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[Título principal]: edição digital
| Fernando Pessoa |
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| Vós que, crentes em Cristos e Marias, |
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XXII
Vós que, crentes em Cristos e Marias,
Turvais da minha fonte as claras águas
Só para me dizerdes
Que há águas mais alegres
Banhando prados com melhores horas, —
Dessas outras regiões pra quê falar-me
Se estas águas e prados
São de aqui e me agradam?
Esta realidade os deuses deram
E para bem real a deram externa.
Que serão os meus sonhos
Mais que a obra dos deuses?
Deixai-me a Realidade do momento
E os meus deuses tranquilos e imediatos
Que não moram no Incerto
Mas nos campos e rios.
Deixai-me a vida ir-se pagãmente
Acompanhada pias avenas ténues
Com que os juncos das margens
Se confessam de Pã.
Vivei vós vossos sonhos e deixai-me
O altar natural onde é meu culto
E a visível presença
Dos meus próximos deuses.
Inúteis procos do melhor que a vida,
Deixai a vida aos crentes mais antigos
Que Cristo e a sua cruz
E Maria chorando.
Ceres, dona dos campos, me console
E Apolo e Vénus, e Úrano antigo
E os trovões, com o interesse
De irem da mão de Jove.
9-8-1914
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