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[Título principal]: edição digital
| Fernando Pessoa |
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| Cada cousa a seu tempo tem seu tempo. |
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XXXV
Cada cousa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela Primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não forcemos a voz
A estar mais que em segredo,
E casuais, interrompidas sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais no serve
A negra ida do sol).
Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida
Com outro fim no gozo nós colhíamos
E com outra ciência
No olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora componhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E é noite sobre Ceres.
30-7-1914
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