação à faculdade porque nos integrámos bem naquele contexto, mas eu acho que não é… o ensino superior não é muito diferente… não foi muito diferente, ahhh, do ensino… do ensino secundário. Acho que não é muito diferente. É claro que se o aluno não estiver muito bem preparado vai sentir um choque muito grande. E depois há outras questões: por exemplo, foi a primeira vez que eu saí da minha região de conforto que é ir para Lisboa, ter aulas todos os dias em Lisboa, eu não estava habituada. A minha região de conforto era ali Carnaxide, Linda-a-Velha, Outurela e não saáa daqueles,, sei lá, 2 km quadrados e passar… experimentar Lisboa de outra forma, sim, e aí sim, foi positivo porque conheci contextos diferentes, coisas diferentes, eu e as minhas colegas passeávamos muito em Lisboa risos… e então passeávamos imenso, mas foi só isso. Sair daquela zona de conforto. Mas, do ponto de vista da escola, da faculdade, não senti muita diferença em relação ao ensino secundário. Eu acho que não é muito diferente do contexto. Isso também depende muito das faculdades e a Faculdade de Ciências é uma faculdade muito aberta a coisas diferentes, a coisas novas, então é mais fácil a adaptação. Eventualmente, numa faculdade de Direito ou numa faculdade de Gestão, isso pode não ser tão fácil, mas no meu caso não foi muito complicado.
E como é que pagavas as propinas? Eras tu que pagavas? Tinhas bolsa?
Eu tinha bolsa, de inves… bolsa de… bolsa normal de… e geria ou meu orçamon… o meu orçamento para conseguir pagar as propinas e conseguir pagar as minhas contas do normal e a minha roupa, absolutamente tudo porque a minha mãe já fazia um esforço muito grande para conseguir suportar os estudos dos meus irmãos, então eu… aliás, uma das minhas limitações quando eu entrei para a faculdade era: eu não podia ir para a faculdade como um sítio fora de Lisboa porque a minha mãe não tinha como me pagar isso, o que por um lado facilitou porque estando em Lisboa eu tinha todos os recursos, não tinha essa necessidade, portanto eu só me candidatei a faculdades dentro de Lisboa. Porque eu podia ter entrado em Biologia na altura noutro sítio, mas não entrei porque não me podia candidatar e o meu orçamento… e também não podia chumbar. Eu não podia deixar cadeiras para trás porque a minha mãe tinha as coisas muito bem planeadas. Quando eu entrasse… quando eu saísse da faculdade, os meus dois irmãos estariam a entrar, portanto, se eu ficasse para trás ia de alguma forma prejudicar os estudos deles e os recursos que ela tinha. Portanto, nem eu nem a minha irmã podíamos nos atrasar, ahhh, então eu nunca deixei cadeiras para trás e eu acho que eu nunca deixei uma única cadeira para trás, porque isso… corria o risco de se eu chumbar ou deixar muitas cadeiras para trás perder a bolsa de estudo e por aí em diante tudo… poder deixar tudo… pôr tudo a perder. Então nunca deixei cadeiras para trás, nunca chumbei por causa disso, para conseguir gerir o meu orçamento da bolsa de estudo que eu tinha e conseguir pagar as minhas despesas e a propina… as propinas. Até porque a tirar uma licenciatura em Bioquímica é muito difícil trabalhar. Eu tinha, ahhh, laboratórios de oito horas, seis horas, tinha que… laboratórios variáveis, visitas de campo e coisas do género e então era muito difícil eu conciliar um… uma faculdade sem chumbar com um trabalho, mesmo que seja em part-time. Tinha trabalhos constantes para entregar, então eu tinha que manter aquela bolsa de estudo para conseguir acabar no tempo que me era dado, os cinco anos que me eram dados.
E, pelo que percebi, entre a licenciatura e o doutoramento houve ali um tempinho de espera…
Sim, não foi assim muito tempo. Eu nunca… só agora que estou mais no final do trabalho no meu… no meu doutoramento é que estou a parar um bocadinho, mas eu nunca parei muito tempo. Eu acabei… ehhh, entrei para o estágio, acabei o estágio, passado… acabei o estágio… licenciei-me em outubro, em lembro-me e em dezembro eu já… em dezembro já sabia que em janeiro ia começar no trabalho e fiz esse ano todo em Braga e vim para… saí de Braga já no final, tinha feito um ano inteiro lá, saí de Braga para as férias de Natal e em uma semana, duas semanas, eu já sabia que ia começar um trabalho novo em jan… logo em janeiro, portanto, eu nunca parei muito, assim muito tempo e estive sempre a fazer investigação, o ano em que tive em Braga e depois o ano em que estive… estive mais um ano no ITQB antes de fazer… de começar o doutoramento e comecei o doutoramento no ano a seguir, portanto foram dois de investigação antes de… de começar a fazer doutoramento. Mas, em ciências, o trabalho em investigação como bolseira de investigação e o trabalho como bolseira de doutoramento é praticamente o mesmo. Quer dizer, as responsabilidades aumentam e isso tudo, mas é praticamente o mesmo. 00: 38 –
Isso quer dizer que nunca tiveste um trabalho que não fosse no meio académico?
Exactamente, e isso foi uma coisa que eu me apercebi agora porque como estou a fazer… estou a terminar o doutoramento, deixei… já não tenho bolsa de investigação e estou a escre… estou a acabar a minha tese, então tenho mais tempo livre, então estou a pensar fazer alguma coisa fora e percebi que o meu currículo é todo académico, é tão… é todo relacionado com ciências e isso tudo, embora tenha feito algum trabalho de associativismo e isso tudo. Aí sim, tenho outras valências, mas em termos de currículo mesmo, é todo científico. Praticamente todo científico e não parei praticamente em nada, em tempo nenhum.
Agora fala-me um bocadinho do teu trabalho especificamente.
Especificamente… Ahhh, o meu trabalho de investigação, ahhh, está relacionado, ahhh, com um factor de transcrição, um factor de transcrição são proteínas que regulam a expressão de determinados genes. No caso, eu utilizo um modelo de investigação que é uma bactéria, basilus subtilis, e eu estou a trabalhar o mecanismo de regulação de utilização no açúcar que é a arabinose. A arabinose… a utilização de arabinose é maioritariamente regulada pelo ADR que é uma proteína que se liga ao DNA e reprime a expressão de determinados genes, pronto. E o meu trabalho, especificamente, de forma mais específica, é perceber como é que esse factor de transcrição, como é que o ADR se liga ao DNA de forma específica, quais são os contactos e como é que vai regular essa expressão e os níveis de expressão de… de genes, de expressão proteica. De forma prática é isso! 00:40 – Então agora passamos um bocadinho para os teus tempos livres. O que é fazes? O que é que gostas de fazer nos tempos livres?
Eu, os tempos livres, eu ocupava a maior parte dos meus tempos livres a dar catequese. Eu dei catequese durante muitos anos, desde os meus 16 anos e era catequista e isso absorve muito porque absorve os meus fins-de-semana e a preocupação com aquelas crianças é uma coisa que me absorve bastante. Absorvia! Agora, este ano parei. Mas foram 16 anos a dar catequese com jovens dos mais diversos… das mais diversas faixas etárias. Eu comecei com crianças à volta de 5, 6 anos… 6 anos, 7 e cheguei a ter jovens de 16, 17 e depois voltei de novo para… para crianças mais pequeninas dos 6, 8, 8 anos de idade. E pronto! Agora parei um bocadinho, mas tem sido um dos meus maiores, ehhh, vá, trabalhos e responsabilidades, tem sido essa a maior responsabilidade que eu assumi e tenho… desenvolvi muitos trabalhos com jovens por causa disso. Quer na catequese, quer na capela no sítio onde eu trabalho, quer depois em algumas associações, ahhh, de solidariedade social à volta do sítio onde eu trabalho, ahhh, no caso por exemplo a Assomada ou outras instituições próximas. 00:42 – E como é que surgiu esse interesse pela religião?
Eu acho que surgiu um bocadinho com o meu percurso normal. Eu tive catequese e… e no fi… e estava a fazer o meu percurso catequético normal e no final, antes de eu fazer o meu crisma a minha catequista lançou o repto: quem de nós é que queria retribuir da mesma forma e ser catequista? E eu pensei: “Porque não? Já estou a acabar e porque não?” E acabei por me envolver de forma muito séria, claro, estes últimos 16 anos a dar catequese é um envolvimento muito forte e é muito depois difícil deixar quando sabes que há crianças que dependem de ti e que precisam do teu apoio e precisam que tu estejas lá, que os incentives não só do ponto de vista religioso mas ao longo do percurso deles, na escola deles a estimulá-los, às vezes com a relação que eles têm com os pais ou não e por essas razões eu nunca fui capaz de deixar. Eu sempre me envolvi de forma muito próxima com eles, tanto que eu por exemplo acompanhei um grupo, durante onze anos o mesmo grupo, então imagina a relação que eu tenho com esses jovens. Porque comecei com eles quando tinham seis e terminei com eles quando eles tinham… 17, 16 anos e a relação… eu cresci durante aqueles anos todos mas eles… eles cresceram, mas eu também! Portanto, tenho uma relação muito próxima com estes jovens e a forma como eu me relaciono com elas é diferente, acho que é próximo.
E outros hobbies, outros interesses?
Gosto… Gosto… Eu gosto de muitas coisas. É muito difícil separar. Eu gosto de cinema, eu gosto de teatro, eu gosto de ler, ahhh, eu gosto de viajar. Acho que no fundo, no fundo, são estes os meus hobbies. Gosto muito de ler e já… agora não tanto, não leio tanto, confesso, mas houve uma altura que lia muito e gostava muito de ler. Gosto muito de literatura, de romances e particularmente, e pronto, é um calcanhar de Aquiles, literatura clássica e os livros clássicos normais e um bocado de literatura estrangeira. Acho que, sei lá, a Johanne Harris é uma das minhas escritoras preferidas, depois a Isabelle Allende também, depois é um bocado variado. Eu gosto muito dos escritores sul-americanos. O Gabriel Garcia Marques também gosto muito, por aí. Pronto, e cinema, normalmente cinema normal e teatro é o que aparece, normalmente. Não há assim muito…
E com que frequência é que fazes essas coisas?
É assim! Ler, agora tenho feito um bocado de pausa porque agora tenho que escrever a tese e isso tudo consumia-me muito tempo, então eu… até porque eu sou um bocado exaustiva quando leio. Eu quando agarro num livro tudo o resto fica em segundo plano e então eu tive que parar um bocado de ler por causa disso, porque pegava e lia e lia e lia e depois esquecia de tudo o resto que tinha para fazer. Mas depois cinema e teatro normalmente aparecia sempre porque tenho sempre amigos que estão envolvidos em teatro e… não sei porquê têm sempre bilhetes para nós e eu partilho sempre com eles ou às vezes pago também com amigos meus. E cinema, também, regularmente. Agora nem tanto porque como estou sem bolsa as condições económicas são mais restritas, então eu tenho que poupar nessas pequenas coisas, mas sei lá, uma vez por mês ia sempre a uma peça ou ir ao cinema. Não… não muito mais do que isso! Mas, em geral… e viajar, acabou… surgiu muito no contexto da minha profissão porque como íamos a conferências e isso, surgia sempre oportunidade de conhecer um sítio novo e ir a um sítio diferente, então tenho viajado al… não tanto como eu queria, mas um bocadinho.
Por onde é que já andaste? Que países é que conheces e…?
Já conheço alguns, há outros que estão na minha lista, mas já fui para os Estados Unidos, já fui para a Inglaterra, conheço Açores e Madeira, conheço o país inteiro quase de norte a sul do país, conheço quase todos os… desde Viana do Castelo até Faro acho que conheço o país inteiro, então é mais isso. Não viajei assim extraordinariamente, mas sim…
E és de origem caboverdiana, certo?
Sou de origem caboverdiana.
Pai e mãe?
Pai e mãe. Os meus pais são…
Já lá estiveste?
Não! risos É o meu calcanhar de Aquiles! Não estive. É uma pena porque os meus irmãos todos já estiveram e eu sempre tive essa ambição de ir e conhecer os meus avós já vou a tempo porque os meus avós já faleceram, mas conhecer os… a minha única tia que ficou lá e que eu não conheço, ainda, mas trocamos sempre… falamos sempre pelo telefone e alguns dos meus primos que ainda estão lá. Nunca surgiu oportunidade porque, lá está, sempre tive esta vida muito preenchida com os estudos e com a catequese e nunca consegui parar. E eu… as oportunidades que surgiram, eu estava a começar um trabalho novo, um sítio novo, então nunca consegui ir. É uma pena, mas hei de lá ir risos…
E o que é que significa a herança caboverdiana para ti?
Muito! Eu tenho as minhas raízes lá, a minha base lá, a minha forma de pensar do ponto de vista do relacionamento pessoal está rel… directamente relacionada com isso! A forma dos caboverdianos estarem é mais dada, é mais, ahhh, sem muitas barreiras, ahhh, e nisso… a relação que eu tenho com a música, por exemplo, ahhh, é muito mais da forma de ver caboverdiana do que da forma de ver portuguesa. A forma como eu me relaciono com a comida e os sabores e os cheiros e isso tudo é muito mais caboverdiano, vá, do que português. Sei lá! Há muitas coisas com que eu me identifico.
E como é que era transmitida essa herança em casa?
Eu acho que acontece naturalmente. Acontece quando a minha mãe cozinhava cachupa ao domingo religiosamente, acontece quando o pequeno-almoço era cuscuz, acontece quando ela punha uma música, quando íamos a festas dos nossos amigos e ouvia-se batuque e funaná e isso tudo. Acontece de forma natural. A minha mãe, por exemplo, a única coisa que eu sei que não sou tão caboverdiana é por causa do crioulo. A minha mãe tinha tanto medo que nós não conseguíssemos falar muito bem o português, então ela não nos deixava falar em crioulo. Então ela falava connosco em crioulo para nós aprendermos, mas nós não podíamos responder em crioulo. Então o meu crioulo não é tão fluente, mas ainda assim, obviamente, eu percebo tudo e falo um pouco de crioulo, tirando isso…
Ahhh, se tivesses oportunidade de ir para Cabo Verde, viver, era uma hipótese que colocavas ou…?
Era! Eu já coloquei essa hipótese… era uma hipótese, sim! É claro que é uma hipótese! A única questão, tem a ver com a questão profissional. Não sei se Cabo Verde em ainda recursos… ou seja, se tem um laboratório em que eu possa fazer Biologia Molecular, Genética Molecular em Cabo Verde. Se tiver… sim! Eu, obviamente, que ia gostar de trabalhar lá e de estar… sentir-me mais próxima das minhas raízes… ia gostar! E já pensei no assunto e já estive a ver as faculdades em Cabo Verde e que tipo de investigação é que faziam e se…
O que é que achas que é diferente, apesar de não conheceres Cabo Verde… o que é que achas que é diferente entre Cabo Verde e Portugal? O que tu conheces de Portugal…?
Há algumas coisas que são diferentes. Os caboverdianos são mais descontraídos, não olham para o relógio, risos chegam sempre atrasados… embora os portugueses também chegam muitas vezes atrasados, têm uma relação diferente com o tempo, por exemplo. É uma das coisas que eu sinto, ahhh, quando eu estou com os meus amigos há sempre alguém que olha para o relógio e que diz: “Olha, temos que fazer isto!” Com os caboverdianos isso não acontece tanto! Eles se estão bem num sítio não querem saber se têm compromissos mais tarde ou… é uma das outras coisas! É uma forma de estar muito mais descontraída, eu acho. Muito mais… ahhh, as relações são muito mais próximas, quer… o contacto em casa com as pessoas é mais próximo, é diferente. E a família também é mais alargada. Eu, por exemplo, dos meus primos… a relação que tenho com os meus primos, mesmo estando cá, em Portugal, e não os conhecendo tão bem porque alguns deles moram nos Estados Unidos, outros moram… eu tenho uma relação próxima com eles. Eu falo com eles, eu… e a minha família é mais alargada. E eu considero a minha família mais alargada no sentido em que os meus tios, a forma como eu relaciono-me com eles é diferente, por exemplo, se a minha tia estivesse aqui e me desse uma ordem eu sei que eu tinha que obedecer. Eu sei que para a maior parte dos meus colegas portugueses não há razão nenhuma para eles obedecerem a um tio ou a um segundo tio em segundo grau ou… é uma relação diferente com a família, pronto! E eu acho que isso… que isso é diferente, por exemplo.
E que pontos positivos e que pontos negativos é que atribuirias à cultura portuguesa?
Eu acho que tem muitos pontos positivos e muitos pontos… também pontos negativos. Eu acho que a sociedade portuguesa está aberta… está cada vez mais aberta à multiculturi… multiculturalidade. Em alguns aspectos, embora eu tivesse dito que eu sofri alguma discriminação, sei que há países em que isso é muito ma… muito mais difícil. Há um esforço do país para que isso não aconteça, quer do ponto de vista das leis, quer do ponto de vista do apoio social, nas escolas e a forma como se tenta fazer as coisas. Há um esforço para que isso não aconteça e eu sei que há um esforço de integração e de manter a sociedade multicultural, ao passo que não existe noutros países mesmo da Europa, por exemplo, a França não faz esse esforço da mesma forma, a Itália tem muito mais dificuldade em fazer esse esforço, há… nesses países há um esforço de absorção e não de distinguir culturas diferentes e eu acho que Portugal ainda mantém esse esforço de manter a diferença cultural, de aceitar esta diferença cultural, ahhh… há muitos aspectos positivos! Eu gosto da música portuguesa, eu oiço música portuguesa, ahhh… eu estou adaptada e sinto-me adaptada. Não consigo distinguir em mim o que é que é portuguesa e o que é que é caboverdiana. Há alturas em que eu não consigo mesmo distinguir. Acho que estão as duas coisas muito misturadas. Há muitos aspectos positivos, agora não me estou a lembrar assim de nenhum negativo ou assim nada de muito diferente. Lá está! É, eu não consigo distinguir… separar.
E já nasceste cá?
Eu nasci cá, sim!
Sim. E como é que te defines em termos de identidade?
Pois! Eu já tenho conversado muito sobre isso nos últimos anos. Ahhh, eu para mim, eu sou portuguesa e caboverdiana. Eu não sou menos portuguesa, nem menos caboverdiana. Ahhh, e por isso eu não tenho esse conflito de identidade. Há muit… ainda há muito pouco tempo estava a ler um site, uma mensagem no facebook que era uma rapariga que tinha este conflito de identidade em que ela dizia que era de um lado caboverdiana, mas sentia-se portuguesa e sentia esse conflito, não sabia muito bem onde se encaixar porque dizia que falava crioulo, mas também… eu não sinto esse conflito, como conflito, eu sinto que eu sou portuguesa e a 100% e ninguém me pode dizer o contrário, nem admito que ninguém me diga o contrário, mas também eu sou caboverdiana em 100.. a 100% e também não admito que ninguém me diga o contrário. E não gosto de separar as duas coisas nem de distinguir. Eu sou eu! Eu sou o que sou! Mas não sinto muito conflito de identidade. Sei valorizar o que é caboverdiano em mim e valorizar o que é português em mim e tirar as duas partes. Não… não distingo! Não separo. Até porque eu não posso me dividir em dois, portanto, acho que sou as duas coisas. Aliás, há uma expressão do Nelson Mandela que diz: “E porque não as duas coisas?!” Em termos de identidade é exactamente… para mim é exactamente a mesma coisa: “E porque não as duas coisas?!” 00:54 – E falando de Nelson Mandela, lembrei-me agora que tu também participaste da Academia UBUNTU…
Ah! Sim! Participo e ainda… participei e ainda estou a participar. A Academia UBUNTU… aliás falar um bocado da Academia UBUNTU… para começar o que é que é ubuntu? Ubuntu é uma filoso… é uma palavra africana, ahhh, e é uma filosofia africana que diz que nós… eu sou porque tu és, ou seja, nós só nos realizamos enquanto pessoa no contacto e no relacionamento com os outros. Ou seja, se eu… eu nunca poderei estar bem se as outras pessoas à minha volta não estão bem. E dentro dessa filosofia surgiu a Academia UBUNTU que é uma… um projecto de formação de jovens… de formação para a liderança, no contexto de educação não formal. E o objectivo é que nós possamos ter… ganhar bases para construir o nosso projecto social e eu neste momento estou na fase… estamos na fase em que estamos a construir o nosso projecto social. E no meu caso, especificamente, o meu projecto social vai de encontro à educação que é um tema que sempre me… me apaixonou. Por um lado, por eu ter feito o meu percurso académico e perceber a força que a educação me deu e perceber que isso é uma… seria uma mais-valia para a maior parte dos jovens e eu sei que em muitos contextos essa educação foge-lhes um bocado entre os dedos, pronto. E o meu projecto vai nesse sentido, em tentar aproximar as escolas de alunos que estão um bocado desenraizados des… desta escola.
E tu, como é que encontraste a Academia e porque é que foste…?
Como é que eu entrei?
Sim.
Pronto, lá está! Como eu te disse, eu fui participando em algumas… ao longo do meu percurso, em algumas associações e… ahhh, tenho um projecto… um trabalho associativo… associativo relativamente grande ou com associações do meu bairro ou com amigos que participavam em associações e nesse contexto, um colega meu, um amigo meu já participava na A… na 1ª edição da Academia e eu conhecia o projecto e até me interessava. E houve uma altura, quando surgiu a oportunidade de me candidatar, eu agarrei e candidatei-me e fui escolhida para participar. Por acaso foi um… foi uma fase muito boa! Gostei imenso de participar e é um projecto que eu me sinto muito privilegiada por estar a participar nele.
E há quanto tempo é que estás?
A Academia… olha, faz um ano. Fez mais ou menos um ano no início de Março. Em Março fez um ano que pertenço à Academia UBUNTU.
E o que é que os ensinamentos da Academia UBUNTU mudaram na tua vida?
Ah! Mudaram algumas coisas! Normalmente, nós temos… a primeira fase da Academia era receber formação tendo em conta os líderes que têm uma filosofia UBUNTU, os líderes mundiais. No caso, Nelson Mandela, ahhh, o Martin Luther King, o Desmond Tutou, ahhh… podia-me lembrar de mais, ahhh… a Untson Tsuki e há mais! Há um português também… Aristides de Sousa Mendes… São todos líderes que de alguma forma tomaram opções, fizeram opções em função dos outros e não em função deles e nós recebemos alguns ensinamentos em função disso: como é que eles tomaram decisões, como é que nós devemos tomar as nossas, que caminho devemos seguir, que posição é que devemos ter… não quer dizer que nos estejam a mostrar a posição, mas qual é a melhor forma de agir tendo em conta a filosofia UBUNTU, pronto! E mudou o meu percurso porque, claro, deu algumas bases muito mais fortes do ponto de vista social, para o trabalho social. Eu fiz… o meu trabalho social tinha muito a ver com a catequese, com os jovens com que eu trabalhava e de alguma forma abriu um bocado horizontes trabalhar com outros jovens, com outro percurso, com outras religiões, com outras coisas diferentes. E é esse o meu objectivo final e é… foi isso que a Academia me trouxe.
E agora, falando um bocadinho de planos de vida, gostava que me dissesses se pretendes continuar depois disto. Fazer mais risos…
Em termos de projecto de vida, eu estou numa fase determinante, vá! Estou a acabar o meu doutoramento e estou desejosa por o acabar e… e a partir daí é que eu vou construir outros alicerces, mas claro que eu já pensei mais ou menos o que quero fazer. Depois de acabar o doutoramento eu queria eventualmente ir para fora, fazer um período de investigação fora, era um dos meus sonhos e claro, conciliar isto com o meu projecto da Academia UBUNTU que era o… que é o projecto “Escolher ser” que é o que eu estava-te a explicar, relacionado com a educação… tentar conciliar essas duas coisas e depois logo se vê. E acho que o mundo é muito grande para me limitar a Lisboa, claro! Depois logo vejo.
E olhando para o teu percurso até agora… mudavas alguma coisa?
É assim: é muito difícil dizer que não mudava nada porque seria absolutamente arrogante achar que fiz tudo correcto, ahhh, mas pronto! Uma coisa que eu mudava é que gostava de ter conseguido acabar o meu doutoramento antes porque já devia ter acabado pelo menos há dois anos e ainda não acabei risos. Gostava de ter acabado antes mas, lá está, também não posso lamentar porque foi no decurso das situações e do trabalho, tem a ver muito com o trabalho específico que eu estava a fazer. O trabalho de investigação em laboratório não é tão linear, os resultados nem sempre aparecem quando nós queremos e nem sempre depende do esforço e do trabalho. E isso eu sen.. eu senti isso! E ainda por cima porque trabalhei numa área que os resultados são muito difíceis de obter e quando os resultados não são os que nós queremos é muito difícil publicar, pronto. E aí foi… aí onde eu me atrasei. O única coisa que eu se calhar efectivamente mudava é que eu gostava de ter acabado o meu doutoramento mais cedo, mas tirando isso, pronto! Há coisas que podia ter corrigido mas não sei se naquele contexto, se foi a melhor opção… a melhor opção ou não! Eventualmente, querer eu queria ter entrado em Biologia, mas acabei por entrar em Bioquímica, adaptei-me e e gostei. Não sei! Há… Não tenho a arrogância de achar que se não mudasse alguma coisa não seria melhor, mas olhando para trás não consigo identificar assim imediatamente nada, tirando o acabar o doutoramento mais cedo, mas… identificar nada que eu diria: “mudaria aqui!”, ou “fazia diferente!”, ou “dedicava-me mais!”, não sei!
E o que é que te vês a fazer daqui a 10 anos?
risos Está muito complicado! Ah! Não sei! Às vezes ponho-me a pensar se daqui a 10 anos gostava de ter o meu grupo de investigação, meu. Não sei! Já pensei que sim, já pensei que não. Ou então… não sei! Confesso! Daqui a 10 anos, não sei! Daqui a 10 anos gostaria… sim, é verdade, agora pensando bem, gostaria de estar a regressar do estrangeiro… eu queria ir para os Estados Unidos, especificamente, gostaria de estar a regressar e estar a montar o meu laboratório de investigação, aqui. 01:02 – E não te perguntei… tens filhos? És casada?
Não, não tenho filhos e não sou casada. {pequeno interlúdio}
Ok! Ahhh, voltando um bocadinho atrás, queria que me falasses do sítio onde moravas…
Ahhh… Lá está! risos
Ainda moras no mesmo sítio?
Eu ainda moro no mesmo sítio, mas mudei de casa. Pronto, algumas vezes.
E como é que descreves o ambiente do bairro?
Eu morava primeiramente no Alto do Montijo, que era um bairro de lata, inicialmente. Depois por questões camarárias, fomos… mudámos para… para o Alto dos Barronhos. Fiz o meu percurso quase todo no Alto do Montijo, quase… para aí até aos 13 anos e depois mudei dois anos para o Alto dos Barronhos que também era um bairro de lata e só depois é que fomos realojados também em Outurela. No início quando eu comecei a faculdade, foi na altura quando eu, ahhh, mudei. Acho que mudei antes de ir para a faculdade, antes de entrar para a faculdade, algures nessa altura em 19XX… em 1XXX… ai, em 99. Ahhh, e pronto, morei sempre naquele… naquela localidade. Outurela é um… é uma zona em que tem muitos caboverdianos, tem uma presença de africanos muito forte, muitos caboverdianos, alguns angolanos, alguns guineenses e por aí adiante. Depois eu acho que ainda assim é uma zona… pertence a Oeiras e do ponto de vista de condições, ainda assim tem muito boas condições para o bairro social (eu moro num bairro social)… para um bairro social tem muitas condições e tem muito… tem muito… é um ambiente que eu considero agradável, embora por ser um bairro social também sofra algum estigma que não é justificado.
E consideras um bairro problemático ou não?
É assim: há quem considere um bairro problemático, mas olhando, eu não o considero. Eu levo os meus amigos de todos os contextos sociais para lá e eles não iden… não sabendo que aquilo é um bairro social, não identificam nada de muito estranho, nem nada de reprovador, nem nada… e conseguimos ter… há escolas lá, há… há muitas valências, há escolas, há o lar de idosos, há, ahhh, jardins de infância e temos todas as condições. Claro que há questões sociais. Claro, porque a maior parte das pessoas de lá são de contextos sociais, ahhh, baixos, economicamente baixos e portanto há muitas questões relacionadas com esses, com essas questões associadas a isso. Ahhh, tirando essas, esses problemas, claro que sim, há questões relacionadas com a multiculturalidade porque há um contexto muito diversificado, ahhh… mas não é… é um sítio muito agradável de viver e eu gosto de lá estar.
Nunca tiveste problemas, portanto…
Não, nunca tive. Eu sempre me senti adaptada aquele sítio.
E… agora já me perdi um pouco na conversa. risos
Porque eu falo muito?
Não, é que eu estou aqui a pensar nas questões, porque normalmente tenho entrevistado pessoas já com filhos e tenho que saltar aqui partes.
Ah! Sim! risos Mas, olha, isso é uma questão que também está muito associada à minha profissão. É engraçado porque nós não temos muito tempo, trabalha-se muitas horas. As pessoas não têm noção, mas em investigação trabalha-se muitas horas e isso é uma questão que ficou para trás e é engraçado que eu tenho muitas colegas minhas na minha idade, com a minha faixa etária solteiras. Portanto, para mim é normal ter 32 anos e não estar casada. É engraçado! Mas, lá está, é uma profissão muito absorvente e as outras questões acabam por ficar um bocado em segundo plano e como temos esse objectivo muito definido do ponto de vista profissional, as opções tomam-se sempre em função disso e acho que a razão deve ser exactamente essa. Não…
Lembrei-me do que é que me faltava perguntar… Amigos? Como é que é o teu grupo de amigos? De que origem são?
É assim, eu tenho um grupo de amigos muito diversificado. Tenho os amigos do contexto profissional, tenho as minhas colegas da faculdade e que mantenho embora já tivesse acabado a licenciatura há quase 10… há 10 anos, acho eu. Ainda tenho essas amigas. Tenho os amigos do sítio onde eu moro, de dar catequese, de colegas de catequese e colegas do meu bairro, amigos dessa altura e depois tenho os amigos do meu local de trabalho, ahhh, também. E são… o leque é muito variado: religiões diferentes, origens diferentes, quer do ponto de vista cultural… é o mais diversificado possível. Acho que tenho muitos amigos diferentes e acho que encaixo-os todos muito bem risos.
Algum desses amigos influenciou-te mais em algum sentido da tua vida ou não?
Sim, cada um tem o seu papel. Todos os amigos têm o seu papel do ponto de vista, ahhh, sei lá, mais pratico, os meus amigos do local em que eu moro influenciam-me de uma determinada forma, da forma como eu me relaciono. Os meus amigos da facul… as minhas colegas da faculdade influenciam-me doutra forma, os meus colegas do laboratório doutra forma… é difícil de… todos eles, claro, têm um papel, ahhh… influenciam-me de alguma forma, mas não estou a ver assim especifica.. claro que depende do assunto que eu quiser discutir. Se eu quiser discutir um artigo científico que eu achei espectacular, eu publico no facebook e sei que vou taggar determinadas pessoas e não vou taggar outras porque sei que não vão perceber ou… depende do contexto. Mas, claro, não consigo explicar até porque são amigos… um leque tão variado que não é… que é difícil de… de… de distinguir e de separar.
E se tivesses que te descrever como pessoa como é que te descrevias?
Isso é muito difícil! Isso é muito difícil! risos Descrever-me como pessoa? Acho que sou bem disposta, que tenho objectivos, embora às vezes é difícil de dizer em palavras, tenho objectivos muito claros daquilo que eu quero… daquilo que eu quero atingir, sou determinada, eu quando quero uma coisa é muito difícil eu abandonar esse percurso risos, é muito difícil mesmo, sou muito determinada nos objectivos que eu quero atingir… acho que em poucas palavras é isso!
E defeitos?
Defeitos… eu sou, efectivamente, teimosa! Há pessoas que utilizam o defeito, teimoso, para… para mostrar uma certa afirmação de personalidade, mas no meu caso, não! A teimosia é mesmo um defeito! risos
Era assim a única que considerarias…
Sim, acho que sou teimosa, sim… eventualmente, tenho outros defeitos mas… risos
E olhando para o teu percurso achas que foi totalmente planeado, foi um bocado ao acaso… como é que explicas o teu percurso?
Eu acho que não foi bem… não foi ao acaso, no sentido em que, eu… como eu te disse, a minha mãe tinha ideias muito claras do que queria para nós, portanto, embora ela não dissesse que queria que nós seguíssemos um determinado ramo, ela queria que nós formássemos e tivéssemos a máxima educação possível. Claro que na ideia dela, não lhe passava pela cabeça que eu ia ser doutoranda ou que ia termin… eventualmente fazer o doutoramento, mas isso eventualmente não lhe passava pela cabeça mas chegar ao ensino superior, sim. E nesse aspecto foi planeado, sim e como eu disse eu tinha objectivos claros daquilo que eu queria seguir e fui determinando ao longo do tempo o percurso de forma muito clara. Ahhh, agora, lá está, o maior desafio é a partir de agora. Acho que para mim o maior desafio é realmente a partir de agora… é que tenho que ser eu de forma mais efectiva a determinar o meu percurso.
Ok, acho que está tudo! risos Muito obrigada!
De nada! Agora vou terminar o meu café! risos.