…No que eu puder responder, não é?!
Vamos fazer só o enquadramento… Tens que me dizer a tua idade…
39.
Nacionalidade?
Portuguesa.
Não tens dupla?
Tenho.
Dupla? De onde?
Ah… portuguesa e caboverdiana.
Zona de residência… Fogueteiro?
Quinta do Conde.
Ok. pausa Escolaridade?
Licenciado.
Área?
Educação Física.
Que giro. Ah… Profissão?
Professor. Professor a meio termo…
Número de irmãos?
Dois.
Idades?
Quarenta e… três… e quarenta e sete.
Mais velhos. Estado civil?
Solteiro.
Número de filhos?
Um.
Nacionalidade do teu pai?
Nacionalidade do meu pai?! O meu pai tem nacionalidade portuguesa.
Mas é de origem…
Mas é de origem caboverdiana.
Ou seja, nasceu em Portugal? Cá? O teu pai?
Não… ah… eles… nacionalidade, neste momento ele tem nacionalidade portuguesa, mas ele é natural de Cabo Verde. E neste momento, passaporte, ele só tem passaporte português risos.
Humhum.. ok. Escolaridade do teu pai?
4ª classe.
Profissão?
Ah… o meu pai neste momento já é reformado!
Tenho que saber do quê…
Do quê?! Embar…Embarcadiço! Ele trabalhava nos barcos.
Mãe? Nacionalidade?
Então é nacionalidade portuguesa…
Mas também é caboverdiana…
Sim.
Escolaridade?
Também é 4ª classe.
Humhum. Profissão?
Doméstica. Doméstica reformada.
E porque é que os teus pais vieram para Portugal?
À procura de melhores condições de vida…
É normal.
Como a maior parte…
Vamos começar então a entrevista? Que ainda não era…
Oh! Opá! Então, eu a pensar que já íamos a meio… risos! Força!
Quero que me fales um bocadinho do teu percurso escolar, a começar pela primária, que escolas é que frequentaste, condições das escolas, o ambiente… [mensagem sobre a chegada de comboio].
Ah… É assim! Eu nasci no Barreiro, tive… fiz a 1ª e a 2ª classe no barreiro, mas pronto, como tinha algumas… estava com algumas dificuldades… depois foi na altura que houve a transição… que eu mudei de zona. Passei do Barreiro para a Quinta do Conde. E pronto! Na altura, ahhh, o professor… o meu professor da altura, ahhh, falou com a minha mãe e disse que se calhar era aconselhável eu ficar retido. Ou seja, deveria repetir novamente o segundo ano. E, pronto, foi… e tendo em conta que ia mudar de escola, ia mudar de zona, ia mudar de professor… Ele disse, se ficasse com ele, ahhh, até poderia me passar porque pronto… como já tinha o acompanhamento, ahhh… e pronto, ele como me conhecia sabia aquilo… sabia o que eu sabia e o que não sabia, e sabia como é que poderia, ahhh, no ano a seguir trabalhar comigo. Como eu ia para outra escola com uma nova professora, ele achou que era aconselhável, ahhh, voltar a repetir o ano. Depois foi isso que aconteceu! Depois mudei de escola. Fui para Quinta do Conde. Depois fiz o… a 4ª… a 3ª e a 4ª classe… e depois mudei para a escola secundária… secundária não, que naquela altura não havia escola secundária… a escola preparatória da Quinta do Conde, onde fiz o 5º… fiz o 5º, fiz o 6º, 7º e 8º. Entre o 5º e o 8º, ahhh, reprovei mais uma vez… acho que foi no 5º. No 5º ano voltei a reprovar, ahhh… a questão… aquela idade… cada criança tem a sua… o seu desenvolvimento de maturidade diferente. Uns têm a maturidade mais acelerada, outros um bocadinho mais lenta. Digamos que a minha era um bocadinho mais lenta. Ia para a escola mais para a brincadeira. Jogar à bola, etc… Estudar não era muito comigo e… E pronto! Reprovei no 5º para o 6º ano. Depois fiz o 6º, o 7º, o 8º. Depois como a minha ideia sempre foi ligada ao desporto e ligada à educação física, ahhh,… já tinha decidido, já tinha em mente, já tinha decidido que queria seguir a àrea de desporto… logo nessa altura já havia no 9º ano, já havia escolas onde havia… onde podias já escolher a tua área. Área de vocação. E vim aqui para a Amora onde havia área de desporto. E no 9º ano, vim aqui para a área de… para a área de desporto. Ahhh… Secundária da Amora. O que é que aconteceu? Era uma escola complicada… fica ali à volta de alguns bairros… Quinta da Princesa… Não sei se conheces? 06: 13 -
Não…
Nunca ouviste falar… Mas pronto! São bairros assim meio… meio complicados. A escola em si era um pouco… um pouco complicada, com alguns alunos problemáticos. E tive a infelicidade de calhar… era o que diziam na altura… fui para o 9º ano para uma área… para a área de desporto… diziam que era a pior turma da escola. Havia lá tudo o que.... Tudo o que havia de pior naquela escola meteram todos ali juntos. Pronto, e eu e mais uns quantos caímos ali de paraquedas. Ouve, o que é que aconteceu?! Ahhh… Já se sabe que à partida quando… turmas problemáticas, mesmo os que não… mesmo os que não fazem nada, ahhh, às vezes não… não consegues acompanhar. A nível de matéria, se a matéria não é dada em condições e se tens alguma dificuldade, pronto, não… não consegues apanhar. E acabou… o que aconteceu é que volto a reprovar nesse ano! O 9º ano! Fiz o 9º. Reprovei no 9º. Depois voltei a fazer o… a repetir o 9º. Depois fiz o 10º… entretanto, os anos foram passando e… passei para o 11º, mas entretanto não… eu apanhei na altura que o serviço militar era obrigatório. Tive que… na altura fui fazer a inspecção, e tal, e não sei quê… e depois fiquei à espera dos resultados. Logo fui à inspecção, depois fiquei à espera dos resultados e o resultado saiu e fui… ahhh, fui enquadrado aí no… para cumprir o serviço militar obrigatório. E o que é que aconteceu?! Isso tive o… isso iria-me atrapalhar os estudos. Ainda tentei pedir adiamento e pronto… consegui fazer com que terminasse o… não! Consegui com que terminasse o ano, não! Consegui, ahhh, terminar o… neste caso terminei o 10º, iniciei o 11º e depois, ahhh… ainda fiz o primeiro período do 11º, só depois já… não! Já passou tanto tempo que eu já nem me lembro! Não! Terminei, terminei o… terminei o 10º… Não! Eu pedi adiamento que era para terminar o 10º ano. Exactamente, foi isso! Terminei… pedi adiamento para terminar o 10º, ahhh, só que inscrevi-me na mesma no 11º, fui cumprir o serviço militar, acabei o serviço militar voltei para a escola novamente, entrei no segundo período, e… e pronto! E mesmo assim ainda consegui terminar o 11º, depois de… Fiz o 11º, fiz o 12º… o 12º deixei alguma… deixei uma disciplina, acho que foi matemática. Ahh, depois entretanto… deixei matemática… depois no ano a seguir estive a trabalhar e fiz… e fiz essa disciplina e depois entrei para a universidade.
Isso quer dizer que os teus irmãos/irmãs mais velhos são meninas?
São…?
São meninas?
Não, é um menino… é um rapaz e uma rapariga.
Então porque é que não tiveste dispensa do serviço militar? O teu irmão não tinha feito?
O meu irmão? Não, o meu irmão cumpriu!
Huuummm! Estranho! Normalmente quando o irmão mais velho cumpre, o outro…
Não! Não!
… pode ser dispensado.
Não! Não! Ahhhh… Sim, sim. Também ouvi… ouvi algo do género, mas na altura não foi! Não! Foi… até a minha ainda hoje em dia, ahhh… está sempre a falar nisso. Porque o meu pai trabalhou lá fora e quando as coisas não estão bem aqui, começa aquela conversa: “Ah! Este país não nos deu nada! O teu pai trabalhou lá fora, ainda eu é que tive filhos que tiveram a contribuir para o país, o teu irmão foi… os meus filhos estiveram a cumprir o serviço militar…” e não sei quê, e não sei quê, e não sei que mais…. E pronto! Por isso, foi… e o meu irmão foi pior! Que o meu irmão esteve quase dois anos, porque na altura… ele é mais velho… ele apanhou quase… ele esteve quase dois anos a cumprir serviço militar. Eu, tive a sorte de apanhar só quatro meses. Na altura… daí permitir sair e voltar para a escola. Ahhh… e pronto, olha… depois fui tirar o meu curso e… e pronto! Não… Tirei o curso aqui no Piaget. O curso de professor… o curso de… de 1º e 2º ciclo, ensino básico variante educação física e… terminei o meu curso.
E no curso não tiveste nenhuma reprovação?
Não! Nessa altura já estava com juízo.
risos Pelo que eu entendi bem, foram quantas? Duas ou três?
Quê? Reprovações? Foram três! Salvo erro, foram três.
Ok. Ahhh, já percebi que foi um bocadinho cabeça no ar, não é? risos
Sim, no princípio. Foi no princípio! Tanto é que, eu mesmo depois que saí da tropa, apanhando o ano no meio… quer queira, quer não, ahhh… o 11º já implica algumas dificuldades, não é?! E pronto! Ainda consegui fazer! Tive explicações pelo meio que era para poder acompanhar, tendo em conta a matéria que eu perdi, ahhh, mas… é pá! Pronto! Depois apanhei o comboio e consegui.
Quais eram os calcanhares de Aquiles?
Quê? A nível de disciplinas?
Sim!
Inglês. Eu a nível de línguas nunca fui… nunca fui muito dado a línguas! Lá em casa é ao contrário… ahhh, os meus irmãos… eles são ao contrário. São mais dados para línguas, a nível… e.. a nível de números, ahhh, pronto! Já não têm muita aptidão para aí. Apesar de eu… apesar de eu ter reprovado um ano… ahhh, ter, reprovado um ano, no 12º, a matemática, sempre tive um pouco mais de jeito para… ahhh, para os números do que propriamente para as línguas. En.: E ia mesmo perguntar quais eram as disciplinas em que te davas melhor, mas pelos vistos… educação física, matemática…
Ahhh… Sim, mais a… a parte mais científica. Matemáticas… depois às vezes nem é questão tanto de… de ter vocação ou não. Às vezes é questão de gostares ou não. Também depende muito por aí. Por exemplo, eu também gostava muito de biologia, também está muito ligado à minha área, ahhh… e a partir do momento quando gostas, torna… as coisas tornam-se mais fáceis. Não quer dizer que eu não goste das línguas, porque por acaso, epá, é um dos meus… ahhh, como é que ei de dizer… ahhh, ahhh, ahhh, das minhas “desilusões”, o facto de não dominar, principalmente… principalmente a língua inglesa, porque acho que a língua inglesa é universal. Ahhh, se dominares o inglês, epá, estás à vontade em qualquer lado. E se ainda estou aqui… uma das razões que risos… quer queira, quer não, se ainda estou aqui em Portugal, é o facto de ir para um país onde não domino a língua. Por exemplo, tenho… os meus irmãos não estão cá. Tenho a minha irmã na Holanda e o meu irmão está na Inglaterra. O meu irmão está… Várias vezes já me disse que… “Epá, anda para aqui! Vamos… aqui tens outras condições e etc. , etc….”. Mas são duas coisas: é a língua e o clima! Que por acaso não me seduz muito. E… e pronto! Estou por cá ainda, mas… mas estive fora! Estive uns anos… estive alguns anos fora.
Ok. Já vou aí a essa parte, mas antes… hábitos de estudo, como é que eram?
Hábitos de estudo?
Hummhumm! Costumavas estudar acompanhado, sozinho, em casa, nas bibliotecas, como é que fazias?
Não! Por norma era sempre sozinho. Nunca fui de muito estudar acompanhado. Tipo: “Ah, vou chamar um colega para vir estudar comigo!” ou ir estudar na casa de um colega. Por acaso foi sempre sozinho. Nem muito de ir a… a bibliotecas. Quer dizer, digamos que na primeira fase não havia muito estudo. Era aquele estudo quase obrigado, né?! Ahhh, porque… pronto, a cabecinha não queria… estava mais a pensar na brincadeira. Mas na segunda fase, onde… pronto, ahhh, já estava a levar as coisas mais a sério, digamos que o estudo sempre foi, ahhh, basicamente foi sozinho. Tirando a parte da… dos trabalhos. Aí… trabalhos de grupo e etc., aí já, ahhh… já tinha que me deslocar para casa do colega ou o colega vinha ter comigo para… para realizar os trabalhos. Mas, de resto, basicamente era isso.
E com que frequência, mais ou menos? Estudavas antes dos testes, com muita regularidade…?
Inicialmente, naquela primeira fase, era só antes dos testes. Uma horinha antes dos testes, Na segunda fase, ahhh, já estudava com mais regularidade, tentava (entre aspas) manter sempre a matéria em dia e… e pronto! Na última semana antes do teste já começava a estudar um pouco, um pouco mais.
Quando é que começaste a pensar que querias ir para a universidade?
Quer dizer… pensar, pensar… desde muito cedo! Ahhhh, a partir do momento que eu… eu dizia… eu tinha, eu tinha… ahhh, entre aspas, eu tinha dois sonhos a nível profissional, que eu gostava de ser. Gostava de ser professor de educação física e gostava de ser Dj.
risos
Era a minha pancada de puto, pronto, era essa! Ahhh, e pronto! Um realizou-se! Ahhh, que hoje sou… sou, entre aspas… sou professor de educação física… não sei se posso considerar que sou, mas pronto. Não no activo, mas digamos que está… está no papel. risos A outra pronto, a outra passou ao lado. risos Ahhh… e pronto!
Quem é que te influenciou mais… ahhhh… a prosseguir nos estudos, a seguir com a carreira académica?
Ahhh… a minha mãe! A minha mãe e os meus irmãos. O meu pai não tanto porque, pronto, o meu pai como trabalhava fora, ahhh, digamos que era um pouco ausente. Por isso não havia muito aquela… não tínhamos muito aquela ligação de ele estar sempre a falar: “Olha, tens que ir tirar o curso…” etc., mas pode-se dizer mais a minha mãe.
E como é que é a tua relação com os teus irmãos nesse sentido?
É assim… em todos os aspectos! Em todos os aspectos, eu tenho uma excelente relação com os meus irmãos. E pronto! E posso confessar que, pronto, quer dizer… a relação que eu tenho com eles é a mesma que eles têm comigo e entre os três. E… uma das desilusões que nós temos neste momento é facto de estarmos afastados uns dos outros. Estar um aqui, outro ali e outro noutra ponta. Por isso seja a nível… a nível de… profissional, seja a nível de estudos, seja a nível pessoal, ahhh, nós temos uma excelente relação.
Mas de que forma é que eles te influenciaram nos estudos? Foi como exemplo, ou incentivavam, ajudavam…?
Ahhh… Não! É assim, ajudavam naquilo que podiam… ahhh…
O facto de serem mais velhos influenciou?
Mais naquela altura… mas na altura… na primeira fase, quando não queria muito… saber da escola. Aí eles davam-me conselhos. Diziam que eu tinha que estudar, etc. A partir do momento que, pronto, tomei o meu rumo e comecei a levar as coisas mais a sério, ahhh, pronto, aí já não… até não falávamos muito nisso. Perguntavam se, se… como é que corriam as coisas, se estavam a correr bem, se não estavam, mas… e pronto, os dois… por acaso eu acabei de tirar um curso, acabei por tirar um curso que os dois gostavam de tirar e não tiraram devido à questão que havia naquela altura, que era ia-se tirar o curso mas tinha-se que fugir aquela disciplina porque senão vai ser um Deus nos acuda. Ou seja, eles devido à Matemática fugiram um pouco àquilo que queriam tirar e… e pronto! Posso dizer que acabei por tirar o curso que… que… que eles gostavam. 20:20 – Já agora o que é que os teus irmãos tiraram?
Ahhh, é assim, a minha irmã tirou… gestão… gestão hoteleira. Ahhh, mas pronto! Nunca exerceu e depois foi para a Holanda e está a trabalhar numa área completamente diferente do que… da sua área de formação. O meu irmão não se formou aqui, o meu irmão formou-se em Ingalterra. Ele aqui só teminou o… terminou o 12º. Depois foi para Inglaterra e depois, quer queira, quer não, tal como ele me tinha dito, Inglaterra dá-te outras facilidades, outras possibilidades que Portugal nem de perto, nem de longe, oferece. Ahhh, lá eles ofereceram-lhe essas possibilidades e ele aproveitou. Ele tirou… o curso de, de, de línguas. Ele já tinha o português, né?! Depois aperfeiçoou… depois especializou-se no inglês, espanhol e italiano. Esteve a trabalhar uns tempos como tradutor porque lá há muitos estrangeiros, portugueses, brasileiros, angolanos que não conseguem… que não dominam a língua e que… fez alguns trabalhos nesse sentido. Depois, ahhh, decidiu… tirar a vertente pedagógica pois se calhar também para dar aulas. Começou a tirar e só que depois o ensino lá é complicado… os miúdos lá são terríveis. Eles têm muito poder! Eles têm o poder que aqui não se tem e… e na maior parte dos sítios acho que não têm. Eles lá podem fazer praticamente tudo. E os professores dentro da escola têm… são muito limitados. Mas depois que não chegou… não chegou a terminar o curso porque as coisas não correram bem. Só que pronto, lá eles dão tanta facilidade que pronto, não terminas um, deixas esse e vais tirar o outro. Ele neste momento está a tirar fisioterapia. Está no último ano, ahhh, mas pronto! Esteve sempre a trabalhar. Foi estudando e trabalhando sempre ao mesmo tempo. Basicamente é isso!
Como é que foi a tua transição entre secundário e curso? Sentiste diferenças? Adaptaste-te bem?
Sim, sim, sim. Senti alguma diferença mas adaptei-me bem. Adaptei-me bem até porque o primeiro e o segundo ano até estava admirado comigo mesmo. Posso dizer que eu era dos melhores alunos da turma. Um dos melhores, pelo menos a nível de notas. No terceiro e quarto ano as coisas já não foram assim. Mas o primeiro e o segundo ano, por acaso, ahhh, as coisas correram bem. E por isso a adaptação até foi boa. Ahhh, tens mais autonomia. Há aquela questão de, pronto, estares dentro de uma sala de aula onde os professores praticamente… já não é como no secundário que dão-te a papinha feita: “Ah! E escreve… agora vocês têm que escrever isto!” Ali, logo no primeiro dias dão-te umas quantas bibliografias que tu tens que te orientar e a partir daí tu é que tens que fazer o trabalho. Aí logo no princípio foi um bocadinho esse choque, mas depois fomos… fui-me adaptando e as coisas até correram relativamente bem. Os últimos anos já não… já não tão bem como no princípio, mas…
Tiveste algum dos professores que te tivesse marcado durante o percurso escolar? Pela positiva ou pela negativa?
Huuumm, mas.. ahhh… ao longo de todo o percurso?
Sim.
Sim, tive, tive… tive. Há sempre… Todos nós temos! Ou pela positiva u pela negativa, ou por isto ou por aquilo, temos sempre um ou outro professor que nos marca.
E em que sentido? Desenvolve um bocadinho mais… risos
Ah! Em que sentido?! Ahhh, epá, são tantos! Cada um no seu… alguns pequenos aspectos que às vezes podem acontecer durante o ano que te marcam. Deixa ver! Por exemplo, ahhh… desde… o professor… pronto, quer queira, quer não, os que… os que marcaram mais são os que estão directamente ligados à minha área, que é a área de educação física, basicamente. Os professores de educação física, ahhh, ahhh, marcaram. Uns devido mesmo ao próprio relacionamento que acabas por ter com esses professores, ahhh, levam-te a… levam-te a marcar, né?! Mas às vezes não, às vezes nada assim de concreto. Simplesmente às vezes a própria relação. Negativas?! Negativas, há uma professora que, pronto… uma que me marcou, uma professora de matemática, que foi na transição do 10º… do 11º, quando eu saí da tropa e voltei para escola que, pronto, concretamente, cheguei lá, disse “olhe…”, expliquei-lhe! Ela já sabia da minha situação, e pronto, simplesmente ela disse que “tu vais ficar aqui, mas tu não vais conseguir passar! Não sei, acho que não vale a pena!”, tanto é que no segundo período tive nota para ter 10, ela não me deu 10, deu-me 9. Ahhh, e pronto! No terceiro período teve que me passar. Pronto, também não foi só da minha parte, porque eu estava a ter explicações por fora. Porque eu sei perfeitamente que se fosse só, ahhh, se fosse só eu não conseguia. Tanto e, porque tinha a matéria atrasada que tinha que apanhar. E ela depois disse “ah, mas eu não posso fazer nada!”. Ela chegou a dizer “viesses mais cedo!” ou alguma coisa assim do género. “Devias ter vindo mais cedo!”, pronto, marca né?! Muito positivamente, né?! risos Ahhh… um professor de História! Mas esse marcou muita gente! Há aqueles que professores que marcam uma escola. Porque hoje em dia eu falo do professor Paredes, que é o professor de História e toda a gente o conhece. Porque é daqueles professores que não dava matéria. Chegava dentro da sala e… que bebia lá um copinho ou outro e não dava matéria, e que depois dava as notas por… sei lá! Se estava bem disposto dava-te 10, dava-te 15, 16. Se estava mal disposto dava 10. Negativas acho que não dava muitas, mas pronto. Ahhh, era sempre positiva, mas consoante a sua disposição era mais alta ou menos baixa. Ahhh… epá, são tantos! Desde uma professora de filosofia que não era muito boazinha da cabeça, que fumava dentro da sala, ela dizia “epá, desculpem lá mas eu tenho que fumar!” E, epá, por aí a fora…
E falaste-me em explicações. Porque é que tiveste explicações. Como é que surgiu a ideia de teres explicações? Como é que gerias isso?
Não, a explicação surgiu, tendo em conta… quando eu saí da tropa e depois perdi o primeiro período, depois fui para a escola, para recuperar a matéria… tendo em conta que… pronto, matemática, quer queira quer não é uma daquelas disciplinas um pouco mais complicadas… ahhh, decidi… quer dizer, decidimos… decidi juntamente com os meus pais que era aconselhável ter umas explicações, e… e pronto! Depois, fui, fui, fui ter explicações no que era… na altura era uma simples garagem… a mulherzinha dava aulas… dava explicações numa garagem e neste momento tem um ATL de… todo equipado. É considerado dos melhores ATL’s dali da Quinta do Conde… e pronto! E por acaso consegui manter uma boa relação com eles. E basicamente foi por causa disso que surgiu a hipótese de ir pa… de ir ter explicações.
E chegaste a ter apoio escolar em alguma fase?
Na escola?! Dentro da escola, não. Foi sempre fora.
Ok. E quando é que começaste a trabalhar? Tiveste algum período em que estudasses e trabalhasses?
Ahhh… Tive… Quando é que foi? Na altura… Na altura que estava a fazer… na altura que estava a fazer disciplinas, tive… eh, tive a fazer uns trabalhos… era… pronto! Tive a fazer uns trabalhos lá na Quinta do Conde, dentro da área da construção civil. Tinha uns amigos que trabalhavam nessa área e depois, ahhh… sempre que surgia essa possibilidade, ahhh, ia. E depois quando… no primeiro ano do curso, tentei conciliar. Tentei conciliar o curso com… com… com o trabalho, mas não foi possível. Ainda comecei, comecei, trabalhei durante um mês, ahhh, no hipermercado de… de venda a grosso, ali na… (posso falar a marca? Posso falar a marca? Posso?)… sim, porque acho que havia um lá para aquela zona, não é?! Não é? Se não…
Acho que não…
Mas pronto, ahhh, tive a trabalhar nesse Hiper, mas foi durante pouco tempo. Não estava a conseguir conciliar. Depois estive só… durante o tempo que estive na universidade, estive só na universidade. Estive só na universidade, não. Minto! Depois comecei a trabalhar… surgiu a hipótese de ir trabalhar para… também era part-time, era casual… no estádio da luz como stuart.
Como?
Stuart. Assistente no recinte desportivo. Aqueles que andam lá com aquele colete florescente a dar apoio e etc. às pessoas. Foi mais ou menos o que consegui… isso, pronto, consegui conciliar porque não era sempre. Era ao fim-de-semana, de vez em quando durante a semana, mas pronto… isso era possível conciliar.
E tinhas bolsa?
Não, não. A única bolsa que tive foi a bolsa dos meus pais. risos
E depois que acabaste o curso o que é que fizeste?
Depois que acabei o curso, ainda… no 4º ano, ainda não tinha terminado o curso, uma tia minha veio de Cabo Verde (é professora lá)… ela chegou cá e disse-me: “sabes N, em… (que ela dava aulas lá numa escola) lá em Cabo Verde, na minha escola, há lá falta de professores de Educação Física!” Ahhh, e pronto, pá! Eu sempre fiquei com isso na cabeça! E a saber que a situação aqui estava complicada na área de ensino… ahhh, mesmo… estávamos a tirar o curso e todos os dias estávamos a ouvir a mesma coisa: “Ah, isto do ensino está complicado, está complicado, está complicado, está cada vez pior!” E pronto, eu meti isso na cabeça… pronto, meti na cabeça, e digo: “pronto, já sei! Vou tirar o curso e já sei que não vou arranjar trabalho!” Epá, e fiquei com essa ideia na cabeça de… porque não fazer uma experiência?! Epá, o tempo foi passando, eu um dia decidi ligar à minha tia: “Como é tia? Como é que está a situação aí?” Ela disse: “Está! Ainda existem vagas, se quiseres é só… terminas o curso, envias-me os documentos que a escola trata do resto da burocracia”, depois é para começar a dar aulas lá. Então pronto, olha, decidi e disse… liguei-lhes e disse: “Pronto, vou aceitar a oferta e vou fazer uma experiência”. Acho que ela falou lá directamente com os directores lá da escola e eles prontificaram-se logo… disseram logo: “Olha, então diz para ele vir rápido porque estamos mesmo a precisar!” Ainda nem tinha terminado o curso. Ainda faltava-me (esta parte que eu adoro risos)… ahhh, que ainda nem tinha terminado o curso. Ela ligou-me e disse: “Olha, N, tens que… então vê lá se te despachas que, pronto, que eles já estão a contar contigo para o próximo ano lectivo, ahhh, por isso vê se terminas rapidamente o curso que é para poderes vir!” Eu disse: Ah! Ok, falta-me só fazer a monografia”, terminar, quer dizer (no caso), só que na altura estava tudo previsto que era para eu entregar em Dezembro, só que entregar em Dezembro… só que as aulas, o ano lectivo devia iniciar em Setembro. O que que aconteceu? Foi um… ainda hoje acho que arrependo-me… ah, quer dizer… se arrependo? Não sei. Quer dizer, hoje em dia já nem sei… já nem posso dizer se me arrependo, se, se, se me arrependia ou não. Foi… que eu falei com a minha orientadora na altura, falei com ela e expliquei-lhe a situação, disse-lhe: “Olha, expliquei-lhe a situação, surgiu esta possibilidade de ir trabalhar para fora só que ainda não terminei a monografia, está previsto entregar em Dezembro…” falei com ela para saber o que é que era possível fazer! Tens todos aqueles… tens todos aqueles objectivos que tens que atingir ao longo do trabalho… ahhh, pronto, falei com ela e ela disse-me: “N, olha o que nós podemos fazer é fazermos o trabalho assim desta forma, certo?!, mas já sabes que em determinados itens não podes ser avaliado!” Mas pronto, se eu quise… isso agora tinha que saber se eu ia de acordo ou não. Que pronto, digamos, isso já foi mesmo com o conhecimento da direcção porque, pronto, eles souberam… neste caso, a orientadora falou com os elementos da direcção, expuseram a situação, etc. e pronto, eles aceitaram, né?! Só que neste caso fui penalizado porque, pronto, o trabalho… não consegui ter, ahhh, digamos, uma nota considerável, né?! O que fez com que a minha média descesse. E pronto! Quer queira, quer não, hoje em dia posso dizer que arrependo-me porque, pronto, quer queira quer não, o que que conta é a nota final de curso, né?! Se vais te candidatar em qualquer lado o que eles vão ver… no meu caso principalmente, quando a nível de concurso… vais concorrer, tens uma plataforma com que concorrer, ahhh, um dos sítios principais que eles vão avaliar é a nota! Aquilo lá, nem há entrevistas nem nada! Tens aquele… concorres, tens o… é os anos de serviço, é a nota de final de curso, é a idade, etc., depois consoante o… cada um tem uma percentagem, depois consoante isso és colocado numa posição! Ahhh, logo… porque ali só… às vezes só uma diferença de 1 valor aquilo faz… epá! Faz muita diferença! Devem-te passar para aí uns 2 ou 3 mil à frente. Só para dar-te aqui um exemplo. Nesse aspecto posso dizer que arrependi-me um pouco. Mas, pronto, olha, fiz as coisas dessa forma, terminei e enviei alguns… enviei a documentação necessária e depois fui! A minha tia tratou lá do resto e depois cheguei lá, supostamente que era para começar a dar aulas logo no início e também as coisas não correram bem. Já sabes, estamos a falar de um país subdesenvolvido onde as coisas é tudo mais lento, né?! Há sempre aquela… ahhh, tenho que enviar a minha documentação e depois tive que pedir equivalência, né?! Tinham que dar equivalência ao curso e isso levou… enquanto não me dessem equivalência não podia começar a trabalhar. Isso levou algum tempo. Ou seja, só comecei a trabalhar em Janeiro. Fui em Outubro e comecei só em Janeiro! E pronto, foi assim.
Chegas lá, ficas um tempo à espera em casa de familiares, certo?
Sim! Em casa da minha tia.
Hummhumm. Depois começas a trabalhar…
Comecei em Janeiro. Nesse período foi complicado, até pensei em voltar porque logo à primeira… é assim, nunca tinha ido para… tinha ido para Cabo Verde tinha 6 anos… não conhecia praticamente. Tinha ido para outra ilha. Quer queira, quer não, aquilo foi um choque porque é uma realidade completamente diferente e… e custou-me um pouco a adaptar. Eu dizia… antes eu dizia: “Ahh, eu sou caboverdiano! Eu estou aqui mas eu sou caboverdiano e não sei quê… Apesar de ter nascido aqui eu sou caboverdiano, tenho cultura caboverdiana, etc. e não sei quê, não sei que mais”. Eu cheguei lá e fiquei assim: “Epá, afinal as coisas não são bem assim!” Ou seja, estava-me a sentir um pouco desenquadrado. Eu via o comportamento das pessoas e eu não me enquadrava muito com certos comportamentos. Afinal andava para aqui a abrir de boca cheia que era isto e aquilo e afinal a coisa não é bem assim. Ahhh, e pronto! A princípio foi… custou um bocadinho. A partir do momento que comecei a trabalhar, pronto! Comecei a conhecer mais pessoas, colegas e etc. e pronto! Consegui… comecei a socializar um bocadinho mais e pronto! A adaptação tornou-se mais fácil!
Estiveste lá quanto tempo?
Oito anos e qualquer coisa. risos Foi uma experiência de longa duração.
E durante esse tempo chegaste a morar em casa própria? Como é que fizeste? Continuaste em casa dos teus familiares?
Ahhh, estive na casa de familiares e depois os meus pais arranjaram casa. Eles arranjaram-me uma casa em São Vicente. Foi para a ilha que eu fui. Depois saí da casa de… dos familiares, fui morar para a casa que os meus pais arranjaram e pronto, fiquei lá.
E durante esse tempo estiveste sempre a trabalhar como professor?
Sim! Sim.
Conta u bocadinho a experiência…
Como professor?! Por incrível que pareça posso dizer que foram oito anos… posso dizer que o ano que eu gostei mais de dar aulas foi o primeiro.
E porquê?
Não sei porquê! Ah! Não sei porquê?! Sei! Porque quer queira quer não é aquela coisa… Estás a tirar o curso e tens aquela motivação toda, né?! Sangue na guelra e não sei quê, muita adrenalina, pensas fazer isto e aquilo e aqueloutro e pronto! E… e pronto! Foi… posso dizer que o primeiro ano foi o que me marcou mais. Mas foi… foi um bocadinho complicado! Foi um bocadinho complicado porque quando cheguei lá já tinha horário… já tinha o meu horário feito. Ia ficar com as turmas do 10º ano. Ahhh, só que, pronto, tive que esperar até (como tinha dito), até janeiro para começar a dar aulas. E pronto, já me tinham alertado para algumas situações… que ia ficar com turmas do 10º ano, são turmas complicadas, ahhh, onde apanham uma faixa etária complicada que era… havia lá miúdos que… apanhei pessoal do 10º ano que havia lá miúdos com 18, 19, 20 anos. Que já era autênticos… que já eram uns homenzinhos e umas mulherzinhas!
E tu na altura estavas com…?
Eu na altura estava com 27… Estava com 27 aninhos, só que tinha a carinha… se calhar não tinha cara de 27. Tinha cara de menos. Ahhh, e eles avisaram: “Olha, tu vais ter que ter cuidado porque senão tanto com eles como com elas, vais ter… podes ter alguns problemas.” Pronto, epá! Eu fiquei… a partir do momento… primeiro dia de apresentação… primeira semana de apresentação com a maior parte das turmas, eu pensei: “Uff, pois! Isto Vai ser complicado!” Tanto é, só para veres, o primeiro dia de aulas… isto foi cá fora, eu passei por eles, entrei… ahhh, entrei dentro da sala e pronto, eu sou professor de educação física, mas a primeira aula é a aula de apresentação, fazemos… nem todos, mas pronto! Eu quis fazer dentro da sala. Mas pronto, já sabia mais ou menos como é que as coisas… ahhh, como é que as coisas seriam, por isso… ahhh, só para veres, no primeiro dia, passei por eles, entrei dentro da sala e eles não… Não! Mas vou te explicar o simples porquê! Porque eles não sabiam que eu era o professor. Eles pensavam que eu era um aluno. Eu já sabia mais ou menos que seria assim. Pronto, já entrei, fiquei à espera, passado um bocadinho houve um ou outro… houve um que apareceu na porta e viu-me e foi chamar os outros: “Ah! O senhor é professor?! O professor já entrou!” Conforme eles estão a entrar eu estou a ouvir comentários: “Ah! Isto é que é o professor? Eu a pensar que era aluno…” Pronto! Ahhh, eu já sabia como é que teria… como é que tinha que funcionar com eles no princípio. No princípio foi tolerância zero. Posso dizer que eles viram os meus… eles viram os meus dentes para aí um mês e tal depois porque senão esquece! Se eu mostrasse os dentes antes, não tinha mão. Já não fazia nada durante o ano. Epá, e surpreendeu-me! Turmas excelentes! Os rapazes, havia lá gajos que eu pensei que ia ter problemas com eles e por acaso não. Dei-me lindamente! As miúdas… ahhh, posso dizer que tive mais problemas foi com as raparigas, porque naquela idade… ah, professor novo e não sei quê e não sei que mais, pronto! Tive que manter aquela… duas ou três barreiras para elas não poderem risos ultrapassar. Ahhh, só que custou… levou, levou, levou algum tempo. Mas, epá gostei! Gostei, gostei da experiência. Depois nos próximos anos foi o acumular de experiência. O segundo ano já foi diferente do primeiro. O terceiro já foi diferente do segundo. Depois já apanhei outras faixas etárias. Depois comecei a trabalhar com miúdos do 7º, 8º, 9º. Trabalhei com miúdos.. depois também com o 12º. Ahhh, assim de uma forma… experiências sempre diferentes.
Hummhumm. E o que é que te fez voltar?
O que é que me fez voltar?! O que me fez voltar foi várias questões. A nível pessoal as coisas já não estavam a correr bem, ahhh, e a nível profissional também já não dava. Tipo, quando sentes que já não estás a… quer dizer, eu nunca evolui. Quer dizer, ganhei alguma experiência, ahhh, a trabalhar naqueles… a trabalhar naquele ambiente e a trabalhar com aquelas condições. Isso quer queira quer não… isso quer queira quer não, isso dá-te alguma experiência, alguma bagagem porque pronto, às vezes tens que te adaptar a algumas situações, mas senti que já não estava a evoluir, que já estava a regredir. Epá, metade das coisas que eu aprendi no curso não consegui pôr em prática, até hoje não consegui pôr em prática porque lá não havia condições para tal. E aqui também neste momento não me permite. E juntando as duas partes, a parte profissional e a parte pessoal, que já não estavam a correr muito bem. Ahhh, pensei, olha, digamos que acho que estava na altura de… não digo, pôr um ponto final, mas fazer um pequeno intervalo. E depois logo se vê! Tanto é que eu vim… que eu já fazia parte dos quadros, estive lá… tanto é que eu vim, mas não vim… vim de licença. Pedi licença sem vencimento para… para voltar para Portugal. E pronto! E neste momento, ainda estou de licença. Foram dois anos de licença e já prolonguei por mais um. Até decidir ao certo o que é que eu vou fazer ou não. Quer dizer, já sei! Não tenho ideias de voltar, mas pronto! De qualquer das formas não me quero desvincular, assim, radicalmente, ahhh, com o Ministério de lá porque, pronto, nunca se sabe [perdão], nunca se sabe o dia de amanhã, por isso vou aguardando. 48:26 – E… tinhas ido a Cabo Verde com seis anos, chegas lá depois grandinho, o que é que achaste? Qual era o imaginário que tinhas de Cabo Verde e o que é que achaste que era diferente?
Ahhh… não, era mais ou menos aquilo que eu estava à espera porque, pronto, apesar de não ter ido, tenho pessoas que… familiares e amigos que costumam ir de férias e já me tinham explicado mais ou menos como é que as coisas eram lá! Mas atenção: explicaram-me as coisas como pessoas que vão de férias, não como pessoas que vão lá para viver. O primeiro período que eu estive lá – “ ok, isto é engraçado para passar férias!” - , mas quando passou aquele período e já me adaptei, e já posso dizer que já fiquei mesmo inserido dentro da realidade do país, ahhh, pronto! Digamos que as coisas tornam-se um pouco diferentes, principalmente porque é um meio pequenino. Um meio pequenino, toda a gente conhece toda a gente, ahhh, não podes fazer nada, se fizeres qualquer coisa aqui, na ponta da ilha passado meia hora já sabem… mas não quer dizer que estive a fazer alguma coisa de mal, mas pronto! risos Mas… toda a… é só um exemplo que eu te estou a dar, ahhh… e… depois entras ali numa rotina, estás… dia após dia a fazer sempre as mesmas coisas, as mesmas coisas, e aquilo quer queira quer não mexe, mexe e tens ali um impacto. E é assim, eu os primeiros anos chegava às férias tinha que vir a Portugal porque senão não dava. Senti mais quando não, já não foi… tive uns anos que não foi possível vir, aí a coisa foi ainda mais complicada. Custou, custou, custou, custou um pouco mais. Ahhh, mas pronto! Hoje em dia digo: é um país excelente para passar férias, mas para viver… Depois há outra questão, que é a questão financeira. Porque… a nível de… a nível de salários lá é baixíssimo e o nível de vida lá é caríssimo. O nível de vida lá não é o mesmo nível de vida que tens aqui. Tanto é porque os produtos que eles têm lá é tudo… é de fora! Ou vem daqui, de Portugal ou é do Brasil, basicamente. Sabes que tu não vai comprar o mesmo produto aqui… não vais comprar o produto pelo mesmo preço! Se tens as taxas e não sei quê, a deslocação, fica tudo mais caro! E quando ganhas menos… epá, eu sinceramente eu digo-te: não sei como é que há pessoas que vivem lá. A sério! Há pessoas que vivem lá o dia-a-dia. Sabes que lá há muito… aquele, como é que eu hei de dizer… aquelas lojinhas a retalho. E o que as pessoas vão comprar é… a retalho, né?! Um bocadinho disto, um bocadinho daquilo… às vezes vão comprar as coisas que é para fazer aquela refeição. Levam as garrafinhas, um bocadinho de óleo, um quarto disto, um quarto daquilo e cem gramas disto e não sei quê, que é para fazer aquela… duas, três batatas que é para fazer aquela refeição. Muita gente vive assim! Epá e aquilo fazia-me confusão!
Mas diz-me uma coisa… por acaso não tenho muita noção… ahhh, lá… se tu vivesses lá com um salário de Portugal, vivias bem?
Não! Com o salário de Portugal, como assim?
Um salário normal, acima dos 500 euros mas não acima dos 1000. Entre os 500 e os 1000 vivias lá bem?
Normal?
Sim.
Não vivias normal, vivias limitado. Eu digo-te que é assim… eu… licenciado. Um professor lá ganha quinhentos e trinta e tal euros. A minha sorte era que eu não pagava casa! Eu tendo que pagar o aluguer de uma casa, luz, água e a minha manutenção… Dá! Mas trabalhas que é para sobreviver, digamos assim…
Nesse sentido não é muito diferente de Portugal… aqui com 530 euros também não vives se não tiveres margem de manobra!
Não! Mas, mas aqui tens um bocadinho mais. A nível de… os bens essenciais, epá, consegues. Consegues obter um bocadinho mais barato. A vida lá é mais cara. Não, mas dá, dá! Atenção também… 530 euros aqui também não é nada, sim. Aqui há aquela questão porque… a vantagem que… a única vantagem que há lá é que quer queira quer não as casas lá são mais baratas. Uma casa lá é mais barata do que aqui. É a única coisa, porque de resto é tudo mais caro.
E davas as aulas em crioulo ou em português?
Português. A língua oficial é… é… é o português! Apesar que… essa era outra das batalhas, mas pronto! Foi uma estratégia que eu adoptei por forma de manter aquela barreira, que era falar sempre português. Ás vezes os miúdos, os meus alunos, chateavam-me muio “Ah, não sei quê… o professor só fala…”, (eu era conhecido pelo professor que só fala português), “Ah! O professor só fala português, só fala português, só fala português , só fala português…” Mesmo fora da escola, encontrava-os… “Ah! Não sei quê…”, eles falavam comigo crioulo e eu falava português. “Então professor, fale crioulo e não sei quê e não sei que mais…” tanto é… ahhh, depois chegou uma altura eu mesmo que quisesse falar crioulo já não conseguia. Soava-me estranho! E pronto! Porque às vezes conhecia… tive alunos que… pronto, tive alunos que depois saíram da escola, supostamente pronto, já saíram da escola, já podemos ter uma relação dita normal, sem manter aquelas barreiras… eu queria falar crioulo com eles, não conseguia. Aquilo, pronto, aquilo ficou interiorizado…
Mas sabes falar?
Falo! Falo! Digamos que, ahhh, aprendi mais tarde. Lá em casa fui… não, houve alturas aí que eu era gozado por aquele que não sabia falar ou falava mal. Depois digamos, mesmo quando cheguei lá, ainda misturava um bocadinho português/crioulo. Depois fui… depois foi ao contrário. Tanto tempo… passei lá tanto tempo, depois quer queira quer não começaste a falar muito crioulo, muito crioulo e já falava mais crioulo do que português. Quer queira quer não, às vezes quando ia falar português, mesmo a falar português já não saía… já não saía igual. Ahhh, mas pronto! É normal!
Ahhhh… deixa-me cá ver! Hobbies?
Hobbies?
Hobbies? O que é que fazes nos tempos livres?
Agora? Aqui?
Ahhh, no geral…
No geral?! Sim. Ahhh, sendo da área, né?!, gosto muito de praticar desporto. Futebol! Já pratiquei futebol, era federado, neste momento já não… já não! Porque a idade também já não me permite. Ahhh, as lesões também não. E agora, de vez em quando, uma vez ou outra, pela desportiva… ahhh, mais! Passear! Gosto de passear. Ahhh, cinema, se possível. Gosto do meu tempinho em casa. Sou viciado em televisão, apesar que já fui um bocadinho mais. Agora já menos… ahhh, estar com os amigos. Beber um copinho de vez em quando. Ahhh, basicamente é isso. Estar com a família… basicamente é isso.
E amigos? Como é que é o teu grupo de amigos? Ou grupos? De nacionalidade variada? Identificas-te mais com algum tipo específico?
Dentro do meu grupo de amigos, a maior parte são todos como eu. Ahhh, descendentes de caboverdianos mas nascidos cá. É pessoal que… nós criámos juntos desde pequeninos… pronto! Há uns que… depois há sempre diferenças. Há uns que nós damo-nos mais do que outros, mas temos… pronto, tenho uma relação com todos. Somos assim um grupo… até por acaso tenho um grupo… nós temos um grupo, aqueles grupos fechados do chat do Messenger e não sei quê… eu por acaso não sou muito de estar a falar por aí, mas tenho um grupo que está constantemente... está sempre a falar. Falam de tudo e mais alguma coisa. Tipo às vezes o pessoal já nem… o pessoal encontra-se, né?! Mas mesmo que o pessoal não se encontrar tens ali aquele meio que o pessoal vai… ahhh, vai metendo as coisas em dia. Sim!
E até que ponto é que achas que o teu grupo de amigos influenciou o teu percurso?
Não! Não! Nesse aspecto não. Porque cada um tem o seu… tem a sua… tem o seu percurso bem distinto e que… pronto, não está muito ligado ao meu, a nível profissional.
Ok. E em termos de estudos também não? Não sentiste que algum deles tivesse…
Não! Não! Não!... Não, por acaso, não. A nível de estudos posso dizer que digamos não tenha assim nenhum tipo de ligação com o meu grupo de amigos.
E a tua escolha pelo desporto também não foi influenciada por ninguém? Sempre foi uma coisa que cresceu contigo?
Não, foi, foi minha! Foi minha! Sempre foi minha. Desde pequeno… pá, e pronto… foi minha e… eu tinha… o que também… o que me facilitou é que eu também tinha algum… tinha algum jeito. Tinha jeito e desde pequeno os meus professores diziam que eu tinha jeito para a área do desporto. E pronto, tendo jeito e gostando, pronto, era meio caminho andado. Sim, a nível do meu grupo de amigos temos uma ligação dentro da… no que diz respeito à minha área, que é… basicamente é o futebol. Nós jogamos à bola… tenho alguns que é… jogávamos e ainda hoje na brincadeira reunimo-nos que é para fazer… fazer uns jogos assim por… só por diversão. Mas só nesse sentido. De resto, não.
E tinhas-me falado em identidade, no facto de achares que eras caboverdiano antes e depois de estares lá sentires um bocado a estranheza de não te identificares assim tanto com o modo de estar das pessoas… ahhh, agora como é que te identificas… em termos de nacionalidade?
Não, na mesma.
Sentes-te caboverdiano?
Não. Sinto-me na mesma como antes. Antes de ir para… antes de ir para cabo-Verde.
Então identificas-te como caboverdiano, certo?
Ah, não! Desculpa! Esquece! Não, não, identifico-me como … ahhh, é assim, não posso… neste momento não posso dizer que me identifico como… como português… só… mais como português, porque quer queira quer não estive lá quase oito anos.. quase nove anos. Quer queira quer não mesmo… houve algumas coisas a nível de comportamento também que mudei. Por isso, quer queira quer não neste momento posso dizer que há aqui um misto das duas, né?! Portanto posso dizer que é mais um misto das duas, porque é assim, tu a partir do momento que estás oito anos dentro de um país acaba por ficar qualquer coisa, né?! Ainda mais tendo raízes. Por isso, posso dizer que está ali um misto. Apesar de, conforme os anos vão passando, aqui… vai diminuindo a parte que eu adquiri lá.
E como é que vês as características do povo caboverdiano? O que é que achas que se destaca mais?
Positivamente? Ou negativamente?
As duas.
É assim… o povo caboverdiano… Atenção! O povo caboverdiano que nós temos é distinto! Porque varia de ilha para ilha. Cada ilha tem um… tem… as pessoas têm uma determinada personalidade. Por isso, posso falar um pouco da minha… posso falar daquilo que eu tenho mais conhecimento, que é da ilha de São Vicente. Falando de uma forma geral, pronto, se calhar não te posso adiantar assim muito mais. De uma forma… é assim: de uma forma geral o povo… o caboverdiano de São Vicente (de uma forma geral, não quer dizer que são todos)… apesar que aqui também há muito… é muito assim, é pessoal muito… que olha muito para o… muito, muito para o umbigo. Ahhh, não há aquela camaradagem. O pessoal não é assim tão unido, por exemplo, como há noutras ilhas. É… são um bocadinho assim… como é que eu hei de dizer?! Posso dizer que há… um bocadinho arrogantes. Há pessoal que é… estou a falar de uma forma geral, é óbvio que dentro de… de muitas pessoas, varia, né?! Há muitas pessoas que… não são todas assim! Ahhh, há pessoal ali que é… é, como se costuma dizer, ahhh… o pessoal ali normalmente tem mais olhos do que barriga. Aquilo é um pessoal muito de viver o dia-a-dia, pá. Hoje há, amanhã se não houver, olha! Paciência! Arranja-se! O pessoal vive… é um pessoal muito festivo! Nem sei, de uma forma muito geral, acho que o caboverdiano em si, ahhh, mesmo nas dificuldades é um pessoal alegre! É alegre! Isso notas, por exemplo, tens o centro… falo… tens o pessoal que vive no centro, o pessoal que tem mais condições, né?! Depois o pessoal que vive nos arredores que é pessoal que tem menos condições, ahh, e que passam algumas dificuldades… mas notas que as pessoas… esse pessoal está sempre contente! É alegria o dia inteiro! Festas… é assim: é um país que não há dinheiro, mas para a festa aparece sempre! risos Não sei porquê?! Ahhh, e pronto, é um pouco… é um pouco assim.
E em termos de cultura? O que é que achaste?
Culturalmente é… São Vicente é das melhores ilhas. É conhecida pela… culturalmente é considerada das melhores ilhas. A nível musical, porque lá há muitos artistas de renome até a nível mundial, já ouviste falar na Cesária Évora. Cesária Évora é de São Vicente. A nível de arte, também é muito forte. Até mesmo a nível de teatro, eles têm bastante. Eles são… e mesmo eles criam muitas actividades nesse sentido. Chamam diversos grupos que é para ir à ilha para fazerem actuações. Eles são muito dinâmicos, nesse sentido.
E com que é que te identificaste mais? Do modo de estar dos caboverdianos? Isto por oposição ao que tinhas dito anteriormente… que te sentias um bocadinho desenquadrado…
No que é que eu me posso, ahh, identificar neste momento… É assim: eu quando digo enquadrar acho que até nem…se calhar só… se calhar nem nada de, de… nada em concreto. Ás vezes é só pelo facto de, ahhh, de lidares com eles, né?! Ahhh, pronto! Se calhar, huuummm… és capaz… começas a tentar percebê-los um bocadinho melhor. Acho que é mais nesse sentido. Não tanto de identificar com eles, mas mais uam questão de, de… entendê-los um bocadinho melhor anível de alguns comportamentos que eles possam ter. Não que me identifique. Porque sinceramente, ahhh, algo que eu me identifique neste momento com o pessoal de Cabo Verde, não… sinceramente… há! Não estou a dizer que não haja. Mas neste momento não me vou… não me salta assim nada à vista. 1:08:10 – E agora mudando de país… com os portugueses? Com o que é que te identificas mais com o modo de estar português?
Ahhh, com os portugueses… Já vamos voltar à velha questão que, pronto, nem toda a gente é igual, né?! Ahhh…
Ou melhor! Sim, vamos começar pelas características… o que é tu achas que são características dos portugueses?
Características, ahhh, dos portugueses. O povo… o povo português acho que é o povo que… acho que quando precisam mesmo eles unem-se. Acho que é um povo mais… aparentemente… é mais solidário do que parece. Sinceramente. E quando… e quando precisam, ahhh, eles unem-se que é para… para tentar fazer qualquer coisa. Acho que há alturas… já houve uma pequena alteração a nível de mentalidade. Acho que o povo português de agora já não é igual à mentalidade que eles tinham há uns anos atrás. Acho agora um povo mais aberto. Acho que há uns anos atrás era um povo, era um bocadinho… um bocado… um bocadinho fechados, né?! Um povo mais… um bocadinho egocêntricos, muito para dentro e agora acho que, pronto, quer queira quer não, acho que derivado também desta multiculturalidade que há agora, né?! Quer queira, quer não eles não têm por onde fugir. Se se viram para um lado dão com alguém de outra nacionalidade, viram-se para o outro… e acabam por risos… por ter que se adaptar. E às vezes… eu próprio digo que eles têm que se adaptar a uma nova realidade. Tanto é que hoje em dia vê-se a nível cultural, a nível da música… que eu fiquei admirado quando cheguei cá, como eu fui… antes de ir para Cabo Verde ias para as discotecas normalmente, ia para as discotecas era só pessoal africano. Quem ouvia música era só pessoal africano e neste ponto, quando chego aqui, o pessoal africano já não houve música africana. É óbvio que eu estou a exagerar, como é óbvio! Quer dizer, que isto hoje em dia parece que mais portugueses estão a ouvir música africana do que propriamente os africanos. Ahhh, epá! E isso tudo leva a que… uma maior mistura, né?! Neste momento já encontras casais de nacionalidades diferentes, coisa que há uns anos se calhar não se via. Logo aí nota-se que, pronto, qualquer coisa mudou, né?! Quer queira, quer não, acho que neste momento o português está com a mente mais, mais aberta. E nesse sentido, estou-me a identificar um pouco, ahhh, com eles, né?! Ahhh, acho que é um povo trabalhador. É óbvio, vamos falar de uma forma geral, há muita gente que de certeza que não está para aí muito virado, mas de uma forma geral acho que… acho que sim. Ahhh, humildes q.b., da mesma forma, estamos a falar de uma forma geral, porque é óbvio que há muita gente arrogante e por aí a fora, mas pronto, acho que estes aspectos que eu estou a dizer são alguns aspectos com que eu me identifico.
Ok. E culturalmente o que é que os teus pais te passaram de Cabo Verde? Ahhh, o que é que em casa dos teus pais se mantém da tradição de Cabo Verde?
Em casa fala-se crioulo, fala-se crioulo. Ahhh, eu fui o último a começar a falar crioulo…
Porque…
Pela simples razão… que é assim: eu morava no Barreiro… no Barreiro, ahhh… eu nasci no Barreiro. Morávamos num prédio, né?! Cidade, mais movimento, ali era casa-escola, escola-casa. Os meus irmãos mão saiam e eu ainda era novo também, é óbvio que não saía. E como eles não saiam muito, basicamente só iam à escola e só falavam português na escola, criaram aquele hábito de falar o crioulo em casa. Criaram esse hábito e começaram a falar. O que aconteceu foi que comigo já não aconteceu porque mudámos para a Quinta do Conde e a Quinta do Conde já é um espaço mais aberto. Não é cidade, não é?! Onde já podemos circular mais à vontade, as crianças já podem sair na rua, ahhh, e foi o que aconteceu. Eu saia muito na rua, para além de ir para a escola, vinha para casa, saía muito na rua, ficava ali à frente a brincar com os… com os meus amigos ali da… que eram portugueses, né?! Ou portugueses ou também como eu, mas também já falavam só português e apanhei aquele hábito de falar só português. Não criei o hábito de falar crioulo. Logo, mesmo em casa eles falavam crioulo, eles falavam crioulo comigo e eu falava… respondia em português. Por isso, foi… ahhh, não apanhei logo a língua. Ahhh, vim apanhar mais tarde. Vim apanhar mais tarde quando, ahhh… olha quando fui para o… fui para a Holanda. A primeira vez que fui para a Holanda… lá os caboverdianos falam só crioulo e até não percebem muito português lá. Que remédio, tive que começar a arranhar no… risos tive que começar a arranhar no crioulo. Ahhh, e depois daí lá comecei a falar um bocadinho, mas sempre muito pouco. E pronto! E era sempre gozado pelos meus irmãos. Ahhh, risos mas comecei a falar mais foi mesmo quando… quando fui para Cabo Verde. Comida, culturalmente também a comida ainda hoje está presente na mesa. Catchupa e por aí a fora. Música também! Mas a música… a música foi mais nós! Nós é que… nem foi propriamente os meus pais que nos incutiram “Ah, ouvir isto, aquilo…”. Não! Foi mais nosso. Nós fomos buscar de nós próprios.
E que valores é que achas que os teus pais te transmitiram que queres transmitir ao teu filho/filha?
Epá, acho que os melhores valores que podemos ter. Desde ser humilde, sinceros, ahhh, ajudar o próximo, que nós lá em casa… nós na nossa casa sempre fomos, ahhh… a nossa casa é a casa da família. Toda a gente que vinha de fora, toda a gente ia para lá. Ainda hoje é assim. Pessoal que vem de fora… não sei porquê. Há outros… há outros, porque nós temos outros familiares… por exemplo, em relação à minha irmã… à minha irmã… à minha mãe, ahhh, a minha mãe tem… tem outros irmãos a viver aqui, há outros irmãos que vivem fora mas, pronto, eles quando vêem para cá, vêem lá para casa. Porque pronto já têm aquele hábito, ahhh, desde… desde… já há muitos anos, né?! Logo desde… já é o hábito de sempre quem vem de fora vai lá para casa. Por isso, as pessoas já se sentem mais à vontade ali do que propriamente, ahhh, nas outras. Pronto, são… são… basicamente são esses os… alguns dos valores que os meus pais, ahhh, nos transmitiram. Fazer sempre o bem. Sempre nos indicaram o que é que era o certo e o que é que era o errado. Nós nunca… por exemplo, nós nunca.. nunca nos faltou… nunca nos faltou nada. Nunca nos faltou nada, mas também nós nunca fomos de… nunca fomos de esbanjar, nem, nem, nem de estar a dizer “Ah, nós queremos isto ou aquilo, ou…”. Foi sempre numa base de muita, muita… muita humildade. Sim, basicamente é isso.
E a educação? Farias igual?
Sim, sim. Sem dúvida! Ahhh, sem dúvida! Não, não, não vou… não vou negar isso. Tanto é que eu… tanto eu como os meus irmãos, ahhh, devemos muito a eles os dois. Tanto ao meu pai como à minha mãe.
Falaste-me de viagens… da Holanda… em que época é que foi, em que circunstâncias e por que países é que já andaste?
Ahhh, basicamente as viagens que eu fiz foi sempre numa de visitar família! O caboverdiano é um povo que tem família em todo o lado. E os países onde eu já estive basicamente nunca foi naquela de… intuito de ir… “Ah, vamos só viajar que é para ir conhecer…” O objectivo principal é ir ter com a família, é ir ver a família e depois… depois junta-se o útil ao agradável. Se estiveres em algum país onde haja alguma coisa para ver, muito bem. Nesse sentido estive na Holanda várias vezes. A última vez que estive na Holanda já foi há dez anos atrás. Foi quando o meu sobrinho nasceu, o mais velho. Ahhh, entre Luxemburgo, França, Bélgica, Espanha… sempre no mesmo sentido de… como temos família, vá!
E achas que essas viagens de alguma forma te transformaram? Te trouxeram alguma coisa de novo ou nem por isso?
Ahhh, não! Nem por isso, porque a maior parte delas ainda era muito pequeno… ainda era novo. Posso dizer que a última que eu fiz, que fui visitar a… na altura que fui conhecer o meu sobrinho, é que poderia, é que poderia ter marcado de alguma forma diferente… ahhh, mas não, não, não. Porque acho que… quando… é assim: quando tu não vais para umas férias numa de… mesmo numa de viagem, lazer… que é para ir visitar, acho que a coisa torna-se praticamente como estar a sair daqui para ir visitar o teu familiar ali a Lisboa. risos É um pouco isso. É completamente diferente se sais com alguém, se tens alguém e vocês dois juntos decidem “vamos fazer uma viagem para tal sítio”, já sítios diferentes, né?!... ahhh, onde te possa marcar mais, né?! Agora, pronto, foi numa fase… numa idade até onde eu encarava aquilo “olha, vou visitar família, pronto, não é aqui em Portugal, é noutro país!”. Por isso não deu para… para tirar mais do que…
Ok. Agora fala-me um bocadinho do sítio onde cresceste. Como é que era o ambiente, os vizinhos… Qual é a tua memória da tua infância nesse sentido?
O sítio onde cresci. Posso dizer… é assim: no Barreiro não tenho muito para contar porque ainda era muito novo. Depois mudei para a Quinta do Conde, nós morávamos numa rua onde éramos, ahhh… era engraçado, por acaso, eramos um grupo de… deixa ver 2, 4, 6, 8, 10… à volta de 12 rapazes e uma rapariga que era a única e era a minha irmã. Ahhh, nós criámos uma convivência muito forte ali. Posso dizer que nós estávamos sempre, praticamente todos os dias, ahhh, juntos. Principalmente ao fim-de-semana. E posso dizer que tive uma infância, uma infância feliz, aquela infância do antigamente, de brincar na rua, não havia essas histórias… que agora há playstations e não sei que mais. Era brincar na rua com aqueles brinquedos que existiam antigamente, ahhh, jogar muito à bola, ahhh, entrar no quintal para roubar fruta, ahh, do vizinho, ahhh, esse tipo de coisas risos. Mas foi, foi, foi… foi uma… posso considerar que foi uma… foi uma boa infância, uma infância feliz.
E em termos de vigilância parental, ahhh, os vizinhos ajudavam? Davam um olhinho pelos miúdos ou era uma coisa mais…
Nós todos do grupo! Sim, posso dizer que quando não era um, era outro. Quando não eram os pais de um, eram os pais do outro. Às vezes tal como, pronto, há aquelas casas onde nós íamos mais, mas ahhh, ahhh…mas basicamente nós recebíamos uma orientação basicamente ali de, de, de… da vizinha toda. Tanto é que era uma rua tão unida, ahhh, e que o pessoal dava-se tão bem, que há pessoal que… doutras ruas que vinham para ali porque gostavam daquela rua. Sentiam-se bem ali.Havia muita gente, ahhh, que saía de outras ruas e iam brincar para ali. Porque ali, pronto, arranjava-se sempre qualquer coisa para fazer.
E qual é a composição da zona em termos de nacionalidades? Maioritariamente portugueses?
Eram portugueses e eram… posso dizer metade eram portugueses, né?! E metade eram como eu. Posso dizer assim…
Huummhummm. Ok. E voltando um bocadinho à escola, queria que me dissesses como é que era o ambiente… disseste-me que tinhas ficado numa turma problemática…
Isso no 9º ano, sim.
No 9º ano… e qual era o ambiente da escola por onde passaste, em termos de composição também?
Desculpa?
Em termos de composição… se tinha muitos alunos de origem africana ou não?
Sim! Ahhh, a escola onde eu estive aqui na amora, muito… era uma escola problemática que tinha… ahhhh, como eu disse tinha ali a Quinta da Princesa, tinha a Arrentela, tinha arredores… havia ali muitos miúdos de, de… principalmente de origem caboverdiana e problemáticos. Tanto é… ahhh, eu posso te contar isto…
Podes contar tudo… risos
Aconteceu! Eu fiquei admirado! Um belo dia… epá, havia lá pessoal que era mesmo compli… epá, eram complicados. Tu notavas mesmo que, epá, o futuro… “este não vai ter assim um futuro, ahhh, muito risonho”. Havia lá um que era mesmo… olhávamos para o perfil dele, olhávamos para a cara… epá, “este aqui não engana ninguém!” Mas, pronto! Às vezes… eu era daqueles… por ser… apesar de não ser dali, mas por ser de origem caboverdiana tinha sorte. Para os outros, para as outras pessoas eu era um deles, né?!, e… e para eles eu passava por ser um deles porque, pronto, era… era… apesar de não ter o mesmo comportamento do que eles, eles, ahhh, pronto! Achavam que eu enquadrava-me. Ou pelo menos, achavam que “este aqui, deixa-o estar!” risos. Tanto é que houve um dia, ahh, na Quinta do Conde, fui a um sítio… uma casa de frangos, fui comprar, fui comprar frango, estava lá um jornal, o Correio da Manhã, e que engraçado, havia lá uma página que tinha o título “os dez mais procurados de Portugal”. E pronto, eu com curiosidade comecei a ver as fotografias dos putos, não é que eu encontrei lá um que… eu, “Oh, pronto, olha!”. Quer dizer, não fiquei muito admirado porque já sabia que o futuro do rapaz era mais ou menos aquele, mas pronto, era barra… como se costuma dizer, era barra pesada, era, sim. Tinha lá uns miúdos complicados.
Passaste por alguma situação ou soubeste de alguma situação que te tenha chocado?
Chocado?
Ou marcado de alguma forma?
Oh, pá… ahhh… aquelas coisas reco… Não, naquela altura ainda não acontecia assim nada de grave, era aquelas coisas recorrentes de… era de pessoal juntar e tirar as coisas aos outros “Dá cá, dá cá, dá cá!!! Dá-me isto e dá-me aquilo”… e pronto, basicamente é isso. Houve um torneio de futebol qualquer que por acaso convidaram-me que era para jogar na equipa deles, ahhh… o torneio de futebol tinha o arbitro, o arbitro também era um.. era um dos alunos, um aluno, né?!, pronto, não sei… houve lá um lance qualquer que o pessoal não gostou e epá, desataram lá aos pontapés ao coitado do miúdo. [som exclamativo], eu lá fui… lá tentei… “epá, não!”… parar mas esquece lá isso… E… e pronto, mas é esse tipo de situação. Não mais situações… com maior gravidade. Se calhar aconteceram depois… na escola… eles respeitavam um pouco a escola. Mesmo que fizessem alguma coisa, eles faziam mesmo era, era, era fora. Não sei, eu sabia que eles faziam… havia lá pessoal que fazia… cá fora faziam coisas piores. Assaltavam! Faziam mesmo assaltos a sério. Mas dentro da escola, não, não. E depois, pronto! Depois estamos a falar de… a falar de miúdos de… menores de idade. Pessoal com 16, 17 anos, ainda nem eram maiores de idade.
E preconceito em relação ao sítio onde moravas, em relação à escola, sei lá… ou à tua cor da pele… alguma vez sentiste alguma coisa em relação a ti ou a alguém que conhecesses?
Ah! Nesse aspecto, aconteceu! Pelo facto de andar naquela escola e por causa de ter este tom de pele [bate com o mão no braço], ahhh… mas eu era do bem, né?! Mas eu podia… chegou a acontecer comigo, eramos dois, por acaso tinha outro colega meu que é de origem caboverdiana, mas também super pacífico como eu… éramos capazes de estar a andar… estar a sair… estar a andar no passeio e epá, uns miúdos a ir para a escola, viam-nos a vir e eram capazes de passar para o outro lado do passeio porque pensavam que “olha, lá vêm estes dois aqui, vêm nos roubar!”, porque se calhar era o que acontecia. A situação normal eram outros, mas pronto! Ahhh, aconteceu… houve uma vez , ali… ali não, aqui na Quinta do Conde… há sempre… aconteceu uma vez ou outra “Ah, não sei quê!” de chamar nomes, chamar preto e não sei quê. Mas, ahhh, mas foi, foi… aconteceram-me poucas, poucas vezes. E por acaso uma dessas… risos, engraçado, uma dessas vezes tomei… passei-me dos carretos, saltei para cima do gajo, comecei… comecei ali a dar-lhe uns… sei lá, já nem me lembro se era socos, se era pontapés e não sei quê, depois tiveram que me agarrar e depois ele começou a chorar, pediu-me desculpa e pronto, olha, e ficou-se por ali. Foi enquanto era puto, né?! Devia ter os 13, 14. São coisas que eu me recordo.
Se calhar vamos fazer aqui uma pequena pausa…
Ainda falta muito? Pausa motivada pelo fecho do bar/ mudança para bancos da estação
Faz-te confusão agarrar um bocadinho só para estar mais perto [em relação ao gravador]?
Ah! Ok!
risos
Mas faz…
Faz?
Mas faz. Mas deixa, vá!
Consideras o povo português um povo racista?
Já foi mais, mas ainda é! Digamos, ahhh, eles… como é que eu hei de dizer, eles… huumm…
[tira o gravador] …para não te distraíres…
Ah! Não… não sei, ahhh, disfarçam um bocadinho, mas ainda são. Alguns pequenos pormenores que ainda temos que lidar, alguns pequenos comentários.
E achas que de alguma forma, em alguma situação isso influenciou o teu percurso?
Não! Não.
Oportuidades?
Não. Não. Creio que… era capaz… acho que isso é capaz de acontecer mais com as pessoas que vêm de fora. Com as pessoas que vêm de fora acredito que sim, mas se já nasceste cá, quer queira quer não, tu já nasces… nasces já habituado a uma determinada realidade e a conviver com eles daquela forma, por isso acho que isto não… não vai influenciar muito a tua maneira de… a tua maneira de ser.
E como é que te vês? Se tivesses que te descrever como é que te descrevias? Como pessoa…
Como pessoa? Sou má pessoa. Sou uma péssima pessoa risos. Não, agora a sério! Sou… ui, isso agora! Sou… por norma, tento… por norma, tento sempre fazer as coisas da minha forma. Tento sempre ajudar quem me pede ajuda da forma que posso. Sou uma pessoa humilde, pelo menos considero-me uma pessoa humilde. Por vezes sou sensível, apesar que às vezes as pessoas dizem que sou um bocadinho frio… sou mais de… por norma sou mais de ouvir do que falar, ahhh, não sou muito extrovertido, ahhh… mais?!
Defeitos? risos NA.: Defeitos? Não tenho defeitos! risos Ahhh, defeitos… sou… não era, mas às vezes por vezes sou um pouco confuso…
Em que sentido?
Em que sentido? De uma forma geral! Ás vezes… às vezes acho que as coisas estão bem de uma forma, às vezes acho que já não, já estão bem de outra forma, ahhh, isso levaa-me às vezes a não… leva-me às vezes a não… a não tomar a decisão certa. Sou… sabes que isto é… passar da hora… às vezes quando toca directamente a falar o… às vezes é mais complicado! risos… Sou, sou, sou… Pareço calmo, mas às vezes não… às vezes não sou. Stresso-me às vezes, mas é mais um stress interior, né?! Ahhh, às vezes fico com os nervos à flor da pele, mas só que em vez de mandar as coisas cá para fora, fico com as coisas cá para dentro e isso às vezes é do pior que há. pausa Sou teimoso em algumas coisas…
Isso é um defeito para ti?
Teimosia?! Às vezes é… às vezes é considerado, é considerado um defeito. Porquê? Tu és teimosa e achas que é uma virtude… risos
Dependendo da situação pode não ser… NA.: Pois! Exacto! Ahhh… mais?! Não me recordo assim mais logo à vista…
Ok. Planos para o futuro?
Planos para o futuro?! Planos para o futuro… Planos para o futuro é arranjar um emprego estável. Neste momento é o principal, para poder estabilizar, para poder… entre aspas, organizar a minha vida.
Ahhh… Sonhos não realizados? E que ainda queiras realizar…
Sonhos não realizados?! Se calhar fazer algumas viagens, por exemplo, que… que ainda não tive a possibilidade de fazer, a não ser por visitar família risos. Digamos que não tenho assim muitos, ahhh, não tenho assim muitos sonhos.
risos Consideras-te uma pessoa que faz planos ou não? NA.: Se faço planos?! Não.
Então o teu percurso foi todo circunstancial, ou seja, as coisas vão acontecendo?
Sim, tirando a parte… tirando a parte de… ahhh, a parte académica, o resto foi.
Ok. Acho que acabámos!
Está?!