Então tenho que dizer…
Introdução outra vez… risos
Então… o meu nome é NG, tenho 27 anos, sou licenciado e mestre em gestão…
Idade?
Já disse a idade, já está… tenho dois irmãos…
Idades?
O meu irmão tem 23, a minha irmã tem 17 anos.
Mais novos.
Sim, são mais novos. Tenho nacionalidade portuguesa, sou descendente de pai caboverdiano e mãe santomense, mas também ambos já estão legalizados…
E já agora porque é que os teus pais vieram para Portugal?
Os meus pais… o meu pai veio à procura de uma melhor condição de vida e depois já cá tinha os irmãos… veio com 16 anos, penso eu. E a minha mãe veio cá de férias, depois conheceu o meu pai e depois ficou. Porque o irmão da minha mãe morava ao lado do do meu pai. Depois a minha mãe foi ficando, mas veio cá só de férias.
Huuumhumm. E escolaridade dos teus pais?
O meu pai tem a antiga 4ª classe e é carpinteiro. Actualmente está emigrado em França. E a minha mãe tem o 9º ano e é agente familiar educativa.
E passamos se calhar… passamos se calhar ao percurso escolar. Vais ter que repetir, mas desculpa lá risos.
Não há problema! O meu percurso escolar… Iniciei… Comecei aqui no pré-escolar, dentro de uma escola do bairro, aminha mãe sendo agente de educação sempre teve o cuidado de eu nunca frequentar o mesmo… o mesmo ATL ou o mesmo… do que ela trabalhava, por isso andei numa creche lá em baixo, já fechou, depois fui para a Escola Alice Vieira, mas aí já frequentava as actividades aqui do Moinho da Juventude, frequentava o ATL até ao 4º ano. Do 4º ano fui para uma escola em Alfragide que é a Alice Vieira, da Alice Vieira fui para a João V na Damaia, e da Damaia fui para a Escola Secundária da Amadora.
Huummhuumm. Reprovações?
Reprovações tive uma no 5º ano e tive uma mudança de curso, também perdi um ano.
Ahhh, o que é que eu te perguntei há bocado… espera aí…
Nunca gostei dos estudos. Era uma coisa… nunca gostei. Via como uma obrigatoriedade.
Hábitos de estudo?
Muito poucos hábitos de estudo… Como é que se diz?! Não gostava de estudar, era na véspera, pega-se o livro, dá-se a leitura, vê-se a matéria, mas…
Apoios? NG.: A nível de apoios, até ao 4º ano tive aqui no ATL, mas a partir do 5º ano nunca tive apoio, só quando fui para… fazer o exame nacional de matemática é que tive explicações.
Professor marcante?
O único professor marcante que tive foi na escola João V que era um professor de Educação Física, também dado às crises características, como eu gostava muito de desporto e era um aluno bom em todas as actividades, ele depois queria me vocacionar muito “pá, tens que tirar o curso de professor de educação física!” e também porque me apoiou muito numa altura… não era injustiçado! Eu tinha direito a uma certa nota, mas a professora estava… não era um professora, duas professoras… estavam sempre a implicar e a tentar baixar a minha nota. Mas depois lá tudo correu bem.
Ahhh, porque é que achas que reprovaste no 5º ano?
Epá, é o choche do 5º… o choque do 5º ano, como se diz. O choque de andar numa escola longe, que eu tinha que apanhar o autocarro para ir para a escola, o não gostar de estudar e depois era as companhias e jogar à bola. Foi isso!
Ahhh, porque é que escolheste a área da gestão?
A área da Gestão… Eu no 12º gostava muito da parte da… estava a pensar mesmo… da Educação Física e … interrupção na gravação: entra alguém e faz uma pergunta ao entrevistado
… Agora está a gravar…
Depois… falando do porque é que preferi gestão… depois tenho um tio meu que actualmente está em Santomé, mas ele sempre foi muito bom nos estudos, começou inicialmente por ir para Itália tirar medicina, mas depois parou e voltou para Santomé porque o amor dele é a política e agora é… está envolvido na política. E numa das conversas com ele “ah, tens que ir para gestão! Gestão, gestão, gestão…”. Depois fez-me a cabeça e eu fui para gestão.
Se não estivesses em gestão, em que é que achas que estarias?
Ah, desporto! Talvez desporto. Ou era gestão ou era desporto. Eu não fazia mais nada. Não gostava!
E quais eram as disciplinas que gostavas mais e quais eram as que não gostavas?
Gostei sempre… as que gostava mais eram as de números, porque são… pá, eu gosto de tudo o que é lógico para mim… pá, e as que eu gostava menos eram as de filosofia e essas coisas. Tudo o que é para pensar… não é bem pensar, é divagar, como se diz! Não, nunca gostei.
És uma pessoa que faz planos?
Eu faço… faço planos, faço bastantes planos, mas também sou… como é que se diz?! Não é… muito realista e muito o momento, porque o momento é que faz depois o futuro também. Por isso, apesar de termos planos, mas temos que estar sempre direccionados para o presente.
E achas que o teu percurso escolar foi planeado?
O meu percurso escolar não foi nada planeado. Era um ano de cada vez, como se dizia, depois “ah, depois vejo o que vai dar!” A partir do 12º já foi planeado! Isso tudo! Porque eu entrei para uma faculdade privada. A partir daí tudo bem. Depois… estive na Lusíada em Lisboa. Dentro das privadas não é uma má, mas dentro daí depois para o mercado de trabalho é complicado arranjar… depois disso planeei que quando acabasse a licenciatura ia tirar logo o mestrado. Estive a procurar faculdades, aí já entrei no ISCTE e fiz o mestrado no ISCTE. Aí já tive o percurso todo planeado e profissionalmente e tudo até correu bem. Correu bastante bem.
E, ahhh, o que é que te levou a… a decidir ir para a universidade? Era uma coisa que sempre tinhas sonhado ou é influencia de alguém ou…?
No 10º ano… no 10º ano já pensava um bocadinho em ir, porque os meus colegas todos diziam que iam todos para a faculdade e tatata… e eu comecei a pensar: se calhar também é melhor ir porque senão o que é que eu ia fazer?! Ia acabar o 10º ano e ia ficar a fazer o quê? Acabar o 12º… Depois quando vi que todos estavam a ir e coiso, também fui na onda. Ah! E a minha mãe também, que aminha mãe foi logo: “ou vais para a faculdade ou…” trabalho ou não sei… por isso…
E a opção pelo privado também foi tua ou por algum motivo especial?
O privado foi opção e não foi opção… porque eu depois tinha, por erro meu, não verifiquei, mas tinha média de entrada numa faculdade pública. Pá, mas eu… estava-me a borrifar como se dizia, depois quando fui ver… já era tarde, pá, e para não ficar um ano parado, entrei… fiz a candidatura, entrei na Lusíada, pá, e depois correu-me bem o primeiro ano e não estava para me chatear para mudar, por isso mantive-me lá.
E porquê a Lusíada?
Porque dentro das escolhas das privadas, eu estive a analisar e era o que tinha, pá, a nível das matérias e das disciplinas… porque dentro da gestão, as várias faculdades mudam a metodologia, pá, e dentro das privadas era a que estava melhor situada a nível de saída profissional. Foi também um dos motivos.
E porque é que depois de acabares a licenciatura decidiste fazer mestrado?
Que era para ainda conseguir dar mais peso à… como é que se diz?!... ao meu currículo.
Foi a única… motivação ou tiveste também incentivo de alguém?
Não. Foi… A minha mãe dizia que achava que era importante eu fazer o mestrado, mas eu também achei que devia complementar o que aprendi na Lusíada com outro estabelecimento de ensino, que era para ver. Que existem diferenças… completamente! E o mestrado acho que é uma… uma boa preparação para o mercado de trabalho! Pá, e foi! Foi uma boa preparação, por isso…
E quando é que começaste a trabalhar?
Comecei a trabalhar… e quando é que eu comecei a trabalhar?! Isso é uma boa pergunta! Eu comecei a trabalhar… no Moinho… primeiro comecei aqui assim, mas como voluntariado. Estive aqui como voluntariado, dava aqui apoio na gestão dos projectos…
Com que idade?
Com… 18, 19 já! Já há muito tempo… Não! Comecei ainda antes aqui no voluntariado, que eu fazia as colónias de… de praia com os miúdos. Fui fazendo, fui fi ficando, ficando, depois fui voluntariado como tinha bastantes tempos mortos na faculdade e as aulas eram quase todas só de manhã no primeiro ano e comecei a fazer o voluntariado na secretaria. Pá, e fui gostando, fui fazendo, continuando, continuando, continuando… depois do voluntariado, quando estava a tirar o primeiro ano de mestrado não foi possível. Não, no primeiro ano de mestrado, já comecei aqui mais ou menos a part-time. Depois também perguntaram se eu queria apoiar mais e era um incentivo, uma maneiro do meu voluntariado passar a quase fixo, assim já sabiam que podiam contar comigo nesses dias e no meu primeiro ano em que estava a ter as disciplinas ainda estive aqui a meio tempo, que era duas vezes por semana. Depois quando tive a fazer a tese, a parte escrita da tese, já entrei aqui para um estágio profissional.
E desde então ficaste!
Desde então fiquei cá.
Não tiveste nenhum outro emprego?
Não. Acabei a tese em 2012. Desde então não tive nenhum outro emprego. Tive três convites, mas são coisas que eu não gosto, que era banca e auditoria. Era a Ernest ???, a Diloyd e a Caixa que ligaram para ver se eu queria fazer os testes. Mas como auditoria nunca gostei e banca muito menos, por isso…
risos É engraçado! Alguém que gosta de números não gostar de banca… risos
Não! Porque a questão da banca é ser caixa. Porque a questão é: eu podia entrar tanto podia ter a sorte de ser gestor de contas como podia ter o azar de ficar lá a receber os dinheiros e a dar o dinheiro às pessoas e a fazer os pagamentos. Isso é um… Pá, e sabemos que quem entra de novo tem que se sujeitar aos trabalhos… Pá, mas eu uma coisa que sempre disse, por acaso não me arrependo, isso… e que achei que foi muito importante ter vindo para aqui porque em termos de know how ganhei bastante. Porque já trabalhei aqui na área dos recursos humanos, na contabilidade, apoiei na gestão de projectos e agora estou a fazer a gestão de valências. Pá, então, em termos de visão global do mercado de trabalho para mim é bom.
Fala-me um bocadinho do trabalho que fazes aqui.
O trabalho que eu faço… Eu aqui tenho dois tempos distintos, tenho dois tipos de trabalho distintos. Um primeiro trabalho que é o apoio à direcção, que é tudo o que passa para comunicações, ahhh, existe algumas questões ou solicitações, eu vejo o e-mail da direcção, faço o agendamento para a reunião, e depois em conjunto com outra colega minha fazemos o memo que é uma… dos elementos da direcção que sabe o que é que…. Depois é responder aos e-mails, quando há festividades eu estou na ajuda na preparação e organização. Depois há outra parte que ocupa mais… que ocupa ou que deveria ocupar a maior parte do meu tempo que é a gestão das valências, que é o cálculo das mensalidades dos pais, é a questão financeira, ver como estão financeiramente as valências, se os pais andam a pagar as mensalidades ou não, é a gestão dos processos dos miúdos, é tudo o que tenha a ver com as valências, todo o tipo de trabalho, é a documentação toda, porque também sou responsável pelos sistemas de gestão da qualidade, tudo o que tenha a ver. E agora também, pela parte… em conjunto com as educadoras, do processo educativo. Também é uma coisa nova que eu ando a aprender.
E, ahhh, já sei que aqui fazem, normalmente, formações, não é?! O que é que achas que essas formações trazem a mais para ti?
Para mim trazem tudo a mais porque eu sou do sector… como é que se diz?! Eu sou da parte económica e estou aqui na parte educativa. Por isso, qualquer formação, tudo o que tenha a ver, estou sempre a aprender.
Huummhumm. E, ahhh, se não estivesses no Moinho onde é que te vias?
Possivelmente pelos convites que eu tive ou estava na Ernest Indian ou estava… agora estava… era um consultor ou um auditor.
E não tinhas nenhum sonho quando acabaste o curso, o mestrado principalmente? Não tinhas nenhum sonho de ir para algum sítio específico?
Eu por enquanto ainda não. Eu tive… como é que se diz?! O objectivo era pelo menos até aos 30 trabalhar aqui. Até aos 30 ainda estou na idade, por isso… e depois a partir dos 30 logo se vê também.
E pretendes continuar a estudar ou já não?
Não! Já não! Já não faço o doutoramento, não! E se fizer é muito mais tarde… porque, não sei… porque não tenho tema ainda ou qualquer coisa… não.
Ok. E hobbies? Depois desta parte toda…
Da parte profissional… Hobbies?! Eu jogo basquete ainda, no Queluz actualmente… gosto de ler, gosto do contacto com a natureza, pá, e como é que se diz?! Sou… Pá e gosto muito de comunicar, gosto de falar com as pessoas, de estar com as pessoas… são os meus principais hobbies.
Que tipo de leituras é que fazes?
Muito na área profissional e tudo o que tenha a ver… pá, aqui… se tiver que trabalhar aqui num tema, tento ir ver livros desses temas e inteirar-me do assunto.
E viagens?
Viagens! Isso… gosto de viajar, gosto. Muito, muito, nos últimos anos, principalmente nos últimos anos. Antigamente, quando era com os meus pais era muito… nem sei para onde é que eles iam, não é?!, era cá mais a nível nacional, Algarve, muito, muito a Europa, Portugal, Alemanha, França, Suécia… andámos por aí. E agora, ultimamente tenho ido mais para África… Senegal, não Senegal não! Quénia, Tanzânia, Zanzibar, Santomé… e agora tenho o objectivo de conhecer Cabo Verde.
E porquê esse interesse por África agora?
Primeiro é os meus genes e outra coisa que sempre pensei é: uma das formas de apoiarmos é irmos lá porque uma pessoa não faz a diferença, mas se todos pensarmos mais ou menos desta forma, vamos lá e ajudamos a impulsionar o… a economia. Sabemos que África precisa deste… Ent: E tens ido sempre de férias?
Sim, sempre de férias. Mas penso muito… um dia penso trabalhar em África. Por acaso, sim!
E tendo em conta que tens uma origem mista, vá, dois países diferentes… O que é que achas que herdaste de Cabo Verde e o que é que achas que herdaste de Santomé?
Deixa-me ver… talvez de Cabo Verde a parte impulsiva. Muito impulsivo. Mas depois de Santomé… a nível cultural, como eles dizem é muito leve, leve, mas eu acho que sou o oposto. E gosto… quando começo uma coisa, gosto de acabar o mais urgentemente possível. Se for preciso, tipo, acabar hoje. Pá e eu acho que de Santomé muito pouca coisa porque depois o meu tio e a minha mãe também não são assim, por isso… O que me foi transmitido e passado… porque eu depois já estive em Santomé também uma vez de férias… e o impacto daquilo é que é muito “deixa andar”, vamos devagar e é a grande diferença.
E como é que te vês em termos de identidade? Português, mais santomense, mais caboverdiano?
Pá, eu… vejo-me… português porque nasci cá e sempre vivi cá, tenho os hábitos daqui. Pá, mas tenho sempre também a minha cultura africana e sei lá! Então em termos alimentares gosto muito mais da comida africana do que da comida portuguesa. Ahhh, em termos da língua falo o crioulo também, por isso…
Mas ainda não conheces Cabo Verde…
Pois não! Estamos aqui, eu nasci na Cova da Moura, isto é uma pequena ilha quase, como se diz, onde se fala muito o crioulo e vivencia-se muito como se fosse Cabo Verde!
E diz-me aspectos positivos da cultura caboverdiana.
A comunicação, a alegria, a diversidade, a interajuda, o apoio…
E negativos?
Negativos?! Eu acho que nem é bem negativos, eu acho que é um bocadinho mais o que foi transmitido ou o que aconteceu, que é… que é, como se diz?!, muito agressivo e muito… tipo, os termos que dizem “o mão na mi faca na bó”, tipo essas coisas que é a nível da agressividade e que se nota que é um bocadinho… que tem a ver com o cultural. É o sangue quente!
E agora aspectos positivos e negativos da cultura santomense.
De Santomé… Olha, uma das coisas positivas por acaso é um povo amável, ahhh, muito calmo, amigo da natureza, eles têm muito a questão ambiental, retiram quase tudo da terra, é por isso o “leve, leve”, que quase não se trabalha lá, é porque a terra dá-lhes quase tudo. Negativo vai um bocadinho também na onda de… é um bocadinho isto, que é não trabalham hoje se não trabalharem amanhã também não há problema porque não passam fome, é o “deixa andar”. Porque é das poucas coisas que tenho, eu… é muito mau para o país porque o país não se desenvolve por causa de… desse “deixa andar” e desse “não é necessário trabalhar porque temos quase tudo”. É, são esses os pontos.
E agora a cultura portuguesa. Como é que vês a cultura portuguesa e em que parte é que te identificas com ela?
A cultura portuguesa… Pá, é um povo, como se diz, nós somos… pá, a descoberta. A parte da descoberta, dos descobridores… e eu gosto muito de conhecer novas coisas, de conhecer novas culturas, novas… novos países, tipo, gosto de andar! A parte negativa, negativa da cultura portuguesa… [interlúdio]… é um… acho que é um povo um bocadinho… não é… como é que se diz?!, agora está-me a faltar o termo, mas… não é rancoroso, mas é um bocadinho nesta, nesta onda, como as ex-colónias e essas coisas todas. Eu acho que isso ainda está um bocadinho enraizado, então nota-se um bocadinho ainda a…
Saudosista?
… não é o impacto, não é a distância com os africanos! Isso… não estou a dizer muito nesse sentido, mas o… um bocadinho a raiva de “Tiraste-me/tiraram-nos aquilo!” e… porque não se vêem que eles foram para lá e retiraram os africanos de lá, não é?! Principalmente na… em Angola e Cabo Verde e isso tudo. Acho que são os principais…
Já que pegamos um bocadinho na parte do racismo e de… vamos entrar um bocadinho por aí. Ahhh, já alguma vez assististe a algum episódio racista?
Há muito pouco tempo, estávamos na estação do… contra a violência policial, depois no final fiquei lá também com uns colegas meus e… eles, estavam lá penso eu policias à paisana, e tentavam… deviam andar a tentar identificar as pessoas todas. Pá, e de um momento para o outro foram-se meter com a única pessoa que não tinha documentação. Pá, não sei como é que descobriram, mas foi directamente, e aquilo… e depois ainda levaram para a esquadra e acusaram de roubo e um montão de coisas, mas depois não se conseguiu provar. Mas isso é claramente o agente… porque haviam brancos e pretos e foi logo claramente naquele e… e eu, pá, que eu me lembre nunca, nunca, nunca tive… pá, indirectamente na escola notava-se. Indirectamente, quer queiramos quer… ou não, nota-se um bocadinho porque nós sermos africanos e sermos melhores do que um aluno… um aluno português, em português, atão!!! Para a professora aquilo é… como é que se diz?! É um tabu! E eu tinha notas, tinha boas notas, não era?! Tinha 14s, 15s, mas tentava-me sempre… ela tentava-me sempre baixar notas e pronto… que não fazia os trabalhos de casa, que não fazia… E aí nota-se também um bocadinho o racismo entre o aluno preto e o aluno branco. Mas penso que isso esteja a mudar, a mudar um bocadinho. Porque o povo português é o povo que mais emigra. Eles não se podem esquecer disso.
E em relação a viveres na Cova da Moura, sentiste alguma discriminação?
Nunca senti porque eu… desde sempre, desde o primeiro momento, a primeira coisa que eu digo quando perguntam é logo, “pá, moro ali, que é ali e não é isso que me faz ser uma pessoa pior ou uma pessoa melhor!”. Pá, por isso não… nem dava… não é hipótese, mas não abria os campos a deixar as pessoas ir entrar por esse campo. Ent: E como é que foi viver aqui estes anos todos?
Aprendi muito! Aqui, isto acima de tudo a nível cultural é uma aprendizagem constante, aqui vive-se bastante na rua, que é o vivenciares a rua e… eu estava aqui na rua até às… até à meia-noite, se a minha mãe deixasse até à uma, com os meus primos a corrermos todos, a jogarmos à bola ou a fazer um montão de jogos. Mesmo com os videojogos em casa eu preferia estar na rua a fazer as coisas. Pá, e eu acho que aí aprendi muito mais do que estar ali duas, três horas dentro de casa… e os anticorpos que eu não devo ter ganho!
risos E achas que o bairro mudou desde a tua infância até agora?
O bairro… o, o, o… eu acho que o bairro tem um bocadinho alto… baixos e altos e baixos, altos… porque antigamente falava-se muito da criminalidade no bairro, depois houve uma altura que parou, não é?! Houve o boom da construção civil, as pessoas todas empregadas, as pessoas todas… houve muita procura também a nível das empregadas domésticas… isso tudo. Houve a crise, pá, as pessoas vão para o desemprego, muitas vezes isso pode originar… agravar a situação. Já é uma situação social fragilizada, quanto mais… ao nível social se está fragilizado para os outros, imagina para uma população que já é discriminada, já… antes mesmo de entrar para o mercado de trabalho, quanto mais agora em que nem há para… como eles dizem, nem há para os portugueses, quanto mais para os africanos. 00:25:45 – E como é que vês a percepção dos outros em relação à Cova da Moura?
Há pessoas que dizem logo “Criminalidade e isso tudo há em todo o sítio!”. Há uns que não! Que é, num primeiro momento vêem cá depois de conhecerem mudam. E há outros que nem querem vir cá porque acham que é por tabela! É tudo isto, é tudo aquilo! Mas isto tudo também… temos a comunicação social e os outros meios de comunicação têm toda a responsabilidade porque é a imagem que transmitem. Porque a imagem não foi criada de um milhão… não são dez milhões de pessoas que vieram cá à Cova da Moura conhecer, alguém teve de comunicar de uma forma para as pessoas ficarem a conhecer o bairro e conotá-lo de uma certa forma. Ent: E na tua relação com os colegas de escola… neste caso, colegas de trabalho, não, mas os colegas de escola… sentiste alguma interferência nesse sentido?
Não, não senti porque também, desde o primeiro momento, convidava logo para virem cá a casa comer catchupa ou uma comida africana e estava logo o assunto resolvido. Quem quisesse vir, tudo bem! Mas quem não quisesse vir também já ficava logo apresentado para mim. Por isso, isso era…
E, ahhh, deixa-me ver… quais são as vantagens e desvantagens de se viver na Cova da Moura?
A vantagem… posso… a facilidade com que chegamos às outras pessoas, o apoio que temos também das outras pessoas, pá, a qualidade… há qualidade de vida, parecendo que não, porque as casas são das próprias pessoas e isso tudo… não há que se preocupar com o barulho dos vizinhos, na maioria, porque isso mudou um bocadinho porque agora bastantes casas são alugadas mas… as desvantagens, é para mim… no meu entender, para muita gente vai ser o… quando forem para o mercado de trabalho ou quando forem para fora conseguirem se adaptar. Porque aqui também existe dois tipos de pessoas. Há pessoas que quase nunca saem do bairro, que vivem sempre no bairro e essas pessoas depois vão ter a questão da adaptação muito diferente, porque é um estilo de vida completamente diferente e quando vão para outro sítio é outro estilo de vida. Eu acho que também… que é mau, mas também é mau lá para fora. É mau das pessoas cá dentro, não fazem… eu como joguei basquete, sempre tive… era obrigado a estar muitas vezes fora do bairro. E aí tinha que me adaptar aos outros e a isso tudo. Mas muita gente que está aqui, não. Porque é “Ah, isto tem que ser assim, assim, assim…”. E quando são contrariados…
E falando em adaptação, como é que foi a tua adaptação à universidade? Acho que não cheguei a perguntar…
A onde?
À universidade!
A minha adaptação foi… foi fácil! Porque também foi na altura em que eu já estava, como é que era?! Modus estudante, não era?! 12º queria entrar, tatata, depois era a competitividade, pá, e eu entrei naquela da competitividade também, por isso, foi fácil conseguir.
E notaste diferença entre os professores do secundário e os professores da universidade, ou não?
Pá, não notei, mas era estranho. Eu era o… na minha turma… havia três turmas de gestão, acho eu. Três ou duas. Eu era o único preto da turma, pá, então aí… Pá, mas não se notava pelo professor. Eu se faltasse, sabiam que eu tinha faltado, não era?! Era a única coisa! Mas de risos… de discriminação não havia nada! E, pá, dava-me… por acaso dava-me super bem com os professores. Pá, convidavam-me para ir jogar à bola com eles e eu ia jogar futebol com os professores, e convidavam-me para os torneiros e, pá, e cá fora falava com eles e às vezes íamos para o bairro e até ia para o bairro com os professores… aí a nível de adaptação não há…
E achaste que o nível de exigência era maior, tiveste que estudar mais, ou não?
Pá, não, não, não era não estudar porque eu nunca fui muito de estudar. Eu acho que se nós estivermos atentos nas aulas, se estivermos atentos às aulas e fizermos minimamente os exercícios, pá, um ou dois dias de antecedência, depois dá para… para ir lá e fazer… tirar uma boa nota. Se não estamos lá, não temos bons apontamentos, e isso tudo, aí eu acho que tem que se estudar mais. Pá, e eu como os exames são todos uns em cima dos outros, foi sempre o que optei fazer, que era ter os apontamentos como deve ser, fazer as coisas todas como deve ser, apostei bastante nos trabalhos de grupo porque também contavam para a média, então tentava… tinha um bom grupo de trabalho, ficámos sempre do início ao fim, pá, e tínhamos sempre boas notas, por isso… 00:30:30 – Ok. E grupo de amigos? É um grupo diversificado ou mais homogéneo em termos de cultura?
O grupo é muito diversificado. Um dos… tenho vários grupos de amigos, como é que eu posso dizer?! Aqui… tenho amigos meus que são meus amigos do bairro, temos amigos em comum fora; tenho amigos meus que são só amigos meus aqui no bairro; pá, tenho amigos do Basquete em que, pá, têm todas as culturas desde chinês a guineenses, portugueses e isso tudo… pá, vai… vai-se adaptando consoante o local.
Com que grupo de amigos, com distinção cultural, é que te identificas mais?
Eu acho que é mais com caboverdianos, porque é com quem sempre lidei e é com quem sempre estive, por isso…
E em termos da cultura caboverdiana, o que é que ainda os teus pais mantêm em casa?
Da cultura caboverdiana… o meu pai agora já não está cá, está em França, não é?! Mas era o crioulo, não é?! O meu pai falava crioulo de vez em quando em casa, é… e é a gastronomia. Nós pelo menos uma vez por semana a minha mãe cozinha um prato típico.
E santomense? Também?
Também, também, também! O dialecto, não! O dialecto santomense eu não sei falar. A minha mãe percebe, não sei se também sabe falar, mas isso já não sei… que é o forro!
E que língua é que se fala em casa, geralmente?
Geralmente é o português. Mas depois, ou porque estamos sempre ao telefone com os meus primos (que os meus primos estão em França), aí já falamos mais o crioulo.
Por acaso não perguntei, mas tens filhos?
Não. Não.
Mas se tivesses pretendias passar-lhes tanto o crioulo como a parte mais cultural das tuas origens?
Eu acho que sim! Eu acho que ele aprender mais do que uma língua não faz mal nenhum! Trabalha mais o cérebro, não é?! Por isso, se ele quisesse aprender… também parte de cada um. Não posso impingir ao meu filho aprender uma coisa se ele não queira. Se ele demonstrar esse interesse, tudo bem. Se não…
E planos para o futuro? Onde é que te vês daqui a 10 anos?
Daqui a 10 anos… em África, talvez.
A viver?
A viver. A viver e a trabalhar!
Tens algum sonho específico relacionado com isso ou não?
Não! Penso que… vejo-me… não num país que não seja de… imagina… de CPLP, não é?! Ou Moçambique, Angola, Cabo Verde, Santomé… vejo-me nesses. Talvez África do Sul, Marrocos… assim esses países, vejo-me! Mas países mais para o outro lado, já não… não me vejo. Tipo Quénia, Tanzânia… não tive o impacto que eu tive no… não gostei. E culturalmente não dava. São… são culturas muito, muito fechadas. Não gostei.
E porque é que daqui a 10 anos querias ir para… para África?
Qualidade de vida. E depois é… tentar contribuir para a economia. E trabalhando lá é maneira de ajudar, acho eu…
Os teus pais têm também algum projecto de voltarem aos países ou não?
Devem ter. O meu pai está… tem uma casa em Cabo Verde, por isso… riso Deve ter algum… deve querer depois ficar lá, ou seis meses cá, seis meses lá quando se reformar. Mas é mais quando se reformar. Eu acho que é muito complicado porque depois quando têm já os filhos cá, têm os netos… É por isso que eu acho que é mais… vai ser sazonal.
E… ahhh, em Santomé, já estiveste, não é?! Em Santomé já estiveste, Cabo Verde é que não. Quando chegaste lá o que é que encontraste? O que é que te saltou assim aos olhos?
A primeira… pá, é uma terra verde! Depois… tem tudo o que gosto. Boa praia, bom peixe, boa comida… mas é um país que precisa muito de se desenvolver! Pá, e tem muitas potencialidades para desenvolver e não são aproveitadas.
Mas tinhas alguma ideia específica do que ias encontrar ou…?
Não! Porque vi uns vídeos antes e por isso já ia minimamente preparado e meu tio também já me tinha dito o que é que eu ia encontrar ou não, por isso…
Então não… em termos de ideia, não foi choque!
Não, não foi! Não foi! E eu até… Como o meu tio diz: existem vários níveis de sociedade. O meu tio está englobado no nível superior, não é?! Pá, e eu tinha… tenho outros familiares que estão no… completamente no outro lado da moeda. Tenho um primo meu que… mas está numa boa casa, tem isso tudo, mas… porque a casa era da minha avó, mas ainda não tem muitos rendimentos e isso tudo, mas depois está, como se diz, um bocadinho… pá, mas eu estive sempre nos dois lados. Ia comer num, ia comer no outro. Porque isso a mim não me faz diferença nenhuma! Estar ali e estar… estar em qualquer sítio é igual, como se diz! Desde que haja alegria e…
E esse… essa tua… ahhh, esse teu interesse por África, achas que vem dos teus pais ou é uma coisa que foi crescendo em ti?
eu acho que também vem um bocadinho dos meus pais porque sempre eles disseram… o meu pai, principalmente! Que era: se ele tivesse trabalho, uma boa qualidade de vida, ele não viria para cá. Pá, e logo aí nós ficamos a pensar… Pá, e depois é muito melhor a qualidade de vida lá do que cá. Isso para mim faz toda a diferença.
Quando falas de qualidade de vida estás a falar em termos monetários ou em termos de…?
Não só porque… como é que eu posso dizer?! O dinheiro não é tudo! O dinheiro para mim é importante, não é?! Mas não é tudo na vida! Eu se estivesse no sector finan… sector lucrativo, estava a ganhar muito mais do que estou a ganhar aqui, não é?! E não é isso que faz a… muita diferença. mas depois ao nível de uma pessoa psicologicamente estar bem, emocionalmente estar bem, como se diz, sem stress, legalize… é o termo!
E se tivesses que te descrever como pessoa como é que te descreverias?
Eu?! Sou chato! É!!! Por acaso está lá escrito: “Aturar o NG é…” risos Não! Sou chato, mas sou ambicioso; gosto de ajudar os outros; estou sempre disponível para apoiar; sou amigo dos meus amigos; não gosto de ter inimigos, não é?! E acho que não os tenho. Senão já não sei, não é?! Sou uma pessoa que gosto muito da parte física, do desporto; e depois gosto de estar muito… como é que é?! Sou uma pessoa que estou muito na minha, não é?! Não me chateio. Raramente! Para me chatear é preciso uma coisa… Aí!!! É preciso uma coisa muito séria. E gosto de viver a vida!
Ahhh… vou ver se… Acábamos!
Acabámos?! Então já está! Foi rápido!
riso Foi rápido!