Sentence view 1699. Carta de Vicência do Rosário para destinatário não identificado, membro da Inquisição de Lisboa. Author(s)
Vicência do Rosário
Addressee(s)
Anónimo555
Summary
A autora denuncia uma forneira por suspeita de feitiçaria. Conta em detalhe tudo quanto lhe ouviu dizer e viu fazer quando, transtornada pela morte da filha recém-nascida, quis descobrir como isso tinha acontecido.
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[1]
em o mes de setenbor ou outubor de seissentos
noventa e seis
me susedeu por causa d uma doensa q tive
ter hũa pouca de roupa suija
[2]
e pela querer
guardar andava pirsiguindo a lavandeira q
ma lavase antes q emtarse o inuerno
[3]
e
ela me disia que não achava sĩnsa q pidise
eu a minha forneira q ma vendese e q logo
ma lavaria
[4]
eu vendo isto por não ter cir
ada q mandase e ser uso no meu bairo
hirem as visinhas em casa hũas das outars
com libardade fui eu hũ dia as tirndades
com hũ pausinho na mão a casa da forne
ira a casa
[5]
diserãome q estava na eira q esta a
tars da parede das casas
[7]
acheia asentada a par d um monte de ispi
gas de milho com hũa minina q tinha de
poucos meses mitida na saia
[8]
eu asentei
me a par dela q fasia mto luar
[9]
ali istive
mos falando hũ pouco e eu disendo q quiria
me vendese hũa pouca de sinsa pa man
dar lavar hũa pouca de roupa e hũns
colxois antes q chovese
[10]
ela dise q não ma
pudia dar aqueles dias porq lha tinham
pidido mtas pesoas
[11]
rogueilhe mto q vise se ma
pudia dar ate sesta fra mas o dia
em q falei não me lenbar
[12]
e hũ dia dis
pois q falei com ela ouvi diser q lhe more
ra aquela ciransa q lha matarão as bu
burxas
[13]
tambem me não lembar
qual dos dias foi q moreo a ciransa
q como hera hũ anginho nehũ caso fis
daquilo q oouvi
[14]
mas o q he serto q tudo foi
dentor em hũa somana
[15]
e como ela fico comi
go de faser mto por me dar a sinsa ou pouca ou mta
a sesta fra qdo veio á sesta fra pela minhã fui
eu resando ate o forno pa saber se me avia de
dar a sinsa q me tinha pormetido
[17]
vio andar ardendo e não estava
la gente
[19]
estava no pa
tio hũu omen tarbalhando coisa de carpenta
ria ou de carro ou de arado
[20]
pirgunteilhe qu e de
esta molher
[22]
dise eu e pois
quem asendeo o forno
[23]
respondeome ahi o vierão
asender
[24]
mas não me dise quem nem a min me
emporto pirguntalo porq eu não quiria senão
a forneira e pareseome q viria algũa visinha
largarlhe o lume em q ela vinha
[25]
fiquei no
patio parada de frente d outar porta sua q es
tava fichada disendo eu valhame des agora
se foi esta molher q eu quiria falar com ela
[26]
virose o omen pa min e diseme de manso q esta
va naquela casa q eu via fichada
[27]
dise eu
se a porta esta fichada
[28]
tornome a diser q la
estava
[29]
eu sem reparar se estava a porta
fichada por dento ou por fora vi q estava
hũa goteira q tem a porta tapada com hũ
rolham de pano pardo
[30]
pareseme q istaria
tapada por lhe não irem la gatos
[31]
dise o omem
se hira ela a fasenda
[32]
respondeome q não q la
estava mas de mansinho asenando com a ca
asenando com a cabesa como quem não quiria
q ela o ouvise diser adonde estava
[33]
fui eu
chegando pa a porta
[34]
antão vi q estava fi
chada por dentor
[37]
virei pa o omen e disse parese q não esta ca
q não fala
[38]
tornome a senar com a cabe
sa q la estava
[44]
dise
selhe eu diseilhe se me da oje a sinsa q me
pormeteo
[45]
ela sem ir dar o recado me di
se muito tirste e atirbulada venha Vm ca
dentor
[46]
eu não fui ligeira em emtar
[47]
ela
tornou a ripitir venha sra venha ca den
tor
[48]
qdo eu a vi tão atirbulada e a modo de q
estava em algũ aperto pirsumi q a madars
ta lhe quiria dar e q ela me quiria la pa
inpidir ou acudir
[49]
emteri na casa onde
ja tinha amtardo hũa ves
[50]
ela foime le
vando mais dentor a outar casinha pa donde
eu nunca tinha emtardo mas não pasei da
porta
[51]
e dali dei com os olhos em hũa fuguei
ra q tinha em sima hũa caldeira ou
taixo e ela na mão hũu pao ou culher
guarnde com q estava mexendo o q esta
va dentor
[52]
vi hũa coisa dinigurda q me
pareu q estava cosendo miadas como fasen
alguas mulheres q curão fiado
[53]
mas se era
caldeira ou taxo não jurarei nem se era
pao ou culher com q estava mexendo por
qto a detensa foi berve e eu não cheguei
la perto
[54]
mas fee q estava cosendo miadas
miadas
[55]
qdo a vi antes de falar na sinsa q me ti
nha purmitida dise eu cõsta visinha q lhe
moreo a sua minina
[56]
ora de mtas garsas a des
q lhe fes ese anjo no seu
[57]
inda lhe hia di
sendo mais mas ela não me deu lugar por
q logo dise e quem ma mato a min aqui estou
fasendo isto pa saber quem ma mato
[58]
qdo
eu ovi isto lenborme q disem q as molhes
a quem as burxas matão ciransa q pa saberẽ
quem foi a burxa q se feixão em hũa casa
com todos os buracos e guerts mto bem tapados
e no lume hũa caldeira com os cueiros da
ciransa a ferver
[59]
e q ali dentor com tudo
mto bem tapado lhe aparese a burxa fei
ta molhe
[60]
eu não cira q avia quem tal fi
sese porq parese coisa feita pelo diabo
de q des me liver mas qdo eu lhe ouvi diser
aqui estou fasendo isto pa saber quem ma
mato fiquei pasmada
[61]
dise eu santisimo
nome de mulher comfesaste diso
[62]
respondeome como q me aremesava emfada
da mulher comfesaste
[65]
dise eu pois quem fas mal o pa
gara ou no inferno ou onde des ordenar
mas faser hiso he pecado
[66]
respondeu
me mto agastada se he pecado quero fase
lo
[67]
e Vm quem a mandava agora ca vir
[69]
vase embora isto mto agasta
da
[70]
eu antão me tirei de min coisa contar
o meu natural como se sabe e lhe dise á
sim
[71]
eu vos pormeto q eu o diga
[72]
e virei
pa o omen q estava no patio e diselhe e vose
lemberlhe o q oviu pa qualquer tenpo
q lho pirguntarem
[73]
o omen respondeome
o sra milhor he não falar niso q aqui
lo mtos fasem
[74]
eu lhe dise se o fasem eu
numiarei a ela
[76]
qdo fui comfesarme comtei tudo
isto ao comfesor
[77]
ele não me
fisera mto caso disto
[78]
comtudo diseme hi
so hase de diser la onde se dis mas
não me dise adonde nem me dise ma
is palavar algũa sober isto
[79]
asim me
pareseo q o caso não era tão feio como eu
cudava com q fiquei por mto tempo quieta na
comsiensia
[80]
e dipois tive emfados e ocupa
são ters pa quator meses com pirgo
so com q não me comfesei mto tenpo
[81]
dispo
is q aquietei na minha roca e almofada
lenborme isto e comesei a formar excur
curpulo naquela palavar qdo o comfesor
me dise hiso hase de diser la onde se dis
se naquilo me mandaria q o disese
[82]
e eu
q não sabia aonde nem o pirguntara
nunca
[83]
fis perposito de me tornar a cõ
fesarme disto
[85]
e di
sendolhe isto diseme pare com a comfi
são q não poso asolver hiso
[86]
va buscar
hũ apostolo q so eles tem poderes pa hiso
e contelhe o caso todo na verdade
[88]
diseme q me asolvia pelos poderes q ti
nha mas com condisão q avia eu de dar con
ta ao cumisairo do sto ofisio
[89]
eu dise q não
sabia quẽ era
[90]
diseme a outor comfesor
q tinha obirgasão de avisar disto
[91]
q o
fose buscar e lhe dese conta
[92]
eu o fis asim e e
le me dise q avia pouco q viera pa a terra
q não sabia quem era o cumisairo mas
pirguntava se lha dava lisensa
comsultar o caso com outar pesoa
[94]
e tambem o parico me pidiu
a mesma lisensa
[95]
e anbos me avisaram
q estava obirgada a dar conta
[96]
e como se a
cho q o cumisairo não morava na tera
me resolvi obirgada de quator comfe
sores a tomar isto por papel pa o dar a qual
quer deles q o dem adonde pertenser
[97]
a molher q me dise estava fasendo aquilo pa
saber quem lhe mato a ciransa chamase
domingas careira
[98]
a intiada q veio abir a por
ta q bati chamase ma
[99]
e o omen q estava no
patio e me dise onde ela estava chamase
domingos gaspar
[100]
e isto susedeo no cabo da
rua dos bareiros por sima da fonte gde na sidade
de lra
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