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[1620]. Carta de Rui Fernandes de Castanheda para a sua mulher, D. Catarina Faria de Alpoim
Autor(es)
Rui Fernandes de
Castanheda
Destinatário(s)
Catarina Faria de
Alpoim
Resumo
O autor notifica a sua mulher de que foi preso em Caminha e que vai ser
levado pela Inquisição e dá-lhe instruções sobre como agir para o
ajudar.
Texto: -
[1]
Minha sora agora vos serão dadas as mais tris
tes E angustiadas novas q se pode immaginar
de que deos vos permita a mĩ E a vos dar mto grã
de pasiensia pois foi servido q eu fose tão de
zavinturado q não pudese escapar de não
ser prezo dezonrado E morese tão dezespera
do não por este pecado da ffe q nimgem me
levou a tentar nũca no zelo de sua santa
ffe mas sempre como vos dezia me temia
de mto grãodes E torpes pecados q eu tinha
feitos em mosidade de q me temia vilos pa
gar por esta via cõ tanta angustia imfamia
de minha onra E vosa q a vos sinto E vosa
onra E triste sorte
[2]
minha mai E sora da min
ha alma eu fico prezo em caminha caregado
de feros pa me levarẽm de tera em tera a enqui
sisão que estes beis me vierão de minha ne
gra mai E parentes E estou quazi doudo E
sem sentido deitado no chão sẽ comer ha
3 dias
[3]
E foi q indo cõ o negro precatorio de
galiza a esta villa de viana a reconheselo
me embarasei E mudei a cor de modo que
entenderão hia fogido q parese foi promisão
do seo pa Castigo de meus pecados E q permi
te Cristo q nesta vida os page E q em prizão E de
zonra aCabe q poucos serão os meus dias
[4]
so a
vos meu bem E minha onra levo atravesada
q bem vos dezia q não me podia durar mto
tanto bem E gosto q tinha em vos ver E gozar
[5]
isto não ha mais q ter pasiensia E por os olhos no seo
[6]
E nẽ por iso minha sora me percai a ffe E lealdade
q me tivestes pois soubestes sempre o corasão E que
Cristo jhs me quer castigar como pai pa me salvar
por estes meos E tromentos
[7]
minha alma consolai
vos E ponde mta força em me emcomendar a ds E per
siguir estes inquizidores dizendolhe q por ditos
de huas diudas E gente apertada de tratos min
ha ennemiga me prendem E dezonrão sendo
eu milhor Cristão q vos como vos ereis testas E
falar ao enquizidor o padre frei anto de sousa
frade de são dos
[8]
antes de tudo esCrevo hũa Carta q aqui vai ao ldo
simão barboza de crasto q mora a são mamede
junto ao coreo a par do ldo fraco lopes bocaro q
deve os vinta dois mil rs do resto da letra a que
tãobem de caminho podeis falar no dro se o ja
não volo tiver dado E falar ao ldo simão barbo
za E darlhe esa Carta que vos primeiro lereis E a
fichareis E esa petisão que com ella vai
[9]
E he
pa ver se poso cõfesar o que nũnca fis nẽ imagi
nei somte per me livrar de me prenderẽ nẽ dezon
rarẽ porque dizem q não prendem a quẽ se vai
antes diso cõnfesar
[10]
E inda que seja a levantar so
bre mĩ falco testemunho mais val agora que des
pois de tres anos com tanta imfamia
[11]
E esta pe
tisão aveis vos de levar a este frade E mostrarlha
E chorarlhe E rogarlhe vos favoreca por reputa
cão de vosa onra E dezemparo E da onra de
vosa irmã E Cunhado
[12]
E de Caza de simão barboza
vos podeis ir a Caza de francisco dinis q mora
a par da igreja de santo anto a sse na estalagẽ da
travesa q vai pa rua das canastras na estalagem
do elvas q he donde esta o voso anel
[13]
E cõ elle dahi vos
ireis logo E cõ seu filho E outro homẽ falar ao fra
de q he hũ santo E vos a de encaminhar E favore
ser la na meza
[14]
E isto sera tudo cõ o conselho do
dito ldo simão barboza o qual me a de mandar
hũa carta en reposta da minha em q me avize
o q ei de fazer
[15]
E cõ ella E cõ outra vosa em que
me avizareis como estais E juntamte me avi
zareis que pesoas são as que estão prezas E as
soltas donde estão E cõ a reposta desa carta
q ahi mando pa o rocha em q lhe mando per
guntar do negosio de madrid me fareis
tudo hũ maso cozido em hũ pano
[16]
E mo trara
logo este portador cõ toda a presa antes q
me levẽ desta tera
[17]
ahi vos mando hũ dobrão
pa os homẽns q vos acõpanharẽ
[18]
avizaime
os termos en q estão as cazas de solis
[19]
E por
q estou mui fraco quazi pa espirar não sou
mais largo q ficarme o Coracão arebentando
E os olhos cõ lagrimas cõ saudades vosas E
de sabina E de minha triste sorte
[20]
E se vos não
vir ja nesta vida não vos esquesa de me em
Comendardes a alma a cristo jhs E a sua ben
dita mai q me socora en tão grãode tribula
cão qual fica este agoniado Coracão.
[22]
por este homẽ me mandai as siroulas E as duas ca
mizas velhas ou ao menos as siroulas E o demais não
[23]
E no maso não me ponhais sobescrito porq este por
tador não me conhese q hũa molher lhe deu estas
cartas sem elle saber de quem ellas erão
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