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meia folha não dobrada escrita apenas no rosto
duas linhas em branco entre a fórmula de endereço e o início do texto.
A autora pede ao cunhado que dê notícias e que não se esqueça dela e da sua filha, uma vez que o seu marido está ausente no Brasil.
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Processo de Domingas de Araújo, moradora na freguesia de Rio Caldo, Terras de Bouro, acusada de bigamia. Conteúdo do processo: o padre Manuel de Araújo, cunhado da dita Domingas e morador em Santo Tirso, denunciou-a à Mesa no dia 11 de março de 1690. Domingas de Araújo era casada com António de Araújo, barbeiro, irmão deste padre Manuel, e tinha com ele dois filhos. Depois de o seu marido se ausentar para o Brasil por 18 ou 19 anos, e estando ele ainda vivo, esta terá casado pela segunda vez a 20 de janeiro de 1687 com Francisco Afonso, "o Fidalgo", lavrador, natural e morador da freguesia de Rio Caldo, concelho de Bouro, de quarenta e três anos de idade, com quem viveu dois ou três anos antes de o seu marido voltar do Brasil. À data da denúncia, António de Araújo encontrava-se a viver em casa de seu irmão e Domingas continuava a viver com o segundo marido.
Ao que consta, o padre Manuel de Araújo lia sempre à sua cunhada as cartas que António lhe mandava, escritas com a sua própria letra. Também Filipe Bravo, da mesma cidade, teria voltado do Brasil e lhe foi dar notícias de seu marido, pelo que ela saberia que ele estava vivo.
Domingas de Araújo pediu então uma audiência para confessar as culpas. Disse que só sabia que o marido escrevia porque o irmão deste, o padre Manuel de Araújo, assim o dizia, e que dele nunca recebeu carta alguma. Disse que escreveu ao marido e dele não obteve resposta, pensando então que estaria morto.
Disse ainda que só fez os bens d'alma do seu marido por ter sido perseguida, com esse fim, por um abade e um cura locais.
Disse também que só se casou com o dito Francisco Fidalgo porque os seus parentes a perseguiram para que tal fizesse.
Finalmente, disse que, quando soube que o seu primeiro marido tinha chegado do Brasil, logo se afastou do segundo e se recolheu na casa de sua cunhada, Isabel Francisca, permanecendo lá por dois meses. Aí deu à luz uma criança, filha do segundo marido, mas logo a entregou ao pai.
Disse também que o seu primeiro marido entendeu que ela não tivera a menor culpa, e então mandou buscá-la para que voltasse para junto de si em agosto. E que quando a prenderam já estava em casa deste e que viviam juntos novamente. Depois de inquiridas as testemunhas e de analisados todos os factos e documentos, a ré foi considerada inocente e foi absolvida, mas teve que pagar as custas do processo.
Family letter, dictated, from Domingas de Araújo to her brother-in-law.
The author asks her brother-in-law to give her some news and not to forget her and her daughter, since her husband is absent in Brazil.
This letter is included in the process of Domingas de Araújo, accused of bigamy. Her first husband, António de Araújo, had been in Brazil for around 19 years and, in spite of the husband's brother, a priest named Manuel de Araújo, telling her that António had written to him, which proved he was still alive, she alleged that she got no letters from him and that this made her believe he was dead. She also alleged that she only decided to marry again following the pressure of some family members. The second husband was Francisco Afonso, known as "the Nobleman". In the meantime, the first husband returned to Portugal, he forgave her and she went back to live with him. Although the court ended up declaring her innocence, she had to assume all the process expenses.
«Brother-in-law. I hope you are in good health, in the company of my mother-in-law and my brothers-in-law, just as I wish for myself. I'm fine too, and so is my daughter, and we are both at your service. I know you haven't got any news from my husband, but you can see that letter he sent to my brother-in-law and you can know about his health. This way I think you can find some comfort, as I did, since he's not here as I wish he would be. And, since I don't have him, please keep sending me news from you, and from my mother-in-law and brothers-in-law, for you are my only support and I have no one else to rely on. And if you don't wish to remember me, at least remember this girl who lost her father and has no one else but you, and at least don't deprive me from your news, and if you have any news from him let me know, and warn me if Maria de Araújo receives any news from her husband, since she might have a letter for me. And may the Heaven keep you as I wish. Today, 17 May, 1672. From your sister-in-law, Domingas de Araújo»