Vou te pedir que descrevas um bocadinho o teu perfil… Vou te fazer aqui umas perguntinhas…
Ok! Tá bom!
So para preencher aqui…
Concerteza!
… o enquadramento… Zona de residência?
Moro na Quinta do Conde.
Humhum. Podes me dizer o tipo de habitação?
É uma moradia. Uma vivenda.
E nível de escolaridade?
Mestrado.
Profissão?
Neste momento estou a estagiar no Alto Comissariado para as Migrações.
E o que é que fazias antes?
Antes… Pois! Ahhh! É que o meu percurso é bocadinho… risos. É o seguinte, pronto! Eu quando acabei a licenciatura fui para Cabo Verde, estive lá a trabalhar durante 6 anos e regressei em 2011 para fazer o meu mestrado. Eu concluí o meu mestrado em dezembro de 2013 e entretanto desde essa altura estou à procura de trabalho e neste momento estou a fazer o estágio.
Número de irmãos?
Dois!
Estado civil?
Solteira.
Solteira… Tens filhos?
Não.
Escolaridade do pai?
4ª classe.
Escolaridade da mãe?
O mesmo, 4ª classe.
Profissão do pai?
O meu pai era cozinheiro!
Cozinheiro! Que giro! E profissão da mãe?
Doméstica.
Ok! Escrever isto só para não me esquecer… Agora vamos começar com a escola. Ahhh… Como é que foi o teu percurso escolar até… até agora, não é?! risos
Até agora… Pronto!
Alguma reprovação? Tiveste alguma reprovação?...
Ahhh! Por acaso, não! Não! Não tive. Portanto, os meus pais são imigrantes, são caboverdianos. Vieram para cá na década de 70 e eu já nasci cá. Eu e o meu irmão mais novo. Entretanto morámos cá em Lisboa. Fiz cá a 1ª classe e depois fomos morar para a Quinta do Conde. E a partir daí… pronto… continuei o meu percurso escolar até ao 12º… chegou ao 12º , eu queria entrar para a Faculdade… entretanto queria a área de Jornalismo mas não tinha média… não tive média para entrar, e depois daí ter optado por Estudos Africanos. Porque era uma forma também de aprofundar as minhas origens e também, uma das saídas profissionais que tinha era a área da comunicação! E pronto! E a partir daí… ahhh… fiz a licenciatura, trabalhei um ano na embaixada de Cabo Verde… fiz lá o estágio, trabalhei lá também. Depois disso trabalhei como administrativa na AgroBio, na altura era uma empresa de agricultura biológica… como administrativa também… E depois fui para Cabo Verde! Fui para Cabo Verde realmente e… ainda estava cá em Portugal, estava na AgroBio, enviei um currículo para Cabo Verde para o Ministério da Educação e em dezembro de… em dezembro, não! Em julho, mês 7, de 2005 ligaram-me a dizer que tinham uma vaga para dar aulas de português e eu fui! Fui e nos últimos dois anos antes de regressar a Portugal trabalhei também como correspondente da Rádio, da… da… da… da Rádio de Cabo Verde. E pronto! Depois em 2011 regressei para fazer o mestrado. E cá estou eu!
Ok! E na primária… ahhh… onde é que fizeste a primária?
A primária…
E como é que foi a integração? O ambiente escolar?
Humhum… Portanto, a primária… a 1ª classe tenho poucas recordações. Foi cá… foi cá em Lisboa e depois fui fazer o restante, 2ª, 3ª e 4ª classe na Quinta do Conde. Tenho boas recordações da primária… lembro-me que alguns anos fui a única preta (digamos assim) da turma, mas nunca tive assim… nunca me senti mal perante a turma. A única coisa que podiam fazer mais comentários era em relação ao cabelo, porque tinha a carapinha, porque tinha as tranças… mas de resto nunca me senti assim excluída a nível da turma.
E o que é que achavas da própria escola e dos professores?
Portanto… eu tive a mesma professora desde a 2ª até à 4ª classe. Sim, a escola era agradável. Tinha as suas limitações, como é obvio! Porque a Quinta do Conde na altura estava em expansão, ainda não havia grandes infra-estruturas, é um facto! Mas a nível do ensino… não era uma professora que nos batesse, como alguns colegas se queixavam e, por sua vez, se calhar por ela ser minha vizinha e morar perto de mim, por vezes eu vir de carro com ela para casa (que ela dava-me boleia), fomos criando um laço de afinidade que se calhar ajudou a minimizar as outras coisas… talvez… não guardo mágoas, não guardo não!
E depois a preparatória?
Portanto, referes-te… sim, mudei de escola, mas depois como na Quinta do Conde ainda não havia muitas escolas na altura, havia a hipótese de fazer desde o 5º até ao 12º, consoante as áreas que escolhêssemos, ali! E eu estive… estive ali na Escola Secundária da Quinta do Conde desde o 5º ano até ao 12º. Segui a área de Humanidades no 10º ano… e pronto! Sempre… Por vezes no secundário, naquela fase da adolescência, há aquela coisa de nos chamarem pretas, é verdade! Chamaram-me! Eu também, como sempre fui cheiinha, algumas pessoas chamarem-me gorda… também, é um facto! Mas foram coisas que eu… fui ultrapassando! Fui ultrapassando, realmente! Lembro-me perfeitamente dessas situações, mas que… não guardo mágoas nem nada, em relação a isso! Marcaram-me… vivenciei-as, mas não me marcaram!
E em relação aos professores e ao ambiente escolar? Às condições da escola?
A escola… lembro-me, por exemplo, não tínhamos pavilhão de educação física… não tínhamos! Fazíamos educação física ao ar livre… Depois para o final é que… aí já tínhamos balneários… porque também não tínhamos! Ahhh… mas era… é uma escola que… pronto! Na altura, para mim… claro que há sempre um outro professor que uma pessoa pode gostar mais ou pode gostar menos… mas não sei se a Leonor está-se a referir propriamente a nível de discriminação ou alguma coisa assim do tipo… Eu isso não senti em relação aos professores!... Exacto!
E hábitos de estudo? Como é que…
Bem… eu não sou o tipo de aluna que apanha de ouvido… não! Eu tenho que ser muito marrona, infelizmente! É o meu mal! Eu tenho que investir muito tempo. E eu, desde… lembro-me, desde o 5º ano que eu tinha um hábito de talvez duas semanas antes dos testes, eu ia fazendo resumos das matérias. Tinha tipo um caderno ou folhas que eu ia fazendo resumos, e depois ia sublinhando a várias cores que eu gostava muito disso, de fazer folhas com várias cores, quer com os marcadores quer com as canetas… ahhh… e ia fazendo assim, sublinhava os conceitos mais importantes, que eu achava no meu entender… e depois no fim-de-semana antes do teste estudava mais afincadamente e na véspera também. Basicamente era esse o meu método de estudo!
E quais eram as melhores disciplinas e as piores?
Eu sempre gostei muito de português… eu sempre gostei muito de história. Matemática nem por isso… Fisico-química também nem por isso… Sempre mais para as ciências sociais, sem a menor dúvida!
E como é que escolheste a área de…
De Humanidades?
Sim!
A área de Humanidades… No 10º ano eu pensei nas várias hipóteses que tinha. Que eram na altura: ciências, que era do agrupamento A, e também depois a questão das Artes, da Economia e de Humanidades. Eu identifiquei-me mais com Humanidades porque, lá está, gostava muito da questão do jornalismo, gostava muito das disciplinas de Português, de História, de Psicologia (também já tinha tido)… e então daí ter optado! Porque sentia que não gostava muito de ciências, que não gostava muito de matemática, e de físico-química. Artes, eu não tinha muito jeito para o desenho nem nada disso… E Economia… por acaso, ainda pensei nisso! Mas depois optei por Humanidades.
E tiveste a influência de alguém para a escolha ou não?
Não! Não tive a influência de ninguém, não! Humanidades, não…
E quem é que te incentivou mais a estudar?
A nível de familiares?
Familiares ou amigos?
Talvez a minha mãe. Sim, é uma figura muito presente na minha vida. O meu pai era mais ausente devido à profissão dele, porque ele é imigrante… trabalhava na Holanda nos barcos e então, digamos que, só vinha a casa de férias, de seis em seis meses… de nove em nove meses… conforme! Agora a minha mãe, desde sempre, sim! Estive um ano sem poder estudar e eu não sei como, Leonor! Não sei dizer como, mas eu desde cedo apercebi-me que se eu queria ser alguma coisa na vida, tinha que estudar! Não sei quem é que me incutiu isto! Não me recordo. E…. mas, desde cedo que tive a… tive a noção de que tinha estudar se eu queria ter uma melhor vida.
E os teus irmãos? Ahhh…
Os meus irmãos têm um percurso diferente do meu… quer a minha… eu sou a do meio. A minha irmã mais velha e o meu irmão mais novo ficaram-se pelo 9º ano. A minha irmã por opção. Não quis continuar a estudar. E o meu irmão também. O meu irmão, entretanto, quando acabou o 9º ano, a minha mãe tentou pô-lo numa escola de informática porque ele tem muito jeito para informática e electrónica, mas ele é muito preguiçoso! Ele é muito preguiçoso e acabou por desistir da escola e… e pronto! Está a trabalhar, tal como a minha irmã.
Já agora, diz-me só as idades deles…
Ah! Sim! Sim!
Só para…
É assim… a minha irmã tem 39 e o meu irmão tem 30! E eu tenho 34.
Ahhh… Deixa cá ver… agora perdi-me um bocadinho porque a pergunta vinha fora do contexto…
Não faz mal..
Mas… ahhhh… na tua família existe alguém que já tenha feito estudos superiores ou… relacionados com a tua área, ou não?
Não! Não, na minha família… porque é assim… eu convivo mais com a família do lado do meu pai porque o meu pai tem na zona dois irmãos… tem uma irmã na Quinta do… uma irmã aqui em Lisboa e um irmão que trabalha também na Holanda, mas que tem casa em Cabo Verde. Mas a nível de primos… não! Eu fui a única que fui para a faculdade, é um facto! E do lado da minha mãe, apesar de conviver… convivo pouco com eles, mas são primos mais novos! Portanto, ainda são mais novos do que eu e acredito que… sim, futuramente muitos deles irão para a faculdade!
E a entrada na faculdade? Como é que sentiste?
A entrada na faculdade foi… foi um período difícil! Foi, foi! Foi um período difícil porque, pronto, não entrei para jornalismo porque não tinha média, depois era aquela questão da instabilidade em relação a que curso é que eu devia seguir, depois não entrei na primeira fase, entrei na segunda fase, e então foi um período um bocadinho complicado. Mas depois de ter entrado, a faculdade em si… o primeiro ano foi uma fase de adaptação a um novo ritmo que eu não tinha… ahhh, o segundo ano, a partir daí já correu um bocadinho melhor.
Sentiste dificuldade a nível das matérias ou foi mais a nível social/relacional?
Foi o mudar a rotina, porque eu tinha a escola ali na Quinta do Conde e de repente tinha que fazer uma hora e meia de transportes. E então, pronto! Aí mudou tudo… e depois era o facto de ter horário misto, o que implicava também almoçar na escola…. Ahhhh, apesar que, pronto… financeiramente os meus pais sempre me apoiaram nesse sentido, mas foi… foi uma mudança… depois mesmo a nível do ritmo de trabalhos de grupo, e depois lembro-me que por vezes esses grupos não funcionaram tão bem porque não conhecemos as pessoas… e então essa fase aí, também… lembro que foi um bocadinho difícil.
E entrar para a faculdade sempre foi um objectivo teu?
Sim! Sempre! Foi um objectivo que eu tinha… lá está! Tal como já lhe disse era um objectivo que eu tinha em mente porque eu, pronto… agora não… não… digamos assim, já não é como antigamente, mas eu na altura achava que para ter uma melhor vida teria que ir para faculdade sem a menor dúvida, e se eu queria vencer na vida tinha sem dúvida que estudar.
E o que é que achaste do curso que fizeste quando o terminaste?
Senti um vazio enorme. E agora o que é que eu vou fazer? Procurar trabalho… e depois na altura já se sabia… já se sentia a crise mas de outra maneira, mas… lá está! As coisas foram acontecendo… parece que não, mas é a primeira vez que estou no desemprego. Na altura, não! Na altura sempre fui trabalhando, sempre fui fazendo coisas e não senti tanta dificuldade que eu estou a sentir agora, sem dúvidas!
E o que é que esperavas obter depois de acabar o curso? Qual era a tua expectativa?
A minha expectativa era arranjar um trabalho minimamente ligado à área… ou não! Mas na altura também já se ouvia dizer: “Olha, por vezes tiras um curso, mas nem sempre trabalhas naquilo que queres!” e, … na altura, o meu sonho era: realizar muito… acabar a licenciatura, arranjar um trabalho, ter a minha casa, construir a minha família, ter filhos… mas infelizmente, dez anos depois uma pessoa não vê isso. É triste, mas é verdade!
E tens a sensação que passou assim muito rápido ou…
Sim! Sim! Sim! Tenho a sensação… quando eu penso que já acabei a licenciatura há 10 anos… há uma década! Em uma década acontece muita coisa! E realmente, eu penso como o tempo passou e eu… parece que estou pior do que quando acabei a licenciatura, quase! Porque na altura acreditava em sonhos e agora, dez anos depois, já com 34 anos… na altura era 23, pronto, há 11 anos… é uma pessoa acreditava mais nos sonhos que agora. Pelo menos falo por mim. Se calhar agora já tenho mais os pés assentes na terra, não sei!
Agora, falando um pouco das tuas origens… queria saber… os teus pais são os dois caboverdianos, certo?
Exacto.
Ahhh… Como é que vês essa herança caboverdiana em ti?
Ai!! Vejo de uma forma muito positiva. Eu sinto que sou rica culturalmente porque se me perguntar se eu sou portuguesa ou sou caboverdiana, eu vou lhe dizer que sou portuguesa, sem a menor dúvida! Descobri isso em Cabo Verde, não foi cá! Cá quando me perguntavam: “Então sentes-te portuguesa ou sentes-te caboverdiana?”… eu não sabia o que dizer! Mas eu depois de ter ido e ter vivido lá seis anos, descobri que realmente sou cab… sou portuguesa, sem dúvida! Agora em relação à cultura caboverdiana, como desde sempre me dei com ela e eu nunca a rejeitei, ao contrário de se calhar muitos primos meus, que uns por vergonha, outros por não se identificarem (tão simples quanto isso)… eu sempre a valorizei muito! E eu tudo o que esteja relacionado com Cabo Verde, interessa-me! Interessa-me a cultura caboverdiana, interessam-me os hábitos alimentares, interessa-me a literatura caboverdiana… e eu tento estar sempre atenta ao que acontece sobre Cabo Verde. Ao nível de conferências também… e…. e Cabo Verde faz parte de mim! Faz parte de mim e eu quero que faça mesmo! E…. portanto, é algo com que eu convivo muito bem e gosto e valorizo e tento promover também.
E como é que os teus pais te passaram a cultura caboverdiana em casa?
Eu não sei, Leonor! Eu não sei como é que eles passaram isso! Sei que nós somos três irmãos e dois falamos crioulo e os outros dois… e o outro não fala, o meu irmão mais novo não fala. Ahhh… mas eu e a minha irmã falamos crioulo. Eu com os meus pais falo crioulo, mais crioulo do que português… português, por vezes… ahhh, desde pequenina que os meus pais habituaram… apesar de… a minha mãe já tem mais tempo cá do que lá. A minha mãe veio com 21 anos, já está com 59. Portanto, a minha mãe tem mais tempo cá do que lá. E a minha mãe também já não vai lá há vinte e tal anos. A minha mãe, a última vez que foi a Cabo Verde foi em 91. Portanto… e o meu pai em 98. Depois, entretanto, os pais morrem e então perde-se um bocadinho o contacto com a terra, digamos assim. E mantém-se… sim, porque tem… a minha mãe, no caso da minha irmã… da minha mãe… tem lá irmãos, telefona, aos fins-de-semana telefona para lá ou eles telefonam… vão falando, mas… desde pequena que eu sei o que é cachupa, que eu sei o que é o cuscus, que eu sei o que é o friginote… pratos típicos de lá que a minha mãe faz! A nível de língua, sempre se falou porque eles dominam melhor o crioulo do que o português, sem dúvida! Eles têm dificuldades em falar português… têm… têm muitas dificuldades, mesmo a escrever e tudo, mas as coisas acho que se foram passando naturalmente! E se calhar do feitio de cada um. No meu caso, por gostar e valorizar, e depois ter ido para Cabo Verde… eu é que quis ir para Cabo Verde, a minha tese de mestrado está relacionada com Cabo Verde… e depois, durante a licenciatura uma vez que escolhi Estudos Africanos, sempre tentei estudar a temática caboverdiana… as coisas aconteceram, não sei, de uma forma natural.
E o que é que destacas de características na cultura caboverdiana, para além da comida? risos
Para além da comida… É um povo muito alegre! Apesar das dificuldades, da pobreza… mas é um povo muito alegre! Se chove estão contentes. Está com chuva, estão contentes. Isso é das coisas… e da morabeza, da arte de bem receber o outro, sem dúvida! Acho que é o que destaco de mais positivo lá!
E de negativo?
De negativo… o não cumprimento dos horários… é talvez uma herança portuguesa, não sei! E além de… o não cumprimento dos horários e por vezes… como é que eu hei de dizer?… Ahhh… a politização (não sei se a palavra está correcta) da… dos serviços. Tudo está relacionado com a política, tudo tem a ver com uma cunha e valoriza-se… e por vezes, valoriza-se mais uma cunha do que propriamente promove as capacidades de uma pessoa… é um bocadinho revoltante.
E suponho que, tendo estado em Cabo Verde, já conheces assim um bocadinho melhor a realidade… Qual foi a sensação que tiveste… ahhh… a imagem que tinhas antes de ir e depois?
Portanto… Eu quando fui… eu…
Pensavas que…
Sim, sim… Exacto! Eu quando fui… Fui muito positiva! Muito positiva! Tudo ia correr bem… que tudo… e as coisas até correram bem porque toda a gente passa por dificuldades, mas… e nos dois primeiros anos tudo foi novidade! Era tudo novidade! Era a descoberta… e eu tive de desistir um bocado do meu olhar etnocêntrico, caso contrário não me adaptava lá! Se eu fosse comparar constantemente as coisas de Cabo Verde com cá, eu não me iria adaptar nunca! E… Mas depois de lá estar, claro que depois de tantos anos uma pessoa começa-se a aperceber das coisas menos boas que acontecem lá. Por exemplo, na ilha onde eu estava, a questão da saúde! Não há um hospital onde se faça uma operação, onde se faça uma cesariana… e uma vez vi quase uma aluna a morrer com uma apendicite… ahhh, são coisas que nos começam a chamar à atenção! Ok, a nível da alimentação, eu gosto muito de peixe… era peixe e o peixe fresco do mar é das coisas que eu valorizo muito lá… mas depois, de vez em quando, dá vontade de comer uma entremeada, não há! Uma costoleta, não há! Uma carne moída, esparguete à bolonhesa, não há! E uma pessoa tem que se realmente adaptar, porque é outra realidade. O sol, gosto muito, o sol de lá! Tenho saudades de andar de sandálias, como andava lá e de manga curta, sem usar casacos, mas pronto! Depois lá também há outros inconvenientes, como eu disse! As coisas não funcionam se calhar tão rápidas como cá. Também há uma elevada taxa de desemprego também lá, mas eu não vivi isso porque sempre estive a trabalhar e era uma privilegiada porque tinhas dois trabalhos na altura, mas pronto… depois é a própria cultura que uma pessoa por vezes não se vai identificando… como, para eles o atraso é normal para mim não é… e uma pessoa então vai se adaptando a pouco e pouco à realidade que vai vivendo.
E que diferenças é que achas que existem em relação a Portugal? Ao sistema português? À cultura portuguesa?
À cultura portuguesa e à cultura caboverdiana?? Humm… Há diferenças porque também são povos diferentes apesar de terem sido colonizados pelos portugueses… comparar não posso, agora o que eu posso dizer é que… realmente a questão do atraso, como eu já disse, poderá ter sido uma herança dos portugueses, mas a questão de lutar para ter uma vida melhor aqui se calhar sente-se mais do que lá. As pessoas lá acomodam-se muito facilmente. Eu sinto isso, senti muito isso. Acomodam-se muito ao que têm e, por vezes, as que por vezes vão lutando, aproveitam-se do próprio sistema que, por vezes, favorece as pessoas que estão ligadas à política.
E em relação à cultura portuguesa? Ahhh, o que é que tu destacas como positivo que achas que tem a ver contigo e o que é que destacas como negativo?
Em relação a cá, Portugal, o que é que tem a ver comigo que eu valorizo muito?! As coisas estarem mais organizadas. Sinto que aqui apesar de tudo as coisas estão mais organizadas. Vamos a um serviço, é possível tratar de um documento na hora. Por exemplo, em Cabo Verde (e se calhar vou responder a perguntas anteriores) por vezes vai-se a um serviço, ás finanças ou a um cartório… não se trata do documento porque a pessoa que assina não está lá, e então, logo aí… e se viajou ninguém faz isso. E aqui eu valorizo que as coisas aqui funcionam um bocadinho mais rápido! Aqui, até haver esta crise havia mais oportunidades! As pessoas tiravam uma licenciatura, enviavam os seus currículos e arranjavam trabalho. Infelizmente, a realidade agora é pouca. E eu agora, se calhar falando um bocadinho de Portugal neste momento, eu vou falar um bocadinho negativo e não é o que eu… o que eu quero guardar de Portugal. Porque o que eu guardo de Portugal é… é o país que me viu crescer e onde eu sentia que havia perspectivas de futuro e que eu penso, que agora quando ultrapassarmos esta crise, provavelmente isto poderá melhorar… ou não! Não sei!
E em relação a hobbies? O que é que costumas fazer nos teus tempos livres?
Nos meus tempos livres gosto de ler, gosto muito de ler e… gosto também ( não tenho feito agora por uma questão financeira)… gosto de ginástica! Gosto muito de aeróbica, em Cabo Verde fazia. Tenho muitas saudades. Ahhh…. Porque faz bem não só ao corpo (porque sou cheiinha, como podes ver), mas faz muito bem à mente e era um momento meu. Era um momento que eu sentia que eu desligava de tudo. São duas coisas que eu gosto muito de fazer.
E fazes com que frequência? risos
Eu agora, ler, leio. Continuo a ler… menos. Menos, confesso! Porque uma pessoa sai de casa às oito da manhã, chega a casa ás oito da noite, janta, arruma a cozinha, são dez e meia, onze horas… no dia a seguir tem que se levantar cedo… tenho lido menos. Leio mais ao fim-de-semana… e em relação ao desporto… não vou para o ginásio porque neste momento não tenho condições financeiras… agora o que eu estou a pensar fazer, agora quando o tempo melhorar, agora quando parar de chover, pelo menos fazer caminhadas.
E livros? Que tipo de livros é que gostas de ler?
Lá está! Por uma questão de herança cultural gosto muito da literatura caboverdiana. Africana e caboverdiana. Neste momento, estou a ler um livro caboverdiano. De um autor caboverdiano sobre a imigração caboverdiana… ahhh, eu normalmente leio… o que me chama mais a atenção é sem dúvida a literatura africana, é o que eu gosto mais, mas leio também outras coisas.
E…. ahhh, hobbies… viagens?
Eu gosto muito de viajar. Gosto muito de viajar mas não gosto de fazer malas, nem gosto do stress do aeroporto… não gosto! Ahhh… quando eu viajei… tenho viajado muito pouco porque quando… até começar a trabalhar não tinha condições financeiras e quando comecei a trabalhar… fui para Cabo Verde. As viagens são caras! As viagens de Cabo Verde para os países europeus são muito caras, eu quando vinha era para Portugal. Durante os seis anos que estive lá, vinha era para Portugal com alguma frequência e… o que eu fiz, a viagem mais recente que fiz foi agora quando terminei o mestrado, estive em Itália.
Estiveste em Itália a que propósito? Férias?
Fui, fui, fui… fui de férias!
Vamos falar agora um bocadinho sobre o sítio onde cresceste… ahhh… queres falar um bocadinho. Como é que era o ambiente e como é que eram as relações sociais?
Onde eu nasci… Portanto, eu sou daqui, sou aqui de Lisboa, nasci na maternidade Dona Estefânia… ahhh, e na altura eu e os meus pais morávamos em Lisboa porque uma tia minha… os meus pais, pronto, já estavam cá há três anos e o meu pai como sempre trabalhou na Holanda, quando a minha mãe veio de Cabo Verde, a minha mãe ficou com uma tia minha, que a casa era grande… a minha tia tinha aquela casa alugada e alugou à minha mãe uma parte da casa dela. E então, pronto! Ficámos lá e como meu pai estava sempre fora… e também era uma forma da minha mãe não ficar sozinha, a minha mãe foi ficando ali. Tinha a minha tia, que é irmã do meu pai e nós nascemos ali. Mas depois… e era um ambiente onde tinha a minha tia e os filhos, os três filhos, e… e nós. E havia muita convivência entre os irmãos do meu pai, lembro-me! E depois tinha dois lugares da minha referência… do que eu me lembro da minha infância de ir aos fins de semana: era a feira popular (que era aqui) e era o Marquês de Pombal. Onde nós íamos, levávamos tipo… fazíamos tipo… piqueniques, sabes?! Os miúdos quando são pequenos com qualquer coisa entretêm-se e comem e ficam satisfeitos e comíamos um gelado (na altura dos gelados, que era uma coisa…) nós também comíamos ao fim-de-semana, de vez em quando, também. E depois, o meu pai… nós fomos crescendo, a minha mãe também precisa de ter o espaço dela mais à vontade e nós também e… e eles compraram um terreno do outro lado do rio, na Quinta do Conde, e foram construindo a casa a pouco e pouco. E em 87, eu já com 7 anos, fomos morar para lá. E a partir daí, pronto! Fomos morar para lá e até aí moro lá, até ao dia de hoje. E… e, pronto! E era eu, os meus pais e os meus irmãos. A minha irmã entretanto juntou-se, tem uma filha, e o meu irmão sempre se manteve em casa, nunca saiu. Eu saí, fui para cabo-Verde e voltei agora! Portanto é um ambiente… ahhh, e agora tenho mais um membro da família que é o meu avô. Porque em 2005 a minha avó, do lado do meu pai… da minha mãe, faleceu… em 2004… e a minha mãe foi buscar o pai. O meu avô neste momento tem 92 anos e mora também connosco.
E o ambiente ali na Quinta do Conde é tipo urbanização?
A Quinta do Conde surgiu… quando surgiu era habitações ilegais, onde as pessoas iam construir as suas casas ilegais sem pedir o projecto à câmara… posteriormente é que colocavam o projecto… o alvará, pediam o alvará… ahhh, mas há uma zona, digamos que é de prédios e há uma zona de vivendas. Portanto, a minha zona, onde eu estou é a parte das vivendas.
E como é que caracterizas viver na Quinta do Conde?
Sou um bocado subjectiva a falar sobre isso porque eu moro lá desde os sete anos. A Quinta do Conde pode não ter nada (na altura tinha muito menos, agora tem muito mais), mas para mim tem tudo! Porque é que tem tudo? Porque foi uma casa que eu vi nascer. Lembro-me de ver os meus pais a construírem a casa e tenho um amor especial por aquela casa que não vou ter por mais nenhuma a não ser que construa alguma minha e… passei lá a minha infância, fiz lá todo o meu percurso escolar, tenho lá os meus amigos de infância, portanto tenho lá os meus pais… A Quinta do Conde preenche-me completamente!
E não tens nenhum episódio menos agradável que tenhas passado?
Na Quinta do Conde? Sou capaz de ter, Leonor! Sou, capaz de ter assim… Mas eu nor… eu tenho como filosofia de vida tentar agradar… guardar comigo as coisas positivas e as negativas tentar esquecer. Portanto, sim… sei lá! Em relação à escola… eu lembro-me de uma vez no secundário de… foi uma coisa que me aconteceu mas que eu nem dei muita importância na altura… de um rapaz passar por mim e chamar-me preta e ter-me escarrado! Deitou-me uma escarreta em cima! Mas foi uma coisa que eu nem valorizei muito, sinceramente. Fui à casa-de-banho, limpei… era as calças, foi nas calças… mas assim no dia-a-dia, não me lembro assim de ter vivido nada de assustador. É capaz de eu ter vivido, mas entretanto já esqueci, não sei!
E assim em termos gerais o que é que… achas Portugal um país racista? Como é que vês o país?
É assim: que eu tenha vivenciado na primeira pessoas… na primeira pessoa atitudes racistas, eu posso dizer que se vivi foram poucas e eu nem dei importância. Ahhh… agora sinto que em Portugal há um racismo dissimulado. Sinto que há isso. Sinto que por vezes em relação ao preto, em relação ao cigano… ahhh, em relação aos imigrantes de leste… há mitos criados e que as pessoas alimentam esses mitos e… e por vezes, devido à própria sociedade onde, por exemplo, já temos instituições que tentam promover a interculturalidade e o facto de não ficar bem uma pessoa… é raro uma pessoa assim racista porque é logo censurada pela própria sociedade. Por isso, eu sinto que há, mas há é um racismo dissimulado, onde as pessoas sentem mas nem sempre manifestam aquilo que querem porque pensam.
E daqui a 10 anos onde é que te vês? risos Além de dizer que os 10 anos anteriores passaram muito rápido, não é?! Mas… risos
É verdade! Daqui a 10 anos, não sei! Não sei, Leonor! Não sei porque eu neste momento estou naquela fase, tal como já lhe disse, de procurar trabalho. E se não encontrar, terei que imigrar. Para onde? Não sei! Talvez voltar para Cabo Verde. Talvez imigrar para um país europeu ou para os Estados Unidos. Não sei! Neste momento, não sei daqui a 10 anos onde é que estarei.
Mas és uma pessoa de fazer planos ou não?
Sou. Sou muito metódica, é esse o meu mal. Sou muito de querer planear tudo e quando as coisas não correm como eu quero, fico tão triste. Fico muito triste. E quando as coisas me fogem do controle… e neste momento, já me fugiram tantas vezes, tantas vezes, tantas vezes, que eu já tenho receio de fazer planos. Em relação ao futuro já não faço como fazia.
E voltando um bocadinho atrás outra vez, depois de acabares o mestrado, estiveste a trabalhar…
Estive, estive… depois,… Portanto, foi assim: eu antes de entregar a tese surgiu-me uma oportunidade porque eu como estava à procura de trabalho comentei com vários professores que estava á procura de trabalho e eles estavam a organizar uma… a faculdade onde eu fiz o mestrado estava a organizar uma conferência ao nível internacional e então convidaram-me para fazer parte do secretariado. Eu consegui isto através de uma professora minha que fazia parte da organização. E assim foi! Trabalhei durante esses três meses lá e entretanto foi de agosto até Novembro. E em Dezembro defendi a tese. E entretanto defendi a tese e agora estou… realmente estou a fazer o estágio no Alto Comissariado para as Migrações.
Fala-me um bocadinho disso…
Pronto! É um instituto público e é um instituto que eu identifico-me muito. Estou no gabinete de comunicação porque fiz mestrado na área de jornalismo e … eu gosto muito! Gosto muito de lá estar porque eu sinto que há um casamento entre a minha licenciatura e o meu mestrado. Porque o Alto Comissariado para as Migrações promove a interculturalidade, promove… apoia os imigrantes, porque sob o Alto Comissariado está a alçada dos CNAI’s (Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante) e… eu ao ir ao CNAI e ter-me apercebido que havia uma chinesa (que agora foi para a Dinamarca), havia uma chinesa, há indianos, há ucranianos, há brasileiros, há guineenses, há angolanos, há caboverdianos… é bom ver isso! É bom ver isso! A trabalhar em prol da migração. E é um sítio onde eu me sinto muito bem. Infelizmente o que me deixa mais triste… tem um bom ambiente. Ao nível do trabalho, tem um bom ambiente. Já fui conquistando, digamos assim, o meu espaço. Mas a única coisa que me deixa triste é ser um instituto público e neste momento eu não ter perspectivas de lá ficar porque o estado não permite a entrada de novos funcionários de momento. Pelo menos, de resto, até agora (estou lá há três… dois meses) tenho boas recordações.
Que competências é que achas que ganhaste com essa experiência? Ou que estás a ganhar?
sinto que eu estou a ganhar… Por exemplo, quando se é estagiário uma pessoa acaba por fazer de tudo um pouco. Pronto, estou no gabinete de comunicação, vou colaborando a nível da… a nível do jornalismo… ahhh, produzindo pequeninos textos porque eles Têm para o site, para a newsletter interna… e neste momento estou a dar muito apoio também na parte dos recursos humanos. E aí estou a aprender muita coisa. Aí, sim, estou a aprender imenso porque… ahhh… desde construir um mapa de férias, desde… de… de… de perceber no estado que tipo de funcionários é que temos… temos funcionários por mobilidade, temos funcionários que são contratados de outsourcing… N! Portanto são as coisas que eu não conhecia, que eu desconhecia! E tudo serve para uma pessoa aprender. E a minha… mesmo a nível de comunicação, juntamente com a coordenadora de lá, sinto quando ela corrige aquilo que eu faço… realmente, sinto-me a crescer! A crescer! Vou aprendendo com as chamadas de atenção que ela me vai fazendo em relação ao meu trabalho.
E como é que vias o teu trabalho como professora em Cabo Verde? O que é que retiraste dessa experiência?
Ah! Gostei muito! Gostei imenso! E sinto que deixei a minha marca lá! Deixei a minha marca lá com os alunos e com a própria escola. É um trabalho muito gratificante porque, por vezes, temos alunos com muitas dificuldades… e outros não, como é óbvio! E o ensinar! E ver realmente eles a evoluírem a nível da escrita, a nível da oralidade, a nível da postura… porque ser professor não é chegar ali e debitar só a matéria, é também tocar… é um trabalho muito gratificante! Embora, confesso que muitos alunos chamavam-me “a chata”… chamavam-me chata, porque eu era… confesso que como professora sou muito rigorosa, sou muito exigente. E não perdoo o não haver o “se faz favor”, o não haver um “obrigado”, o não haver um “desculpa” e nessas coisas sou quase intolerante… e muito persistente. Porque é que às vezes não utilizam tanto… pelo menos na ilha onde eu estava! Não utilizam muito o “se faz favor”, não diziam muito o “obrigado”, não… há pouco uma das coisas que eu também, que eu não me lembrei de cor… uma pessoa depois de estar aqui a mexer é que também as ideias vão caindo… uma das coisas que me impressionou muito em Cabo Verde pela negativa, foi a questão da dependência. As pessoas acham muito… têm muito hábito de pedir. De pedir e de… de querer as coisas de uma maneira muito fácil! E eu sou muito apologista não de dar o peixe, mas de ensinar a pescar! Então essas coisas,… meteu-me um bocadinho de confusão! Mas também justifica-se um bocadinho pela própria imigração. Porque há pessoas que imigram e que se habituam a alimentar os vícios dos familiares que ficam. E eles habituam-se, passo a expressão, àquela mama de obter tudo de uma forma muito fácil e querem… e a própria cooperação portuguesa… que existia entre Portugal e Cabo-verde é muito do dar e pouco do haver ali uma partilha! E então o povo habituou-se muito a isso. E mete-me muita confusão isso das pessoas terem muito o hábito de pedir e terem pouco o hábito de agradecer. Especialmente esta geração mais nova. Os mais velhos na faixa etária dos 50, 60 anos, esses sim, ainda dizem… vão dizendo um “obrigado”. Mas, um “se faz favor”, um “obrigado”, um “desculpa”, nesta nova geração é pouco utilizado.
E neste momento, vias-te a viver outra vez em Cabo Verde ou não?
Devido á… É assim, Leonor, eu quando vim para Portugal em 2011 eu não queria voltar a imigrar porque eu já sei o que é estar fora e já sei o que é o sentimento de saudade que eu não conhecia antes e sei perfeitamente o que é estar no meio de uma centena de gente e sentir-me sozinha. Isso aconteceu-me! Mas, infelizmente, da maneira como está Portugal e do a eu ter a minha independência financeira… sim, se calhar eu… vejo-me, vejo-me a viver outra vez em Cabo Verde. Não na ilha onde eu estava, noutra ilha sem dúvida… porque é uma ilha muito rural onde eu estava… mas numa ilha mais desenvolvida, como São Vicente ou Santiago, sim! Se calhar, quem sabe!
Estavas em que ilha?
São Nicolau.
E… ahh… quais são os teus desejos para o futuro? Ou sonhos?
É assim: os sonhos fui perdendo… em parte. Fui perd… Porque eu antes se calhar sonhava muito, se calhar tinha os pés pouco assentes na terra. E uma coisa é 20 e tal anos, outra coisa é quando já estamos na faixa etária dos 30. Já é diferente. Eu neste momento não peço muito. Eu neste momento só quero ter saúde e ter um trabalho que eu possa ter a minha independência financeira. Não peço mais!
Pensas continuar os estudos ou…
Eu gostava. Gostava de tirar o doutoramento. Gostava de tirar, por exemplo, outras formações que eu sei que são importantes ou aperfeiçoar o meu inglês. Que eu sinto que o inglês está cá dentro mas como não falo há uma série de anos, está tipo recalcado. Eu senti isso quando fui agora para Itália… eu de vez em quando punha-me a falar inglês quando tinha que… porque eu não domino o italiano… e as coisas saiam! Há necessidade disso! Porque cá no dia-a-dia não pratico. E eu gosta muito. Gostava muito de tirar formações na área do jornalismo como o jornalismo digital, entre outros cursos que há. Esses cursos de horas, digamos assim que podemos tirar no Senjor. E o doutoramento, sim. Também gostava. Mas aí é, lá está! Tal como já falamos é preciso haver uma estabilidade porque as propinas são muito caras.
E se não fosses para a área de jornalismo ou de Estudos Africanos, qual era a área que gostarias de ir?
pausa É assim… Pronto! Eu desde… desde cedo sempre me identifiquei, como eu já disse, mais com as disciplinas das ciências sociais. Mas talvez se eu nascesse outra vez por uma questão de emprego, se calhar tentava ir mais para um… tirar um curso da área de saúde, talvez sejam… sejam os cursos que neste momento as pessoas bem ou mail ainda conseguem ter algum tipo de emprego… não sei! Não… não, não… não sei!
Mas que outra profissão é que achas que desempenharias bem?
Se eu não tivesse tantas dificuldades com a matemática e com a físico-química, talvez… é assim, eu acho que eu dava uma boa enfermeira! risos Acho que sim!
E… enfermeira (agora lembrei-me) tem a ver com o contacto com pessoas…
Ah! Sim! Eu gosto muito do contacto com pessoas. Gosto! Gosto! Gosto muito de falar, gosto muito de interagir, acho que sou uma pessoa simpática e vou cativando as pessoas… Gosto muito! Por exemplo, eu agora vejo que tudo é por e-mail. E para mim perde-se um bocadinho o contacto telefónico. Porque por telefone ouve-se a voz da pessoa, vai-se conhecendo (digamos assim) um bocadinho mais a pessoa… e eu gosto muito do contacto com o público, sem dúvida! Eu, por exemplo, quando estava a dar aulas era o contacto diário com os alunos… embora um bocadinho cansativo porque tive turmas de quarenta e tal alunos. Isso é que me desgastou um bocadinho em Cabo-verde, porque tinha turmas muito grandes e depois o corrigir os trabalhos… eu ia para a escola… eu estava em casa, tinha que preparar as aulas, depois entretanto era um teste, depois quando eu tinha terminado de corrigir a primeira leva dos testes era a altura de fazer o segundo teste e era muito cansativo… muito cansativo… e depois o ter que projectar a voz… a minha voz mudou muito desde que dei aulas porque realmente controlar quarenta e tal alunos dentro de uma sala de aula na fase da adolescência é muito complicado. Mas gosto. Gosto do contacto. Na embaixada, quando eu interagia com os doentes evacuados, que eu trabalhei nesse áre… nesse sector, gostava imenso. Gostava, gostava imenso porque gosto. Gosto de falar com as pessoas, gosto de sentir que estou a contribuir para o bem estar delas e vou aprendendo sempre com elas também. A interacção para mim é fundamental e realmente ter um trabalho fechado em quatro paredes e não interagir com pessoas ia-me deixar um bocadinho triste, mas não sei.
Já alguma vez trabalhaste em associações ou…
Eu tenho feito parte de algumas associações caboverdianas… ahhh… houve uma que logo em 2003 dei o meu contributo que foi o FASCP, que era o Fundo de Apoio a caboverdianos em Portugal, dei o meu apoio nesse sentido e depois fui para Cabo Verde… foi uma coisa muito rápida. Em Cabo Verde sempre dinamizei actividades da escola, entre a feira de profissões, entre debates sobre temáticas relacionadas com o ensino e… entre outras coisas, e cá em Portugal no momento faço parte de uma associação caboverdiana. E sempre que há conferências ou algum tipo de actividade de alguma associação, desde que eu possa ir e tenha disponibilidade, vou.
E que tipo de trabalho é que desenvolves nesse sentido?
Por exemplo, eu neste momento, na associação onde vou, dou-lhes apoio ou por reuniões ou plano de actividades mensal, todos os fins-de-semana temos uma actividade na associação, depois como há actividades dou apoio no bar. Estou aos fins-de-semana no atendimento. Basicamente é isso que eu tenho feito nesta associação onde eu estou.
E se te tivesses que descrever como pessoa, como é que te descreverias?
Sou uma pessoa simpática, sou uma pessoa meiga… sou uma pessoa muito teimosa! Sou um bocadinho teimosa e amuo às vezes facilmente. Eu se tenho algum problema… é um defeito muito grave! Se eu tenho algum problema nota-se logo na minha cara. Mas de resto… e considero-me uma pessoa muito positiva!
E defeitos?
Defeitos, como eu já disse, é o ser teimosa, o amuar facilmente… é verdade!... Sou muito transparente! A transparência é sem dúvida um dos grandes… um dos meus grandes defeitos porque se eu tenho alguma coisa, nota-se logo na minha cara. E isso é mau! Isso é mau, sim, porque é… porque as pessoas apercebem-se quando uma pessoa está bem e quando está mal e uma pessoa deve saber sair de casa e não levar as coisas atrás e não se manifestar na cara. Mas eu, realmente sou muito transparente. É um defeito!
E grupo de amigos ou grupos de amigos? Que origens têm? Que características têm?
É assim: os meus amigos cá em Portugal, como cresci cá e a Quinta do Conde na altura não tinha muitos… muitos africanos, a maioria dos meus amigos são brancos… são, são… São brancos. A maioria dos meus amigos são… são todos… os meus amigos de infância e com quem mantenho o contacto, sim… são brancos. São só brancos.
E são mais de trabalho, são mais de…
São de infância. De trabalho não tenho. São todos de infância. São da escola. São… basicamente mantenho o contacto permanente com cinco amigas minhas que conheci durante o secundário.
Ahhh… já falamos de planos para o futuro… huuumm, esta entrevista está a ser muito rápida… vou só dar aqui uma espreitadela (no guião)….
Sim, sim, à vontade…
Vamos falar mais um bocadinho sobre a família e depois acho que estamos… risos. És muito rápida a responder! Ahhh… Sempre viveste com os teus pais, certo?
Sim… sim… Vivi com os meus pais até aos 25 anos, idade com que fui para Cabo Verde. Em Cabo Verde, quando cheguei lá morei um ano com um tio meu que é irmão da minha mãe que me foi buscar ao aeroporto e depois no ano… nos outros anos morei sozinha.
E neste momento?
Neste momento, regressei à casa dos pais. Regressei à casa dos pais mesmo por uma questão… por uma necessidade financeira, porque se eu já tivesse algum trabalho com alguma estabilidade já teria arranjado a minha casa, sem dúvida.
E os teus pais vieram para Portugal por motivos laborais ou por outros motivos?
O meu pai imigrou primeiro que a minha mãe. O meu pai imigrou em 74 para a Holanda. Entretanto… porque foi na altura que se abriu a imigração para Holanda e muitos caboverdianos foram trabalhar nos barcos e ele foi para lá, e entretanto trabalhou uns anos e depois ia de férias para Cabo Verde e em 77, como ele tinha cá as irmãs, ele quis trazer a minha mãe para cá, porque ficava mais barato viajar para Portugal do que viajar para Cabo Verde, e então trouxe a minha mãe para cá para isso. A minha mãe não trabalhava e a minha mãe, pronto, ficou cá e o meu pai vinha de seis em seis meses, de nove em nove meses… vinha para cá. E quando ele trouxe a minha mãe, casaram-se. Casaram-se cá. Casaram-se e aqui fizeram a vida. Portanto, digamos que foi mais uma forma de o meu pai ter uma casa cá. O meu pai não queria na Holanda porque ele não se identificava com a Holanda. Nunca se identificou, infelizmente. Penso eu, não sei. E então, pronto! Foi mais por causa disso.
E como é que descreves a tua relação com os teus pais e irmãos?
Os meus… Em relação aos meus irmãos tenho uma relação muito boa. É um amor que eu não tenho por mais ninguém. É um sentimento… O sentimento que eu tenho pelos meus irmãos é único. Não… prefiro que me ofendam a mim do que ofendam aos meus irmãos e temos uma relação muito boa. Somos muito unidos, somos muito de ajudar uns aos outros e…. pronto, é pena a minha irmã imigrou. Devido à situação em que Portugal está ela teve que imigrar, mas temos uma relação muito boa. Em relação à minha mãe e ao meu pai… Em relação à minha mãe, há uma… há um… somos muito cúmplices uma da outra, falamos muito. Em relação ao meu pai… já tenho uma relação mais conflituante porque… porque o meu pai é o típico homem, como eu costumo dizer, um bocadinho machista, é… e por vezes, (como é que eu vou dizer?)… ele viajou, realmente teve oportunidade de viajar, conhecer meio mundo ou quase o mundo todo no barco, mas infelizmente eu penso que… ou por uma questão cultural ou por uma questão de feitio, ele não evoluiu muito no aceitar a diferença. E eu como já sou de outra geração diferente, que a minha mãe tem muito nível de habilitações, eu já não aceito com tanta facilidade e então, por vezes, temos uma relação de choque um com o outro.
E como é que defines a tua relação familiar mais extensa?… ahhh… tens muito convívio com primos?
Ah! Portanto, em relação… com a família do lado da minha mãe… do meu pai, digo. Da minha mãe, como eu já disse, ela não tem cá nenhum irmão. Estão todos entre Itália e Cabo Verde. Do meu pai tenho uma tia que mora à minha frente, é só atravessar a rua e convivo muito com os filhos dela, com os meus dois primos. Em relação à outra irmã do meu pai que mora cá em Lisboa, falamos é por telefone. Tenho… por exemplo, são três primos e com quem… falo mais com uma prima minha, talvez por me identificar mais, temos uma relação mais por telefone. Passo muito tempo sem a ver, mas por telefone falamos frequentemente. Agora convivo sem dúvida mais com os meus primos que moram… que os pais moram à minha frente!
Ok, acho que está tudo! Obrigada