Idade?
43 anos
Nacionalidade?
Caboverdiana.
Tem a portuguesa?
Tenho nacionalidade portuguesa por naturalização, que adquiri em 1996.
Naturalização?
É aqui Almada, Pragal, mesmo aqui largo de Armindo dos Santos.
Escolaridade?
Nós terminamos o 12º ano e fazíamos mais 6 anos de universidade. São cinco anos do curso filosofia teologia e mais um ano de pastoral portanto cinco mais um, tudo somado são seis anos. Hoje em dia está meio mudado pois quando sai havia aquela conversa mas agora já entrou esse processo de Bolonha. Eu terminei no ano 2000 e as coisas já mudaram muito desde lá até aqui, digo eu.
Eu acabei em 2006 e já tinha o processo de Bolonha com licenciaturas de três anos.
Eu não sei o que se ganhou com o processo de Bolonha mas pronto são sinais dos tempos, se calhar necessários também mas veio trazer mais confusão do que propriamente alguma mudança de fundo.
Pelo que sei tem muito a ver com as escolhas?
Sim mas de qualquer maneira, o processo são aqueles três anos, mas depois há a obrigação de pós graduação ou mestrado. Portanto a pessoa não pode ficar a pensar que despacho isto em três anos e estou safo, não é bem assim. Portanto vai dar ao mesmo. Agora em termos de custo não sei se ficou mais agilizado. Eu apanhei um sistema misto pois apanhei uma parte no sistema antigo e fiz uma parte no sistema novo, mas ficou uma coisa meio indefinida pois fui apanhada no meio.
Número de irmãos?
Nós somos 7, portanto são 3 rapazes e quatro raparigas.
Idades?
O mais novo já tem 34 anos, dá para ver mais ou menos que eu com 43, pelo meio há uns com trintas e muitos. Eu tenho dois mais novos do que eu.
E os outros são mais velhos certo?
Sim e eu já tenho 43.
Nacionalidade do Pai?
Caboverdiano
Nacionalidade da mãe?
Também, Caboverdiana e também tem o mesmo processo, portanto também tem nacionalidade portuguesa com naturalidade caboverdiana.
Escolaridade do Pai?
O meu Pai era operário fabril, trabalhava antigamente na SAPEC. Depois adquiriu a reforma por invalidez num acidente de trabalho e ficou assim, portanto desde 1991 que deixou de poder trabalhar, mas pronto adquiriu a sua reforma e está assim.
E a escolaridade dele?
A escolaridade do meu pai não sei bem dizer. Mas tem a antiga 4ª classe, ou deve estar por ai. A minha Mãe é que nunca andou na escola. A profissão é doméstica.
O que vos fez vir para Portugal?
Procura de melhores condições de vida. O meu pai veio para cá em 1969/70, naquele grande primeiro surto de migrações e nós viemos depois em 1978 a mãe e os filhos.
O pai quando veio já tinha trabalho?
Não o meu pai veio cá para se estabelecer, portanto arranjou casa, trabalho arranjou a sua estabilidade depois é que nos mandou a chamada “carta de chamada”. Nós viemos depois em novembro de 1978.
Agora queria que falasse um bocadinho de como é que foi o percurso escolar?
Eu lembro-me muito que o meu pai dizia: olha eu não tive grandes possibilidades de estudar e de me manter lá no estudo porque naquele tempo as coisas eram diferentes de hoje, mas vocês aqui em Portugal, foi logo a noticia que ele nos deu assim que chegamos, ai de vocês que não estudem e que não vinguem na vida, porque há aqueles que querendo não ponderam e vocês tem todas as condições para isso. Eu graças a Deus nunca tive grande dificuldade na escola na aprendizagem e tudo mais, a dificuldade maior foi mesmo de integração, porque nós fomos para um bairro onde só conheciam o meu pai … de repente viram aquela família a estender-se… pronto não foi fácil os primeiros tempos…mas pronto olha tivemos de crescer tudo direito sem problemas. Depois em termos de escola aquilo não era muito longe e pronto também fomos sempre muito bem acolhidos sem problemas de maior. Tenho um professor que ainda hoje me ficou na memória e no coração que era um professor muito interessado nos seus alunos, não só dentro do âmbito da escola, mas de vez em quando ia fazer uma visita ao bairro e ia la as casas para saber como nós vivíamos e a nossa realidade situada. E portanto foi um professor daqueles que nos enche as medidas. Ele de vez em quando vinha com o seu carro com artigos, fosse brinquedos, fosse roupas, alimentos que ele ia buscar não sei onde, e lá fazia um saco para cada um dos mais carenciados, porque ele via e ele ia tomando os seus apontamentos. Ele dizia não quero conversa, mas quando acabares as aulas este saco é para levares lá para casa. Eu emociono-me sempre que penso nesse professor. Mas pronto a gente vai cultivando aqueles ideais conforme vê, e isso é tão importante, e hoje em dia também há, tem que haver e é sempre por ai, porque o nosso trabalho de estafeta vai-se fazendo pois que recebe tem de saber dar, e pronto a vida assim tem valor e tem sentido, doutro modo não dá. É bom encontrar hoje uma criança ou jovem que possa dizer: quando eu crescer gostava de levar por diante os ideais deste pai deste professor deste médico que olhou por mim que cuidou de mim que me acompanhou que me expressou algo que eu sozinho não chegava lá. Portanto isto vai ficando cá dentro depois conforme vamos tomando responsabilidades maiores fica em nós esta responsabilidade, sim é uma responsabilidade comunicada e temos de saber partilhar… é isso.
Quais eram as disciplinas que gostava mais?
As disciplinas, sempre gostei muito de história, português, geografia, biologia, bom mas na primária então era mais voltado para o meio físico, estudo no meio e português, matemática sempre tive um bocadinho mais dificuldade.
E as que não gostava?
Era a matemática, sempre tive muita dificuldade com esta área da matemática, pelo menos na primária e no 8.º ano que foi um ano terrível, que até chumbei no 8.º ano, pronto não foi só por causa da matemática porque se fosse só até passava mas por umas depois veem as outras também complicadas como física e química e outras que metem a matemática ao barulho e portanto eu chumbei. Só me lembro do meu pai ter-me feito essa conversa, que prometeu e eu cumpri também … o pai todos os dias vai trabalhar e traz o resultado no final do mês, tu tens um ano para demonstrar o que vales. Diz-me falta-te roupa?! comida?! Então é essa a porcaria de notas que me trazes?! Eu digo-te que foi pior que apanhar uma grande pancada quando ouvi aquela palavra. E eu disse: olha pai pode ter a certeza que nunca mais vou chumbar. E pronto a partir daí foi a única vez que chumbei, nunca mais me esqueci e foi uma história de vida que fica comigo.
E atribui o chumbo ao quê?
Olha a turma era muito complicada. Nunca tinha apanhado uma turma de tantos repetentes e colegas um tanto travessos, e lembro-me que o próprio professor já não dominava os alunos na sala de aula, porque havia barulho, e o professor dizia não estudem e depois vamos ver que quem ri por último ri melhor, mas em algumas aulas o professor já não conseguia. Lembro-me que naquele último período em que ele começa a dizer que este passa aquele chumba, e eu entre os chumbados só me lembro de ter as lágrimas a escorrer e a pensar como é que vou dizer isto ao meu pai. E entretanto aqueles outros mais palermas começaram a entoar já chumbamos, mas a dizer na maior, e eu a pensar que esta gente é mesmo frouxa, que gente maluca, eu aqui a sentir o peso e eles ali na maior. Chumbaram mas depois não sei o que foi do caminho deles, mas eu apertei-me e foi uma conversa que tive com a diretora de turma e disse que preciso de ajuda e se for possível mudar de turma não quero agora que estando chumbado e tendo de repetir o mesmo ano ficar com alguns colegas, e vejam lá se me podem dar essa ajuda, ainda me lembro disso. Depois como a matéria do ano seguinte era igual, os livros eram iguais, foi o ano em que tirei melhores notas, alguns professores também era iguais, digo-te que foi mau e passou a ser bom, sem problemas nesse ano que nunca mais me esqueço.
Como foi a transição do preparatório para o secundário ? Na escolha de área?
Não me lembro de ter de fazer alguma escolha ai, porque nós só no secundário terminando o 12º é que tínhamos de escolher, mas nós aí tendo boas notas tínhamos grandes possibilidades. Mas no 9º antes de ir para a escola seguinte, tínhamos lá teatro, arte e designe, mas eram aquelas disciplinas para não darmos já um impulso para a frente, era mais para ver se a gente desabrochava a partir dali, e não é que a gente seguisse aquela vertente. Mas depois no 10º, 11º e 12º ano que já fui para uma outra escola, então inscrevi-me no curso técnico-profissional de secretariado, curso que penso que houve três anos seguidos, pois foi um curso que apareceu e de repente também acabou. Foi na altura que abriram a AutoEuropa. Depois podia estar num gabinete ou estar num gabinete de advogados, pronto coisas ligadas ao escritório que era o meu forte. Mesmo nesta vertente comunicacional, do jornalismo, pronto podia enveredar por ai. Depois ai já tinha as coisas mais cimentadas a nível vocacional, em que eu não vou seguir nada disso, e segui depois para ao seminário.
E como é que foi essa escolha? Apareceu porque já conhecia alguém que já fazia?
Nós ao longo da nossa caminhada, a família é uma base fundamental, família sempre católica sempre frequentamos a comunidade e a Igreja. Eu sempre tive o meu percurso de catequese, grupo de jovens, dei catequese também, fiz a primeira comunhão, a profissão de fé e o crisma, pronto não foi assim muito difícil dar depois este salto. Mas então perceber essa vocação como começou. É engraçado como são as coisas, o padre Camilo que foi quem semeou essa vocação em mim, foi padre aqui desta igreja em 1969 e agora estou ca eu, mas esse padre já faleceu. O padre camilo era um padre missionário mas sempre diocesano que de vez em quando pedia mesmo ao Bispo que tinha necessidade disso, ir para fora dar-se a conhecer comunidades. Aqueles países ele galgava aquilo tudo. Portanto também foi uma pessoa muito interessada quando chegou este grande surto de migrações aqui a Portugal e ele era um grande amigo da família e ia lá a casa muitas vezes. Assim como via os meu irmãos mais velhos também puxava por eles, dizia: olha João, olha Bernardo preciso de uns serventes para carregar uns baldes de massa porque preciso de fazer um muro num horta, vocês não querem dar uma ajuda, que depois vos pago, e os meus irmãos iam. Tenho de pintar o salão, arrastar o sofá ou levar a casa de um pobre, vocês não querem dar uma ajuda?, e os meus irmãos iam. Olha vou ao Algarve mas ao fim da tarde já estou cá, vocês não me querem fazer companhia?, e os meus irmãos iam. E um dia disse-lhe assim: padre camilo eu também posso ir?, e ele respondeu: tu não tu ficas aí, e depois lembro-me de ir chorar para a minha mãe a dizer que o padre Camilo não gostava de mim. E ela disse assim: gosta filho... mas tu és mais novo e não quer ter problemas contigo pois se fores só vais é dar trabalho. Então fiquei sempre naquela de que o padre Camilo não me liga e não gosta de mim. Entretanto no dia da minha primeira comunhão com os meus 8 anos, porque fiz a minha primeira comunhão mais tarde pois vim de Cabo Verde mais tarde, e não podia fazer logo pois tinha de fazer o meu caminho. No dia da minha primeira comunhão ele passa-se e diz: anda daí que preciso de ti, nunca precisou de mim para nada e agora que estou cá eu com os meu colegas e amigos, estou-me a portar bem e agora é que precisa de mim. Eu disse-lhe: padre Camilo só vou consigo se me disser porque precisa de mim, porque senão não vou sair daqui, e ele respondeu: então deixa-te estar, não precisas vir. De repente dou por mim a andar atrás dele, e ele voltou-se para traz e disse assim: então o que vens a fazer atrás de mim? e eu disse: como o senhor disse que precisava de mim mas não me disse para o que é, olhe que preciso mesmo de saber. Ele então disse: podes ir sentar-te que não preciso de ti, mas quem precisa de ti é Deus. Será que ele pode contar contigo?. Aquilo bateu-me tão forte, Deus precisa de mim, que eu as vezes rezo com esta expressão, Deus precisa de mim. Então fui lá para o altar, apesar de não saber fazer nada, e fui ser acolito, e muitas vezes dizia, acorda é preciso isto e aquilo, mas isto foi o primeiro momento e depois pouco a pouco fui aprendendo e não foi assim muito difícil. Claro que eu no 8º ano, talvez porque esse grupo de colegas mais turbulentos, de algum modo deixaram-me a pensar noutras coisas, mas isso é normal é a questão do grupo. A professora olhava para mim e dizia, não sei se sabia ela da minha história a professora de EVT à no 8º ano, e dizia tu tens um ar de quem vai dar um bom padre e eu perguntei o que ela queria dizer com isso, e ela respondeu: que és preocupado com os teus colegas, se vês algum triste vais logos ver o que precisa, o que tem ou não tem, o que tens partilhas sempre com os outros, e não é à toa que já és delegado de turma já quatro vezes, não nesse 8.º ano senão mais depressa lhe fazia s cabelos brancos, mas nos outros anos sim. Eu chateava-me tanto com a professora que dizia, oh professora tire isso da cabeça, não fale nisso, padre agora!, mas de facto olha agora ca estou. Mas isto só para dizer que a vida com altos e baixos também vai andando, as vezes o que dizemos não está ainda bem cimentado mas ao longo dos tempos vai-se maturando acabou.
Nenhum dos seus irmãos seguiu?
Nenhum dos meus irmãos seguiu risos. Eles tem o seu trabalho a sua vida familiar, mas para padre só eu. Tinha um irmão mais novo, ele na altura devia ter os seus 14 anos, nem tanto, mas tava tão interessado que a matéria que ele tinha não lhe interessava que ele queria era pegar nos meus livros que estava mais avançado que ele, dizia: aí mas que engraçado isto é assim desta maneira, tanto que o padre lá da comunidade uma fez disse-me: sabes o teu irmão é mais inteligente que tu, e eu disse: tudo bem não há problema até fico contente. Mas se é mais inteligente também devia chegar a faculdade, mas afinal também ficou pelo caminho. Nós lá em casa na família só dois é que temos curso superior. Tenho aminha irmã que é um bocadinho mais nova que eu que é professora e está no Porto e sou eu que sou Padre. Os outros na construção civil, mas normalmente é isso, que agora está um bocadinho parada. Tenho um irmão que saiu dessa parte da construção e está numa fabrica em londres que é uma fabrica de frangos e montagem em serie, e ele diz que já não pode ver frangos a frente e eu digo-lhe que ele também não e guarda-redes risos. Portanto estão assim na sua vida.
E hábitos de estudo? Desde o princípio até agora? Se sim, se mudaram?
O meu pai quando veio para cá, tinha lá a sua bicicleta, e cedo de manha antes de ir trabalhar punha-nos todos fora da cama. Então ele tinha de ir trabalhar para pegar as 7.30H aquilo para nós era violento e ainda por cima no inverno, quer dizer toca a levantar lavar a cara e ir estudar e uns ficam a guardar os outros, ai de vocês que durmam, ia pegar a sua bicicleta e la pedalava até a Sapec. Portando desde a zona da Belavista onde morávamos até à Sapec que fica ao pé da Mitrena aquilo ainda era um pedaço, mas o meu pai levantávamos logo de manha e sempre foi uma pessoa muito paciente, porque vinha do trabalho e queria saber como nós tínhamos estado nas aulas e se tínhamos alguma ficha não muito boa em termos de resultado, e depois também começou a dar-nos explicações, com feijões com milho a fazer as contas, e ele fazia aquele exercício, também foi um bom paciente risos. Então apercebemos-mos que se o pai e a mãe fazem tanto sacrifício o nosso trabalho era estudar e dar o nosso melhor e fossos criando os nossos hábitos de estudo. As vezes em casa já é mais difícil com os irmão, mas com os colegas quantas vezes na biblioteca aquela hora e meia que estávamos lá e tirávamos os apontamentos sem grande dificuldade.
No seminário teve algum tipo de dificuldade?
No seminário não tive nenhum tipo de dificuldade, quer em ligar ao colegas que estavam no mesmo caminho do que eu, mas na faculdade sim, assumindo aquelas línguas sumidas ou pouco faladas como o hebraico, o latim, o grego, aquilo cansou-me muito da cabeça e dei por mim as tantas a dizer que isto não é para mim e acho que vou desistir. Mas porque é que é importante estudar essas línguas?! porque a nossa fonte a Bíblia está escrita nessas línguas e depois daí é que foram traduzidas. Portanto certas expressões é importante ir a raiz e alimentarmo-nos dela. Mas eu prefiro manter-me assim e por isso tive umas notas pesadas, o latim eu tive de ir para a tutoria, o grego bíblico também estive quase. Portanto eu ter tido 10 já foi uma coisa assim, mas no latim ainda consegui ter 12, o hebraico ainda tive um 11 e quando consegui fazer essas línguas parece que entrei nas nuvens. O padre que nos acompanhou no seminário dizia que se outros que já passaram por essa fase conseguiram dar a volta tu também és capaz… tu também és capaz, sempre a dar aquela motivação mas eu cheguei lá, aquele ano inicial e depois para sair de lá aquilo foi muito complicado, mas pronto depois superei.
Se não fosse padre o que acha que seria?
Se não fosse padre achoa que seria padre outra vez risos. Eu desde criança sempre tive uma paixão que era ser piloto de avião e as vezes nos Olivais, que é lá o seminário maior e que nós estudamos, pois tínhamos aqui a situação do seminário de Setúbal, mas a partir de uma certa etapa tínhamos mesmo de ir para os Olivais. De vez em quando saíamos ser nós a conduzir, mas isso era uma situação que calhava a todos, também para nós criar responsabilidade e sabermos andar com as carrinhas. Quando ia a conduzir logo de manhã e ver um avião a chegar parece que desligava da estrada. E um avião que coisa maravilhosa, olha-me para isto, e os colegas: olha a estrada, achas que a TAP vai-nos pagar o prejuízo… olha a estrada. Para mim o avião sempre foi um elemento inspirador, que às vezes pego na minha mãe e ela também gosta e pego nela e de vez em quando vamos a lisboa e estamos para aí uns bons 15/20 minutos, a paixão pela nossa terra também é marcada por este transporte, pois foi assim que viemos, foi assim que chegamos, parece uma coisa tão pueril mas é manifestamente um mistério maior, como é que uma coisa tão grande nos faz tão pequenos, e ao mesmo tempo o tão distante fica tão perto. O avião é uma coisa assim tão … o homem pô-lo a voar mas a indigência superior mantem, e essa aí a gente confia que é Deus que nos dá. Como é que uma coisa tão grande desaparece e parece uma melgazinha a desaparecer no horizonte. Eu rezo com isso também, quer dizer a gente sabe como as coisas funcionam, mas precisamos de alimentar este mistério, pois este mistério de coisas já sabidas leva-nos mais longe e mais profundo, mesmo no sentido de conservar-nos em nós a humildade. O que nós somos?! Tão capazes de desaparecer até! Pelos menos nós caboverdianos quando vamos acompanhar alguém ao aeroporto, dá uma comoção tão grande cá dentro que não sei, há pessoas que viajam na maior. Mas acho que é um bocadinho o que se passa com outros que viajam e que são de outras ilhas, como colegas dos Açores ou da Madeira. O avião é aquela ligação essencial e fundamental, parece que a gente não conhece outro que nos ponha tão dentro da nossa terra e do nosso ninho. Portanto eu ainda hoje, quase que tenho necessidade disso, e depois porque tenho falado com alguns pilotos, e pergunto-lhes vocês aceitam para formação até que idade? Até aos 35/37 anos ainda aceitamos e eu digo assim pronto já perdi a oportunidade, já não vou a tempo já tenho 43 anos. Mas pronto estou muito contente de ser padre, acho que não trocava por nada, mas prontos em tempos isso foi bem presente em mim, mas como digo lá atrás na primária, por causa do meu professor e do padre Camilo, olha foi ele que de algum modo me fez chegar onde estou. Olha quando eu crescer quero ser como o padre camilo, é interessante como aquele padre me marcou de uma determinada maneira, pois ser padre é trabalho de formiga, mas muito… bem não sei ele estava ligado à ficha, ele era muito preocupado. Lembro-me que em 1980/81 não fomos logo viver num prédio, ainda fomos viver para uma barraca, e houve nesse ano uma grande chuva, e o padre Camilo andávamos a bater a porta, pois era a pessoa mais próxima que nós conhecíamos, e dizíamos assim: olha a nossa casa foi ao chão por causa da tempestade, não eramos só nós, mas eram também outras pessoas por causa da tempestade. O padre Camilo dizia: vocês estão a ver aquelas casas? É a torre da bela vista. Aquelas casas já têm porta, já tem janela, já tem lugar para onde vocês possam ficar, portanto ainda não tem luz ou agua mas, mas fosses assim como estão não pode continuar. A casa ou o prédio ainda não está inaugurado mas vocês arrobem a porta e fiquem lá dentro. Se for lá alguma polícia ou autoridade chamar a atenção que venham falar comigo. Eu pensei assim, possa este padre … essas casas são para vocês ainda não está inaugurado, mas pronto como há isto agora. E depois fui um padre muito preocupado em arranjar um centro de convívio não só para nós africanos mas também para os timorenses, mas para gente que ia chegando e ele para fazer essa casa, ele andou por todo o lado a pedir ajuda, mas firmou aquela casa. E só pediu, vocês cuidem disto por que é vosso, porque as vossas tradições, histórias, culturas, não pode ficar tolhido, portanto vocês venham para ca e tragam as vossas músicas, vocês precisam disto. E digo, possa quando eu crescer quero ser como o padre Camilo, e agora dou-me conta que se calhar nem lhe chego aos calcanhares, mas porque pronto há um tempo em que a gente vê, aprende, mas quer fazer igual, mas qual quê, não consegue já fazer igual. Os tempos mudam, hei-de fazer ao meu modo, oxalá que conseguisse um bocadinho assim, mas pronto só deus sabe não é. Mas o nosso coração fica eternamente grato por estas experiências feitas vida que nos ensinaram, e até parece de um modo não forçado. Sim não foi nada forçado, assim a gente vê e aprende, aquele padre gosta mesmo daquilo que faz, é feliz naquilo que faz e isto contagia-nos. A gente não tem de ter medo se vai conseguir ou não ser padre, mas estes valores a gente apanha e capta. Se tiver de ser uma pessoa feliz, esses valores ainda estão na sua base sem problemas.
E esses valores, gostava que me dissesse o que acha que recebeu dos seus pais? E o que acha que recebeu dos amigos, pessoas queridas? Como o padre Camilo...
A família está na sua base, mas depois os amigos também têm o seu lugar e isso é preciso saber ver e agradecer. O que é que eu sozinho posso dizer do que seja a vida? Nada. Mas na relação com os outros o que eu posso dizer é tudo, ainda que o tudo pareça pouco. Mas o tudo é então da gratidão que fica por uma história acompanhada. Nós acompanhamos e se calhar nem damos conta do que estamos a cultivar no coração dos outos, os outros que nos acompanham, e se calhar não sabermos agradecer convenientemente o tanto que nos dão e que fazem por nós. Claro que no momento em que recebemos sabemos dizer uma palavra de gratidão, obrigado. Mas depois só mais tarde vamos dar conta que este pequeno elemento aquela pequena coisa que fizeram por nós é mais do que dizer obrigado. É um não saber dizer de outro modo, a gente só sabe dizer obrigado e depois já lá vai, mas é dizer assim a gente fica sem palavras. Portanto a comunidade família é essencial. A comunidade igreja também é fundamental, depois os amigos quer na escola quer no bairro, isto é tudo maravilhoso. Então quando a gente se encontra, não com todos, mas com alguns, faz bem revisitar estes lugares onde passamos, ali havia isto, mas hoje já não há, há outra coisa, mas pronto tudo tem o seu tempo. Eu lembro-me da minha escola primária, passava lá tanta vez com um profundo respeito. Mas agora a escola já foi a baixo, já tem outra estrutura. Continua a ser o lugar da escola, mas pronto aquele pavilhão já não há. Mas a gente passa por ali e pensa, possa como sabe bem tocar neste chão e venerar este bocado de terra. Mas pronto são os lugares da nossa passagem onde aprendemos tanta coisa e se calhar o que nós temos ao longo do nosso caminho é sobretudo o dever de agradecer e de pôr em pratica, não aquilo que vemos os outros fazer, porque se calhar cada um faz dentro daquilo que é o dom que lhe é dado, dentro do que cada um é capaz de fazer é ainda sustentado nisto que eu aprendi e que já não sou capaz de fazer igual e nem é para fazer igual. Mas em termos de agradecimento fica aqui uma consistência dentro. Pronto, mas eu também acho que cada um sabe que isto é verdade. Então nos dias que passam, nós sem saber agradecer não chegamos a lado nenhum, pois depressa se tornam insensível, arrogante altivo. Agora quem agradece, faz hoje e amanhã e à mais pequena coisa que lhe fazem, ou seja, conserva-se humilde e assim vai.
Como é que descreve a sua zona de residência?
Aqui ou onde vivia? risos Bem a minha antiga zona de residência onde viviam os meus pais, era um bairro tão perturbador, não é que não haja lá gente boa, mas chamavam bairro dos índios, e perto desse bairro o bairro dos polícias. Mas pronto pessoas ali africanas só nós, ciganos alguns e portugueses nascidos lá a crescer connosco já havia em número maior e sempre tivemos uma relação muito boa e como disse há pouco aquela iniciação, aquela adaptação não foi assim fácil, mas pronto as coisas foram desenvolvendo sem problemas. Bom o meu bairro é o meu bairro, ainda hoje lá vou pois tenho lá os meus pais já com alguma idade e entendo que como filho não terei que estar noutro lado senão ali, pois enquanto poder fazer por eles, já que tanto fizeram por mim, isso é a obrigação do filho. Parece que neste momento sou o filho que estou assim mais próximo. Tenho aqui as minhas responsabilidades em nome da comunidade e depois cada vez que arranjo um bocadinho lá vou até Setúbal. Mas o nosso ninho é sempre o nosso ninho, e se calhar concebo o ninho que não conheço muito bem que é Cabo Verde, e aceito totalmente esse local que é Setúbal com o bairro dos índios risos aquilo tem um nome mas o vulgo é o bairro dos índios, a gente chega lá depressa.
Acha que crescer lá foi difícil?
Não foi difícil, com as turbulências todas normais de quem é criança e de pois passa a pré-adolescente, jovem, normal nunca tive. Também os meus pais nunca deram aso a que a gente crescesse assim erradamente…alguma coisa risos nunca permitiram que a gente salta-se a certa. Portanto nós tínhamos de respeitar os da casa os que estão fora da casa, sem arranjar complicações, magníficos pais, porque educar um filho deve ser um bocadinho difícil, porque por ser único, depressa se não tomamos cuidado, esse filho torna-se egoísta, porque como é único não sabe partilhar. A educar sete não deve ser fácil, tem outra beleza é outra coisa e deve ser também complicado. Nós sabemos muito bem o amor e o valor na partilha. Estarmos como estamos assim em escadinha, umas coisas vão dando para as outras. Agora como já não é possível, já não acontece assim. Mas no que diz respeito aos cadernos, aos livros, servia, e agora deixou de servir, porque a política também do ministério e das escolas parece que todos os anos mudam os manuais, mas naquela altura era assim, nós cuidávamos muito bem daqueles livros e cadernos. Se fosse possível gastar menos número de páginas e depois arrancar as folhas e fazer um dossier a parte, para depois dar continuidade ao caderno. Portanto era tudo muito poupadinho. Os livros também tentávamos fazer tudo para não estragar o livro, não escrevendo com o lápis todo vincado, estimar o livro pois pode ser que o meu irmão venha a precisar. Mas mesmo em termos de roupas o mesmo, e isto são tão importantes.
E a escola? Era uma boa escola, os professores eram bons? E o ambiente era bom?
Bem já falei dessa escola risos onde realmente chumbei e estava no 8.º ano em 1987 devia ser por aí, foi uma escola que tinha vários pavilhões, disseram que eram provisórios por um período de 4 ou 5 anos e iam depois retirá-los e depois fazer uma coisa como deve de ser. O fato é que depois o provisório passou a definitivo. E pronto os pavilhões venceram aquilo que estava estipulado, pois às tantas já havia a empregada ou professor que tinha de pôr um alguidar principalmente no tempo de chuva para apanhar aquelas gotas, o que significa que a vida foi complicando, mesmo as verbas para chegar à escola muito difíceis. Só agora há coisa de 5 ou 6 anos a esta parte, já sou um padre velho risos é que foram fazer aquela junção, portanto a escola Ana de Castro Osório agora está englobada dentro de uma mesma escola chamada de Escola Secundária da Bela Vista e porque aqueles pavilhões finalmente tiveram de ser retirados pois já não estavam capazes. Portanto aquilo não levou 4 ou 5 anos mas quase que chegou aos 12 anos ou mais, ali a permanecer. O ambiente não sei como é que é hoje, mas eu tenho orgulho na história que me foi reservada. Nós vemos alguns com mais turbulência, meninos e meninas colegas, mas isso faz parte, se calhar nesse aspeto é um desafio pois se a família não está bem tudo o resto passa a manifestar-se não tão bem. Agora quando a gente fala na família, a gente tem de saber que por vezes há pais que já não sabem o que fazer, não é que não desejem o melhor para os seus filhos, fora disso, mas é que se calhar já não sabem como os apanhar … o mundo mudou muito. Na altura em que eu andava lá a estudar havia uma outra estratégia, talvez uma outra humildade da parte destas crianças. Hoje esta difícil pois parece um barril de pólvora. Mas não é que o desafio tenha der ser negado. O desafio é que é mais exigente. Isto não é problema são desafios, e para esse concurso de resolver alguma coisa se calhar todos tem de entrar. Mas na altura em que andava lá a estudar não tínhamos lá policia a porta da escola, não é que tivéssemos alguns pequenos desacatos. Hoje parece já mais frequente. Na minha altura não havia essa policia “Segura”, que fazem a ronda ao pé das escolas primárias e secundárias, mas hoje já há, o que significa que a realidade mudou. Mas são desafios, que para eles toda a gente tem de dar o seu contributo, e nesse aspeto falta muito o sentido da vizinhança. Antigamente, as pessoas diziam vou aqui e acolá, dá um olho pelo meu filho, mas hoje ninguém se conhece, e parecendo que todos ficam a ganhar pois todos têm a sua privacidade, isto é uma perda imensa. Hoje em dia a pessoa esta na rua mas não está a vontade e não sabe com quem está. Antes os miúdos ficavam na rua a divertir-se, hoje não vai para a rua e se for não pode estar ali naquele lugar, porque é um perigo. E se ficar o mais certo é estragar-se, estragando-se um percurso uma vida, mas prontos são sinais dos tempos que nós temos.
Em relação a sua profissão, o que gosta mais? O que o encanta mais em ser padre?
Para já dizer que não se trata de uma profissão. O Padre é como que é um pai que gera novos filhos para Deus, e isto acontece pelo meu exercício do meu ministério. Quando eu faço um batismo, eu estou a assumir esta paternidade ainda que no sentido espiritual, há os pais e as mães no sentido natural e biológico, mas o padre cada vez que batizo estou a assumir a minha paternidade espiritual. Portanto não é uma profissão e nenhum pai pode viver com esta graça de ser pai, dizer assim: o meu filho abandonou-me e esqueceu-me e eu agora deixei de ser pai. Não, vai ser pai até ao fim, ainda que os filhos o reneguem ele não deixa de ser pai. A minha vida é o meu dia-a-dia, o que faço como faço, e, portanto, esta vida vai-se contagiando comunicando e de fato gosto muito de ser padre e acho que isso é fundamental senão não consigo fazer nada. Se eu estiver um bocadinho contragosto, lá vai a chatice outra vez, não vou dizer que é uma paixão, mas levo isto com muito amor. Desde que aceitei sair de casa, ir para o seminário e estar ali, digo assim, pronto a minha vida é assim e acabou. Nem vale a pena estar com muitas questões, então e se isto? e se aquilo?, não o meu coração está integrado e não há problema. Mil e uma questão venham, depois é isto e isto. Isto é meu eu tomo, se isto não é meu eu deixo. Se for de alguém que me queira partilhar posso-lhe ajudar no sentido de dar alguma orientação, mas pronto acabou e gosto muito da minha vida de ligação a comunidade. Claro que já vou com 15 anos de sacerdócio, já estive 5 anos em Pegões, Canha e Santo Isidro, foi a minha primeira paróquia, estive 10 anos em Palmela e agora aqui estou acabado de chegar risos. As pessoas estão muito contentes e eu também estou feliz. Já vi que há aqui muita cisa que temos de criar, porque há necessidade de ir ao encontro das pessoas e faze-las entender que são amadas de Deus é essa a minha missão. Que todos comigo aqueles que se dizem cristãos, irmão e irmãs na mesma fé, levem essa boa noticia a todos que não estão tão cá dentro. E nem é preciso que venham cá dentro ca dentro porque a igreja não se manifesta só dentro das quatro paredes, era o que faltava. Lá fora, no dia-a-dia, o que fazemos como fazemos o testemunho que nós damos isso é fundamental. Por isso é que se diz que nós cristãos como o todo da igreja, nós devemos ser como fermento na massa, porque nós somos a expressão deste amor de Deus, os outros também são, mas podem não o saber. E podem ter lá os seus ideias e as suas vidas bem empenhadas, mas se é assim que isto permanece, e o amor de Deus permanece, olha que as vezes caem numas frustrações que faz favor… mas pronto acabou, também a fé é um dom de Deus, pois a gente não vai ali abrir aquela cabeça e colocar lá o quê?! Não, é pelo testemunho de vida, alguns acolhem outros não acolhem, outros ouvindo um bocadinho já começa ali a escrutinar alguma coisa bendito seja Deus o tempo é de Deus e não é nosso, agora pronto a gente acredita e leva por diante a nossa fé, e isto é muito importante.
Em termos de percurso, tem de me explicar se há possibilidade de fazer mais ao nível da formação como funciona?
Normalmente nós aqui na nossa diocese, aqui também é um entender do Bispo, não é que eu não possa levar essa proposta ao Bispo, mas de 7 em 7 anos podemos ter um ano por nossa conta é uma ano chamado de licença sabática. O que é essa licença sabática, não é para fazermos o que nos apetece, é para fazermos algo difere daquilo que é o nosso trabalho normal na vida da comunidade, então aí podemos voltar à faculdade, fazermos mais esta ou aquela especialização, podemos ir fazer um ano de missão, podemos ir fazer outra coisa. Neste sentido, o Bispo pode trazer-nos esta conversa à mesa, ou nós mesmo podemos dizer Sr. Bispo eu gostava de fazer isto, porque de fato estar na comunidade já é muito absorvente, porque as pessoas que estão neste mundo como nós estamos, padecem de quem as ouça de quem as compreenda, o nosso trabalho também é um pouco psicológico. Nós temos de ter esta capacidade de ver, escutar e atender as necessidades das pessoas. Atender não é dizer olha tenho isto toma que isto resolve, as vezes basta escutar e olhar as pessoas e neste mundo falta muito, porque o mundo tornou-se meio louco. Hoje a grande ajuda que podemos dar as pessoas é saber olhá-las saber escutá-las e isto vale mais do que mil e uma coisas que nós possamos dar material à pessoa, vale muito mais. Portanto ao longo da nossa vida, se sabemos olhar é porque alguém nos olhou, em primeiro lugar Deus, mas depois noutras circunstâncias isso vai sendo manifesto, mas isto é fundamental. Se eu estou muito ligado a mim e aos meus interesses depressa me transformo numa ilha, e quando estou numa ilha parece que me basto a mim mesmo e isso é completamente errado. Agora se eu estou empenhado em conhecer a minha comunidade, amar a minha comunidade e dizer que este amor que passo para eles é o amor que aprendo de Jesus e o amor que aprendo de Deus, enão acho que não há tempo para fazer disparates. Aliás todo o tempo é pouco. No passado muita gente vinha a igreja e o padre não precisava sair da igreja, hoje se calhar à necessidade do padre pôr-se a caminho. Vamos a caminho quer dizer, a gente não vai no sentido de inquietar as pessoas, mas a nossa passagem há-de ser uma inquietação. Porque a gente vai, e o modo como a gente anda, como faz o que e interpela nesta ou naquela conversa, isso pode suscitar alguma coisa, e suscita claramente que sim.
Pelo que percebi já teve 2 anos de sabática?
Não ainda não tive 2 anos de sabática, mas é uma proposta que estou a pensar fazer ao senhor Bispo. Mas podia ter então porque com 15 anos já podia justificar 2 anos. Na altura falei ao senhor Bispo, o nosso Bispo Emérito o D. Gilberto e ele disse olha ainda não é altura, porque acho que tu sabes onde estás e aí começa a missão e tu és muito preciso aqui na diocese e não te posso deixar partir agora, e o que estás a fazer está bem. E eu disse assim pronto tenho de ficar a espera mais algum tempo. Mas aqui entre nós na diocese também vamos tendo a formação necessária os nossos encontros, os nossos retiros e isso é fundamental. Eu por exemplo para a semana vou para retiro, durante uma semana a comunidade não me vai ver. Mas já sabem pois já preparei tudo direitinho, vou e depois na sexta-feira já estarei de volta.
Já tem algum projeto para essa data?
Não, eu tinha pensado e feito um bocadinho questão, mas neste momento já não faço muito finca-pé. Tinha então pedido ao Bispo D. Gilberto que gostava de ir para Cabo Verde e até mesmo os Bispos que estão lá em Cabo Verde e que me conhecem bem diziam: olha estamos para saber quando vens dar um pouco mais a tua terra?! A terra que te viu nascer. Pronto não vou dizer que não ficou aqui dentro um bichinho a puxar por mim. Neste momento se eu for, entendo que estou a ser um bocadinho egoísta. Porque os meus pais neste momento precisam que eu esteja mais perto. Agora já tenho o coração um bocadinho dividido, e já não faço muita questão de ir, pelo menos de ir agora, daqui por uns tempos pode ser que sim, como não fui agora também não é prioritário.
E em relação à nacionalidade, como é que se sente? Mais Português ou Caboverdiano?
Isto para quem chega aqui com 6 anos, já pode dizer muito. Nós lá em casa em termos de gastronomia e em termos de falar linguagem da terra, quando os meus pais falem em português parece que ninguém entende, mas se falam em crioulo, pronto estamos a navegar nas mesmas águas. A minha mãe sempre esteve um bocadinho mais dificuldade em expressar o português. Portanto ela lá em casa fala tudo crioulo. Pronto mas sabemos muito bem as duas línguas sem problemas e não é difícil, mas como digo falo corretamente quer o português, quer o crioulo. Mas sinto-me Português claro, desde os 6 anos nunca mais sai daqui. Eu fui para Cabo-verde só em 2001. Portanto desde 1978, fiz instrução primária, secundária, faculdade, ordenação e em 2001 lá fui a Cabo-verde. E nós que temos direito a um mês de férias lembro na altura que fui falar com o senhor Bispo e disse: senhor Bispo vou a Cabo Verde passar lá um mês e quero a sua bênção. Ele disse: então há quanto tempo não vais a Cabo Verde? E eu disse: olhe eu vim de Cabo Verde com 6 anos ele disse: Então tira lá 45 dias. Deu-me mais 15 dias e eu fiquei tão contente, o senhor Bispo teve essa atitude e depois até me ajudou a compor lá, o que faltava de serviços de padres na minha ausência ele é que me ajudou a colmatar, deixa lá que até eu posso ir dar uma ajuda lá em Pegões e eu fiquei todo feliz. Depois desse ano 2001 comecei a fazer questão por mim mesmo de dois em dois anos tentar ir lá, mas as vezes não é possível, pois as viagens são caras, depois os pais também vão necessitando mais da nossa presença de ajuda e pronto olha, agora há quase cinco anos que não vou a Cabo-verde.
Mas tem uma ligação grande com a cultura caboverdiana?
Muito forte.
Cachupa?
É, isso é normal. A minha mãe lá em casa parece que não sabe ,cozinhar outra coisa, de vez em quando, mas pronto é assim. Ela faz gosto e nós também gostamos. A nossa gastronomia é muito rica é muito boa.
Fora a gastronomia, que outras coisas mais é que teve contato da cultura caboverdiana em casa?
Eu sou um bocadinho eclético neste sentido, gosto de tudo. Quer as músicas, as nossas mornas, tudo aquilo que tem a ver com a terra, as informações que a gente vê na televisão ou nos jornais, estamos sempre muito ligados. Mas não esquecemos o lugar também onde estamos. Eu quando vejo um colega de Cabo-verde eu depressa esqueço o português. Mas depressa dou conta daqueles que estão ali a volta também não tem de ficar assim, mas que língua é que eles estão a falar?!, portanto a gente fala um bocadinho, mas depois temos de cair na real. Que as pessoas não fiquem maldispostas por ouvir uma coisa que não entendem, nem são obrigadas a entender, tás a ver. Mas pronto é importante a gente ter capacidade deixar que a riqueza da cultura chegue, porque isto vindo não rouba espaço apenas nos enriquece. A cultura portuguesa, a cultura de cabo-verde, qualquer outra que venha também. Tenho muitos amigos que também são de Timor, alguma coisa também tenho apreendido com eles. Quer aquele bairro também é um bairro muito internacionalizado. Neste aspeto é ter um pouco de tudo, ali o bairro da Bela Vista tem muito assim destas vidas, de guineenses, angolanos, caboverdianos a maior parte, timorenses, e ciganos também que não sei de onde é que eles são, mas tem uma cultura muito bonita. São pessoas sempre inquietas mas sempre a conservar a comunidade. Não é que às tantas isto não nos traga embaraços porque é bom que não haja nada por esclarecer com eles e entre eles, senão se há alguma coisa que toque um dos seus membros aquilo amontoam-se todos e não querem saber quem tem ou não razão, quem não é que se ponha a milhas. É interessante isso, e eles são muito na defesa da sua cultura, por isso é que dar um andar a um cigano é um bocadinho matar a sua cultura por que eles são nómadas. Mais vale dar uma casa digna, sei lá, uma vivenda, do que dar um andar num prédio. Eu lembro-me, bem vou dizer isto, mas penso que não é problema, um dos vizinhos lá do prédio e estava lá há pouco tempo, deu-lhe na ideia de fazer uma fogueira, como o chão é de pedra como estava frio e ele não tinha gás, olha foi fazer uma fogueira no chá lá da cozinha, os bombeiros tiveram que intervir. Porque é aquela ideia do olha não é por estarmos num prédio que a gente não vai entender que estamos na nossa casa, mas a nossa casa deixou de ser cabana, quer dizer o prédio já influencia outros moradores. Lembro-me de perguntarem-lhe então porque foi fazer isso? Eles disseram que estavam com frio e precisávamos de nos aquecer e já estávamos a pensar que enquanto nos aquecíamos íamos assar alguma coisinha. Num prédio!...mas pronto é interessante.
Podia ter lareira.
Pois mas não tinha risos.
O que destaca da cultura portuguesa e da cultura caboverdiana que seja diferente?
Acho que há muita coisa diferente. Mas também acho que temos aqui pontos de relação muito fortes, mas a história também já explica isso. O povo Caboverdiano e o povo português sempre foram muito irmanados, os fatores da história e deste intercambio e pronto isso marca. Eu acho que não posso dizer muito nesse aspeto, pois tudo o que possa dizer é pouco, porque a nossa cultura caboverdiana é uma cultura rica, pujante e cheia de juventude, tanto é assim que nós não estamos só em Portugal, em França, na Suíça, mas estamos em tantos outros lugares do mundo e onde estamos acho que damos um contributo bom de preservar isto que é a nossa cultura. Ainda há pouco tempo estive em França e pode sentir isso também, porque lá também há muitos caboverdianos m França. Cada vez que sabem que o padre está, querem sempre que o padre apareça e conheça a comunidade, faça lá as celebrações, etc..., é muito interessante. Mas também já estive na Suíça e pode sentir igual. Portanto a nossa cultura é muito. Está a alastrar e bem o que é bem e bom. A nossa vida aqui em Portugal, com todas as turbulências que nós sabemos e conhecemos também tem coisas muito boas que nós devemos saber preservar, em instituições, tem história, de atividade muito feitas de nobreza também, e isso é preciso saber ver, saber agradecer saber avaliar e saber canalizar de algum modo tanto as crianças e jovens para que estando nesses lugares não possam fazer coisas erradas, porque acho que é para isso que essa instituições e esse lugares de atividade devem saber promover. Pronto acho é que esse acesso devia estar mais agilizado, mas fácil chega lá sem haver conflito na procura e até mesmo nos pagamentos, porque hoje em dia se é socio pode ser que consiga alguma coisa, se não é já é um bocadinho mais difícil. Não quer dizer que seja em todos os lados igual mas pronto. Depois vemos aí a penúria dos bairros, pois os bairros deviam ser focos de grande enriquecimento, e depois não se nota assim tanto, mas pronto. A cultura Portuguesa é aquilo que se sabe pois tem coisas muito boas.
Qual é que acha que é a maior dificuldade da integração das minorias em Portugal?
A maior dificuldade…é aquela questão do acolhimento, pois o acolhimento que possamos querer dar a quem nos visita, há-de ser um acolhimento com aquela logística necessária, pois a gente não acolhe por acolher. Temos que saber dar aquilo que as pessoas que nos procuram querem e necessitam, pelo menos dar uma base, olhe fique aqui porque já sei que fica bem, ainda que seja por um x tempo, mas sei que esse x tempo é precioso para a pessoa porque senão a pessoa nem se consegue desenvolver. Esta questão das minorias e saber acolher e acompanhar é uma questão que também é muito premente, porque as vezes não é a falta de vontade de acolher, mas depois é ver se temos capacidade de dar o que eles precisam. Porque o acolhimento é fundamental, mas e então depois?! Nesse sentido é preciso termos bons parceiros. O Estado precisa de parceria, mas a grande parceria de cada um, há-de encontrar também no Estado algum suporte, digamos assim. Portanto se o Estado precisa de parcerias e está a faze-las, todos os dias está a tentar encontrar, cada um de nós nas usas comunidade ou instituições precisa encontrar da parte do estado também um suporte um pendor e se não for por ai, acho que não chegamos a lado nenhum. Mas hoje não temos de falar nas minorias, mas temos de falar desta maioria, eu custa-me muito mas é mesmo uma maioria de pessoas de multidões que chegam de refugiados, que tem também a sua história, a sua grandeza, o seu amor a terra, o seu país, os seu pais, os seus filhos a sua ligação. E se chegam aqui, a gente faz mil e uma perguntas, mas porque?! Se calhar nem deve fazer essas perguntas, pois se chegam aqui a gente tem de saber de algum dar algum agasalho. Então pronto, mas é muito complicado. Estas minorias, que agora são maioria.
Em relação às viagens, tinha-me dito que já foi a França, já esteve em Cabo-verde, que países é conhece mais e em que circunstancias?
Já estive em França, já estive na Itália, já estive na Polónia, Suíça. Nisto que já começamos a falar Neste visitar as comunidades, estar com os irmãos da nossa terra. Nesse aspeto já tive na Suíça, já estive em França, de grosso modo já estive nesses dois lugar e visita-los, umas vezes porque fui convidado, e noutras vezes porque fui enviado pelo senhor Bispo ou mesmo por algum organismo do estado de Cabo-verde, que muitas vezes falava comigo e dizia: se poderes ou conseguires fazer uma visita de vez em quando, e é bom quando querem precisar de nós e acha que somos necessários neste ou naquele lugar, isso é muito bom. Nos outros países que já fui, foi mais com a comunidade sair em peregrinação, já estivemos então nesses lugares como a Polonia e a Turquia também, já fomos a Israel. Acho que isto é realmente uma coisa importante porque nos ajuda a perceber essas outras realidades que sendo distantes nos são próximas de algum modo. Porque às vezes a pedra de toque, há capacidade de ver e dizer assim olha afinal esta maneira de fazer isto ou aquilo não é tão diferente da nossa maneira de fazer. Embora nesse aspeto sair em peregrinação, a fé depressa nos entrelaça. Portanto nesses lugares onde fomos, encontramos muita gente que acredita como nós acreditamos, porque isso é muito importante, fazendo uma única celebração.
Ia perguntar o que essas viagens davam em termos de alargar horizontes, mas já me respondeu. risos Relativamente a Hábitos de leitura, tem alguma coisa em especial sem ser a literatura religiosa?
Eu tenho uma livraria católica, a “Paulinas” em Setúbal, e a senhora que lá trabalha, cada vez que chega algum livro de novo pergunta-me: Padre Zé Maria tem este livro, interessa-lhe?! Significa que eu gosto muito de comprar e ler e gosto de estar sempre em cima dos acontecimentos. Ultimamente tem estado muito a ler essa literatura do Tolentino Mendonça, padre Tolentino que é um grande poeta e um culto da nossa igreja e do nosso país, tenho estado a ler isso e muitas coisas do Papa. Hoje em dia parece que temos de conhecer e aprofundar muito como Papa essa nossa questão de estar no mundo e ser para os outros a presença de Deus. Pronto não tenho assim nenhuma literatura especifica, mas de fato para nós católicos isto é fundamental e para mim padre mais ainda, termos sempre o nosso livro de cabeceira que é a sagrada escritura a Bíblia, esse livro está sempre atual e sempre como fonte e como luz a iluminar e a orientar os nossos caminhos. É isso que depois nos vem dar a nossa capacidade de ver e sentir podermos ser para os outros a ajuda que necessitam de nós. A palavra ilumina, mas para isso é preciso conhece a palavra que é importante, e depois por os outros também a caminho, porque isto que eu sei tenho de abrir condições para que os outros também entrem nesse conhecimento, é importante.
E um padre tem hobbies?
Um padre tem hobbies, quer dizer deveria ter. Como disse há pouco, a comunidade é um bocadinho absorvente. Gosto de ver futebol por exemplo, gosto de fazer as minhas caminhadas, mas não tenho propriamente natação, nem tenho assim esse espaço, mas devia criá-lo, também é verdade, mas pronto daqui a uns tempos, agora já não. Mas criar o espaço para um outro tipo de atividades isso acho que é importante, mas eu por enquanto não. Mas o meu grande Hobbie é ler, ler, ler, gosto muito de ler. Pronto gosto de acompanhar um bom futebol.
Se tivesse de descrever como pessoa como se descreveria?
Não sei responder a isso, mas sou uma pessoa calma, atenta, pacifica. Capaz diante das situações, tentar relativizar, ponderar bem, ajudar naquilo que é possível. Pronto, não sou assim explosivo, sou muito calmo. Agora se calhar essa pergunta é mais verdade na boca dos outros risos. Não sei, parece que posso ser, mas pode não corresponder tão bem. Depende das situações. Mas acho que não ninguém tem a dizer muito diferente do que aquilo que acabo afirmar aqui.
Qualidade e defeitos que possa apontar a si?
A mim qualidades e defeitos risos. Não sei muito bem dizer, gosto de estar atento, gosto de ajudar quem me procura. Aquilo que eu tenho nunca é só para mim, costumo dizer às pessoas, vejam lá não me ofereçam veneno pois não vou morrer sozinho. Não sei mas já há muito que esta questão de ter e partilhar sei que me faz mesmo feliz, gosto. Pronto posso ter algum defeito, naturalmente que sim, não há pessoas que não o tenham. Mas não reconheço muito os defeitos, se calhar porque estão mais atrás das costas. Mas pronto nunca pensei muito nos meus defeitos. Mas posso as vezes ser um bocadinho intempestivo, no sentido de perceber uma coisa e ver que as pessoas querem fazer diferente. Posso ser um bocadinho tempestivo. Posso até não querer dizer mas depois fica ca dentro a remexer ca dentro. Mas pronto não é nada que se resolva. Mas de resto não. Gosto muito de estar com as pessoas e falar com elas abertamente. Não sei só se os meus defeitos forem os meus pecados também. Porque às vezes esse tempo que devíamos dar mais a oração, esse tempo que devíamos estar mais com as situações difíceis das pessoas, muitas vezes de fato não estou. Mas hoje também tinha de reservar tempo para ti risos, senão podia lá estar já. Mas amanha temos um encontro lá no nosso centro das Trocatas, onde damos apoio as pessoas, eu vou lá estar para conhece rum bocadinho aquela gente. Também pronto acabei de chegar, vamos com calma.
Projeto ou missões para o futuro?
Projeto e missões, é como eu já disse há bocadinho, não tenho outra coisa pensada senão daqui a um tempo ir a minha terra Cabo-verde e passar lá um ano ou ano e meio, dando sequência a esse pedido lá dos Bispos de Cabo-verde, D. Ildo lá de Mindelo e depois o Cardeal D. Arlindo, que pediram que lhes fosse lá dar um a ajuda, e uma maneira de conhecer uma pouco melhor a terra que me viu nascer. É uma coisa que tenho pensado, mas não sei se vai ser para já. E não sendo para já eu estou muito bem no projeto da comunidade, e é aqui que eu tenho de me entregar de alma e coração pois foi aqui que acabei de chegar. Não tenho outra coisa pensada senão estar aqui, e dar o melhor que sei e posso.
Em termos de projetos da comunidade, a Igreja tem alguma atividade que seria extracurricular para além do normal?
A igreja aqui já é uma comunidade um bocadinho envelhecida, tanto que aqui quase nunca chega ninguém. Eu daqui a bocadinho vou celebrar, mas é na ermida de S. Sebastião, que fica ai a quilometro e meio. Portanto a comunidade já é assim um bocadinho envelhecida. Portanto o que é que eu entendo, tenho de ser eu a criar, até já fui falando as pessoas que vem aqui a eucaristia, e se calhar criar aqui serviço de acolhimento de visita as pessoas. Porque estas pessoas que vão a igreja, se calhar ainda tem condições de, mas se calhar muitas ainda estão em cas sem poder. Portanto a nossa missão sendo ir ao encontro dos outros, também é ter em conta a realidade. Esta realidade que eu agora pouco a pouco vou vendo, mas nós assim não temos grande projetos aqui. O que eu encontrei aqui e ainda não reativei foi um grupo de formação bíblica, uma catequese de adultos. Portanto isto, trabalhos do meu antecessor. E quero ver se pego nisto para levar por diante pois vale a pena. Depois há aqui uns grupos de reflecção, a catequese, mas quer dizer precisamos de criar mais estruturas. São os meus desafios e as minhas conquistas daqui por diante também, tenho de passar essa mensagem também, e dar expressão da caridade, de acompanhamento de ajuda aqueles que naturalmente tem fome e sede de Deus. Portanto tenho de arranjar um apequena equipa para fazermos esse caminho.