Serenissimo Senhor
Tenho a honra de participar a Vossa Alteza
Real, q hontem pelas
tres horas da tarde me
dirigi a Casa de Candido d' Almeida Sandoval,
a fim de continuar com as
minhas indagações
sobre a Conspiração q o dito Sandoval pertende
organizar: e travando logo conversação
ácerca do
seu Projecto revolucionario, nada mais pude saber
senão q tinha hido no dia 2 do corrente mez
à ou
tra- banda do Téjo, fallar com hum sujeito cha
mado Solitano; q tratára com elle negocios re
lativos
á Conspiração, q lhe lêra a Proclama
ção (q remetto
junta a esta participação), e q o
dito Solitano logo
partira para Hespanha pa
ra de lá coadjuvar quanto lhe fôr possivel, os
Projectos de Sandoval. E perguntando eu ao referi
do
Sandoval pela Proclamação em q me tinha
fallado, elle a foi buscar, lêo-ma com o maior
enthusiasmo, e
ma entregou, dizendo-me q impri
misse 500 exemplares,
q havião ficar na mão
de alguns Indivduos aqui em Lisboa, para
as espalharem
quando nos retirassemos para
Escaropim; porêm q deviamos fazer outras concebidas em differentes termos
para se espa
lharem na Provincia onde se fizesse a subleva
ção; e accrescentou, q
alêm destes impressos q
devião
ir promptos de cá, se deveria levar
huma pequena imprensa para se imprimir tu
do o mais q seja necessario.
Depois
disto, perguntou-me Sandoval, q no
vidades politicas sabia? respondia-lhe que sabia
unicamente q tinhão
sido prezos alguns Officiaes
do 4o Regimento d' Infantaria. A estas palavras
mostrou-se Sandoval admirado, e
diz «Entre es
ses seria prezo o Tenente Saldanha?» e dizen
do-lhe q sim, mostrou a maior
exasperação, di
zendo q contava com elle, porq já lhe tinha
fallado para entrar na
Conspiração, e q o dito
Tenente Saldanha se tinha offerecido para coope
rar da sua parte quanto
estivesse em suas for
ças, a fim de se reestabelecer o Systema Consti
tucional. Continua Sandoval com
huma forte de
clamação contra o actual Governo, e contra El Rei
Nosso Senhor, Depois da
qual disse q breve
mente acabaria com os Tyrannos, porq alêm da
sublevação q se hia fazer em Portugal, na
Hespanha tambem os Maçõns trabalhavão de
accôrdo com os Maçõns
Portuguezes: e hindo bus
car huma carta q Sandoval filho tinha escripto
do Limoeiro, ma lêo, e
dava a seguinte noticia,
«q o Alcaide Constitucional de Albuquerque q se
«acha prezo na Cadêa
da Cidade, por correspon
dencias q conservava com Hespanha, affirmava
«q
Cabreira vinha com hum Exercito constitucio
nal de
dez mil homens attacar as fronteiras
de Portugal.» Apenas Sandoval acabou
a leitu
ra da Carta de seu filho, exclamou: «A occasião
«não póde ser melhor! não ha
tempo a perder;
«deve-se ultimar este negocio com toda a brevi
dade.» E peguntando-lhe
eu, se havia mais
alguns socios, fallou-me no Padre Joaquim de San
ta Anna, Religioso q foi dos
Barbadinhos da Boa
morte. Passámos a fallar nas dissenções q tem
havido entre
as lojas Maçonicas, e por esta con
versação vim a saber q sandoval era Grande
Orador
da loja «Regeneração» porêm soube
igualmente q agora não havia reuniões,
porque a Loja se achava revolucionada. Disse-me que
o Tenente Saldanha
era o Irmão terrivel da dita
Loja; q o Veneravel era Caetano Joze de Carva
lho, Boticario
ao Pôço Novo; disse-me q o Coronel Val
ladas, Joze Maria d' Aguilar, e o Solitano tam
bem
pertencião à loja maçonica «Regeneração.»
Acabada q foi nossa Conferencia, despedi-me
de
Sandoval, e este me recommendou com muita
instancia q. aliciasse algumas Pessoas
em quem
confiasse, para nos ajudar. Nada mais tenho
por agora q participar a Vossa
Alteza Real,
senão q continuarei com o maior escrupulo a
observar as Reaes
Ordens q tenho de Vossa Al
teza Real. Lisboa 4 de Setembro de 1823. »
Sou com o devido respeito
De Vossa Alteza Real
O mais humilde e fiel Subdito
Joaquim Maria Torres