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Maarten Janssen, 2014-

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1633. Carta de Domingos Monteiro (o Chapado), artilheiro, para o seu pai, Domingos Francisco (o Chapado), barbeiro de espadas.

SummaryO autor relata o que tem passado e garante o envio de certas encomendas, transmitindo muitas lembranças a familiares e amigos. Comenta uma série de factos que tem vivenciado naquelas partes do Oriente, como sejam a prostituição, o custo em amealhar dinheiro, a carestia dos bens, as ordens régias que obrigavam à permanência por longos períodos e os salários competentes, as relações adulterinas dos portugueses, o seu desinteresse em manter contacto com as suas mulheres e família em Portugal, entre outros.
Author(s) Domingos Monteiro
Addressee(s) Domingos Francisco            
From Índia, Diu
To Portugal, Lisboa
Context

Francisca das Neves entregou uma carta ao Juízo Eclesiástico para por ela se fazer prova da morte do primeiro marido, Domingos Monteiro, ausente na Índia havia quatro anos. A carta fora-lhe dirigida por um tal Francisco Simões, a partir de Goa, e entregue a pedido de uma suposta viúva de um marinheiro da carreira da Índia, natural de Setúbal. Um vizinho de Francisco Simões ‒ Luís Fernandes, mestre da carreira da Índia ‒ declarou mesmo que o vira escrever muitas cartas e reconheceu a sua letra e sinal perante as autoridades do Santo Ofício em Lisboa. Porém, perante o rigor do exame inquisitorial, a ré Francisca das Neves revelou serem afinal testemunhos forjados por Manuel da Costa, para que pudessem casar. Manuel da Costa não só se encarregou de escrever e mandar cartas falsas dirigidas a Francisca das Neves e ao pai de Domingos Monteiro ‒ "e que poria o nome de alguma pessoa" (TSO, IL, Processo 5432, fl. 61r) ‒ como ainda comprou testemunhas para justificar a veracidade destes escritos. A apresentação voluntária de outras duas cartas escritas por Domingos Monteiro a seu pai confirmaram que ele ainda era vivo à data da concretização do segundo matrimónio da ré.

Support duas folhas de papel escritas em todas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 3230
Folios 43r-44v
Transcription Ana Leitão
Main Revision Catarina Carvalheiro
Contextualization Ana Leitão
Standardization Raïssa Gillier
Transcription date2015

Text: -


[1]
Louvado seja o santissimo sacramento, pa sempre
[2]
Snor pai
[3]
premita nosso sor, que esta ache a Vm com aquela saude e vida
[4]
que eu de contino lhe pesso em minhas orasois pois, abaixo de deos não tenho outrem senão a Vm de quem espero me venhão, sempre mto boas novas pois tão longe estamos de nos virmos tão sedo,
[5]
o anno passado escrevi a Vm por todas as vias
[6]
e foi com tanta presa que nos deu o vizorei pa nos tornar a embarquar que não sei o que escrevi a Vm
[7]
e fes o vizorei isto pola mta falta de gente que avia em goa
[8]
escrevi a Vm que hiamos pa o sul ou pa bombaca
[9]
não nos mandou senão pa a Cidade de diu que são de goa a esta Cidade sem legoas viagem de seis ou sete dias
[10]
escrevi a Vm pello, despenseiro, da naveta são felipe em que vim que se chamao dominguos duarte que foi cutileiro amiguo de Vm que bem o conhese Vm e pello seu matalote do mesmo despenseiro domingos duarte que ambos de dous vão na naveta são felipe que se chama domingos Jorge aonde por elles mando a Vm huã boseta feita na india aonde dentro nella vão huãs contas pa Vm da costa da peixa molher mto boas estimeas Vm mto e outras de pao daquela tãobem estimeas Vm mto e hũs aneis de cavalo marinho e hũs pentes
[11]
premita deos que fosse a salvamto pa que isto fosse entregue a Vm,
[12]
e perdoeme Vm pello amor de ds, não lhe mandar algũs calsois e ou dois fardos d arros mas juro a Vm aos santos evangelhos que nada disto avia em goa quando cheguamos porque não herão ainda vindas as cafelas com fazendas a goa porque goa não tem nada senão ven de fora
[13]
mas dandome deos vida e saude eu farei o que devo a deos pa com Vm pois tanto lhe tenho Custado nesta vida e sei do modo que vm fiquou porque os tempos não hão de ser sempre hũs
[14]
novas minhas são deos seja louvado vir mto bem desposto toda a vigem depois que parti de portugal donde fiquo com a mesma nesta Cidade de diuu, aonde hei de estar tres annos forsados e os demais soldados e acabado elles me ir pa goa aonde andamos, correndo a costa de mallevares e de mtas naos de orlandezes nosos inimigos
[15]
emcomendeme a nossa snora da vitoria nos de vitoria contra elles em todas as batalhas
[16]
a mim me fizerão alferes de navio aonde Cada anno destes tres que hei de estar nesta Cidade de diuu cada anno me hão de pagar trinta e duas pataquas pagas aos quarteis
[17]
e nestas partes querse mão fechada e bolsa sarrada e mais bem lacrada porque quem asim não fizer nestas partes não tera nunqua com que se possa ir pa portugal porque nestas partes ha mtas putas que são mais amiguas da bolsa do que de seu dono
[18]
e são tais que se ouverem de dar alguã couza algum portuges ha de estar todo dia com ella na cama que tão quentes são
[19]
veja Vm de que modo se parão os homẽs nestas partes porque os mais deles morem de males
[20]
nestas partes o jugar não tem conto os pagodes mto mais e mta gente estraguada e cazados em portugal
[21]
e algũs que ha mais de vinte annos que andão nestas partes, que se lhe da pouquo tornarem a ir pa portugal
[22]
depois de ter escrito a Vm me mandou chamar o filho do sor luis João a são roque aonde esta e me deu quatro pardaos e huã bolsa de reliquias e huãs contas e estivemos falando mto devagar aserqua da sua gente
[23]
deme mtos agardesimtos disto ao sor luis João e a snora ma Correa que tem filho mto querido dos padres e mto virtuozo
[24]
so a elle achei que me favoresese em goa
[25]
anto friz alevantou a tenda e não no achei qua
[26]
he ido pa a china
[27]
meu primo anto gomes prata ainda não he cheguado a couchim conforme me derão por novas
[28]
quando tornar a goa dandome ds vida e saude falarei com anto friz e escreverei a couchim a meu primo aserqua da precurasão de vm pa ver se tem algũ rimedio e quando não eu farei com isso e sem isso farei o que devo pa com Vm pois por amor de Vm vim a estas partes aonde fiquo com saude ds seja louvado nesta Cidade de diuu mas feito mulato queimado das grandes calmas que ha de contino nestas partes
[29]
por via do sor simão galvão amiguo de Vm me pode Vm todos os annos escrever que o sor seu filho me mandara as Cartas a esta Cidade de diuu, aonde fiquo morador,
[30]
e val nella mto o esmiril de portugal pa os barbeiros
[31]
espadas e ferros d adagas mais valem do que em goa e pedras de dourador de azular,
[32]
disto tudo que diguo ha mister dro pa vir pa qua e Vm esta mto cansado e pobre mas ds acudira as maiores presas pello amor de deos e pela alma de minha mai que santa gloria aja
[33]
emcomendo a Vm o negosio da gente da mouraria porque me releva
[34]
de tudo Vm me avize mto, meudamte
[35]
eu me resebi a doze de maio de seissentos e vinte e quatro em santa Justa
[36]
se for nesesario o livro irse buscar pa alguã Couza pode Vm tirar dele hũa Certidão fazendoze huã petizão ao vigairo geral em que mande dar huã sertidão do asento que se fes quando me resebi qua nunqua fora que outro galo me cantara e nos resebeo o pe fernão roiz natural da golegam
[37]
os mais dos dias e todas as horas me alenbrão as tarefas de taboas que Vm levava todas as noites pa fazer
[38]
não hei de ir pa portugal dandome deos vida e saude sem levar dous vinteis pa ambos de dous
[39]
comeremos de araia frita da mão da snora maria da silva a quem de meus recados que eu lhe mandarei pa o anno huãs contas pa ella e outras pa a snora sua filha
[40]
mandarme ha Vm dizer quem sahio o anno de seissentos e trinta e tres por misteres e que oficios e tãobem quem sahio por Juis do oficio de Vm e por escrivão e compradores
[41]
não lhe mãndo agora nada porque não estou em goa mas estamos esperando que venha a esta Cidade de diuu aonde fiquo morador a cafela de cambaia
[42]
então lhe mandarei os fardos d arros e calsois branquos e algũs canequis e o que eu puder
[43]
qua depresa se vai anno e tudo ha de ir por via do filho do sor simão galvão e em mantas vou ajuntando as pataquas dos quarteis, e mto bem fechadas por que não aborlesão nem se danem
[44]
deme Vm mtos recados aquela velinha que vai todos os dias a nossa snora da vitoria a puxar pella campainha que me emcomende mto a nossa snora da vitoria nos devensimto nestas partes contra os malavares e orlandezes que eu lhe mandarei pa o anno ds querendo pa fazer par de capelos,
[45]
ao sor gerardo glz me de mtos recados que espero, em ds que ainda nos avemos de ver e que ainda esta vivo quem aguentou aquela ilha antigua que ainda nos avemos de ver com outra entre mãos
[46]
mtos recados me de ao sor agostinho d abreu que sou seu criado o seu obreiro a salvamto e ao sor luquas de canes e a e ao seu obreiro e ao sor mel friz e ao sor dominguos dias e ao sor bartolameu luis e ao seu obreiro luis gonsalves que nesta Cidade de diuu fiqua seu irmão que se chama gaspar roiz mto bem desposto e valente e anda no meu navio
[47]
os mesmos recados ao sor meu padrinho João de brito e ao sor romão Jorge e ao sor matheus nunes e ao sor mel roiz nosso vezinho que foi e a sora Izabel pinheira e a matheus e que eu lhe mandarei as suas promesas e ao sor mel Jorge e ao patrisio de Vm que esta com elle na sua tenda e ao sor frco rebelo e a sora sua hospeda que ainda hei de ir a tempo pa levaremos a sora sua filha a porta da igreja ao sor migel alvres que sou seu ate morte e que pello tempo adiante ele o vera dandome ds vida e saude ao sor, domingos pires e a brás pires tãobem me de meus recados que qua estou esperando por elle e quando não eu lhe mandarei, a ambos pa par de manteus pa o anno
[48]
ao sor ambrozio jaques tãobem meus recados que eu lhe prometo de lhe mandar pa a sua filha pa fazer vistido que me emcomende a nossa sora do rosario, ao sor
[49]
mais recados ao sor, anto lourenso e ao sor, bastião de xares
[50]
os mesmos e juntamente ao meu sor fernão mendes e a todos os mais que por mim perguntarem a Vm e no cabo de todos estes amigos d alma em particular, ao meu amigo do corasão e de Vm simão da costa e a sora sua molher maria pedroza que eu lhe mandarei o que lhe pormeti pa o anno que ainda não tenho mto fato de meu e que espero em deos de ter pão mto sedo que me encomende a deos em suas orasois
[51]
eu eu o mais depresa que poder ir a goa hei de ir pa mandar a Vm o que tenho na vontade e pa a sua tenda que ponhão os olhos nella e juntamte em Vm porque levo com ajuda de deos principio de ter quatro vinteis de meu pa ir ver a Vm e emquanto, não for andoos ajuntando
[52]
não faltarei a Vm emquanto qua estiver sempre com o que puder,
[53]
eu mandarei o vestido pa nossa snora a Vm o mais depresa que puder
[54]
mandeme Vm dizer quando me escrever, se Cazou outra ves porque o sonho as mais das noites e festizalo hei mto e farei com hesa snora de que o tenho de obriguacão a quem pesso se asim for que tenha mto cudado de Vm e da sua linpeza semelhante quem esta em gloria tenha de Vm
[55]
não falo a Vm em joão Remes porque me deu por o que lhe fis na sua doensa e mais seu filho bom paguo aserqua do que tinha fiquado comigo
[56]
mas he mais amiguo de tres copos e he os de bom vinho que de dous
[57]
so elle por ter o veador, da fazenda fiquou trabalhando pello seu oficio em goa em Caza de anto de siqueira
[58]
meus recados me de ao sor Jorge vas e ao sor anto roiz,
[59]
a bencão de deos e a de Vm me acompanhe e me ajude e me emcaminhe por onde for e andar e me leve mto sedo diante dos olhos de Vm antes que nosso sor o leve pa sim
[60]
a quem ds gde por largos annos como este filho de Vm lhe dezeja
[61]
de diuu hoje vinte de dezenbro de 633 annos
[62]
Dominguos Montro

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