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[Título principal]: edição digital
| Fernando Pessoa |
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| Aqui, Neera, longe |
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XIV
Aqui, Neera, longe
De homens e de cidades,
Por ninguém nos tolher
O passo, nem vedarem
A nossa vista as casas,
Podemos crer-nos livres.
Bem sei, ó flava, que inda
Nos tolhe a vida o corpo,
E não temos a mão
Onde temos o gosto;
Bem sei que mesmo aqui
Se nos gasta esta carne
Que os deuses concederam
Ao estado antes de Averno.
Mas aqui não nos prendem
Mais cousas do que a vida,
Mãos alheias não tomam
Do nosso braço, ou passos
Humanos se atravessam
Pelo nosso caminho.
Se a nossa vida esquece
Poderemos julgarmo-nos
Livres inteiramente.
Por isso não pensemos
E deixemo-nos crer
Na inteira liberdade
E essa ilusão de agora
Far-nos-á como os deuses.
2-8-1914
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