M R Senr Dr Onofre Ribro da Sa
Meu amo
Nunca pensei, houvesse entre os fs da Igra qm esquecido de si e
da eternide levado da ira, e impias persuazoens, ou movido de
ameaços chegasse a cometter o execravel delicto de calumniar a
hum sacerdote inocente, accuzando-o no Tribunal da Inquisição
do falso crime da solicitação; porem achando-o agora executado
nestes sitios, fico certo, não ha inocente, q se deixa corromper,
e dominar do odio.
Confesso-lhe com toda a sinseride que me enchi de correr des
de o momento, em que se me deu a nota deste facto que vou a
ponderar-lhe, a fim de que soccorra com a possivel brevide ao
inocente, e a culpada, unico fim que nesta me proponho vto
que a multiplicide de infermos de Beliozas, nesta occazião q
tanto dezejava, me impedem o procuralo.
He o tal, meu amo o mais fatal, q tenho encontrado, e consis
te, em que appareceo aqui no dia dez do corrte Maio Antonia
Marques mer de Manoel Gonçalves Dias da villa de Pinheiro frega
de S João de Lure, consternada, aflita, e banhada em lagrimas
pedindo-me, lhe valesse, porque atemorizada de seu marido
e movidaa das pressentes solicitaçoens de Joaquim Martins de
Linhares do lugar das Azenhas, meeiro desta frega e da de S São
em hum dos dias do mes de Novembro passado fora perante
VM como comissario do S Offo denunciar o seu Pr o Pe Balta
zar da Camra Mages de que elle no confessionaro lhe discera
estas palavras: Eu não te absolvo se não promettes dormir
comigo esta noute, palavras, que pelas mesmas cauzas,
e sempre acompanhada dos sobreds foi ratificar na
Igra de Lxa, e na prezca de dois Pes de Avro nos fins de Dezembro
proximo preterito, palavras unicamte insinadas por aquelle
Joaquim Martins, e seu marido, inimigos capites do Re que
q por este meio o pertendião expulssar da sua Igra palavras, que
foi dizer ao ser intimidada pelo marido, q lhe dizia com frequencia
se não fazes, o que ensina o Joaquim: eu dou hum tiro no Reitor,
vou-me por esse mundo, e deixote, e porque temia Mto q o Ror
fosse prezo, porque sabia, tinhão sido convidadas pa a mesma
malde a sua crda Ma Silvra da Povoa, e Thereza Nunes mer de
Dos Mz das Avencas por aquelle dito Joaquim, pedindo-me lhe
valesse nesta aflição, que estava prompta a ratratar-se perante
VM mas, que não pode sahir da sua patria por cauza de
seu marido, concluindo com dizer-me, q chegarão a dizer-lhe
que se ella o declarava, seria preza e castigada pelo S offo
Ora meu amo eu bem sei que poderia presumir-se
que esta mulher viria insinuada do chamado solicitante; po-
rem eu creio, que esta sua retratação he cinsera, nascida
de hum verdro pezar do mal, que ella fez, e do que pode rezultar
ao Ror inocente, a que ella he responsavel.
Persuado-me q a retratação pertenda he verdadra e que a mer
foi ensinada pelo predo Joaquim, e intimidada pelo marido
inimigos capites do Ror pa fazer aquella falssa denuncia
em pro lugar porque o Ror nunca teve notta de proceder mal
com mulheres, em segdo lugar porque depois, que o Ror denun-
ciou ao Juizo Eclez de Avro ao dito Joaquim Miz e seu tio Dos
Martins das Azenhas, por certo dezacato, q lhe fizerão na sua
Igra e o Manoel Gonçalves Dias por ebrio, espancador da mer e de
zobediente, logo derão publicas demonstraçoens do odio, que
lhe tinhão, e do dezejo, q tinhão de o ver fora da Igra
Prova-se o odio da pte do Joaquim Martins porq fallando na
ponte do Cais de Avro com Joze Nes Estanqro de Foroços a respta
do Ror disse-lhe estas palavras: Eu ja tenho duas putas pa o atirar
pelos ares, veja VM se me descobre outra lá por Forozos, que
vá jurar, que elle solicita mulheres no confessionaro e eu lhe darei
mil
mil e seiscentos reis Fallando com Joaquim Martins dos
cazais disse-lhe estas= o Ror não ha de estar Mto tempo na Igra
nem ha de ser interrado nella. pa o lançar fora basta a mer de
Joze Lopes xarrico de S Joao, ja ha quẽ de 1600 reis a huma que te
vá jurar, que elle lhe prometteo no confessionario huã
saia. Fallando com Antonio Martins de Linhares da Va de Pinheiro
disse-lhe, que havia de por fóra da sua Igra ao Ror porq comettia
mulheres no confessionario, e a Maria Nunes mer de Manoel
digo mer de Joze dos Santos das Azenhas disse depois do Natal
passado, que havia de levar o Diabo o Ror e que pa Fevro ja não
havia estar na Igra
Provase ainda o odio da pte do dito Joaquim, porq sua mulher
Anna Maria disse áquella Maria Nunes, que duas mulheres
tinhão hido denunciar o Ror a Recardaens por solicitar mulheres
no confessionro e foi convidar pa jurar contra o Ror a Thereza
Balsa da Povoa das Azenhas dizendo-lhe tu, eu, e outra bastamos
pa o hir denunciar por solicitante, provase o odio da pte daquelle
Joaquim porque disse diante deante [...] Marques
das Azenhas antes do Natal, q havia de levar o diabo o Ror e que
qra aqndo ja não havia de confessar, e por outros mtos mais factos
de que são testemunhs fidedignas Dos Ferz Domes Lopes, An-
tonio Miz de Linhares, o captam de Pinheiro, Mel Miz Antonio
Martins do Salgueiral, Joze Lopes das Azenhas, o Pe Joze Teixra
cura de Forozos, e o Pe Sebastião Dias de Carvo de Lixo
Provase finalmte o odio dos predos Joaqm Martins de linhares
e Manoel gonçalves Dias contra o Ror porque parindo a mer do se-
gundo em o principio de Fevro proximo preterito, naturalmte
e no tempo devido, e porque logo faleceo a creança, publicarão
por toda a pte que esta morte tinha acontecido porq o Ror dera
na mulher huns pontapes, e fizerão todo o esforço pa que ella
tambem dissesse o mesmo, subindo a tal excesso a sua cega paixão
que se chegou a fazer exame na creança morta, e requererão devassa
devassa ao Dr juiz de fora de Angenja q tambem o he da villa
de Pinheiro, de cuja calumnia pedio o dito Manel gonçalves
perdão na minha prezença ao Ror e prometteo hir avisar ao
juiz de fora pa não vir tirar a devassa, por tudo ser men-
tira, insinuada pelo dito Joaquim Martins de linhares
Todos estes factos demonstrativos do odio q tenho referido
são verdros o que achei por informação, que me foi necessario dar
ao juiz Eclez na quaresma passada, pelos quais me persua-
do, e capacito, que a pertenda retratação he cinsera, dirigida
a desonorar a consciencia, e a resarcir o damno cauzado ao inocente
Pelo que lhe peço, queira, com a possivel brevide fazer sci-
ente aos senres Inquizidores desta calumnia antes que procedão
contra o Inocente, e obter licença pa que a mer se possa confessar
lembrando lhe outra vez, que ella não pode sahir de caza, so
se for chamada aqui, ou a outro lugar vizinho, pa se fazer curial
a retratação, e de sorte que chegue ao Tribunal, tendo pasien-
cia com a extenção desta; porque julguei ser necessario expender
tudo qto eu sabia pa sevir melhor no conhecimto da verde
Ds ge a VM como lhe deza seu
Mto amo e venor affdo e obrigdo
Alcorobim
13 de
Maio de 1796
João Simes de Carvo