PSCR0047 1576. Carta de Julião da Costa, oficial da Coroa, para Maria de Almada, sua mulher. Author(s)
Julião da Costa
Addressee(s)
Maria de Almada
Summary
O autor mostra-se confiante quanto à entrada da filha no mosteiro de Chelas. Além disso, dá notícias da sua estada na Índia e faz recomendações à destinatária, sua mulher.
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Aa Snrã ma d allmada en lixa mi
nha senho rã – d arsea en casa
do sõr bispo don mell d allma
da ou ao sõr ãto soares escri
vão da caza da India a porta
crus
1a va
de Jullião da costa
Snra
por via da Ilha da madra e do brazill lhe escrevi o q fizera por mill viaz
se por tãotas me fora posivell e o q agora mais sinto e não no
poder fazer senão de ano en anno Ate q noso sor me tire
deste cativeiro – ben creio snra q estareis esperãodo novas
de minha viajen e saude as qs são fazerme noso sor nella
mtas ms e darnos mto viajen e con saude de todos sen nos
morer pa nenhũa e viemos A goa en sinqo mezes e mo primro
q todas as naos / ainda q não tomamos mosaĩbique mas não
nos foi nesesario porq nos não falltou nada por aver senpre
mta agoa pa os pobres e a mĩ sobejou mta e galinhas e mtas
couzas mais e conpartir con mtos q tinhão nesesidade ho q foi
cauza de noso sor mo acresintar e serto asin paresia –
fallar en minhas saudades quero escuzar pois e serto q cada hũ
de nos por sy pode jullgar ho q o outro podia sentir e se
tãoto A de custar apartarse A allma da carne como a mĩ
custou ese apartamto des aqui e con mta rezão comesso a sẽtir
e chorar esa teribill ora q lhe pormeto q en tall estremo
me pos minha vinda q de todo estive detriminado A não
vir a esta terra e deixar fazda e tudo o mais q della
pertendia por sra não deixar a vos mas teve tãota forssa
a nesesidade pa comigo q me fez negar amor e vontade não
q en mĩ se pdese nenhũa destas couzas q digo mas
por
q vivemos de manra neste mũdo q pa nelle viver e ne
sesario deixar ho omẽ liberdade e võtade propia e entregarse
no q elle pede e Requere e porq isto não va mais por diãte
e não mate a anbos escuzo de dizer couzas en q me deleitava
porq ho tenho por milhor remedio q dizello pois por ora se
não escuza viver apartado de vossa conpanhia de mĩ tão
dezejada de mto pouqa idade A q furtuna me foi me foi
senpre tão contraira q me não nada do q tãoto dezeJava
q ben lhe poso chamar nada pois q eses pouqos diaz q tive con
vosqo forão senpre tão inquietos e sen repouzo –
lenbrame q deixei A meus fos A qn mto queria cujas lenbransas
me dão tãoto sentimto q ho não posso dizer mas coando chego sra
as vossas – acabo e não vivo mais porq estas são as q de tudo
me tirão os sentidos ho ser e a vida e nesta pena viverei en
coãoto viver vos não vir – mãodayme sra mtas novas de vosa
saude e pa pois dellas vivo e de meu fo luis d allmada
e se vay Ja ao estudo q na escolla ja não fallo – e asin
as peso particullarmte de minha fa qn mais trago no sentido
e mais trabalho me da porq he molher e algũ tãoto de
sua condisão della quero as novas mto meudamte q depois das
vosas – so nellas espero descansar se de meu gosto forẽ coãoto
A ma preta ellas mas
mãodara de sy q idade ten pa isso
mas todavia as quero e dezejo posto q nos não conhessamos
ella e eu –
quero deixar lenbransas q matão e não sven por ora de mais
e vir a outras en qn espero restaurar parte de meus des
gostos e saudades – A ql he pidirvos sra q conformemos a ãbos
nesta minha võtade pois o fezistes senpre no mais o q vos
sra pesso por saber q tivestes senpre A mesma võtade –
q e daremos A nossa fa A parte de ma manella a quẽ
xpo dise q escolhera A milhor parte en deixar tudo po tornar
a elle e q se ds foi svido de trazer ese dinhro da mina
q a metaĩs freira pois isto e o sto e bon e ahi pode ganhar
o paraizo q se ben lhe queremos isto e o q lhe devemos de dezejar
pois e isto e o q agora mais dezejo pa refugio de meus des
gostos ho q con ella gastardes quero q va A minha cõta e
escrevemo sra porq logo vos mãodarei outro tãoto pa cõ
prardes en fazda e pa iso o buscarei e me enpenharei e le
varei mto gosto en o fazer – porq sendo isto como digo me
poderme ey ir pa ese ne reino como acabar o meu cargo de
ormũz e d outra manra sera nesesario andar qua mtos anos
pa poder partir con minha fa como e rezão ho q não podera
ser senão A custa do q digo e con a vida senpre mui
arisquada – pesovos sra q ponhais diante A vos e a vosa fa
os trabalhos en q tendes e os q pasastes depois depois q con
vosqo cazey e q iso e o mais baste pa vos mover ao q digo
põde de tras saudades e auzensia de vosa fa q não saira
da terra nen Ira sobre o mar / e a mĩ sera iso parte de
de me levar ds mto sedo a ese reino q pois sra sofreis – a
minha auzensia e por tãotos anos con a vida tão
arisquada por amor de vos – justo he q sofraes A de vosa fa –
tendo A tão perto e con a vida tão segura – fiqo mui con
fiado q na reposta destas me escrevera q são ja meus deze
jos conpridos e fiqa minha fa no mostro q sobre estas espe
rãsas vou ja vivendo e descansando e o digo a meus amigos
todos q tenho hũa fa freira / ao snor bpo pode pidir de
minha parte toda A ajuda e favor pa isto e pa o mais
q tall amor e võtade me mostrou senpre q creio delle
q q en tudo o q se oferesser me fara mtas ms coanto mais
en couza tão justa e de sviso de ds e o mesmo fara don Jo
A quen pode acupar en tudo –
Eu sra conprey qa hũs moinhos por sinqoenta mill rs q rẽden
sesenta alqueires de trigo e não sei coantas galinhas e
pagão de foro quinze alqueires como como vera plas
escreturas q mãodo por tres vias – os qs conprei A hũ
paullo cabrall cunhado de po frz tronqro do arsebpo pa quẽ
vão cartas con estas minhas e nesesario q antes q lhe
mãoden as cartas mãodeis chamar po frz mell frz e lhe
digaes q Roge A po frz q aja esta venda por boa e lhe
dares A cartas q vão pa elle e pa po frz e pidirão A po
frz os titulos e escreturas dos moinhos – e asĩ e nesesario
saber quen he o senhorio dos moinhos pa q lhe rogen pa
algũa pa q os não queira plo presso – diz este mãosebo
q ho molro e obrigado A trazer este trigo A lixa e
q ao mesmo molro arendou os moinhos po este preso po
nove anos con hũa tera q ten os moinhos po ẽtão a conprei
con tudo o mais q ptencer aos moinhos – os qs nove anos
diz q se acabão Agora se lhe la pareser ben darlho plo
presso fasao ho q tudo sera p conselho do lesensiado
fernão duarte – outro irmão deste paulo cabrall e
cunhado de po frz anda qa e ten hũas teras de pão
en punos as qs me quer vender saibão de po frz o q
renden e o q vallen pa lhas conprar –
pesovos sra q não aja couza q fos fasa ver nen ouvir novas de
pesoas aqui con tãota rezão o deveis Asi de fazer e não bastẽ
pa iso apostolos nen outras pas pa acabarẽ convosqo couza
q en tãoto sentirey valha eu e a rezão nisto con ella
mais q todos nen baste poren ha nesesidades pa lhes valer
p sỹ nen p outrẽ llenbrelhe q não quis eu nũqa valer
ao prezo sendo minha may prezẽte q me a mỹ mto magoava
ãtes tinha gosto de lhes ver trabalhos e nessesidas eu
dando q iso q iso seria parte se enmendar e chegar pa
ds e deixar o diabo
Eu sra não entro no meu cargo de ormũz senão daqui a tres A dous
anos porq ho q serve não entrou qoando coando ouvera
por hũ enbarasso q teve – do q fiquei tall q endey pder
o sizo mas espero en ds q ho ey de svir e me A de fazer
mtas ms pello q lhe vos sra mereses e eu vos pormeto
q q tãoto q ho acabar me va logo pa vos asin ds me
sallve porq este e a minha võtade e dezejo e nisto
podeis viver sigura e confiada –
lenbrarvos sra q A nĩguen custa mais ho dinhro q A mĩ tenho
por escuzado porq o sabeis pello q pasães q ben basta ser elle
parte de vos deixar nesa terra soo – q me custou como q se
me arãocara a allma do corpo e pa tãoto tenpo pa como
digo me custar mais mais q A todos ainda q deixen mo
lher e fos porq pa o sentir tenho eu mais rezões q todos
do q vos sra soẽs boa testemunha isto digo somte pa
qte que se alguen vos pidir o voso lhe ponhaes o q digo diante
e a vos pa ho não dardes – e coanto ao q for nesesario
pa vosa pa e caza lhe peso e rogo por vida minha q ho
gaste mto largamte q eu pa iso quero o dinhro e não pa
outra couza e fazendo o asĩ averei q folgaes de fazer
sra o q vos pesso q espero en ds q me A de dar vida e q vos
não A de falltar por iso en nenhũa couza re
seberei mor gosto q en saber q levais mto vida e q não
tomais nenhũ trabalho nẽ desgosto q ho sentirei mto q pa
resse rezão q bastẽ os trabalhos passados q ben entendo
q so sra vos podereis con elles – e pois isto Asĩ he não fasais
ho contrairo do q vos peso se quereis q viva con algũ gosto
e seja isto de manra q me escreva este ano q ven q fiqa
mto gorda e ben desposta porq eu o mesmo fiqo ds seja
louvado e a sra dona ma peso q vos queira mexiriqar comigo
se fareis o contrairo e mo escreva mto meudamte q espero
en ds que vos A de dar senpre o nesesario por isso não deixeis sra de
gastar ho nesesario pa o q se faltar dro venda as pesas q eu
levarei outras milhores se vender esas
mãode chamar fernão lopez e pgũtelle ho q p vall hũa pesa de
chamalote con agoas e coanto covados A de ter e o q
vall cada covado porq en ormũz A mtas q dizen me q
ten valia en lixa folgaria de ho saber pa mãodar algũas
e se valerẽ mãodallas ey todos os anos e não se esque
sa de me responder A isto –
Coando me escrever digão os sobreescritos q se darão en
goa A dio carvalho notaro do vizorey ou a mell nunez A
sãta luzia ou A dio froes A nosa sra da lũz e q se
as naos tomarẽ cochin as den A migell de ganboa
ou A mell callasa –
A sra ca cara minha comadre beijo mil vezes as mãos
e q me encomende ao sor en suas orasões q lhe encomendo
seu afilhado – no caixão vai hũa pesa de touquinha
pa veo re vormelha q me encomendou e q dizeilhe
q não ven agora as outras maiores q forão a vir mas
q se esa basta pa o veo da freira q he mto fina e boa
custou hũ cruzado la vos avinde con ella –
A ma d allmada q seu marido po caldra hia na nao q se
pdeu o ano pasado e q levava corẽta mill cruzados isto
serto – e agora veio da perdisão porq se sallvou toda
a Jente e en hũa nao q fizerão pequena na ilha
onde se pderão en q se sallvarão e algũa fazda
dizen q con ho q lhe fiqava na India coando se
en
barqou e con a pedraria e allmiquer e anbre q
sallvou ten ainda perto de vinte mill cruzados
e q não sey coando se ira –
quero hũa carta sua de mtas folhas de papell en q mto lar
gamte me de cõta de si e sua vida e o q A mister A
inda q o eu saiba e quen na vizita – e mãodaime
sra pidir tudo o en q tiverdes gosto porq en vollo
mãodar sera ho meu e não ajais sra medo de pidir
A quen tomastes por penhor ho prinsipall q nelle
avia –
lenbrame q hũa vẽz me encomendastes q me goardase das frutas da
tera porq erão perjudisiaes e q me goardase de as comer no que
serto sra asertastes – q taes são elas q fazen ben de mall A
quen as come e mais A mĩ q venho custumado as boas desa tera
q e o q me faz ter mor avorisimto a estas de qa e por tãoben sra
cunprir o q me mãodaes tenho detriminado e asi A de ser de as
não comer e nisto estou mui seguro e o mesmo podeis sra estar
vede sra mtas vezes As minhas lenbransas e fazei tudo ho
q nella pesso e não aserte de fiqar algũa couza de ver
por falta de a ler e asĩ me escreva se arecadou
todo ho dro q se me devia e se vendeo a roupa e por
coanto –
coanto A Jorge da Costa mãodolhe q en tudo lhe obedesa
e q se venha pa qa asin o aconselhes de coanto este
ver en lixa pouze con minha tia ou con algũ amigo
q não seja de caza do jeronimo pra ou onde quizer ho
mesmo follgaria q fizesen os maĩs ospedes porq são
contrairo de gritos e desenquietasões e por asin ser cus
tume a quen não ten seu marido en caza como sabe
o mesmo voso irmão ãto fragozo e asin o uzão en caza
de vco lourenso e mais porq hos ospedes são de condisões
q fallão senpre e fazen couzas q eu não fallo nen
fasso ho q e perjudisiall asin pa a vizinhansa
como pa quen ten hũa fa molher A ql não
e rezão q ousa mtas couzas q se fallão q dizen eles q não
e nada e do mais folgaria q ouvese mta conformidade
e amizade
A sra vosa tia beijai por mĩ mtas vezes as mãos q seu fo luis
d allmada anda mto ben desposto mas não ten dinhro
q foi Agora daquy ãtes q eu viese pa malaqa con
fazda de hũ omẽ q he cazado con hũa prima de sua
molher A sra Izabell de teves e sua fa beijay
por mỹ as mãos e o mesmo a minha tia e prima
e a minha comadre ca do carvalhall –
coando me escrever respondame A tudo o q lhe escrevo sen
falltar nada e pa iso veja a ese tenpo as cartas
Coanto as encomẽdas q mãodo as pas do q troux outras vão no cai
xão q leva Jo gomez na nao Caraoja ho ql e marinhro
della pella minha lenbransa no cabo della vera ho q
e pa cada hũ ho q tudo sra mãodareis asĩ como o mãodo
por
q me vai niso meu credito e se as porsellanas q mãodo ao
bispo e a martỹ ao ao po quebrarẽ algũas seja A quebra d anbos
pa q não fique hũ con tudo e outro nada – as encomendas
todas vão en hũ quaixão q leva Jo gomez marinheiro na
nao Caraoja q e nesesario l mãodar pidir a ãto soares ou A
mell pĩto q v mãode recado aos goardas q ho deixen tirar seu
ser A caza da india e tanben maodai recado ao bpo q mãode
lla pidir q não vão as suas encomẽdas A caza da india e
se forẽ paguẽ os donos das encomendas os direitos –
eu mãodo A don Jo vinte e coatro aratẽs de q laqure e hũ
buzio lavrado da china q tudo vai dentro no caixão de minha q he
fa e ma duzia de canas de bengalla o q tudo lhe mãodareis con
A minha carta e hũs carosos e pevides de laraõjas q elle mto
A de prazar as qs não sei Ainda en q irão se mãodar algũ
dinhro disto tomaio e escreveme o coãto e o q faz e não lhe
esquesa de mo escrever pa saber ho q ey de fazer en antes
outras encomẽdas suas Areqadareis de don jo martĩ ao hũ
cruzado de frete das encomendas e tres joas de po frz e se
o bispo mãodar algũa couza tomaio – q ja de qa vai pago
Jo gomez – hũ bertollameu de llemos vai este ano e ãto
lopez q cudo q vos irão ver escreveme sra quen vos vizita
e ve pa saber A quen devo –
mãodaime sra mtas novas de vos por me fazerdes m pq de
dellas so vivo e nellas tenho minhas esperãosas Ate q noso
sor aja por ben de me levar diante dos seus olhos
A quen peso se lenbre de vos e de mĩ e de nosos fos
pa seu sviso A quen cubra de sua grasa e de sua ben
são a quen e a minha bensão os cubra e a vos elle
de vida por se não acabar a minha beijo vos sra
as mãos
de coçhin
A 3 de dezro de 1576
de voso marido
Jullião da costa
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