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Maarten Janssen, 2014-

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1619. Bilhete de Francisco Homem, sacerdote, para Paulo de Lena, médico.

SummaryO autor, preso no cárcere do Santo Ofício, responde ao bilhete do seu vizinho de cima confirmando a suspeita deste de que os prisioneiros da cela ao lado se preparavam para fugir, embora ache que é tudo a fingir ou que os podem estar a tentar enganar.
Author(s) Francisco Homem
Addressee(s) Paulo de Lena            
From Portugal, Lisboa, cárcere da Inquisição, sétima casa do corredor de baixo
To Portugal, Lisboa, cárcere da Inquisição, sétima casa do corredor do meio
Context

O réu deste processo é Paulo de Lena, médico de Leiria preso por judaísmo em 1617, juntamente com os seus irmãos Estêvão de Lena, Hipólita de Lena e Bárbara de Lena. Paulo de Lena esteve envolvido, juntamente com outros três presos, numa tentativa de fuga da prisão, malograda graças à intervenção do guarda João Esteves. Estando este, no dia 12 de setembro de 1619, de vigia ao pé da cela de Paulo de Lena, a sétima do corredor do meio, para ver se ele comia, viu o réu a bater no ladrilho do chão, como se estivesse a fazer sinal para o preso da cela abaixo da sua, o clérigo Francisco Homem, que lhe respondeu. Depois disto, Paulo de Lena pegou num pedaço de pano atado a um cordel e atirou-o pela janela à frente da sua cela, pois, como era hora da refeição, a porta de acesso estava aberta. Para ver o que sucederia, João Esteves correu ao andar de baixo e apercebeu-se que estava um breviário preso no cordel. Aproveitando que Paulo de Lena afrouxara o cordel, João Esteves pegou no seu conteúdo e examinou-o, encontrando um papel todo escrito dentro do breviário, contendo planos de fuga (PSCR1328 e PSCR1329). No dia seguinte, o guarda apressou-se a entregar o que achara na mesa da Inquisição, o que despoletou uma revista às celas de Francisco Homem e de Paulo de Lena, que confirmou que se planeava uma fuga. Na cela do clérigo, os inquisidores encontraram tábuas da sua cama soltas e queimadas, assim como buracos no teto e cordas feitas de panos de linho. Revistando a roupa de Paulo de Lena, os inquisidores encontraram escritos de Francisco Homem que diziam também respeito à tentativa de fuga e que foram confiscados (PSCR1326 e PSCR1327), assim como um buraco no chão, que permitiria que o réu descesse para a cela do seu vizinho.

Três dias após o ocorrido, Francisco Homem foi interrogado e confessou que havia cerca de um mês que tentava fugir do cárcere. Primeiro pensara fazê-lo sozinho, abrindo buracos na parede ou na abóbada da sua cela, mas desistira desse plano, pois a argamassa era demasiado dura. Em vez disso, queimara as travessas do estrado da sua cama, soltando as traves, para fazer uma escada que lhe permitisse sair pela janela. Nisto tudo tivera ajuda do seu vizinho de cima, Paulo de Lena, cuja identidade desconhecia, e que lhe dera um pano para fazer cordas, acabando por aceitar fugir consigo. Os dois trocavam correspondência através de um cordel que Paulo de Lena atirava pela janela à hora de comer ou então conversavam por código, falando e batendo no chão e nas paredes das suas celas. Ao plano de fuga juntaram-se, depois, os vizinhos do lado de Francisco Homem, João Rodrigues e João Mourão, pois havendo os presos necessidade de uma faca, para poderem abrir buracos, souberam que estes tinham uma e suspeitaram que também planeavam fugir. Depois de várias tentativas por parte de Francisco Homem para convencer os outros prisioneiros a partilhar esta ferramenta com ele, acabaram por conseguir, e dois dos bilhetes escritos por Francisco Homem (PSCR1326 e PSCR1327) aludem ao facto. Os quatro planeavam escapar no Inverno, aproveitando que nessa estação as noites eram mais longas, mas ainda não tinham decidido como o fariam exatamente e para onde iriam. Na noite do dia 12 de setembro, Paulo de Lena, através dos bilhetes trocados dentro do breviário, informara Francisco Homem de que já conseguira abrir o buraco no chão. No entanto, a tentativa abortou, devido à intervenção de João Esteves. Paulo de Lena abjurou em forma em novembro de 1621 e foi condenado a cárcere e hábito penitencial perpétuo, penas e penitências espirituais.

Support um quarto de folha de papel escrito em ambas as faces e outro oitavo de folha também escrito nas duas faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 11444
Folios 73Cv
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2311637
Transcription Maria Teresa Oliveira
Contextualization Maria Teresa Oliveira
Standardization Clara Pinto
Transcription date2016

Page 73Cv

Pax xpi

Pesame não ter o papel he pa responder a vm mui largo E darlhe satisfação a todas as duvidas q por momento se lhe ofereçem a vm da escada E cordoagem, mas so hũa resam lhe satisfarei a quantas duvidas tiver daqui ate q nos vamos. E he q demais de eu estimar em mto a vida quem teve habilidade e industria pa a escada e cordas terra tãbem advertencia pa as assegurar de qualquer inconveniente. E se isto não satisfas venhase vm por ca hum dia E vera polos olhos se esta tudo a seu gosto q p papel não se pode ver tãto. O gato nẽ olhar quer quando o chamo oz vezinhos se queriam ir per hũa porta q dis q esta defronte da porta da mesa q dis q por ela sobẽ ao telhado eu o tenho por fingido ou por despposito saiba vm desta porta pa ver se nos enganão. Eles tem 2 cobertores de pano fortes E tẽ de cõprido 23 pal tãbẽ tẽ lam mas não avemos de fazer conta de nada ate a noite q nos vamos. E nẽ os avemos mister mais q pa companhia Eles minão a parede da porta E por ela hão de se ir ainda q no não diserão ate gora o breviario



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