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1646. Carta de Gaspar de Sá, abade, para um membro da Inquisição de Coimbra.

SummaryO autor escreve relata ao destinatário, um membro da Inqusição, como procedeu por ocasião da prisão de um cristão-novo
Author(s) Gaspar de Sá
Addressee(s) Anónimo366            
From Portugal, Miranda, Duas Igrejas
To S.l.
Context

Processo de Francisco Fernandes, cristão-novo, de alcunha "o Cavalheiriço", sapateiro, natural e morador do lugar de Duas Igrejas, termo da cidade de Miranda do Douro. O réu foi preso a 12 de janeiro de 1646. Segundo algumas testemunhas, o réu ter-se-á envolvido em várias discussões com outros sujeitos, tanto fora como dentro da cadeia, nas quais se ofendiam e, sendo chamado de judeu, frequentemente respondia que a Lei de Moisés era melhor do que a lei cristã; faria também os rituais judeus (roupa lavada, jejum, etc.) e teria ajudado uma cristã-nova sua cunhada, Maria Lopes Cardosa, a esconder-se quando era procurada com um mandado de prisão. Uma testemunha, Bartolomeu Peres, disse concretamente que foi a casa de Francisco Fernandes e que o réu o chamou à parte e lhe disse que tinha lá ido um soldado para lhe prender a cunhada, mas que ele a tinha escondido num palheiro, pelo que estaria segura. Segundo, essa testemunha. Nessa mesma noite, a filha de Francisco Fernandes, Maria Henriques, tirou-a de lá com a ajuda do próprio Bartolomeu Peres e levou-a para o lugar de Freixiosa, mas antes de lá chegar encontrou o irmão, João Pires, e entregou aos seus cuidados a dita mulher para que este a protegesse e ajudasse a fugir durante quatro dias.

Em confissão, o réu tentou negar todas as acusações que lhe foram feitas. Disse que, por medo de ser preso injustamente, fugiu para o Reino de Castela com outras pessoas da sua terra, mas que depois voltou, como muitos outros também. O réu foi posto a tormento para dizer a verdade, mas como na casa do tormento continuou a dizer que não tinha nada para confessar, logo foram chamados os ministros, os guardas e o cirurgião para que fizessem o seu trabalho. O réu foi despido; depois, mandaram que se sentasse num banquinho e ataram-no. O Notário avisou-o de que, se perdesse a vida, quebrasse algum membro ou perdesse algum sentido, a culpa era dele, réu, e não dos inquisidores, porque ele próprio, com tanto atrevimento, se sujeitava a tal perigo. Foi-lhe então dado um "trato experto", e, depois disso, o réu quis confessar. Disse então que ele e a sua mulher, em tempos, acreditaram na lei de Moisés, e que com a cunhada, a referida Maria Lopes Cardosa, celebraram cerimónias e jejuaram nos dias respetivos. Disse também que a sua crença na Lei de Moisés durou cerca de quatro anos, mas já se tinham passado quase trinta depois disso. Segundo o réu, só se terá iniciado nessa religião por causa da mulher e respetivos parentes, que lhe garantiram a sua salvação.

O réu foi considerado convicto no crime de heresia e apostasia, herege, judeu e apóstata da fé católica, falso e simulado confitente, afirmativo e impenitente, pelo que recebeu a sentença de excomunhão maior, confiscação de bens para o Fisco e Câmara Real e mais penas em direito contra semelhante estabelecidas.

Support folha de papel dobrada escrita apenas no rosto.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Coimbra
Archival Reference Processo 1970
Folios [26] r
Transcription Leonor Tavares
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2009

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