Queria que me dissesses a idade? Escolaridade? Zona de Residência? E o mesmo para os Pais.
Então eu tenho 29... Mentira eu tenho 31 anos. Moro aqui na Buraca na Cova da Moura. A minha mãe tem 45 mora na Cova da Moura. O meu pai já não tenho contacto com ele já algum tempo. Está fora. Eu nasci em São Tomé. Tenho uma licenciatura em Professora do 1.º ciclo do ensino básico. De momento faço só as atividades extracurriculares e a coordenação do centro de atividades de tempos livres. A minha mãe tem o 9.º. Ano, estudou enfermagem naquele tempo. Quando veio para aqui exerceu durante alguns anos mas depois fez outras coisas, restauração limpeza e agora é ama. O meu pai quase não estudou, pelo que sei, deve ter a antiga 4ª classe, e pronto. Tenho dois irmãos da parte da mãe e dois da parte do pai. Da parte da mãe o meu irmão só estudou até ao 8º ano. Da parte da mãe a minha irmã esta agora a tirar a licenciatura. Da parte do meu pai tenho um irmão que está a estudar aqui em Portugal o 8º ano, e outro irmão que só fez até ao 12.º.
Filhos tens?
Tenho um filho de 2 anos.
Nacionalidade?
Nós somos São-Tomenses.
A origem da família é toda de São-Tomé?
É assim uma mistura grande, porque São-Tomé não era habitado, vieram pessoas de Cabo-verde, Angola, então a minha família esta espalhada um bocadinho por todo lado, mas a minha mãe, e meu pai e eu inclusive nascemos em São Tomé.
E viste para cá com que idade?
Com 2 anos de idade, ia fazer os 2.
E como foi o teu percurso?
O percurso escolar foi pode-se dizer normal. Fiz a escola primaria toda com sucesso, nunca repeti. A preparatória também. Depois no Secundário, mudei de escola de ambiente e de estrutura e chumbei no 7.º ano. Depois cheguei ao 9.º e não queria fazer nada, depois também chumbei. A minha mãe disse-me: olha a vida é assim ou estudas ou trabalhas? Então aí eu decidi estudar e fazer aminha licenciatura e perceber que a vida podia ter outro rumo.
Em que disciplinas tiveste mais dificuldades?
Eu acho que nunca tive muita dificuldade, eu tinha muita preguiça. Era mais maria vai com elas, gostava muito de jogar a bola, jogar com os rapazes na rua, e então nunca senti muitas dificuldades. Se calhar nas línguas, nunca foi muito o meu interesse, eu sou muito de informalidade, mas a nível de estar e falar com o outro, e não a nível de línguas porque a língua falada é mais testes, se calhar se fosse para conversas ou com estrutura diferente teria mais interesse, na altura não era. Acho que as maiores dificuldades foram as línguas.
E quais eram as que gostavas mais?
Sempre gostei de história, português e de educação física.
Como eram os teus hábitos de estudo?
Eu só comecei a ter hábitos de estudo no meu segundo 9.º na. Até la ia fazendo, não havia um rotina. A minha mãe sempre nos disse, a tua profissão agora é a escola, tu és estudante e vais-te organizar para aumentar. E então ela deixava-nos sempre ir. Ela dizia, se me chamarem à escola não é bom, pois não estás a cumprir com o teu papel, se não me chamarem estás a fazer, contudo tens de cumprir as regras da escola para estares em casa, senão tenho de te castigar por não cumprires o teu dever. E nesse sentido nós percebíamos, mas na altura não percebíamos tanto o queria dizer, mas era mais impor a responsabilidade e a estrutura de teres de fazer para de forma independente para depois poderes ver. A partir do meu segundo 9.º ano aí percebi que precisava de médias e precisava de estudar para ir para a faculdade, o que é que eu queria. Aí apliquei-me na escola, com rotina de estudo e organização, aí via a escola de maneira diferente.
Consideras que foi a tua mãe que te incentivou mais para estudo?
Sim porque foi ela que me explicou os cursos, quando eu chumbei, ou vais para esta vertente ou vais trabalhar. Porque o trabalho para quem não tem estudo o que existe é isto, é isso que tu queres? Se é isso que tu queres é isto que vais fazer. Se não é o que tu queres, está na altura de te aplicares. Acho que foi aí que fez o click, para pensarmos no que queremos e começarmos a ter objetivos. A minha mãe foi sempre muito liberal, mas sempre me explicou as coisas e isso fez-nos pensar sempre muito naquilo que queríamos e como lhe podíamos chegar. Ela foi um ponto essencial nesse sentido.
E os teus irmãos, tiveram alguma influencia no teu percurso?
Pouco, acho que fui eu mais influente neles, do que eles comigo. O meu irmão optou por não fazer mais, mas a estrutura foi sempre a mesma. A minha mãe dizia tu tens opção, porque eu não vou viver a tua vida por ti, tu tens opção. Portanto tu tens de agarrar nessa opção e fazer dela o que tu queres. Enquanto que com a minha irmã eu sempre estudei e ajudei o meu irmão também ainda no 5.º e 6.º ano, mas eu acho que fui mais influente neles do que eles comigo.
E a relação com os colegas e com os professores, como é que descreves?
Eu sempre me dei muito em com os colegas pois sempre fui muito reservada. Não tinha ninguém que me desse mal. Conflitos com professores também não me lembro de ter tido, assim no meu percurso todo. Tive uma professora do 7.º ano de português, em que eu me destacava porque todos os meus colegas eram caboverdianos, e a forma como, enquanto nós temos o português como língua materna, e falamos mesmo português, eles não, falam o crioulo e mesmo nas suas casas falam o crioulo. E ela não, achava que o meu português era o correto, como sempre tive boas notas a português tentava-lhe dizer que não era igual. Mas ela dizia que não vocês são todos iguais, e isso de dizer que somos todos iguais incomodava-me um bocadinho. Ainda hoje me cruzo com ela, pois mora aqui perto, e também é uma coisa que não se engole muito facilmente. Mas de uma forma geral, nunca tive assim nenhum conflito, tenho boas recordações. Tive um professor de EVT que me pôs numa prateleira de um armário, pois eu era muito magrinha e franzina, mas foi por um bom sentido pois foi para os colegas desenharem e coisa assim giras para brincar. Um professor de inglês que nos beliscava, para a gente dizer ai, e ele dizia olha afinal já sabes. Coisa assim engraçadas, mas nada assim muito marcante pelo menos comigo. Assisti a algumas coisas chatas na turma com alguns colegas, a forma de ir para a rua, a forma de falar com as pessoas, muitas vezes magoava um bocadinho mas no copto geral, nada.
E porque é que foste para a tua área curricular?
Isto aqui foi muito complicado, no inicio queria ir para psicologia, mas depois achava que não estava suficientemente perto das pessoas. Depois fui estudando, como enfermagem, mas na minha família há muitos enfermeiros, muito na área da medicina, só que achava que não era o meu forte. Então quando foi a altura de optar, gosto de ensinar, mas não sendo eu para estar a transmitir, mas acho que consigo criar um elo de transmissão e perceber melhor as pessoas, então fiquei indecisa entre serviço social e professora de 1º ciclo, não tem nada a haver. Mas entretanto consegui trabalhar numa escola, e optei então por seguir professora do 1.º CEB. Mas pensando bem, devia ter seguido o serviço social porque é o que faço mesmo risos. Eu acabo por fazer muito trabalho de serviço social mesmo no trabalho em que estou hoje. Mas estou muito contente com o meu curso e deu-me valores muito bons e consigo transmitir aos alunos com quem trabalho aquilo que quero e o patamar que gosto. Fiquei indecisa, fiquei a trabalhar e disse vou para professora de 1.º ciclo. Quando chegou a altura de me candidatar, candidatei-me entrei e estudei.
Como foi a transição do secundário para a universidade?
Foi muito fácil, a minha pior transição foi do 6.º para o 7.º ano, foi um choque muito grande. Nós vínhamos todos juntos desde a primária ate ao 6.º, tínhamos um grupo de amigos muito bons, e depois mudaram-me para uma turma de repetentes e de gente muito violenta, eu acho que era na maneira de falar e de estar que chocou muito com a minha, pois eu vinha ali da Damaia e vinha estudar aqui em cima. Apesar da escola ficar na Damaia, ficava mais perto do bairro, havia um entrar e sair de gente muito mais fluente, daquilo que estava habituada até então. Fui um choque muito grande, pois nem percebia porque ia às aulas, por isso é que eu chumbei. Depois do 12.º para o ensino superior, eu queria fazer e tinha a noção que queria estudar isso, então tava ali para conseguir. Não foi muito custoso, foi mais porque estava ali para conseguir, eu vou seguir e consegui.
Em termos de professores também sentiste uma grande diferença?
Eu não perdia muito tempo com isso pois tralhava e estudava. Então acho que não perdi muito tempo. Era muito ir e fazer, pois o meu curso era muito pratico. Tentei ali equacionar e estruturar as coisas. Havia ali alguns conflitos, porque eramos no tronco comum mais turmas ali, só que eu estive sempre muito preparada.
E tiveste algum apoio durante o teu percurso de estudante?
Eu pedi mas não foi consegui. Eu fiz pedido na minha embaixada, na altura ainda não tinha conseguido a documentação portuguesa, mas não me deram. Entretanto trabalhei e ajudei a minha mãe a ir a São Tomé e Príncipe, para ela poder tratar da minha documentação, pois precisava documentos de lá e não conseguia, e ela conseguiu nacionalizar-me, mas fez o pedido e veio embora. Então tive de trabalhar e estudar.
Então tens nacionalidade portuguesa?
Tenho.
Deram-te a nacionalidade automaticamente ou…
Não, foi um risco muito grande. Deram-me a nacionalidade mais pois fui representar Portugal na Palestina a nível da dança, e aí consegui obtê-la. Mas antes disso já tinha uns três anos a tentar e havia sempre uma documentação que faltava, ou precisava qualquer coisa da terra. Foi o problema do meu nome, pois o meu nome não estava corretamente escrito lá nas centrais e aqui estava de outra forma. Todos os documentos que eu tinha estavam da forma que me assinaram, então tive de ir lá fazer o registo novamente. A minha mãe foi com uma procuração pois ir daqui para São Tomé ainda é um preço grande. Então foi uma luta grande, porque eu com a embaixada de São Tome nunca conseguia as coisas, eu na altura se queria estudar era porque realmente precisava, como não tive como tive mesmo de trabalhar e estudar. A minha nacionalidade foi uma coisa muito estupida, numa semana tinha o bilhete de identidade e na outra já tinha o cartão de residência, porque a companhia com quem estava a trabalhar na altura ao nível da dança estava a tratar das coias para podermos ir para fora, e como ainda tínhamos algum tempo, eles disseram: tu podes ir como portuguesa então vamos aqui tratar do BI, então consegui obter, se calhar faz parte do sistema daqui. Foi frustrante quando o recebi e digo até hoje, porque me senti magoada, pois não foi pela minha necessidade, mas sim por representar um país que não me reconheceu quando era necessário, e isso deixa as pessoas magoadas e ressentidas. Porque eu tive durante três anos a tentar para poder entra na faculdade, e não esta a trabalhar e a estudar, e não consegui tanto pelo meu país de origem como daqui, pois eu estou aqui desde os dois anos e considerava-me portuguesa, tanto ao nível de aprovar a minha escolaridade e do curso, e podia ter uma estrutura diferente, mas não tiveram de vir outros dizerem se tu podes fazer isso a gente vai tentar ultrapassar isso, e conseguiram, mas isso deixa-nos um bocadinho magoados, mas pronto.
Os teus pais tem nacionalidade portuguesa?
A minha mãe também teve mais tarde. Teve um bocadinho antes de mim, mas durante muito tempo não tiveram.
Os teus irmãos também conseguiram?
O meu irmão mais novo, como a lei na altura permitia, ele já teve desde sempre. E a minha irmã também depois conseguiu. Atualmente já temos todos, mas foi uma luta. Ainda fomos ao SEF muitas vezes, para comprovar a residência, aquelas filas infernais. Tínhamos de fazer o cartão no consulado pois precisávamos da documentação mesmo para podermos estudar. Pois se não tivéssemos a documentação em dia também não podíamos estudar naquela altura.
Com que idade começas-te a trabalhar?
Eu comecei a trabalhar com 16 anos, por opção minha um biscate aqui ou ali e ia fazendo. Mas sempre por opção minha, cuidava de uma criança, ou como eu sempre gostei da parte a da dança, fazia assim algumas aulas. Tentei apoiar uma instituição e um grupo de jovens com voluntariado, fazia algumas horas em alguns sítios.
Desde que começaste até agora quais os tipos de trabalhos que fizeste?
Eu trabalhei como ama de meninos numas 4 ou 5 casa diferentes, acima de tudo nas férias. Depois trabalhei com externatos. Trabalho na instituição desde 2007 e trabalhei em mais duas escolas. Foi tudo o que tenho feito em paralelo. Eu fiz o estágio profissional aqui na associação e fiquei. Mas como o nosso horário é muito tardio, é do 12.30 às 20.00H, os miúdos estão naquela faixa etária em que estão mais aqui ao final do dia, eu sempre tive disponibilidade de manha. Então fui sempre fazendo qualquer coisa paralela na minha área de interesse que é a dança ao mesmo tempo com crianças, ou senão nas férias, no meu período de férias também costumo fazer alguma coisa no centro social. Não sei 5 ou 6 trabalhos diferentes.
O que é que te motivou a trabalhar?
Foi a independência. Não a independência financeira, mas a situação de eu poder estar a fazer por mim, eu acho que foi mais isso. Quando eu perguntei à minha mãe se podia, ele disse que podes, claro que podes. Quanto tudo não te esqueças que o estudo vem em primeiro lugar e se tu queres começar a trabalhar, não podes chumbar, é a nossa regra. E foi nesse sentido que comecei a ter responsabilidade, e a perceber que se quisesse fazer até podia, e fui fazendo.
E o ambiente de trabalho?
Houve trabalhos em que entrava e saía. Estava no meu espaço com os miúdos, depois quando entrava a outra colega saia, portanto não tinha muita ligação. Há outros que tive uma boa relação, tenho uns bons colegas de parceria, de amizade em conjunto, vamos a formações e estamos juntos fora do trabalho, por isso também posso dizer que isso tem sido muito positivo.
O teu grupo de amigos?
É muito complicado pois tenho muitos grupos de amigos. Tenho o grupo de amigos do Moinho da Juventude, grupo de amigos que saímos e passamos mais tempo fora. Depois o grupo de amigos dos colegas que fizeram connosco o secundário, ainda nos contactamos. Depois tenho o grupo dos que fizeram comigo a universidade. Vai-se diversificando. Temos o grupo de amigos dos miúdos da rua, em que grande parte está fora agora, mas que vamos estando juntos uma vez por ano e tentamos fazer alguma coisa. Tenho bons amigos, e como costumo dizer não precisão de ser muitos mas são bons, daí é muito diversificado com pessoas de varias origens. Depois tenho os amigos familiares, que também são muito importantes e fazem de nos uma estrutura muito coesa.
Consideras eu os teus amigos tem alguma influencia na formação da tua pessoa?
Tiveram. Eu quando vim para a faculdade perdi muitos, pois a prioridade deles era muito o trabalho, assim que fizéssemos o 12º tínhamos de trabalhar. Então durante muito tempo eu vi muita gente a conseguir-se fazer-se na vida mais depressa, mas sentia que perdia muito tempo na escola, já não tinha idade para estar ali tanto tempo. Mas a minha mãe sempre me motivou, o percurso deve ser o que estás a fazer não o que os outros estão a fazer. Nesse sentido arranja-se novos amigos, tenta-se construir doutra forma e aí houve uma transição ao nível da amizade.
E Hobbies?
Os meus hobbies são a dança. E agora alguma atividade física como o jiu-jitsu. Sempre fui muito dependente de atividade física, a dança foi uma atividade que foi crescendo e comecei a ficar mais autodidata. Depois fui tirar um curso de dança na comunidade e tenho feito trabalhos paralelos constantemente. Dou aula de zumba a um grupo de pessoas mais crescidas. Dou aula de dança criativa a meninos dos 3 aos 13 anos. Nesse sentido vou trabalhando com o meu hobbie de forma a formar-me e a poder partilhar um bocadinho com o outro. O Jiu-jitsu foi uma coisa que apareceu recentemente e que tem corrido bem, tenho gostado. É uma coisa também nova a nível de desporto. O deporto é mais para mim tinha de ser tudo o que fosse ritmo, e agora uma disciplina e mais rigor físico conseguimos ruido.
ruido Cultivas alguns hábitos de leitura?
Tenho de manter-me. Eu leio muito, mais por interesses de autor. Se tiver um interesse agora na questão de género por exemplo, vou a procura de livros que me esclareçam nesse sentido. Eu acho que faço muito pela necessidade que eu tenho. ruido Leio muito e também outra das atividades extracurriculares que faço no dia-a-dia é estimular os miúdos para a leitura e para a criatividade. Por isso leio muitos livros infantis e infantojuvenis, para tirar de lá a moral da história e incentivar os miúdos a leitura. Depois coisas mais científicas ou mais estruturantes faço-as por necessidade de perceber mais alguma coisa ou de acompanhar noutro sentido.
E identidade fala-me um bocadinho de como te vês hoje em dia? Sentes-te portuguesa ou Santomense?
Olha isto é uma coisa muito complicada, porque a nossa cultura, os nossos familiares têm uma coisa muito rica que é saber transmitir. Eu não fui a São Tomé, mas conheço todos os sabores, todas as semanas sentamos à mesa em família e dançamos e falamos. Eu não falo muito bem o dialeto mas já entendo muito, e são coisas que ficam e que marcam. A mim se me aparece uma jaca ou fruta pão à frente, coisas típicas também não sei identificar ou comer, pois é uma coisa usual em casa. E então isso faz com que tu te identifiques, por mais longe que esteja ou pouco conhecimento que tenha da minha terra. Tenho mesmo pouco, mas se tudo correr bem é mesmo desta que vou. Mas ao mesmo tempo não posso ignorar o facto de estar em Portugal há tanto tempo, ter feito aqui a escolas, os amigos, ter feito aqui tudo inclusive o cartão do cidadão. Mas é engraçado como consigo estar mais próximo com a cultura de São Tomé do que com a portuguesa, que é muitas vezes escondida, não é transparente e não muito transmitida tão pontualmente. Faz-nos ter uma identidade dupla. Como costumo dizer, sonos somos, neste caso eu não nasci cá, mas há muitos amigos meus que nasceram cá e também são, mas a nível cultural estão mais identificados com a outra parte.
E que aspeto acabas por salientar na cultura são-tomense?
A comida, o dialeto, as danças, as brincadeiras, o contar histórias que temem é uma coisa muito prática de família, que também é um hábito de contar histórias e falar um bocadinho da vida. Há muitas coisas positivas. Depois há a leveza da vida em que podes correr à vontade, mas o que é teu vai chegar, e se tens de faze-lo bem feito ou ter tempo para, e saber que tens de ter um objetivo, em vez de estarmos sempre nesta corrida de ir trabalhar e correr para apanhar o comboio para ir buscar o filho, que é uma vida muito pesada e as vezes não se aproveita. Mas paramos para ir fazer um picnic, nós paramos para conviver em família, nós paramos porque a prima de não sei ponde veio. Acho que isso só na cultura é que se vive, é que se sente e é muito positivo.
E aspetos negativos?
A lentidão das coisas. O meu povo é muito lento, o meu povo é muito parado, muito leva-leva, como se costuma dizer e depois de muito deixar anda e isso incomoda-me.
Qual é que achas que é a maior diferença entre a cultura são-tomense e a cultura portuguesa?
Acho que é no corre-corre da vida, acho que acima de tudo é isso. É o facto de enquanto a cultura são-tomense tem um tempo para o amigo, para o vizinho, para a família. Na cultura portuguesa cada vez menos vemos isso. Eu vejo os meus vizinhos quando vou a reuniões de condomínio não é, e na rua da minha mãe que ainda vive essa cultura, eles estão sentados todos os domingos juntos depois da missa, são capazes de ter a rua toda ali em conjunto, e isso é uma diferença muito grande pois é uma coisa que se vive.
Aspetos positivos da cultura portuguesa?
Sim aspetos positivos, o que há de positivos é essa transição, essa troca de culturas muito existente, não é. Eu por exemplo gosto muito de ir ao Porto pela identidade que ele tem, nos lisboetas vê-se menos, vê-se mais uma mistura e não se percebe quem é quem. Mas quando estamos mais no norte ou em Espinho, por exemplo, a cultura está ali, é ir buscar o peixe e perceber como eles falam uns com os outros nesse sentido de vizinhança que as grandes cidades deixaram de ter. Eu acho que é a partilha e a receção, o estar disponível para receber, são aspetos positivos.
Como é que descreves o ser São-tomense?
Ser São-tomense é … acima de tudo ser uma pessoa que gosta de viver. Tem prazer, literalmente em comer, coisas típicas, em comer muita fruta, muitas coisas da terra. E em estar com o outro, eu acho que é muito importante para nós estar com o outro.
Que valores ou tradições foram incutidos pela tua família?
Eu acho que todos. A minha mãe teve sempre muitas regras connosco. Quando saia da escola tinha 10 minutos para chegar a casa. Estudava literalmente perto, até um dia que decidi ir estudar para Setúbal, para não passar a ter horas para chegar a casa. Ela chegava e dividia mensalmente um valor, e decidia a tua mensalidade é esta, se acabar acabou, tu é que não soubeste gerir. Foi sempre muito liberal mas deu-nos sempre objetivos claros, e fazer-nos ver a vida como ela é. Eu acho que os grandes valores foram estes. Foi pensarmos, termos objetivos e sabermos que se quisermos fazer nos conseguimos, basta nós querermos um bocadinho. Depois há o respeito, a humildade, o cuidar do outro, o estar preocupado com o outro, mesmo que seja só por perguntar, como é que está este ou aquele. Acho que são valores que ficaram.
Que tradições .. que se mantêm em casa?
A reunião de família, as danças, agora mais a variedade musical que antes não havia tanta, acima de tudo acho que é isso. Há o comer, esta sempre presente também na mesa, em quase todas as ocasiões o prato típico é o calulu e não o bacalhau, comemos fruta-pão, comemos banana-pão, coisas assim do género e isso está sempre muito presente. Mas também comemos o bacalhau, uma dobrada, vai-se variando nesse sentido.
E a tua relação com a língua, sempre se adaptaram bem?
Sim, nós sempre falamos português. Mesmo a geração da minha mãe, também já falava o português. Em São Tomé falam o dialeto e o crioulo muitas vezes, mas eu já vim enraizada e sempre esteve presente o português. Começamos a ter troca, e nós mais novos começamos a perceber o dialeto em si, porque era realmente diferente, por nosso interesse. Por perceber que os mais velhos comunicavam assim, e podermos também perceber o que eles estavam a dizer. Aí fomos a procura e descobrir o que vizinho ensinava, e fomos lá aprender e trocar experiencias nesse sentido. Mas lá em casa sempre se falou português.
ruido Mas falar português sempre fez parte da tradição ou foi uma novidade?
Não sempre falaram. Lá em casa, mesmo em São Tomé já falavam português. Então não foi nada de novo. Se calhar há algumas palavras que a gente diz de forma diferente, também como a cultura em si, mas não foi nada novo.
Como é que descreves o sítio onde cresceste?
Eu, deixa cá ver. Eu descrevo como um sítio liberto, um, sitio livre, de alegria, onde sempre houve muita vizinhança. Onde saia para dormir na casa da vizinha da frente. Onde sempre tivemos as portas abertas, onde estivemos sempre à vontade porque tínhamos sempre alguém que olhasse por nós, mesmo não sendo uma pessoa que estivesse lá em casa. Brincamos sempre até as tantas, principalmente no verão, fazemos muitas brincadeiras na rua. Não sei o que é que posso dizer.
Sentiste alguma discriminação ao sitio onde viveste?
Sim já senti, mas é o que costumo dizer. Eu cresci na Cova da Moura, andei um bocadinho pelos bairros todos, vivi na Reboleira, vivi na Damaia, vim para a Cova da Moura, e comecei a trabalhar em equipa para me integrar e por sentir que podia realmente fazer a diferença naquilo que faço. Isso não quer dizer que seja menos do que alguém que trabalhe em Cascais, Odivelas ou noutros sítios porque eu também faço lá horas, também trabalho fora daqui e então posso dizer que há diferença. Há diferença uma interpretação que fazem da pessoa. Há diferença na maneira como falam com ela. E isso veja constantemente. Mas depois aí há a afirmação da pessoa, ou tu aceitas e baixas a cabeça, ou tu transformas isso em qualquer coisa de útil também para ti e para aprendizagem do outro. E é o que tenho tentado sempre dizer, eu optei por trabalhar na Cova da Moura, foi uma opção minha. Acabei o estagio, fizeram-me uma proposta e eu aceitei a proposta porque me fez sentido o que estava a fazer na altura. Mas não deixei de procurar coisas para fazer fora só por ter necessidade de desenvolver outras coisas, neste caso de praticar mais o meu hobbie, mas também por conhecer o mundo lá fora. Nós temos um problema, por vezes fechamo-nos muito porque aqui é assim, sentimos que fazemos parte de um todo e isso faz com que leve na brincadeira reações mais racistas, ou reações mais esta é mais uma da Cova da Moura. Ainda na semana passada estava vindo para aqui fazendo uma caminhada e havia um café que a porta trancou. Uma das senhoras disse: isso resolvia-se muito depressa se chamarmos um preto da Cova da Moura. Eu virei-me para ela e disse-lhe: sim, estou aqui eu, posso resolver… ah estava a brincar! E eu não vejo diferença pois o preto da Cova da Moura é o mesmo que está aqui na Reboleira. Eu estou aqui e vou para ali agora. Ela disse que era una brincadeira, era mais por causa daqueles vândalos. Então a vândala sou eu neste caso, porque eu sou de lá. Ai não fale assim, é daqueles… aqueles! Mas quais aqueles?! Quais são? Quem são? O que é que posso dizer?! A branca da Reboleira vem cá resolver isto daqui a bocado. Ai não diga isso que parece mal. Na sua boca não parece mal e na minha parece porquê? E é por as pessoas a pensar um bocadinho quando fazem comentários desnecessários. Acho que mais do que baixarmos a cabeça é mais levarmos as coias numa estrutura de vamos pensar sobre isso, vamos mexer um bocadinho com o outro lado porque eu sei que aquilo que disse também não soa bem, mas mais do que ofender, ou podia virar a cara e vir embora e fingir que não estava a ouvir, faz-me sentir que podia responder de uma forma inteligente. Portugal é um país bastante racista. Só que o racismo não está só nos portugueses para os outros, muitas vezes esta mesmo na nossa maneira de ser e havemos de superar isso. Mas eu considero que ainda é um país racista. Isso vê-se em pequenos olhares, em pequenos atos e comentários, em pequenas coisinhas que fazem toda a diferença.
ruido E tens conhecimento de algum caso de racismo violento?
Tenho conhecimento de alguns e também já assisti a alguns. Eu assisti à forma de atuação de policiais aqui dentro do bairro, e que dizem que somos todos pretos que não fazemos nada. A atitude que as pessoas têm perante um grupo, se eu tiver com cinco pessoas de cor e se tiver com pessoas brancas, há uma diferença muito grande na forma como te dirigem a palavra, da forma como te entendem a ti, e isso tudo são formas de racismo mesmo que não se o diga. Nós tivemos experiências muito boas, enquanto estive na coordenação do grupo de dança aqui na instituição, nós tivemos a oportunidade de sair com uma peça de dança que foi considerada a melhor performance de dança contemporânea na altura. Tivemos a oportunidade de ir ao CCB e depois fazer uma digressão por Portugal. E a reação era simples, mas são estes pretinhos do bairro que vieram fazer a atuação? E eu, não, são as bailarinas que vieram fazer uma performance. Somos um grupo de negras que veio dali, porque ao explicar a história e a estrutura das coisas, as pessoas não me veem como alguém que superou qualquer coisa, mas como, há estão a ajudar aqueles coitadinhos, passa muito por isso, e isso também é racismo. E o que nós tentamos fazer é o contrário, dar a volta nesse sentido. Eu fiz o curso que fiz por opção minha, e ao trabalhar aqui, trabalhamos porque temos competências para o fazer, neste contexto faz sentido. Se fosse outro contexto, já timos de adaptar a competência de outra forma, passa muito por aí também o racismo.
No teu percurso escolar ou profissional, alguma vez sentiste prejudicada?
Sim, nos primeiros anos quando procurei trabalho, eu dizia que era da Cova da Moura, e diziam que essa vaga já estava preenchida, literalmente. Depois tive uma colega, em ela não era bem minha colega, ela era irmã mais velha de um colega da minha irmã, morava aqui no bairro também e que foi na mesma entrevista do que eu, só que deu uma morada falsa. Conseguiu o trabalho, conseguiu o mesmo trabalho. Na altura eu estava mais qualificada, mas não consegui porque dei a morada verdadeira. Quando fui falar com a minha mãe sobre o assunto, ela disse: agora depende de ti, porque tu podes perfeitamente mentir, mas há um dia em que vais abrir a boca e falar e vais-te descair. Ou podes optar por aceitar e procurar outro. E isso fez-me pensar muito, porque havemos de esconder qualquer coisa se é a nossa realidade?! Não há necessidade. A partir daí, procurei, procurei, sempre dizendo a verdade para não cair no erro de vou fazer isto e ter o meu trabalho, mas estou sempre como pé atrás.
Vamos para o futuro, como te vês daqui a 10 anos?
Eu continuo a ver-me aqui. Eu agora brevemente quero ir a minha terra natal. Quero perceber como funciona o sistema do outro lado. Não quero lá estar, mas quero conhecer. Mas eu continuo a verme aqui e gosto muito do trabalho que faço atualmente. Aproximei-me da casa da minha mão com o meu filho pois eu morava em Sintra, e tive uma necessidade desta vizinhança e de ter uma cultura enraizada, de não ser só levá-lo à creche e trazê-lo à noite para dormir. Sentir alguém para poder partilhar fora disso. Então passei a morar cá a 10 metros do bairro, pela necessidade de deixar o meu filho na rua, de ele poder conviver com outras crianças e poder ter outras pessoas que olhem por ele, e não me vejo muito longe daqui, porque aqui há um sentido de comunidade. Durante os quatro anos que vivi em Sintra, eu chegava a dizer que quanto mais tarde for para casa melhor, porque eu não conheço lá ninguém. Se fores ao fim de semana ao parque vês uma ou outra pessoa, se fores as reuniões de condomínio vês um ou outro vizinho, mas fora disso não se veem, e isso faz muita diferença no meu estado de espirito. E eu pensei 50 vezes, eu agora vou ter um filho e não é isto que quero de todo, porque eu quero que ele possa ter as hipóteses que eu tive, passar por aquilo que eu passei. Se ele quiser um dia ir para fora que seja uma opção dele. E é nesse sentido, eu gosto de estar cá. Acho que há um verdadeiro sentido de comunidade. Há um trabalho feito por trás em termos de pessoas, há o conhecer o outro por aquilo que é acima de tudo e acho que isso faz diferença no ser humano.
Ainda pensas continuar a estudar?
Eu pensei em tirar o mestrado, mas depois nós começamos a ter outras preocupações, os pagamentos, a estrutura familiar, e agora tens de dar mais isto ao teu filho. Mas eu gostaria de estudar mais um bocadinho, ainda tenho de fazer um curso de inglês e o mestrado, gostaria de fazer isso tudo, e não está fora dos horizontes para daqui a 10 anos, nos temos sempre de evoluir, temos de querer sempre um bocadinho mais, é uma questão de organizar-me ainda.
Se não estivesses a trabalhar o que te vias a fazer?
É uma boa pergunta. Eu não me veria em casa porque fico doente por estar muito tempo em casa, tenho de estar sempre a fazer qualquer coisa. Eu não sei, mas acho que daria uma boa assistente social, não só para ajudar as pessoas, mas para perceber e educar no sentido de um todo, porque as pessoas as vezes tem tantos conhecimentos dos seus direitos e das coisas que devem ter e ir buscar um bocadinho desse conhecimento para partilhar com os outros. Não sei o que estaria a fazer mas teria de estar a fazer qualquer coisa.
Não tens nenhum sonho de infância que queiras realizar?
Não, eu gostaria de viajar muito. Acho que só se conhece-o outro pelas pessoas, estando com elas e falando com elas e convivendo. Isto é realmente o que me da prazer. Se eu pudesse eu viajava para ficar uma ou duas semanas numa cultura diferente e mergulhar nesse sentido de conhecer o ser humano, isso é o que me fascina.
Por falar em viagens, que países é que conheces?
Portugal, Espanha França, Holanda Inglaterra, Brasil, agora vou mergulhar um bocadinho por África. Acho que é tudo. Mas Portugal conheço dos pés a cabeça, já fui a todas as terriolas, acho que isso faz muita falta aos portugueses conhecerem Portugal, porque tem coisas muito bonitas. Tem muita riqueza cultural escondida, costumo dizer que está escondida porque as pessoas não falam sobre isso e não se vê. Quando andas um bocadinho por Portugal vês tanta coisa gira, e quando vais para fora encontras tão pouquinho, mas que dão tanto valor ao pouquinho que eles têm, que é engraçado. Eu gosto muito de estar com pessoas. Acho que isso é muito importante. Eu por exemplo fui à Baía e inseri-me numa comunidade, na altura estávamos nos santos populares e fui para uma escolinha fazer um voluntariado. Ver a importância que as pessoas dão, eles não embelezam por embelezar, mas a importância que dão ao festejo, ao sentido que fazem e cada criança conseguir explicar realmente as coisas, porque às vezes nos participamos e não sabemos o que é só estamos a participar, e acho que isso fascina-me.
As viagens que fizeste foram mais motivadas por trabalho ou por lazer?
Foi tudo por lazer, tudo por conhecimento. A da Holanda fui num intercâmbio, mas depois voltei lá para conhecer melhor aquela comunidade. Mas foi acima de tudo por lazer. Vou duas semanas para tentar conhecer um bocadinho o meio e encontrar um bocadinho o outro ser acho eu. E nesse sentido sempre que posso tento sempre que posso, tentando fazer qualquer coisa diferente.
E em que é que achas que ficaste mais rica por conhecer outro país?
Nós seres humanos temos muitos estereótipos. Quando fomos para o brasil, e decidimos ficar na casa de amigos que viviam na favela, a nossa ideia era se houver confusão, não sabemos bem como nos havemos de virar, não sabemos como é que vamos lidar com a situação, pois se tu vais para uma favela tem de haver confusão. Então é muito tentar perceber o outro lado sem estereótipos que veem já enraizados sobre a situação. O mesmo acontece aqui no bairro, pois as pessoas conhecem por aquilo que aparece na televisão, mas o positivo é pouco divulgado. Eu por exemplo vou trabalhar naquela escola, perceber que há uma comunidade muito forte caboverdiana, que fazem daquela cultura uma vida, muitos deles nasceram lá e falam mais o crioulo do que a própria língua de lá. É muito importante perceber até onde a cultura nos pode levar, até onde as pessoas querem ir e como é que podemos conviver. Eu não falava nada de inglês, não sentia necessidade toda a gente falava Crioulo e eu não falava muito bem crioulo, mas toda a gente me percebia lindamente, e isso é que é o importante, conseguirmos perceber o outro não pela língua, mas mais do que isso, pela cultura pelo que o outro transmite, pelo que o que aquilo grupo que está ali dá-nos, e eu saí sempre rica. Eu aprendi isto lá não sei a onde e acho que serve para alguma coisa. Quando tiver de dizer qualquer coisa ao outro ou pensar sobre alguma coisa, vou pensar cada sítio é diferente. Antes de falares começares a ouvir primeiro vais perceber melhor a pessoa e vais compreender como é que podes levar o barco, acho que acima de tudo tem sido assim.
Que valores e princípios queres transmitir ao teu filho?
A gente quer transmitir muita coisa, mas para não nos perdermos é melhor focarmos numa coisa de cada vez. Ele agora tem dois anos e esta num externato, e a nossa preocupação é dar cuidados básicos, dizer isto podes fazer isto não podes, mas acho que acima de tudo é dar-lhe o poder de decidir para poder escolher, porque muitas vezes é-nos cortada o direito de escolha sobre as coisas, é tudo muito imposto, eles têm de ir para a escola e fazem esta disciplina porque é esta que há. Não podem optar por outras porque não existem e terem receio de falar com um adulto porque não sabem até onde podem ir. Eu acho que é muito dar a liberdade para poder pensar e agir. A conduta também da sociedade ensina-nos a ter muitas regras, mas que ele se sinta a vontade para dizer as coisas e ter um objetivo de seguir qualquer coisa, acho que acima de tudo é isso. É muito fácil para nos dizer: não faças isso, ah isto está mal, do que, fizeste muito bem ou está correto, continua assim, são palavras que custam. mais a sair, porque ora não estamos virados para ali ou porque o negativo fala mais vezes. Eu e o meu companheiro falamos muitas vezes sobre isso, e realçar o positivo muitas vezes é algo que custa muito. E eu tenho trabalhado com ele muito nesse sentido. Nós nunca dizíamos a palavra não no início da vida dele, porque tentamos implementa-lo, vamos tentar não dizer: Martin isso não se faz ou está errado. E quando ele foi para a creche ele veio com a palavra não como se tivesse sido a primeira palavra que ele tinha aprendido, não, não, não senta aí, e isso faz-me tanta confusão, tanto não, porque depois de tanto trabalho que tive com ele para não dizer ou incentivar, ele só vinha nas primeiras semanas a dizer: não senta aí, não faz isto, não escreve aqui e eu começava a pensar que isto está tudo errado, em vez de incentivarmos os miúdos a fazerem algo positivo, estamos sempre na negativa. Eu acho que para que querem qualquer coisa eles também têm de perceber que tem um bocadinho de direito a escolha, mesmo que de vez em quando a escolha seja encaminhada para poderem refletir sobre as coisas. Eu quero que o meu filho seja educado, quero que ele tenha as suas próprias coisas, mas acima de tudo quero-lhe dar liberdade, para estar à vontade comigo e decidir as coisas consoante aquilo que ele acha. Porque muitas vezes aquilo que a gente acha nem está certo, mas se soubermos dizer ao outro, ouvirmos o outro vamos reformular. Nós conversamos muito sobre nada, ele gosta muito de falar e não fala nada, mas por exemplo esta semana ele veio com a frase cala a boca, e não se manda calar as pessoas. Cala a boca. Martin isso é feio. Não é não mãe, cala a boca. Até que ele possa perceber que não se pode dizer cala a boca ao outro ou que é feio estarmos a mandar os outros calarem, o que eu quero é que ele fale e possa dizer as cosias que pensa, é um processo complicado. Por isso é que eu prezo tanto que ele seja educado um bocadinho pela liberdade, pelo conceito de hoje eu errei, vou falar contigo de forma a que percebas, mas o erro vai servir de aprendizagem, mas do que um castigo ou palmada, que também tem de levar porque faz parte da vida, mas ao explicar. A minha mãe tinha uma coisa que marcava a todos, sentávamos os três irmão e chamava-nos. A minha mãe fazia assim, nos fizemos qualquer coisa mal ou saiamos sem autorização, sentava-nos a mesa e dizia: hoje eu vou-te bater, sabes porquê? Por isto e aquilo. E nós começávamos automaticamente a chorar, ela estava a falar com o meu irmão e nós chorávamos todos. Depois ela falava ou preparávamos psicologicamente para levar, e ele sai e nos levantávamos e íamos atras dela e dizíamos: mãe podes bater porque eu fiz mal e tive a consciência, às vezes nem era preciso ela dizer que nos ia bater porque já estávamos a punir. E acho que o importante era perceber isso, termos alguém para conversar e para estarmos a vontade e dizer as coisas e perceber realmente aquilo que estamos a fazer. Depois as regras todas, já temos uma sociedade cheia de regras e qualquer sitio que vamos está cheio de regras próprias que ele vai adquirindo. É claro que há comportamentos que ela tem de induzir e estruturas que a gente vai ter de colocar, e não é pera fácil pois o meu filho é cheio de atitude, mas é um desafio constante, acho que é o mais importante.
E achas que a educação que queres dar é parecida com a educação que tiveste?
É muito parecida porque, na altura não parece que faz sentido a educação que nós temos. A minha mãe trabalhou durante muito tempo e fui muito criada com a minha avó muitas horas, e nesse sentido tenho necessidade de estar mais tempo com ele. Eu tenho um horário até às 20.30 da noite o que me faz muita diferença a nível de estar com ele, depois deixamos muito para o fim de semana e o que acontece é que não é a mesma coisa. Depois começamos a exagerar naquilo que queremos fazer no fim de semana e temos de dosear. Então em termos de reflexão a minha mãe fez-nos pensar muito dobre as coisas que fazíamos e acho que isso queria deixar um bocadinho com o meu filho. Hoje a minha mãe é a minha melhor amiga e falo com ela sobre qualquer coisa porque ele sempre me deixou a vontade e acho que isso é importante. Depois é um objetivo é uma coisa que a minha mãe dizia: se tu queres luta, se tu não quiseres não vale a pena, porque a gente só consegue aquilo que realmente quer. E isto é uma coisa que ficou-me até hoje, acho que nesse sentido faz todo o sentido. Porque a vizinha disse que fiz isto, levava palmadas, por toda a coisa levava, pois faz parte da cultura dela daquilo que ela viveu e da aprendizagem, o que não quer dizer que os nossos miúdos não precisem de uma palmada, mas pode ser mais pensada do que dar a palmada. Podemos fazer e ver as coisas de outra forma e eles terem de pensar ou também escrever ou fazer qualquer coisa sobre a atitude que fizeram, do que nós chegarmos e estarmos a bater. Eu levava porrada por tudo, porque não ia despejar o lixo, porque a vizinha disse isto, chegava a noite e não limpávamos, era tudo. Mas não nos fez mal, era uma coisa que para nós era normal.
ruido Se não for indiscrição podes explicar porque achas que o teu pai não participou tanto na tua educação? (1H0m15s)
A minha mãe quando veio para aqui acho que foi porque separou-se com ele, separou-se. Eu conheci o meu pai tinha literalmente eu 12 ou 13 anos. Mas o que esteve presente muito foi aquelas relações de adolescentes, a minha mãe teve-me muito nova, e não deu certo e ela apostou a vir para cá e ele ficou lá, e criamo-nos de forma paralela.
Ela veio para cá com visto de trabalho?
Sim, sim ela veio trabalhar. Ela tinha acabado a escola e veio trabalhar. Eu falo com o meu pai não numa relação pai e filha, mas tenho contacto com ele, dou-me muito bem com os meus irmãos da parte do pai. Mas como nunca tivemos ligados também considero que seja uma coisa normal. Não vejo com magoa nem com, até porque a minha mãe fez muito bem os dois papeis. Ela sempre teve presente na nossa vida, como sou a mais velha, muito na medida em que, eu vou trabalhar esta noite mas eu preciso que vocês percebam porque é que vou trabalhar, preciso que vocês percebam. Nos sempre fomos um bocadinho o apoio dela, da sinceridade dela, no quotidiano, na estrutura familiar, via-se que não era realmente que ela tinha mas era a necessidade que tínhamos. E acho que nesse sentido também fez-nos crescer. Depois temos o avô, temos uma família grande, a minha mãe tem muitos irmãos. Vivemos com a minha avó, com o marido da minha avó e com os tios em baixo. Uma família sempre muito chegada, que eu sinceramente não senti falta de um pai, em que eu chega-se e pudesse dizer, sinto falta de um pai que me fez diferença na vida, mas se calhar fazia, mas eu como nunca fui habituada a ter a figura masculina, não considero que tenha sido um elo que eu perdi ou que realmente me faça falta. Mas por exemplo sinto que é essencial para o meu filho, e tamos a viver os três acho que faz muita diferença quando ele levanta e pergunta: então o pai já foi trabalhar? o pai ainda não veio?. Sente-se que é uma pessoa que está ali e está presente. Mas é como tudo, a mim esse elo foi cortado muito cedo, como não vivi com ele não sinto muita diferença.
E se tivesses de te definir como pessoa?
Sou uma fala barata, tenho um problema muito grande, durante muito tempo falava pouco depois comecei a falar muito e falo muito aquilo que penso e depois esqueço que a pessoa que está a minha frente pode não estar tão disponível para ouvir aquilo que vou dizer. É tentar mediar isso e tenho de me conter um bocadinho mais. Sou uma pessoa muito disponível para aprender e estar com as pessoas. Gosto muito de estar com as pessoas. Eu se fico um sábado em casa sozinha eu procuro ir para a rua e sentar num banco de jardim. Eu sinto necessidade de estar com o outro, faz-me mesmo muita falta de estar com pessoas e falar. Pronto nem sempre sou a pessoa mais simpática do mundo, quando estou cansada a minha cara transforma-se, mas sou muito comunicativa, gosto de passear de estar com as pessoas de brincar. Adoro trabalhar, pronto acho que sou isso.