Illmo e
Exmo
Sr
Tenho a honra de me dirigir a V
Exa como sendo aquelle que
aos officiaes de
policia que me conduzirão a esta prizão intimou
a ordem da parte do Governo
para eu ser prezo nesta noite.
Estou persuadido que deu causa á minha prisão a
carta que no dia
4 do corrente derigi ao Governo, em
q com o respeito devido á digni
dade
q occupão os seus membros, e no estilo que
compette a hum
homem livre, expuz o meu modo de pensar sobre os
acontecimen
tos relativos ao dia 11 de novembro, e qual tinha sido a minha
conducta.
Desde o dia 14 de setembro me julgo homem livre e estou na
firme
resolução de sêllo sempre,
de não ser contado n'hum rebanho
de Portuguezes escravos: como homem livre
derigi ao Governo a mi
nha exposição, cujas bazes erão factos que o
mesmo Governo no dia
11 sancionára com o seu juramento. Nunca póde ser crime
fazer-se
huma tal exposição, pois que não ha hum só Governo liberal em
que
aos cidadãos se prohiba manifestar as suas ideas tanto ao poder
legislativo
como ao executivo.
Se eu na minha carta tivesse censurado a conducta do
Exercito
no dia 11, se eu com razaoens tão fortes como as expendidas nella
tivesse provado (o q era impossivel),
q o Exercito tinha commettido hum
crime;
decerto não seria castigado, mas, talvez antes, elogiado;
mas
sou castigado por ter ditto
q o Exercito fez o seu dever, e como
eu
penso assim não há prisoens, não ha desterros
q me obriguem a
des
dizer-me. Sou castigado do mesmo modo que nos paizes os mais
despoticos se castigão os homens pelas suas opinioens, e isto no tempo
em que
tanto se falla em liberdade em constituição. De sorte que
quando pensâmos
marchar a ser hum Povo livre nos achamos obri
gados a não fallar, e
até se pretende que sejâmos
estupidamente
da opinião do Governo !!!
A revolução
q
V
Exa e o coronel Cabreira
principiarão, nada ate
agora tem produzido em favor dos Portuguezes. Todo o
trabalho
de V
Exas se limita ate hoje á mudança de certos
homens dos
lugares q occupavão. Nenhuma liberdade
há neste Reino, nem
a pode haver emquanto a imprensa fôr escrava. Ha hum
prin
cipio reconhecido em Inglaterra e em
todos os mais paizes livres:
q pode ser culpavel o escreverem mal das particularidades, mas
que as acçoens
do Governo devem soffrer hum exame publi
co, e
q se faz hum serviço á sociedade publicando
cada
hum as suas opinioens: este principio esta bem desconhecido em
Portugal actualmente; attação os escritores impunemente os
par
ticulares, q
pr conseguinte tem mto
menos segurança q no Governo
passado, e nada he
permittido dizer das acçoens do Governo;
a
ssim se prova o que digo, por ter manifestado a minha opinião,
não só
sou prezo mas desterrado.
Emquanto a este acto
q o Governo exerce em mim decidirá a
opi
nião publica quando se imprimir a carta que forma o meu corpo
de
delicto, ella decidirá se eu sou criminoso em apresentar a
jus
tificação da conducta do Exercito e da minha a hum Governo que
se diz
liberal, ou se este Governo obra despoticamente e por poder
absoluto
mandando sem formalidades e como por surpreza prender
hum cidadão, mandando-o
desterrado sem se lhe comonicar
a causa da sua prizão, e exercendo todos estes
actos mesmo pelos
na vespera, e no dia em que este
cidadão havia de escrever o maior
dos seus direitos, aquelle de concurrer as
eleicçoens dos Re
presentantes da Nação.
Concluo lembrando a
V
Exa que a minha conducta he filha
dos meus
principios que estão intimamente ligados á mi
nha existencia, e que
conseguintemente a minha conducta
futura nunca puderá ser contraria á passada e
á pre
sente. O bem de todos os Portuguezes, ou do maior numero he
o meu unico alvo.
Deos Guarde a V
Exa
Cadea do Castello de S Jorge de Lisboa
10 de Dezembro
de 1820 á huma hora da noite. Illmo e
Exmo
Sr
Bernardo Correa de Castro e Sepulveda
Bernardo de Sá Nogueira
Capm do 4o de
cava