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Maarten Janssen, 2014-

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[1754]. Carta de Francisco de São Joaquim, frade, para Maria do Espírito Santo.

SummaryO autor pede à sua amada para não dar confiança a uma vizinha, dando-lhe instruções de como deve agir para evitar o contacto estreito.
Author(s) Francisco de São Joaquim
Addressee(s) Maria do Espírito Santo            
From Portugal, Lisboa
To Portugal, Lisboa
Context

A 6 de setembro de 1754, Maria do Espírito Santo foi denunciada por uma vizinha, Antónia Maria Xavier, que a acusou de fingir êxtases. Segundo o depoimento, desde os seus 12 anos que se achava que Maria do Espírito Santo era perseguida pelo demónio com muitas doenças e achaques, como o de puxar e arrancar os cabelos, pelo que se lhe ordenaram exorcismos. Mesmo depois dos exorcismos, não apresentou melhoras e, por isso, chamou-se frei Francisco de São Joaquim Bom Sucesso, religioso de São Pedro de Alcântara para a exorcizar. Tendo ido o padre a casa da rapariga, que já teria 16 para 17 anos, conseguiu acalmar-lhe o espírito ao fim de quinze dias. Mas mesmo depois disso, Maria do Espírito Santo continuou a falar de êxtases, narrando diversos momentos sobrenaturais em que teria recebido louvações do menino Jesus, aparições de santos, da Santíssima Trindade, conversas com Nossa Senhora e mais figuras religiosas. Segundo a denunciante, tudo aprovava o dito padre, dizendo que a rapariga era uma santa e que dava Graças a Deus por tratar dela e a conhecer.

Passando o tempo e não melhorando Maria do Espírito Santo, Antónia Maria Xavier começou a desconfiar de que os momentos de êxtase eram, afinal, um fingimento, usando a rapariga estratégias para ir ver o padre ou para que o padre a fosse ver. A pedido de Maria do Espírito Santo, o padre passava as noites em sua casa, encostado à cama.. Pedia-lhe para apagar a luz de noite e, tanto de dia como de noite, faziam "ações indecentes como abraços e ações repetidas nas faces, na boca e nos peitos", que o padre dizia serem "ações boas, mostrando que a estimava pela sua virtude e santidade". Uma noite, a denunciante decidiu ver com mais clareza o que estariam a praticar, descobrindo tratar-se de atos lascivos e menos próprios, achando-os em "descomposta figura". A cada ausência do padre, Maria do Espírito Santo escrevia-lhe durante a noite, e ele vinha vê-la logo de manhã, trazendo-lhe uma carta que lhe entregava. As cartas foram entregues na Inquisição, tendo sido uma mulher, provavelmente Antónia Maria Xavier, a ir buscá-las a casa da acusada, que já estava presa.

A 25 de novembro de 1754, Maria do Espírito Santo sentiu-se mal no cárcere por estar grávida, facto confirmado por um médico que se chamou e a examinou. No dia 15 de junho de 1755, dia de São Vito, às 21h, nasceu um rapaz, a quem a mãe deu o nome de Vito. A Inquisição de Lisboa ordenou que a criança fosse posta na roda dos enjeitados com sinais que a pudessem identificar, para o caso de mais tarde o quererem ir buscar.

Sendo interrogada sobre as cartas, Maria do Espírito Santo disse que nelas tratava o frade por pai, e ele a ela por mãe, e que os dois tratavam de assuntos variados, como saber da saúde um do outro, escrevendo-se sobretudo quando ele se ausentava para casa de parentes. Ela escrevia-lhe durante a noite e de manhã entregava a carta a um portador, Inácio Xavier de Cristo, filho da vizinha que a denunciou. Disse também que o plano que tinham os dois era o de viverem juntos, continuando ele com o hábito de religioso.

Entretanto, entre 1 de novembro de 1755, dia do terramoto de Lisboa, e 6 de setembro de 1757, o interrogatório foi interrompido. Quando foi retomado, perguntou-se à acusada porque saíra ela do cárcere no dia do terramoto. Explicou que nesse dia, sendo já de noite, após o terramoto, o alcaide lhe abriu a porta do cárcere e ela saiu mais a sua companheira de cela e as outras presas, e foram postas no quintal do cárcere até ao dia seguinte. Nessa noite, foram mandados todos os presos para o Rossio e depois, por ordem do Santo Ofício, ela foi posta em liberdade, assinando um documento para aparecer dali a três meses. Dirigiu-se, então, para a casa da Condessa de Pombeiro, onde esteve 15 dias, depois para casa de sua mãe (perto de São Bento), aonde a foram buscar por ordem do Santo Ofício. Esteve presa por seis meses, durante os quais adoeceu gravemente, tendo sido levada para o hospital. Disse que nunca mais teve visões ou aparições, que nunca mais viu o padre Francisco, mas que a sua mãe lhe dissera, durante a sua convalescença, que o padre lhe escrevera duas vezes a ela e uma vez à mãe, achando estarem essas cartas em casa de sua tia, Ana Maria.

Maria do Espírito Santo foi condenada a ser açoitada pelas ruas públicas da cidade de Lisboa “citra sanguinis efusionem”, a degredo por quatro anos para Évora, a penitências espirituais, instrução ordinária e pagamento das custas.

Support meia folha de papel não dobrada, escrita em ambas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 1525
Folios 80r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2301421
Transcription Mariana Gomes
Main Revision Catarina Carvalheiro
Contextualization Mariana Gomes
Standardization Catarina Carvalheiro
Transcription date2015

Page 80v > 80r

Snora

E minha querida May da ma alma e vida do meu coração e susten-to da mesma vida se vmce pello q divizey se apartou da Igreja sau-doza tãobem eu fiquey sentindo hua penna sem igual q se Ds me não ajudava não sey o q havia de ser de mim e asim pessolhe q se não esqueça de me ajudar em pedir a Ds me despaxe a peti-ção q lhe tenho feito q so asim poderão os nossos coraçoens ter algum refrigerio senão viviremos em hum terrivel purgatorio mas se for vontade de Ds facasse q eu o q sinto he vella padeçer e não a poder comsolar vella cheia e cercada de inimigos e não a poder livrar vella metida emtre gente falssa e imgrata e não a poder retirar de semilhantes companhias porq asim como eu vivo estou mto prezo e não posso fazer o q devo e dezejo O Ora snora como vmce me contou q a sua vezinha vay comversar com a sua madrinha ha de me dar licença pa lhe dizer o q emtendo he comveniente a sua pessoa e a minha tãobem e não se ha de aflijir porq se o quizer fazer fas o q nos comvem e se não quizer não importa terey paciençia ainda q eu padeça algua couza Ds me ajudara e o q eu padeçer sera pa pagar as ofenssas q a Ds tenho cometido e asim digo a vmce q ja Ds esta declarado em q lhe não comvem a amizade da sua vezinha nem lhe está bem fazerlhe os favores q lhe tem feito e a rezão he porq ella se esquesse logo do bem q lhe fas e não se aproveita dos auxillios q Ds lhe tem dado agora ja não tem desculpa porq ja a avizarão e lhe diçerão quem vmce hera e quando la dormio vio q vmce fes de noute q se lhe permitio isso pa seu dezemgano e ella o q fas vemos nos vay pa caza da outra e ella la ha de lhe tirar tudo da lingua porq a outra he mui sabida e ella he tolla e ha de fazella hir outra ves a emquizição e ha de aftrapalhala e ha de então perniar e vir ter com noses e eu não lhe hei de valer porq não lhe hei de dizer nada porq como he tolla não quero q me va emcravar ella vay la contar o q nos fallamos e o q fazemos e asim ha de a madrinha levantarme outro emredo e com a vezinhança veja vmce então se lhe pareçe bem fallar com ella ou servilla e dar lhe hua couza e outra e ella então hir murmurar de nos vmce se a consentir em sua caza deitame a perder ou poemse no perigo de ella armar algua com q eu la não possa hir veja vmce o q quer se quer comservalla a ella ou a mim vmce o q ha de fazer de hoje em diante he não hir com ella a parte algua ainda q ella queira diga q eu q não quero porq asim não fas mal a nimguem nem a mim mo farão e q se for ma q o quer ser so e q não quer quem lhe vejie a sua vida e quando eu la for ha de me dar licença pa lhe dizer diante da snora sua May q se ella for a caza de sua madrinha não ha de vir a sua eu estimo q vmce lhe desse o Rozario pa ella lho ver e saber q o não tenho



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