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Maarten Janssen, 2014-

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1722. Carta de frei António das Chagas para António Ribeiro de Abreu, Inquisidor de Coimbra.

Author(s)

António das Chagas      

Addressee(s)

António Ribeiro de Abreu                        

Summary

O autor pede conselho ao destinatário sobre o procedimento que teve com uma sua confessada que garantia ter feito pacto com o demónio.

Text: -


[1]
J M J Meu amo e sor
[2]
Aqui vamos continuando a nossa perigrina-ção com boa saude, e pedindolhe a Vmce cada hu de nós sua Ave Ma em cada frga como temos ajustado
[3]
não se descuide Vmce de nos encomendar tambem a Ds
[4]
e su-posto não faziamos tenção de passar de Margaride pa esta pte da Ribra de Vizella nos forão rogar com gde instancia estes frades Bentos de Pombeiro pa q lhe viessemos pregar à Igra q he frega e fica so meia legoa de Margaride
[5]
e daqui tornamos a Pedra Ma q he hua ermida gde e maior q a igra de Var-ziela d onde he frega e fica em boa comodide pa a vizi-nhança;
[6]
vejo lhe gosto de ficar a missa de Amarante pa a quaresma, porq temos ja dado palavra pa al-guas fregas q levarão athe o fim de janro
[7]
e sempre antes disso sahirá mais algua, a q não poderemos faltar.
[8]
Aquella mer pa q pedi a Licença ja tor-nou a meus pés
[9]
porem deixoume mais confuzo q na pra vés
[10]
e ainda foi sem absolvição em q ella fás bem pouco reparo, e de q mostra bem pouco sentimto,
[11]
colhi della q assistio algum tepo em hua caza gde de cavalhros
[12]
não me quer dizer de quem he, nem em q pte
[13]
e no mais fallame por termos q desconfio mto della
[14]
e se lhe acha-ra fundamto pa me persuadir tinha algua couza de louca, então ficara satisfeito.
[15]
Veio a meus pés outra das q a esse sto tribunal se tem accusado destas diabruras,
[16]
e não sei se me meteo, ou me quis tambem meter nellas.
[17]
He o cazo, q se accusou de q em doze cabelos de duas pessoas, macho e femea, seis de cada hua, tinha feito pacto com o demo de q tocandoos viria as tais pessoas peccar com ella,
[18]
estes cabelos tinha nos peitos á roda do bico delles,
[19]
e o pacto retificado sete vezes incitavaa o demo fortemte a q os tocasse,
[20]
e em perigo mui evidente disso andava emqto os tinha;
[21]
o onico remedio era abjurar o pacto como fes na minha mão, dizen-do q na outra denuncia, ou denuncias q ja fes de si mesma lhe esquecera e agora ha poucos dias lhe lembrara,
[22]
e juntamte tireilhe outros os Dos cabelos pa se quei-marem com as ceremas da igra
[23]
disseme q não tinha de quem se fiasse pa lhos tirar sem perigo de sua fama, senão hua pessoa q está daqui mais de seis legoas a q agora não podia recorrer; ou o confessor;
[24]
eu vendo a sua necesside e occorrendome q he licito tocar semilhtes ptes pa remedio das necessides corporais mto mais o era pa remedio das espirituais, me offereci a tirarlhos, não achando nenhu de nós então ou-tro meio;
[25]
pareceome ser isto licito, fazendoo eu sem mao fim, e julgando q o tocarlhe os peitos pa o sobredo effo me não cauzaria ruina algua;
[26]
ella disseme q dezejava vir nisto e q se lhe tirasse aquella occazião de culpa, porem q o demo o havia de im-pedir mto como costumava qdo se desfazia qualquer pacto, e q despois de co-mungar, imediatamte se poderia fazer isto porq então estava mais livre do demo
[27]
Recebida pois a comunhão, tornei pa o mesmo lugar do confissinro e fazendo ou simulando q se tornava a reconciliar, me disse q rezassemos o Magni-ficus, e outras couzas como fizemos
[28]
e q metesse dous dedos sem lhe ver a pte nem tocar nella com mais
[29]
e achando os cabelos os tirasse;
[30]
com esta diliga tirei dous, ou trés naquelle lugar;
[31]
porem vendo ella e eu tambem assim o entendi, q por aquel-le modo não se podia tirar em forma ficasse tudo limpo, e sem perigo de cahir algu ou pte delle porq então não se remedeava o mal, assentamos q fosse logo pa caza e eu eu imediatamte fui tambem, e com a honestide q me foi possivel, fazendo por não ver senão a pte q era preciso lhe tirei os Dos cabelos, q tinha ainda na mão pa queimar em tendo occazião de q traga estas ceremonias.
[32]
Despois disto feito me disse q tambem hos cabelos do sovaco esquerdo tinha feito pacto, pa q assim como fossem crecendo, crecesse a affeição della a certa pessoa, a qual via mtas vezes;
[33]
e sentia gdes tentações, por ter ja os cabelos mui crecidos, e q ja hu confessor (q eu tenho em boa conta) lhos cortara duas vezes, rompendo a camisa, o q bastava pa isso, naquella pte como eu fis tambem.
[34]
tudo isto foi então sem o menor escrupulo do pecco, com os olhos no bem espiritu-al daquella mer, e fiado em Ds de q sendo por este fim não sentiria estimulo algu, como as-sim foi, e sem embbo de q a tal mer era moça, e mimoza, pareceme q lhe tocava na carne, como em hua pedra,
[35]
em ambas estas diligas gastariamos hu quarto de hora, porq o demo por sua industria, ou ella por sua malicia mostrava algua renitencia, q com duas palavrinhas de exorcismos se acomodava logo;
[36]
e athe ella ou por si ou plo demo se me fes privada dos sentidos es-tando eu na diliga do 2o peito.
[37]
o q suposto depois de feito isto comecei a cuidar se fizera ou não algua parvoice; emqto ao fazer da obra,
[38]
e antes de feita não me ocorreo inconveniente nem circunstancia por onde deixasse de me ser licita;
[39]
e he certo q se eu me persuadira tinha naquillo algu perigo provavel de peccar, não havia de por mãos á obra porq nesse cazo pro estava eu q ella;
[40]
porem não me pareceo então couza illicita, nem de tal me accuso, nem accusei na confissão;
[41]
comtudo ponderando agora q ha couzas q não sendo em si pecco grave, por se executarem no acto da con-fissão o são, ou podem ser gravissimo, não sei se essas accõis q refiro, por serem principiadas in actu confessionis simulato, e continuadas em caza quasi imedite post confessionem, tem por isto algua malicia, ou irrevera contra o sacramto,
[42]
se nisto cometi algua culpa, della peço perdão a esse sto tribunal, e fico prompto pa receber o casto ou penitencia q me der; de culpa q nas das accõis cometesse
[43]
contra o sexto mandamto não me accuso, nem sinto de q me accusar;
[44]
e se soubera ou advertira q cometia algua culpa contra a revera do sacramto pareceme q não executara o sobredo
[45]
e como por aqui anda o demo fazer gdes males, e dános contra o seu credito; não sei se será isto obra delle pa me meter em algua, e q despois me em q entender metendo algua couza na cabeça á tal mer porq o demo ainda falla com ella cada dia e cada hora.
[46]
Não me lembou perguntarlhe se as pessoas daquelles pactos q abjurou estão ja denunciadas, ou ainda q o estejão se ha naquelle pacto círcúnstancias, de q se deva dar conta a esse tribunal;
[47]
porem eu ainda hey de fallar com o sogeito, e en-tão averiguarei isso,
[48]
e se ouver de q se denuncie se dará conta.
[49]
estas benzedeiras ainda conti-nuao, e por aqui curão nesta forma, como se pa isso estiverão aprovadas.
[50]
Também mtas stas não sei se são fingidas;
[51]
hua me veio aos pés q e falla com nossa Sra a cada passo e lhe revela mtas couzas,
[52]
a vida não indica a sanctide q ella confessa de boca;
[53]
outra me disse q trazia o coração atravessado com hua setta, e q todas as curas q contemplava qualquer couza o sentia abrazar em modo q o não podia sofrer,
[54]
e q este fogo lhe passa pa fora porq na pte esterior tem hua inflamação mui gde e chagas
[55]
e ja teve mais, e dellas se curou,
[56]
esta plo q ella dis tem melhor vida;
[57]
porem eu nada disto creio, e tomara saber isto por modo q de se pudera examinar.
[58]
Recebi a carta de Vmce e meu compo outra escriptas em 25 do passado;
[59]
e das q eu lhe tenho escripto suponho q todas lhe tem hido á mão excepto hua q lhe escrevi da Lixa e não plo corro de Lxa como Vmce parece q entendeo
[60]
esta escrevi e foi de em principio de 9bro.
[61]
o corro passado não lhe escrevi.
[62]
não cabe mais,
[63]
veja o sobescripto dessa
[64]
Ds gde a Vmce
[65]
Pombeiro 8 de Dezembro de 722 mto amo e S d Vmce Fr Antonio das chagas
[66]
Desta confraria não ha couza q mande dizer senão q hua pessoa destas q comigo se confessou, e de q faço menção na carta dezeja fallar com Marianna de Simõis q he a abelhinha mestra desta gente,
[67]
e ella lhe tem mandado dizer mtas vezes q tem q fallar
[68]
e proximamte lhe mandou dizer q se visse em vespera de S Andre, ou no dia em Margaride, aonde nos então estavamos.
[69]
porem como choveo não veio,
[70]
e a tal pessoa lhe quer fallar pa q se confesse comigo e se descubra mas, porq entende e eu tambem q suposto ja se accusasse a esse tribunal, não seria do dizimo do q tem feito e será do q lhe disserão a accusavão, porq o mais ou lhe não lembrará, plo pacto do esquecimto ou o não que-rerá dizer.
[71]
nesta he q está a chave de todo o jogo, e esta he q pode descubrir tudo a fundamentis
[72]
porem a tal pessoa não quer falarlhe sem vir hua reposta de hu seu confessor q se mandou ja pedir pa vermos se vem em q isso seja conveniente;
[73]
eu sabendo q nella estava hiso o ponto ja fis mto pa acolher aos pés,
[74]
e ella creio entende q eu sei algua couza,
[75]
fallou comigo de passagem,
[76]
porem por cartas nos comuniquemos.
[77]
e tudo era dizerme q por letra lhe manifestasse nego
[78]
e a de dentro deste sobescripto befica,
[79]
porem mandava as cartas por assinar, e com mta velhacaria,
[80]
asi por ulto me disse q se fosse a guimes daria tracas a cahir, e se confessaria comigo, porq não podia ser,
[81]
eu lhe disse q q afrontassemos dia e não me respondeo mais; veremos se esta q esta armada obra algu effo

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