Senhor
Havendo eu desde o feliz dia 3 de Março deste anno
dado constantemente a
Vossa Magestade parte do suc
cessos que tem havido nesta Provincia, não devo (ainda
que brevemente terei a honra de escrever mais larga
mente a Vossa Magestade) deixar
passar esta occasi
ão da passagem do Paquete por este Porto sem levar
áo conhecimento
de Vossa Magestade hum cazo
extraordinario aqui acontecido na noute de 21 do
proximo
passado.
Recolhendo-me as oito horas da noite áo meu
quartel entre dous amigos,
áo passar a Ponte chama
da da Boavista para a Rua do aterro, hum assas
sino disparou
sobre mim a queima roupa hum
bacamarte carregado de ballas, e metralha. Corri
ainda
que muito perigozamente ferido de espada
na mão sobre o traidor que se precipitou no
Rio: hum dos meus companheiros ficou tãobem mui mal
tratado: eu
julguei-me, e julgarão os facultati
vos que me virão, chegado ao ultimo instante da
vida; e dei as que entendi minhas ultimas ordens
para conservar-se apezar da minha
falta a
publica tranquilidade, e socego na Praça, e
Provincia; para que ao desastre
que me aconte
cera não soccedessem os que estavão premeditados.
Nenhũa outra
novidade desagradavel
houve, e tudo tem corrido em Paz.
Passadas quarenta e
oito horas apareceo
boiando no Rio junto ao lugar aonde o assassino se
lancou a agua
hum cadaver que se julgou ser do
mesmo: trazia hũa pistolla carregada metida en
tre a
jaqueta, e a camiza talves estivesse para refor
ço: ninguem o conheceo por muito
disfigurado que já estava.
Cumpre-me agora ainda que rapidamente
emquanto com mais extenção o não faço, que será
muito breve, dar a Vossa Magestade
hũa ideia
dos motivos que houve para se commetter este
attentado; e ultimamente
protestar a Vossa Mages
tade provando-o com documentos que não dei
por meu
procedimento causa alguã áo dezejado a
ssassino.
Já me por mais de hũa vez
declarei a Vossa
Magestade que mal cubertos com o veo de Constitui
ção alguns homens
mal intencionados pertenderão
fazer aqui reviver o espirito publico que em 1817
se
declarou tão funestamente: a maioria dos homens bons,
e o Corpo do Commercio em geral
temerão por sua
segurança; foi-me publicamente requerida a re remossão
dos que resuscitarão estas ideias; já o
frenizi hia subindo de ponto; a inclusão
absoluta
de Europeos tornava-se odiosissima, e temivel, At
tentei pela segurança do
Paiz, e separei da Capi
tania alguns individuos marcados pelo publico,
e por elle
altamente condemnados: a medida
foi julgada arbitraria por os fautores das no
vas
ideias: dissesse que eu ambiciozo de governar,
me declarava inimigo dos que
dezejavão junta
Provisoria:
não era assim, porque eu mesmo a
tinha em
publico offerecido, e depois tornei a
fazer como participei a Vossa Magestade e não
foi aceita a minha sincera offerta. Comtu
do os espiritos escandecidos amainarão até
a chegada dos Prezos da Alçada de 1817 que
vierão soltos da Bahia.
Es
Estes entrarão em triunpho, e como martires
da Patria eu os tratei humanissimamente,
e lhes man
dei dar soldos reintegrando em seus Postos os julgados
inocentes: fechei
os olhos a alguãs assoadas, mas
não se contentarão: accenderão os odios contra os
que reputarão terem sido testemunhas contra elles,
e os dois partidos de accusadores
e accusados de que
já fim menção a Vossa Magestade occuparão a
povoação inteira: todo o meu afan consistio em
pedir que estes
partidos viessem ás maõs; a fir
meza que mostrei desagradou áos que pretendião
vingar-se; e desde logo eu fui apregoado por Des
pota já eu sabia que da Bahia
(segundo pessôas
probas me escreverão) vinhão alguns que tratavão
de assassinarme:
hé certo que não tomei maiores
cautellas. No Rio de Janeiro corria de plano
que na referida Cidade da Bahia se tratava
mui seriamente de
dar-me a morte; e algumas
personagens de consideração que por aqui pa
sarão me disserão
que já não esperavão achar-
me vivo.
Eu ainda não posso crer, apezar de
alguns
indicios, que os membros do governo da
Bahia tratassem de promover hũa tão vil e
criminoza acção; nem delles me queixo posto
que soubesse que lá reinava hum partido
por
a independencia; mas nunca julguei que este
partido existisse nos membros da
Junta. O
não se haver nesta Provincia abraçado a forma
de Governo daquella Provincia
não podia aucto
rizar o dito governo a procedimento algum; por
que lá a pedio; ou fez
o povo; e o povo a regeitava aqui. Comtudo depois que vierão os
prezos au
gmentou-se o partido, e poucos dias antes do atten
tado descubri hũa
conjuração cujo objecto era
meu assassinio.
Devassou-se, e conheceu-se ser
certo: os auc
tores, ou cumplices forão capturados, mas ficou de
fora quem executasse
o projecto.
Já disse a Vossa Magestade a cauza por
que não havia Junta
Provisoria nesta Provincia,
e acrescentar que o povo do interior treme ainda
ao
ouvir este nome: tão escarmentado ficou
dos provizorios de 1817. Os meus inimigos
ven
do-me (a meu despeito) ainda Capitão General
fundavão suas atrocissimas calumnias
na mi
nha supposta ambição, e tiverão aso de animar
algum frenetico a que me
assassinasse.
Nunca se mostrou maior indignação a
crime algum do
que aqui se mostrarão todos os
moradores. As Tropas de 1a e
2a Linha que
não ignoravão que o espirito de independencia
em o que
verdadeiramente se oppunha áo Governo
actual, protestarão logo contra alguns
indivi
duos condemnados por opinião publica, e pe
dirão a sua captura, e separação do
paiz: os
Milicianos se armarão, e julgando-se atacados
pelos inimigos da paz, do
Rey, e da Constituição,
se unirão ao 2o Batalhão do Exercito de
Portugal;
eu estava nas ancias da morte, e mui difficil
me foi moderar os animos,
julguei indispensavel
acceder a remoção dos chamados Chefes de motim,
áos quaes o
publico atribuia as desgraças que
o ameacavão. Remettto a Vossa Magestade hũa copia authentica da reprezentação que recebi
dos Chefes e Officiaes
dos Corpos de Linha. O
Ouvidor da Comarca vendo qual o perigo em que
estavão as
authoridades, e os Europeos escreveo-
me o officio cuja copia remetto tãobem a
Vossa
Magestade. Os mesmos Chefes, e Officiaes
me pedirão licença para reprezentarem a
Vossa
Magestade, e a ELRei o Senhor Dom João
6o a situação em que a
Provincia se acha. O
corpo do Commercio, e o Corpo Municipal me
expuzerão os mesmos
sentimentos, e ambos se
dirigem a Vossa Magestade, e a ElRei. Levo
a prezença de
Vossa Magestade, e a ElRei os Officios que
elles me dirigirão, assim como outras
Corpora
ções. Em geral Senhor o povo todo conheceo
o que já dantes receava, e clamou
por medidas de segurança. Eu as dei; e dou ainda como posso.
O partido
não usou declarar-se por medo; porque
julgarão os soccios delle que da minha morte
se
originaria a desordem, e que com ella elles vinhão
a conseguir os seus fins; mas
desgraçados elles,
se eu não existisse Erão necessariamente vic
timas da sua atroz
loucura, e muito custou
assim mesmo vivendo eu a conter a furor das
Tropas, e a
indignação dos Cidadõis honrados
principalmente os dois Batalhões de Milicias
compostos de homens estabelicidos, Europeos, que
tem que perder, e detesta
as dezordens.
Mando para essa Capital os individuos
que forão prezos a requezição
dos Chefes das Tropas,
e do Povo que esteve a ponto de amotinar-se com
hum voato que
correo de que eu soltava alguns foi precizo declarar publicamente que
nenhum
dos prezos deixaria sahir: elles sahirão dentro
de quatro dias.
As
minhas feridas não mostrão já perigo de
morte: eu affianço a segurança da Provincia:
tomarei
ainda alguas medidas, que julgo necessarias de
pois deste soccesso. Vossa
Magestade lembra-se da
minha situação: hé precizo hũa força sufficien
te para enfrear
o genio do mal. Dois dias de
pois da minha Cathastrofe correo a noticia de que
a
Bahia se declarava independente: o rumor foi
espantozo; não se verificou a nova, mas
sim a de
sunião de opinioes, e soube-se que os Europeos
da Bahia têm os mesmos
receios que os de Per
nambuco.
Senhor. Esta serie de successos creio eu que justifique a minha conducta. Os meus
detractores me davão por
entrincheirado em minha
caza, rodeado de Tropas, e sou atacado a traição
em hũa Rua
entre dois homens inormes. Cha
mavão que eu assoberbava, e
tiranizava os povos,
os povos se declararão altamente por mim, pedem
a prizão dos
que se desião meus inimigos, e fautores
de novidades; as Tropas que nestes tempos
tem tido
tanta influencia em as mudanças, são as que aqui
as não querem. Os homens
honrados, e Negoci
antes, Camara, Corporações de Officios, tudo tem
hum só unanime
sentimento, e protesta contra to
das as mudanças que Vossa Magestade não De
cretar:
isto hé provado com documentos irrefraga
ves, são documentos espontaneos, em que eu
não posso ser parte, em que não há cedução; e como posso eu ceduzir
hum povo inteiro.
Nem o attentado hé movido por hum
particular recentimento
porque o assassino fallou
com alguns individuos (segundo testemunhas) pouco
antes de
commetter o delicto: quando soou o tiro
alguns homens se virão correr em diverssas
direc
ções; dis-se que adiante do lugar aonde fui
ferido estiverão embuçados
esperando-me para me
assassinarem no cazo de o primeiro não poder
fazer. O publico
ainda não cessa de clamar
que este attentado foi urdido na Bahia; mas
eu não tenho
mais provas do que aquelles in
dicios, que a Vossa Magestade já declarei, e hũa
ou
outra carta que sei existir em que se profetiza
minha proxima morte.
Como levo
dito eu espero, que não tar tardando muito hum Corpo de Tropas,
conservarei
a Provincia em paz, e firme no propozito de união
tão suspirada por
todos os bons cidadões á
cauza da Constituição de Portugal; os meus inimigos
clamarão que sou Despota, ambiciozo de Governar:
ElRei, Vossa Magestade, e Sua
Alteza Real
sabem bem que dezejo eu tenho de governar.
De novo a Vossa Magestade
peço a graça de
determinar as medidas necessárias para segu
rança desta, e de outras
Provincias. Eu
Senhor requeiro ainda outra vez a minha
remoção daqui a ElRei o
Senhor Dom João
6o o meu estado de saude que de cada vez
se torna mais
perigozo me tolhe absoluta
mente eu continuar a viver neste Paiz; mas
protesto a
Vossa Magestade que sendo nece necessario darei gostozo a vida pela
nossa Patria
pela Constituição, e por ElRei Constitucional.
Deos prospere e
assista Vossa Magesta
de em seus importantissimos trabalhos para
gloria e
prosperidade da Monarchia.
Recife
de Pernambuco 6 de Agosto de 1821
Prosta-ce ante Vossa Magestade
Luiz do Rego Barretto