J M J
Rmo Sr Fr Agostinho de Jhs Maria
Meu Irmão e Sr sempre da ma especial veneração estimarei
que Va Pe
logre saude, para com ella fazer mtos serviços a Ds
e se sirva da q me assiste em o que for de seu agrado.
Amigo ja ha tempos, que ando com alguns estimolos na conci
encia, q me obrigão a escrever esta, porq sei q em Va Pe
esta prudencia
capacidade, e segredo pa ponderar o que quero relatar-lhe.
Lembrado estara Va Pe que ha perto de 2 anns ou couza q o valha
que eu vi de hũa carta que Caetana Umbelina deste
Lugar de Salzedas
lhe inviou, pedindo-lhe certos suffragios pa haver de se salvar a alma da maỹ
de Va Pe a Sra
Maria teixeira: Va Pe como Religo amo e prudente me in
viou proguntar, que arenga era aquella? suppondo q poderia ter, ou alcançar al
gua notícia; e não se enganou, porq tinha tido cabal conhecimto da arenga res
pondi a Va Pe
o q sabia no cazo, q era hũa Maria de Ramos deste Lugar Va
de Manoel Miz, q andava com aquellas invençoens,
de propositos, ou delirios. E
inclinando-me a piedade, julguei q aquillo erão fatuidades de molherinhas, que
poderia ter emenda com dizer-lhe a doutrina, e
verdes de nossa sta fé. Assim o fis
a ella, mas mal aceito; e dei a entender a Va Pe q não acreditasse o dito de
doudas
como não acreditou. Como politico respondeu a tal Caetana da Umbelina
(hoje cazada com João dos Aos) como devia responder; e eu lhe entreguei a tal
car
ta, q a mandei chamar a Igreja pa lha dar, e tambem hua aspera correção sobre
o seu falso zelo. E como a carta confirmava o q e
dizia, e tinha dito, tambem
o estimei, pa q visse q lhe dizia a verdade. Porem isto importou de pouco, porq
sempre ficou
no seu errado conceito, respondendo-me como por escarneo,: que sim
seria tudo como eu dizia, q o q ella passava, so Ds o sabia, dando-me
a entender
q a tal alma tambem lhe cauzava suas dores. Emfim como vio, q eu era con
tra, disfarçou o q pode, e entendo q
com as Sras Irmãas he q mais se declara
ria, porq como neste negocio era procuradora de Ma de Ramos havia de fazer as
ptes
mto bem feitas pa as capacitar a fazer os tais pedidos. Esta carta, q foi a Va Pe escre
veo-a
hum cleriguinho, q abaixo direi, q este merecia com hũas boas diciplinas
por concorrer, e fomentar estes dilirios, a fim de comer, e do lucro de alguã missa.
As Sras Irmãas como tinhão a ocazião de alguãs vezes se virem con
fessar a esta igreja bastantemte me custou despresoadi-las do medo com q
anda
vão, e falsa preocupação, dizendo-lhe a verdade, e intimando-lhe q antes pecavão
se concorressem inda com esmollas por tal motivo; que as fizessem sim mas como
suffragio pellas almas do purgatorio, e tambem de sua maỹ, porq a bondade de Deos
a acceita; e que todas aquellas pessoas, q lhe persuadião os tais suffragios
pedidos
pella bocca de outra, ou outras como vozes de alma particular as reputassem
por doudas, dilirantes, ou invencioneiras etcra Nisto ficarão certas; se bem não
sei
se depois lhe mandarião dizer alguãs missas, esmollas etcra porq o sr Pay
tambem abominava isto.
Cuidei eu q semilhantes couzas esta
vão soccegadas, qdo não ha muitos tempos torna a tal Maria de Ramos a fingir que
tinha em si a alma da
mer de Joseph Montro lavrador, que para haver de se salvar era pre
cizo taes, ou tantas missas, tal romaria etcra e a persuadir,
ou a mandar persuadir isto
os filhos, e filhas de tal defunta Verbi gratia a molher de Silvestre de Aguiar, e outras parentas, que
promptamente fizerão tudo, e o
cleriguinho acompanhando o farrancho as romarias, e
pondo os preceitos para falar etcra
Ora va vendo. Passado pouco tempo torna com outro despreposito
dizendo que dentro em si tinha, ou nella falava a alma de Bernardo de Oliveira
por alcunho o fas mister ,
(este moço cazou com Clara Maria deste lugar filha de Eria de
Cravalho, era soldado auxiliar, morreu de hũa bala no cerco de Almeida) persuadindo a
tal viuva, que
seu marido como morrera daquella desgraça não tivera com quem repartir
a sua vida, que andava a 3 annos por aquelles montes, ou monte de Santa
Elena desemparado
que assim queria tantas missas, taes esmolas, e romaria a Santa Elena, e que la se dissesse missa
e que asim iria
para ceo. Logo a molher e mais alguns parentas, e a tal Maria de Ramos com
o clerigo forão satisfazer o pedido a romaria, missa, onde (me dizem) falou o
que quiz, e o
zote do Clerigo a por o preceito para falar etcra tambem se havião de dar esmolas etcra
Agora dizem-me, que tem dado a entender, que tambem a alma de Eria de Carvalho
falecida havera hum anno may da vila que
asima digo anda pedindo alguãs, ou certas cou
zas; porem como ja obrão com tal resguardo, e segredo não posso ter caval noticia do
que se passa no cazo.
A esta Maria de Ramos o primeiro despreposito, que lhe
ouvi, e conheci foi havera 5 annos dizer ella, que a alma de seu marido Manoel
Moniz viera
despozar-se com ella outra ves, porquanto o primeiro matrimonio em vida nao fora
bom por ser feito por amores, ou
ella o obrigar a cazar; e o mais que ja me não
lembra, porque como tomei aquillo por delirio, pusme a rir, quando mo disse, e não me
nos que
me mandou chamar a sua caza para se confessar, porque dizia ella que estava
muito doente; eu lhe disse, que se curasse,
que se emcomendasse a Deos que então se confessa
ria; que quem asim dizia aquilo, não estava capaz de confissão etcra logo a mer descon
fiou de mim. Depois forão-se seguindo as arengas pella ordem que rela
to
He de saber que esta molher nas ocazioens em que ella dis a apertão mais as al
mas para pedir, ou falar, finge, certos ou verdadeiros,
huns dias soluços, em outros fal
ta de vista, dores, fastios, etcra e que anda muito agil, tendo para si, que so o seu remedio são
os
preceitos, e exorcismos, ou rezas como ellas lhe chamão, e que por força delles fala, co
me, e passa milhor etcra e sobretudo o satisfazer-se o que ella pede
para a alma a deixar
de molestar, porque emquanto o não satisfazem lhe anda cauzando aquelles effeitos; depois
segue-se dar parte disto a
quem toca para a satisfação que entendo ha de ser o padre dos exorcis
mos para o recado ter mais efficacia. Como ella não he de todo
pobre tem sua
pipinha, bolos de Lamego em que trata, sempre no fim da reza se molha a bocca, me
renda etcra. E asim nunca lhe faltara desta rele de
ignorantes, como são quasi a
mayor parte dos clerigos destes coutos, quem lhe faça a imaginada caridade. Porem a quem
nisto julgo culpado he ao
Padre Luis Monteiro seu vizinho, que Vossa Paternidade conhece muito bem, que
de 15 ou 16 annos se
foi ordenar com reverendas falsas, e como vão sem sciencia, e
capacidade asim ficão, asim vivem e os desgraçados Prelados desta caza por amor de
quatro empenhos, tudo
passão, e como alcanção Licenca de dizer missa ficão navegados
que em conciencia alguns, como este a não podem dizer sem dispensa; e com presum
çoens de
exorcista oculto , (que eu não sei que tal Licenca se lhe de) e proguntado elle testemu
nha pello contheudo no conjuro disse nada, ou o que quis.
Tambem presumo, que os confessores, ou confessor a esta molher lhe aprovão
estes dilirios, porque se ella achasse hũa universal repulsa se desenganaria
Aqui vem muitas vezes o Padre Santos de Meixedo, que he outro tal como o de sima
e demais alcançou licença para confessar, por
valimento do Capitam mor, que me pa
rece mal distinguira o portugues; eis ahi posto com estas molherinhas,
o que la passão não o sei eu, mas
como muitas vezes quando vem molha a palavra
tudo serão louvores, e aprovaçoens; porque se ella falando nestes
despropositos como ja
lhe disse lhos despresuadissem, e não aprovaçem isto não
teria sequito della, e de quem a acompanha. Olhe Vossa Paternidade a Ozoria
molher de Thome
de Crasto, tambem aqui andou com estas parvoices, com huns
acidentes, com huns gritos na missa, dizendo que era a alma de Manoel
Soeiro capitam Mor que foi destes
coutos, e era a sua teima dizer que era pre
cizo hir a Senhora da lapa estar la de novena etcra. Tive eu a ocazião
de lhe falar dentro, e fora de confissão, e intimar-lhe
a verdade, e como o Santo
Tribunal castigava isto, parece-me que se emendou, se he que por velha ja não
tem
tanto geito para a historia. Outra mais antigua a Engracia molher
do Frutuozo, tambem se sahio com o dizer que nella estava a alma de sua Irmãa
molher que foi de Joze Bento, e graça he que lhe mandarão cantar hũa missa a senhora da
piedade para haver de hir
para o ceo, não tornou a sahir com outra fornada, porque me
parece que se lhe falou ao dipois pella porta dianteira, ou da verdade
todas estas couzas ja ha tempos me andão fazendo meu escrupolo, porque vejo
os graves damnos, que daqui podem nascer na liverdade destes rusticos; (he que
na
de alguns ja não tem nascido) porque para tirarem consequencias mas he o demonio
fino para lhas ensinar Verbi gratia que podem furtar,
e passar, e depois de mortos virem restituir.
Que como depois da morte neste mundo as almas fazem penitencia que podem viver
nos peccados. E que não sera tam certo o que dizem os
livros, e a fe que as almas são jul
gadas conforme o estado em que acavão etcra estes, e outros erros, que Vossa Paternidade pode
conhecer
o demonio se não descuida de ensinar com as suas malditas sugestoens me rosol
vi a escrever esta a Vossa Paternidade debaixo de todo o segredo natural, e tal
qual a mate
ria o pede, pellos gravissimos damnos, que de o não guardar podem resultar para
o que da parte de Deos lho imponho, que nem
diretamente, nem indiretamente o de a entender fora
de seu confessor, que buscara douto, e pio, inclinando-se mais nesta materia ao
douto, relatando-lhe tudo isto, e com a mesma carta
parecendo-lhe, para que se nesta ma
teria entender, que se deve denunciar ao Santo Offício Vossa Paternidade o faça em meu,
ou
seu nome em quem nesta parte descarrego a minha conciencia na de Vossa Paternidade e tudo o que
relato passa na
verdade e lho affirmo sendo neccessario in verbo sacerdotis.
Salzedas
6 de 9bro de 1765
De Vossa Paternidade
Irmão muito venerador e affectuozo
Frei Joseph de Lemos