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Maarten Janssen, 2014-

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1745. Carta de Francisca Josefa do Evangelista, freira, para João dos Querubins, padre confessor.

SummaryA autora protesta por não ter a ajuda que pediu e por não conseguir a transferência de convento.
Author(s) Francisca Josefa do Evangelista
Addressee(s) João dos Querubins            
From Portugal, Tomar, Abrantes, Convento de Nossa Senhora da Esperança
To Portugal, Alentejo
Context

Este processo diz respeito à madre Francisca Josefa do Evangelista, religiosa da Ordem de São Francisco, professa no convento de Esperança de Abrantes de 41 anos, natural e moradora da mesma vila. Embora fosse filha de Feliciano Mendes da Rocha (almocreve) e de Maria da Silva, Francisca Josefa do Evangelista foi criada desde pequena por Leonor Catarina do Avelar, viúva do desembargador Francisco Soares Galhardo, a qual não tivera filhos e lhe dera muitos mimos. Aos 17 ou 18 anos foi então para o convento, onde professou a sua fé e de onde não tornou a sair. Acusada de feitiçaria, heresia e sacrilégio, a ré foi presa a 3 de agosto de 1745. A 17 de dezembro de 1745, foi mandada para a reclusão no seu mosteiro, descrito como muito húmido, estreito e com pouca luz, e proibida de ver ou falar com quem quer que fosse, além da freira que detinha a chave do seu cárcere e lhe levava a comida. Durante todo esse tempo, era obrigada a jejuar a pão e água, intercalando os jejuns com dois ou três dias de alimento normal. Em suas cartas, entregues à mesa da Inquisição pelos destinatários, Francisca Josefa do Evangelista mostra desejo de ser transferida para outro mosteiro, alegando que as freiras do mosteiro em que estava a queriam matar. Disse também que deu a sua comida a um cão e que este morreu logo em seguida, o que seria prova de uma tentativa de envenenamento. Em causa estão ainda outros comportamentos da ré, nomeadamente: a) de nas suas cartas dizer que zombava do Santo Ofício; b) de ter dado uso profano a partículas consagradas; c) de afirmar que tinha tido cópula com o demónio e de experienciar partos de três em três meses, dando à luz criaturas horrendas; d) de ter feito pacto com o demónio, fazendo uma declaração escrita com o seu sangue menstrual, e de fazer novenas a Santa Helena em conjunto com a repetição desse mesmo pacto; e) de tentar saber o futuro através de uma fórmula adivinhatória profana que envolvia ovos frescos num vidro com água; f) de escrever um livrinho de orações adulteradas por si; g) e, de ter sonhos lascivos com o demónio em forma humana na figura de um homem preto. Ainda assim, a ré desmentiu depois o que havia dito, afirmando ter inventado tudo só para mudar de convento. Os médicos formados pela Universidade de Coimbra, António dos Santos (familiar do Santo Ofício, primo da ré e interveniente em algumas cartas) e João Gomes Pimenta Grandio, atestam a 29 de Outubro de 1745 que a ré estava mentalmente sã e que nunca houvera sinais de distúrbios mentais. No entanto, diz-se também no processo que a ré saía do convento aos gritos a dizer que a queriam matar, e que já tinha mostrado a um padre o papel com pacto de sangue que fizera com o demónio. Em auto da fé de 14 de fevereiro de 1746, a ré foi sentenciada a abjuração de leve, pagamento de custas, penitências espirituais, não indo às grades num período de seis meses.

Support meia folha de papel não dobrada escrita no rosto e no verso.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 6056
Folios 40r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2306096
Transcription Leonor Tavares
Main Revision Fernanda Pratas
Contextualization Leonor Tavares
Standardization Fernanda Pratas
Transcription date2016

Text: -


[1]
j M j
[2]
Ai meu Rdo Pe comfesor não sei q diga as tiranias q expermta a minha alma pois sendo inda por maos dos menistros de Ds mais emvidente he a minha comdenação,
[3]
eu istou no imferno pois isto sabe Vmce, e eu milhor, porq sei mais e me sinto ja nele arder
[4]
e pelo q vou vendo sei não mais porq he emremediavel a minha salvação; cudando algum dia so no imferno, não avia redenção
[5]
agora vejo pelo q expermto na mesma igreija q devia acodir com a maior ansia a minha alma q estando inda no mundo ja tambem istou emremediavel
[6]
oje detremino falar a Vmce mas escrevo isto porq sempre lhe falo pouco,
[7]
não sei porq eu istou perdida d alma e do corpo e vejo q Vmces discansão nqunto como q senão ouvera alma nem Ds nem morte
[8]
ora snros, eu não ei de ser so o q lhe ei de dar conta
[9]
como Vmces não tomão isto tanto a sua como ele sabe he justo la se avenhão pois istou vendo em q rezulta o seu proprio
[10]
q a ser como a rezão pede serta estava eu no remedio da minha alma
[11]
mas ja sei pouco mais ou menos o q a de vir
[12]
Vmces discansão e zombão e eu no imferno metida, athe de todo me deicharem cahir
[13]
isto he emcrivel em christandade
[14]
eu ando de cada ves mais doente se socorrer Vmces deicho emcarregados na minha salvação pois eu porpuslhe o remedio q se lhe sabia dar se se procurase como se deve
[15]
Vmces não a fazem como ele sabe pois a Ds nimguem emgana
[16]
ele lhe pedira esa conta q eu inda mto a tempo lhe comoniquei o como a minha alma abacho de Ds pode salvarse
[17]
se não querem ou por este ou por aquele motivo la no outro mundo avera quem o procure miudamte pois se fia mto delgado
[18]
e todo em q o mal q suseder a minha vida corpo e alma a sua comsiensia deicho e não digo mais etc.
[19]
e em cumcluzão pe digo a Vmces q se me não tirão desta cauza do meu imferno, q pelos santos emvangelios e pela ostia comsagrada q me mato
[20]
e de todo por me não darem remedio, pera sempre no imferno me persepito q istou arenegada e de quada ves mais perdida por sua culpa
[21]
porq o q em mim he mizeria obrigada dos persepisios emfernais em q Vmces me querem ter, em Vmces he adevirtençia
[22]
e não quererem adevertir como devem a dependençia do meu aperto e alma disgrasadisima como o he nas suas maos,
[23]
pois sou tão disgrasada q nem da alma tenho amigos
[24]
mas q a de ser se Ds o não he q me dezemparou de sorte q detrimina os seos menistros q tambem me dezemparem
[25]
emtão dis Vmce q recorra eu a sua mizericordia
[26]
ele se a tem he pa mim mais cruel q satanas, pois pedindolha e querendo so me tire deste imferno pa o servir, e me salvar, não quer não he Ds, he hum tirano, q me trouse a este maldito comvto pa me condenar ja com endustria de o fazer,
[27]
por iso Snr a minha alma esta perdida e Vmces a deichão perder, o q lhe torno a dizer lhe emcarrego,
[28]
agora vejão se de todo querem me leve o diabo

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