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Maarten Janssen, 2014-

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[1600]. Carta de Álvaro Vaz para a Inquisição de Lisboa.

SummaryO autor dirige-se à Inquisição de Lisboa, dando conta das injustiças que dizia ter sofrido perante a própria Inquisição e, pedindo, por isso, intervenção na restituição da sua honra e bom nome.
Author(s) Álvaro Vaz
Addressee(s) Mesa da Inquisição de Lisboa            
From S.l.
To Portugal, Lisboa
Context

A 30 de dezembro de 1600, o confessor e capelão das freiras do Mosteiro de Santos, em Lisboa, Manuel Pires Landim, entregou na mesa do Santo Ofício um maço de cartas que aparentemente lhe seriam dirigidas. No invólucro do maço de cartas, vinha o seguinte sobrescrito: “Ao senhor Manuel Pires beneficiado na igreja de Almada, Arcebispado de Lisboa. Ou ao padre frei Pedro Mártir no convento de São Domingos de Lisboa, meu senhor” (versão modernizada). Em certidão escrita no mesmo dia, Manuel Pires Landim afirmou que o maço lhe tinha sido dado pelo padre Simão Freire, sacristão do Mosteiro de Santos. Tinha-lhe sido entregue por uma Maria Dias, louceira, a mando de Francisco de Azevedo, morador em Almada, que o tinha recebido de Gaspar de Mendonça, também morador em Almada. Posteriormente, Gaspar Mendonça, cavaleiro fidalgo da casa do rei, explicou perante a mesa do Santo Ofício que um dia se tinha deslocado ao Mosteiro de São Domingos, onde viu o referido maço de cartas. Lendo o sobrescrito e atendendo a que era amigo de Manuel Pires Landim, encarregou-se de lhas fazer chegar pela via que foi descrita.

Manuel Pires Landim, numa audiência que ocorreu em 10-01-1601, declarou que nenhuma das cartas, em número de seis, lhe era realmente dirigida. A autoria delas era de um sacerdote chamado Álvaro Vaz, que ele tinha conhecido 15 anos antes, quando estudou em Coimbra. Segundo sabia, este Álvaro Vaz tinha sido julgado e reconciliado pela Inquisição de Évora e estava agora fugido. Mencionou também que dois anos antes lhe tinham chegado às mãos outras cartas do mesmo género.

As cartas contidas no maço são dirigidas a diversos destinatários, entre os quais o inquisidor-mor, o arcebispo de Lisboa, o arcebispo de Évora e outros conhecidos seus. Nelas sobressai uma marcada crítica aos procedimentos da Inquisição em Portugal.

Support duas folhas de papel escritas em ambas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 1584
Folios 13r-14v
Socio-Historical Keywords Tiago Machado de Castro
Transcription Tiago Machado de Castro
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2013

Text: -


[1]
Snres
[2]
Deus seja servido de vos mandar por ob por obra, en exsequucão a obri-gação que tendes de restituirdes a honra de Ds, e meu estado, e os males que occasionastes os pecados de testimunhos falsos de que vos fostes a causa
[3]
Snres Inquisidores, que vos certifico que se não cõtenta o demonio vinte testimunhos falsos cada dia, mas usa de vos como de ins-trumentos pa enlassar as almas tantos testimunhos falsos como Eu sei de certa sciencia per permissão de juisos de Ds scondidos, no qual vos cuidais q faseis obsequio, a Xpõ mas Ds sera o juis de nossas obras.
[4]
quatro vezes vos escrevi per mandado de meus cõfessores retratandome, e disdisendome dos testimunhos falsos q me fisestes faser, e tanto o ei de faser ainda a adiante
[5]
quero diser cõtinuar esta retratação, ate saber onde quer que eu estiver ser plenissimamete feita a restituição pblica a q sois obrigados pa o qual vos requeiro da parte de Ds obrigando vos sub poena de maldicão de Ds se ho não fiserdes, perq tudo falsamẽte me fisestes diser
[6]
e fasei medo q podia cair hum varão mui cõstante pa ho qual bastão ameassos de hũa desestrada morte
[7]
e daqui fica claro q a sentença foi falsa, e de nhũ vigor ou força.
[8]
e q injustamẽte me tomastes o patrimonio de meu sacerdosio,
[9]
e vos obrigo q não somẽte Portugal todos os bispados mandeis publicar esta restauração a q Ds vos obriga, mas en todas as partes, terras e regioens aonde chegou a fama das tais falsidades per vos causadas.
[10]
prova do qual dou a Ds e a todo o mundo a versão de almas q precuro, e troco todos os trabalhos pola redução de duas pesoas as quais Eu mediante a graça de Jesũ Xpõ negocei, instrui, e trabalhei per provas, e doctrina, e instrucão q Eu lhe alcancei, e dei per ser iso licença de certo superior q tinha jurisdicão pa isso pa q fossem absolutos de de suas heresias;
[11]
e aprendo diferentes linguoas pa nelas servir e a meu sor Jesu Xpõ conversão de almas, pois q hũa lingua portuguesa me fisestes offender a meu sor Jesu Xpõ, cuja vestidura vos espadacais e rompeis, escadalisando seus menbros, e catholicos, e dando lhe ocasião de pecados mortais e testimunhos falsos, e perdisão de almas per vos causada; q são ou servẽ sem falta as casas da Inquisisão de Portugal de escolas de heresias, e judaismos,
[12]
e entrando catholicos tornão hereticos, ho qual sei de certa sciencia, como quẽ sua versão e reducão ao gremio da Igreja Romana, e a Jesu Xpõ deseja trabalhar per todas as partes do mundo,
[13]
e ja comecou de ser isto, ainda q a risco grande, e Ds fara q as almas q a inquisão de Portugal apartou de Jesu Xpõ por mim ainda q a custa da vida sejão a seu amor restituidas.
[14]
E assi vos declaro q legitimamẽte tive intencão de ser ordenado todas as ordens q recebi, e legitimamẽte exercitei, fis, e celebrei todos os sacramẽtos q celebrei, e divida intensão sempre,
[15]
e assi seja eu absoluto de meus pecados a hora da morte e alcance a misericordia de meu sor Jesu Xpõ como eu tive sempre intencão de absolver os penitẽtes q a mim se cõfessavão,
[16]
e tanto q algũas vezes escrupulo repetia a forma da absolvição,
[17]
e vos certifico q polos serviços q o demonio via q Eu fasia a Jesu Xpõ meu sor nas cõfissões, precurou testimunhos falsos cõtra mim por meio dos mesmos Inquisidores, perq cõfissões de muitos annos invalidas me vinhão a mão, e principalmẽte ocasião da pregação q Eu fasia no sermão do demonio mudo na quaresma.
[18]
E não esta Pero de navais o padre da cõpanhia livre de grande culpa q elle seus cõselhos perveteo meu espiritu disendo lhe Eu q mim nũqua ouvera culpas obrigadas a Inquisisão, mais q pensamẽtos interiores dos quais me cõfessava, e per vẽtura q muitas veses na resistẽtia, q Eu fasia, avia merecimẽto,
[19]
todavia de tal modo me ẽbaracou, junto isto aos ameassos dos Inquisidores, q ja eu desia mais falsidades do q elles querião.
[20]
de modo q servẽ as Inquisisões de Portugal de Alfandegas do inferno, e de tributo de peccados mortais e juramẽtos falsos ao diabo.
[21]
ho q tudo a sentença injusta cõtra mim se deu, e falsidades q passão portugal, e testimunhos falsos,
[22]
e minha injusta deshonra Eu ei de publicar per todo o mũdo, e per escrito se a de divulgar.
[23]
donde fica claro q injustamẽte fisestes mal a pesoas per causa de minha saida, a aqual per direito natural todos podião mais ajudar, q por obedecer a vos, estorvala,
[24]
e assi o fes o padre Estevão Gil cõfessor a quẽ pedi me cõf encomendasse a são felix.
[25]
e certificou os q se, depois de muitos serviços de Ds q spero faser, ouver obrigacão de me presentar a vos pa vos reprehender de causa q destes a meus peccados o farei cõselho de cõfessores como Catholico q fui, sou, ei de acabar ajudando me a graça divina,
[26]
e se não ouver obrigação de assi presentarme, e ser sendo a jornada cõprida e desnecessaria empregarei mais a cõversão das almas a Jesu Xpõ recõpẽsasão das almas q per vossa causa são tiradas do caminho da lei de Xpo Jesu sor meu, cujo sou e a quẽ desejo servir e nelle acabar.
[27]
Ds vos de faserdes o q deveis
[28]
disei ao Arcebispo de Evora q se cõsole q sẽpre fui mais catholico q os seu Corbhuxes e q se glorie de terme por cõversor de almas a Xpo Jesu.
[29]
Alvaro Vaz Sacerdote portugues peccador

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