Illmo e Exmo Snr Á hora indicada hontem por Francisco de Al
poim, isto he ás des da manhãa, me achei
em sua casa. Depois de vagas declamações
contra o Governo e Congresso, partimos para
casa de Francisco Neves, a quem Alpoim
me disse que ja tinha fallado em mim.
Fizemos caminho pela rua da procissão,
e a huma janella baixa das casas do defunto
saturnino, fallou Alpoim com hum homem
ja idoso, que me disse chamar-se Madureira,
transmontano, e coronel de Milicias. Este Madu
reira disse que a Hespanha estava cheia de
convulções, que o sistema constitucional estava
espirando naquelle Reino, que immediatmte
em Portugal se seguiria a subversão do nosso;
que no Porto acabava de haver hum grande
ruido, que estes infames vião hir-se aproxi
mando a sua hora. Depois da despedida, per
guntei áo Alpoim que homem era aquelle?
respondeu-me que podiamos contar com a sua
espada, e nada mais.
Chegamos a casa de Januario Neves ás 11
horas e hum quarto. Não foram necessarios es
clarecimentos alguns para se entrar em ma
teria. Alpoim começou desde logo as suas usu
aes declamações; o Neves mostrando ardentes
desejos de concorrer para, por meio de huma
revolução, transtornar a ordem estabelecida, concor
dou com Alpoim em tudo até áo momento
de se tratar do plano. Aqui differirão de opi
nião; porquanto Neves julgou arriscada a
prisão, e deposição d' El Rei, áo qual disse
que o povo tinha hum respeito supers
ticioso. E posto que elle (segundo affirmou)
julgasse Sua Magde muito incapaz, sabia
que tudo faria quanto se lhe mandasse; e q
o negocio do Infante se havia de tratar passa
dos os primeiros tumultos. Tãobem se oppoz a
que se fallasse em cortes velhas, e em privile
gios da nobreza; e disse que nada se devia pro
metter á Nação mais do que a convocação de
novas Cortes, destruição do sistema republicano
e providencias saudaveis; por conseguinte de
clarou que a proclamação do Alpoim, que
na vespera me fora lida, tinha muito que
emendar. Altercarão os dois, e Alpoim mos
trando-se convencido, annuio ás razões do Ne
ves.
Fallou este em Queiroz, e em hum Padre
fulano Rebello; o primeiro he official de hu
ma das secretarias d´ Estado, e o segundo creio
que seu hospede. Alpoim affirmou que pouco
se fiava de Queiroz; mas que lhe servia pa
ra saber delle o que se passava na secretaria
do Ministro. da Justiça. não caracterisou o Pe
Rebello; e acabando esto sahio áo correio.
Depois me disse Neves que este Queiroz não
era affecto ao sistema, que juntamente com
elle Neves, e hum outro havia posto huns pas
quins que fizerão grande sensação; mas que
na verdade tirava delle muitas cousas, sem lhe
communicar os planos que tinha concebido
porque advertia ser elle criatura do Ministro
da Justiça, a casa de quem hia frequentes
veses; mas que não era prudente que elle
soubesse cousa alguma. Disse-me tãobem q
o Alpoim, posto que bom Moço, requeria
ser tratado com cautella, porque fora outro
tempo conhecido por peralvilho, e que actual
mente estava mal visto do Governo. Que tinha
hum homem mui seguro que se achava
agora na Provincia. Nisto chegou de novo
o Alpoim, que fallando tãobem em abono
deste, disse que lhe hia escrever; pois tinha
pactuado com elle. corresponderem-se sob no
mes suppostos; que este homem podia na
Provincia ser de muito proveito, derramando
o descontentamento pelo povo, e leva-lo á
desesperação persuadindo o da existencia
dos planos iniquos das Cortes.
Fallou Neves no filho do Sandoval, que
fora preso hontem, e contou a historia da
sua vinda de Badajoz a Lisboa como se
segue.
Sandoval, depois que chegou a Badajoz, tentou
continuar a escrever com o mesmo espirito
com que o fazia em Lisboa; e tinha ja a
sua primeira folha na imprensa quando
lá chegarão dois individuos mandados desta
capital pelos Massons, para por meio de
intrigas com os de Badajoz obstarem á pu
blicação dos escritos de Sandoval, o que real
mente conseguirão.
Sandoval vendo-se descido da esperança
de imprimir; e achando-se sem carta al
guma dos seus amigos de Lisboa, ignoran
do se alguns successos extraordinarios terião
motivado este geral silencio, manda seu
filho para tirar palavra de tudo; e tivera
a leveza de o despedir sem passaporte. Che
gado o rapaz a Elvas fallou com o Brigad
João da Silveira, que o acolheu bem, e lhe
disse que estas cousas cá em Portugal estavão
muito melindrosas. Depois de ter fallado com
o dito Brigadeiro, foi chamado pelo Juiz de Fora
mas temendo que por falta de passaporte, en
contrasse tropeços para seguir a sua viagem,
sahio da Praça via de Lisboa, e veio direi
to a Aldea gallega. Ahi tendo fingido que fora
a casa do Ministro apresentar o seu passaporte
aproveitou se de huma falua, e desembarcou
em Lisboa. Veio visitar Neves contou-lhe o
motivo da sua vinda, que ja fica referido,
e a historia da viagem. Hoje escreveo lhe pe
dindo-lhe que o fosse ver; mas este diz que lá
não vai para se não expor a algum compro
mettimento; e acrescenta que não só Sandoval
não recebera cartas, nem outros papeis mandados
pelos seus amigos de Lisboa; mas que tãobem
nenhum destes recebera carta alguma das mui
tas que elle de Badajoz lhes escrevera.
Fallou se no Dialogo das Estatuas: eu o li he hum
papel infame. Neves mostrou desejos de o impri
mir; e inclina-se a faze-lo depois do dia 29
do corrente; porque acaba então o mez concedido áo
Governo para poder deportar para terras do Reino
sem processo os individuos que julgar. Não se tra
tou mais cousa alguma que mereça ser men
cionada.
Rogo a V E a graça de fazer esta participação
presente a S Mage se o julgar conveniente.
Ds Gde A V Excia Ms Ans
Lisboa 18 de Maio de 1822
Illmo e Exmo Snr Jozé da Silva Carvalho
Rodrigo da Fonseca Magalhães