carta de VSa de 3 de julho que me foi dada em 15 25 de setem-
bro, respondi em 29 do mesmo mes, ou 9 de outubro entregando a carta
ao Embaxador marques de sande, pella qual via tinha recebido
esta de Vsa. elle me significou depois de partido o pro pataxo
como com a doenca da Rainha lhe esquecera de a mandar nelle, po-
rem que a determinava mandar por hum navio que esta pa
ir ao porto, e avisandome de que avia agora outro pa essa cidade, e pro-
metendome de que mandaria esta carta no masso d el Rei, a faso
tornando nella a dar conta do negoceo que Vsa me Encomendou
cerca de simão gomes d almeida.
depos que tive a carta de VSa esperei por elle, porque tinha asentado comi-
go de me traser este papel, (que aqui mando, e mandei outro na carta
que esqueceu) pa eu o mandar a Vsa antes da carta de VSa me chegar
e sabendo o interecado della do zelo com que VSa lhe acudia, com
lagrimas nos olhos deu muitas gracas a ds, experimentando a grande
misericordia que com elle se usava. direi o que com este homem, antes,
e depois desta carta tenho pasado.
Veyo aqui ha tempos a buscarme com huã carta do conde de ponterve, na-
qual lhe disia o dito conde, que VSa tinha remettido o seu negoceo
a mim e ao mestre frei Antonio de s bernardino respondemoslhe, que tal
ordem não tinhamos, e não obstante isto, propos elle o dito negoceo, de como
fugira desse Reino, por temer ser preso no sto officio por testemunhos
falsos de pessoas que estavão presas, e que chegado a esta terra vivera
sempre como christão, e que se elle fora judeo de antes, o não fora
depois que nestas partes alcansou as parvoises, e maldicois que crião
os judeos; e que ainda que elle e sua molher podião aqui viver christam,
e catholicamente, não obstante as muitas instancias, que os judeos, assim
os daqui como os de olanda lhe fasião pa elle ser judeo, contudo que
tinha tres filhinhos, dos quais temia que pello tempo adiante se aqui se
criassem se perdessem infalivelmente, e que por Esta resão desejava tronar
com sua casa pa portugal, em tanto, que pello conde de ponterve, quando
daqui por fin escrevera a VSa que suposto elle nunqua fose judeo, con-
tudo, que se fose necessario se levantaria ahy testemunho de que o
tinha sido pa contestar com as testas que tinhão dado nelle, E que com
a seguranca de que o não avião prender, nem castigar em auto publico
iria a esse Reino faser sua confisão, E que estava espantado do conde lhe es-
crever que nos vinha a mim e ao mestre fr Antonio commettido este negoceo, e
nos lhe disermos que não tinhamos tal comissão.
dissesmolhe como na verdade a não tinhamos, e o animamos a conservar sempre
a fe, e procedimento catholico: e eu lhe acrescentei, que na forma Em que
elle tinha escritto offendera muito o sancto officio, porque como escrevera
que confessaria o que não tinha feito esse sancto tribunal nenhuã cousa
estranhava e castigava tanto, como o não lhe falarem toda a verdade lisamente
que por nenhum modo avia confessar o que não tinha sido; E que assim
disse muito a deus que o encaminhasse, que se Estava innocente, deus lhe abri
ria caminho a seu bom intento. com isto se foi e por alguas veses veyo a esta
casa a saber se nos era chegada alguã ordem de VSa sobre o seu negoceo mos
trando senpre notaveis ansias de se ver em portugal pa tratar de sua salvacão
e da de sua casa affirmando sempre que nunqua fora judeo, abominando
tal cegueira, e disendo que se a tivera dantes a não teria depois que conheceo
bem a maldicão e toliçes de tal crenca.
Veyo ao depois com segunda carta do conde de ponterve que me mostrou, na qual
lhe disia o conde que falase comigo, que a mim me vinha Remettida ao
de VSa como eu a não tinha, disialhe sempre o mesmo, estimando de o ver
alguãs veses na cappella da Rainha ainda em dias de bolsa, nella o vi do
pulpito o octavo dia de nossa snra da Asumpsão, e logo taobem no seguinte do
mingo nas vesporas, e me pediu que lhe quisese dar huã palavra porque andava
com grandes desenquietacois de sua conciencia. eu lhe disse, que por ventura a
dos senhores inquisidores diria ao conde que falasse elle simão gomes aqui co
migo, não por eu ter ordem alguã, senão pello eu poder encaminhar melhor
nesta materia, E assim que com toda a clareza me falasse nella, pa que eu lhe disesse
o que mais lhe conviesse.
disseme que elle não escrevera a VSa toda a verdade, porque negava que elle
sido judeo, e que elle o tinha sido, porque assim lho ensinou seu pai, que judeo
foi em portugal, e que judeo chegou aqui, porem que lendo ao depois que chegou
a esta terra alguns livros judaicos, e sabendo mais o que os judeos crem, e
, lhe abrira deus os olhos, e fora tal a aversão de semelhante crença, que
logo comesara a fazer contas consigo de que vivia enganado, e tratara de viver
como bom christão muito de coracão, porque se assim não fora, elle estava
huã terra livre; e porque assim os judeos daqui como de olanda, aonde dis
tem parentes, lhe comesarão a faser grandes instancias pa viver como elles
vivião, proposera de se ir pa portugal, porque ainda que aqui elle, e sua molher
podião viver catholicamente, seus filhos que aqui se avião criar, se elle qua fiquasse
se avião infalivelmente faser judeos, pello que quando daqui se foi o conde
de ponterve
de ponterve tratou deste seu intento escrevendo por elle a VSa na forma
Em que escreveo, porem que agora queria escrever noutra confessando toda
a verdade, e que quer ir pa confessar todas as suas culpas, e tudo quanto tem
feito e sabe nessa Mesa pa sua salvacão, da sua molher, e seus filhos que
dis ser o mais velho de oito annos e que elle me daria aviso das primeiras em-
barcacois pa elle mandar por minha via a VSa outra carta nesta forma
e com esta resolucão se despidia de mim hum domingo a tarde depois
do ouitavo dia da assumpsão que qua se celebra pella conta antigua
depois me veyo ver duas outras veses com grande satisfacão da resolucão
que tinha tomado, e na ultima vez me avisou de que naquella somana
avia navio pa portugal, e que me traria a carta de VSa pa ca a mandar
por minha via
Neste interim
me Entregou o Embaxador a carta de VSa, e eu esperei
que elle viesse, como me tinha prometido E como veyo, pa lhe mostrar o
favor o favor que VSa lhe fazia, que elle recebeo com lagrimas nos
olhos, e com notavel alvoroco ja trasia a carta feita, e eu lhe desse que
acresentasse hum capitulo nella Em que agradecesse a VSa a misericor-
dia que com ella se negava, e emendasse esse ponto dos quarenta mil reis, que
elle dis pusera com boa tenção.
propus a este homem o quanto me parecia dificultosa huã das condicois que
aponta pa ir, qual he o não sair em auto publico. respondeume que por
nenhum modo veria nesta penitencia, porque elle nunqua fora judeo pu-
blico, nem aqui procedera como tal, que sempre devia conservar a fama
de que vivera como christão porque determinava viver em Lxa, e nella
meter suas filhas em religião, ou casalas com pessoas christans velhas
e assim que neste ponto de sair a publico, por mais que lhe representei o quanto
devia cortar por tudo pa sua salvacão não pude acabar com elle cousa al-
gua, dis porem que se por falta deste favor que elle espera desse sancto
tribunal, for tal a sua desgraça que se não va pa esse reino, que vivera
neste como os mais catholicos nelle vivem, e fara quanto em si for, que
seus filhos vivão na fe catholica, ainda q o perigo he grande pa elles; que
elle e sua molher resolutos estão a nunqua a largarem, por mais com-
bates que tenhão. faleilhe acerqua de sua molher. Respondeume que
as molheres seguem os maridos, e que a sua estava na mesma resolucão
de se acusar nessa mesa.
na tarde Em que se resolve a escrever nesta forma, pa me representar a forsa
que os judeos lhe fasião pa elle taobem o ser, principalmente os de Olanda
aonda dis ter parentes me mostrou hum escrito, encobrindo os nomes que
vinhão abaixo assignados, Em o qual lhe disião estas palavras. vai terceiro
aviso a Vm pa ser qual deve ser, leia esse papel, e se tiver alguã duvida
pode mandala diser pa se lhe satisfaser. O papel era huã folha em portugues
e o lugar
e o lugar do sinal de quem o tinha feito, estava ja cortado, continha huã pre
gacão que algum rabino lhe fasia, em que o reprehendia muito de que tendo elle
o sangue dos judeos o não era, e o grande escandalo que com isto dava, e que so a lei
de moises era verdadeira, que abrisse os olhos pa ter a lus de deus com a sua lus como
disia o profeta, e que se não fosse judeo avia vir sobre elle a maldicão de corê
e ulbiron, e assim outras parvoisses como estas continha o dito papel, e disse que
como aquelle, lhe tinhão ja mandado outros, mas que nenhum abalo lhe fasião,
nem lhe avião faser com o favor de deus, que tudo guardava pa mostrar nessa
mesa.
o homem he sesudo, de bastante juiso, anda vestido, e bem vestido, e dis ter aqui
tanto negoceo como os demais, e que se não quer ir por falta alguã, mais que
por sua salvacão e da sua casa, e familia, e affirma a não ha de misturar por
nenhum modo com esta gente, pa que nelle e seus filhos se acabe a maldicão
são palavras suas, de sua geracão.
sempre falou comigo na mesma igualdade tirando o que encobriu no tempo
referido, abominando sempre o desaforo dos judeos portugueses que aqui mo-
rão, e de nenhum mostra ter satisfacão na materia de fe ainda que no esterior
a professem como duarte da sylva e gomes Rodrigues, mais que de fernam men-
des da costa. disseme que hum seu irmão estava preso no sancto officio, e que
este seu irmão fora judeo como elle foi porque assim os ensinou seu pai.
dis que como for a essa mesa como espera lhe ha de dar muito importantes
noticias, e VSa ha de esperimentar o quanto seu animo esta, e ha de estar
sempre contrario ao judaismo.
mostra ter escessivo alvoroco de faser esta sua confissão, e he grande a con
fianca que mostra ter em deus de VSa lhe faser o favor que pede, e ainda
antes de Vsa me escrever tinha esta confianca, disendo que lhe não pode
deus faltar com o remedio, e usar com elle de misericordia pois lhe abriu
o Entendimento pa conhecer a verdade com aquillo mesmo com que os outros
mais se embaração, e que taobem elle podia seguir a mesma perdicão em que
dantes estava se a misericordia divina não fora, e por isto esta muito con
fiado nella que lhe não ha de faltar neste seu intento.
eu confesso a VSa que tenho dado gracas a deus por me parecer que este homem
deveras se converteo, poder me hei enganar, mas a sua perseveranca muito
anima, e se pella conversão de qualquer alma devemos faser muita esti
macão, este pobre homem se deveras se converte muito se deve estimar a
por sua melhora, como por verem caminho aberto a podela ter, aquelles que
sendo tão perdidos como este foi, a quiserem alcansar. VSa fara o que for mais
servico de nosso snr que guarde a VSa Londres 1 de novembro 1663
fr Chstovão do Rosro
a propia carta de VSa tenho mandado na
primeira reposta.