Ma rica manna bem sabia eu q a ma auza havia
de motivar todas estas cautellas, e perigar mto toda a ma vida; pois adverti, q ja da-
qui pa diante de Dz, contra vóz clamo mil justiças, se acazo uzais commigo
deste modo, ou por respo de outrẽ, ou por não quereres, q eu acabe o anno; bem sei, e
não ignoro, q mto mal voz tenho servido; porem asim como nä he nada bom o criado
q nä atura seu amo sequer hũ anno, na mesma forma o he o amo pa com o criado.
Já por repetidas vezes voz tenho relatado a ma vida, tä queixoso do q tenho experimenta
do, como sentido voz tenho referido; e nesta forma haveis de entender, qe se me engana-
res, sabei, q nä he por tolo, nem ignorante, sim plo natural, q Dz foi servido darme, e este
nä a contrafazem nem letras, nem sciencia; Verdadeiramte, q cada vés, q pego em hua carta
vossa já me treme o coração, esperando ver nella qd me dizeis, q escuze de mais vos escrever;
porem discurrendo eu nestas cautellas, q tanto me recomendais, e aconselhandome, q viva descansa
do porq vós sabeis de mim, e eu de vós; e q sabemos o q hũ tem no outro; ah ma rica Ma e qm sou-
bera agora o q nesse coração, como piqueno mdo, vai agora; Sempre eu ouvi dizer serem os homens
os q das molheres zombavä, e será possivel, q eu seja, a exseçä, e avezo disto. q seja eu o excezivo,
e por isso mesmo o desprezado! nä o será; mas a sello ah Dz do Ceo! nä digo nada; nem o q agora
me ocurria, mas tambẽ me acho com o animo, de q a succeder tal, o q Dz por qm he nä premita; ten
ho animo pa obrar, o q jámais se ouviria. eu ma ma escuzava proporvos à lembrca; o q
por vós tenho deixado, e pareçe q asim como vós quereis, q eu sempre tragua na ma memoria, o q
jámais della se me apparta, os excessos, q em vós devizeis reciprocamte o diveis vóz tambẽ recor-
dar, lembrandovos, de q todos os meus extremos forä derigidos pa todo o vosso bem sem mais fim
algum; q estes próz motivassẽ emqto Dz voz conservar a vida e reconheceresme, por qm só em vóz
com vida, alma, coraçä e todas suas potencias se empregou em cuidar em vós, e por vós deixou
Pai, irmãs, parentes, e tudo o mais q so por Dz se chega a fazer; e nesta forma mto tendes vós em q
vos firmares na ma estabilide, e firmeza, qd por tantas vezes me tendes repetido, q estais toda sra
do meu genio, conhecendome mto bem o meu natural; emfim, baste o dizervos, q nesta vida nä que-
ria mais, q a vossa vontade, no q estou, e estarei emqto Dz for Dz, nä sendo outra, q a q na preza
do mesmo Sr me afirmastes. E eu, q nunca cuidei mas antes cuidei sempre em mim
pa em a minima accä, voz nä dar a enteder em nenhũ tempo, q de vós desgustei e pa vos deixar,
nä sei, nä sei verdadeiramte q diga a Dz fico no q me dizeis, q he tudo pa cautela; e por tudo o q
me dizeis estou e fico tanto, como vereis na inalteravel obediencia, com q cumpro, e exse
cutarei tudo qto me mandares; vão as cartas todas; e fazei o q quizeres, ja q foi Dz N Sr servi
do, q chegasseis a dominar, e possuir hua vontade, q nä soube mais, q thé os ultimos dias por vós
Por hora não voz digo maiz, senão, q estimara de cada
vez mais adevinharvos o pensamto pa em tudo voz fazer a von-
tade em forma, qe sempre vivesseis com a maior consolação; este
he, e ha de ser todo o meu designio, e dezo, queira Dz q encontre
eu o mesmo, e qdo não se for disgraça ma toda a ma vida o chora-
rei. Remetovoz a folhinha, e tambẽ esses seis vinteis, q por me
nä mandares pedir nada voz nä remeto mais.
O Vosso, q só por morte deixará de o ser o mesmo
sem a minima mudança.