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Maarten Janssen, 2014-

Facsimile Lines

1741. Carta do frei Francisco de Assis, padre, para Maria Antónia da Encarnação.

SummaryO autor queixa-se à sua amante de algo que aconteceu entre eles e faz-lhe ameaças.
Author(s) Francisco de Assis
Addressee(s) Maria Antónia da Encarnação            
From Portugal, Leiria, convento de Santo António
To Portugal, Alenquer, Óbidos, freguesia de S. Pedro, Rua Direita
Context

O réu deste processo é o frei Francisco de Assis, padre, acusado de solicitação em 1741. O padre Francisco de Assis assistia em casa da família de Maria Antónia da Encarnação. Esta, achando que ele a tratava sempre de forma especial em relação às outras pessoas, em novembro de 1740 enviou-lhe um recado, pedindo-lhe que a confessasse. Tendo ficado satisfeita com os seus conselhos, fez de Francisco de Assis o seu confessor. Na véspera do dia de Reis de 1741, ele escreveu-lhe uma carta, à qual ela respondeu, tendo os dois começado a trocar correspondência, tratando-se por manos. As cartas vinham remetidas ao pai dela, Francisco da Silva, para disfarçar. O padre ia então passar vários dias na sua casa, seduzindo-a com beijos e abraços, convencendo-a de que tinha boas intenções e que nada daquilo era pecado. Até que, na Páscoa desse mesmo ano, os dois tiveram relações sexuais. Após a Páscoa, todavia, quando ela voltou a confessar-se, os dois tiveram um desentendimento. Ele deixou de a visitar, e Maria Antónia da Encarnação pediu-lhe que deixasse de escrever com tanta frequência, o que o ofendeu. A correspondência entre eles diminuiu, e deixaram de se ver. Na sequência disto, Maria Antónia da Encarnação confessou tudo ao pároco de S. Pedro de Óbidos, que lhe disse que fosse falar com o comissário do Santo Ofício, da paróquia de S. João. Como ela era uma rapariga recatada, que apenas saía de casa com a mãe e as irmãs para ir à igreja, e agora tinha medo de que um comportamento diferente levantasse suspeitas, pediu ao pároco de S. Pedro que enviasse a sua confissão, escrita a 7 de Julho, remetendo com ela um papelinho que o frei Francisco de Assis escrevera com o seu sangue, e ainda algumas das cartas dele que ela não queimara. As cartas PSCR1522, PSCR1523 e PSCR1524 parecem ter sido escritas antes da Páscoa de 1741, que foi a 25 de Março, pois não parece ainda haver frieza entre os dois. A carta PSCR1521 deve ter sido escrita depois da Páscoa, pois Francisco de Assis menciona os eventos que tinham ocorrido nesse dia. A carta PSCR1525 parece aludir ao desentendimento entre os dois, pelo que deve ter sido escrita entre a Páscoa e o mês de julho, quando ela o denunciou.

Depois dessa acusação, Francisco de Assis fugiu para Roma, tentando escapar à prisão. Pelo caminho, em Génova, conheceu Pedro Duarte, um jovem português que fora soldado do rei de Espanha mas fugira do seu serviço em 1744. Pediu-lhe que o acompanhasse na sua viagem a Roma, tomando-o como amante. Mas, ao regressarem a Portugal, Pedro Duarte fugiu dele e Francisco de Assis mandou-o prender, acusando-o de sodomia e fazendo diligências para o soltar apenas depois de ele prometer que não o abandonaria. Em setembro de 1745, Pedro Duarte contou tudo isto à Inquisição de Évora. Foi lançado um mandato de captura a Francisco de Assis, que por essa altura estava a morar em Elvas, onde tinha contado a outro padre que solicitava várias mulheres durante a confissão. Franscico de Assis fugiu de novo, desta vez para Lisboa, a 10 de outubro de 1745. A carta PSCR1526 deve ter sido escrita entre os dias 7 e 10 de outubro, dado que nela o autor anuncia que vai para Lisboa. Entre outros assuntos, queixa-se da ingratidão de Joaquim Carvalho, na verdade Pedro Duarte, que o denunciara.

Support uma folha de papel escrita em ambas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 4624
Folios 59r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2304611
Transcription Maria Teresa Oliveira
Main Revision Fernanda Pratas
Contextualization Maria Teresa Oliveira
Standardization Fernanda Pratas
Transcription date2016

Page 59r > 59v

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Ma rica manna, e adorada Ma e não sei se diga,

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q neste mdo o meu Dz plaz atençoens com q estudei de dia de sta Cata the
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o fim da ma vida tratarvoz; poiz retrato do mesmo Sr voz contemplo. e asim
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nao será offença sua, amandoo em vóz, e com tanta singularide ca eu sei
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reconhecer; e Basta ma rica manna, q voz persuadieis a q estava eu mal
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comvosco; pa tanto nas vosas cartas mo repetires; e escreveresme ahinda esta ultima
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com esses recehios e por isso asim como desconsoladinha; o certo he ma querida Mar
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ia, q tudo voz desculpo pla falta da experiencia, pretexto, q sempre voz dize me fazia
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a mim algum mal, não teres aqle conhecimt q qualquer sendo mais experta o po
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dera ter; entendieis q me não custará, e custaria se em vós devisaze a minima
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novide; e qm duvida, q asim havia ser; porq de outra sorte seria descuidarme eu de vós e
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darme pouco do vosso querer; o q talvés succedesse à outro qualquer, e tendo as ocazioens, q
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aqui se me tem offerecido, digo bem metido plos olhos; porem caprixei, e caprixo em
[16]
pôr fora senä como gam com q me livro de mtaz vezitas, e menos conresponde
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ncias; porq estas pa qm em mim empregua todas as suas devidamte.

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Não duvida q qdo me apartei de vós, en esses dous dias, q estive ou fosse

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por não estares boa, o q sentia em mo dizeres, ou por falta de continuação, e querervos me
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ter no coração, e delle voz apartar instante, he verde q senti a falta dos vossos
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agrados; e posto q estivestes the as duas horas, bem sabeis, q nesse tempo me podieis dar
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noticias vossas, particulares, respeitando à manna Joanna, pois sei q nem da propria camin
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sa hoje se pode nimguem fiar; nem imagineis, q eu me lembro pa a Dz N Sr offender de obrares
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por mim a fineza de me teres a vossoz virginaes peitos, e nelles como o proprio, e entranhavel fo me
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reclinares; , voz pareça q me servio isso nem serve de inquietar a consiencia nem me
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levar semilhante lembraça aos péz do confessor; antes sim de me ratificar tanto mais e m
[27]
sem fim vos querer, q desprezando tudo o q vejo, e se me offerece, me recordo do bem q Dz foi
[28]
servido em vós darme pa me desviar de todo o mal; e se eu fui, e sou hinda o q vos quis e
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dezo todo todo o bem, como presumis, q em mim haveria o contrario; pois ássas tendes visto,
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o qto tenho feito por voz roubar todas as atençoens, sem mais fim, q olhando pa a fragil natureza
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de molher, não fosseis desgraçada, como tem socedido, hinda a milhores juizos, q o vosso, precipita
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remse mizeravelmte; e sendo eu o q voz propús, q de actos lascivos, o q depois redundava era aborrecimto
[33]
e odio, como me passaria pella imaginaçä similhante couza; olhai; qm me dera, q vós agora viseis a
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ansia, com q voz digo isto, olhai era eu capas, áo nunca visto amor, q vos tomei e dos estremos eternos
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com q voz protestei querer, era eu capás de se tal me viesse sequer à imaginaçä com hu cordel lan
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çalo áo pescozo, e afogarme, ou dezaparecer, em forma, q nunca mais de meus olhos fosseis vista; e
[37]
nesta pte vos podieis fazer conta, q nem eu pa vós era homẽ, nem nunca por tal me tive, qdo com
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vosco me tenho visto , e asás bem o tendes conhecido; e vos podieis dezenganar, de q na materia de
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semilhantes escrupulos deixame falarvos asim, haveis de advertir q sou capado. e vos dize
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q se a ma inclinação, ou genio fora o apetite lascivo, bem entendeis vós de vós pa vós q se eu quizesse
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ou procurasse hinda couza de supoziçä, q o alcançaria com pouco trabalho, senä tambẽ
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com menos vigias; porẽ nem o meu genio, nem a ma pessoa álem de o apetecer, nunca por tal dei
[43]
hua pasada; e nesta certeza voz podieis ratificar, pa me dizeres q se me agravava a consiencia
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ou a inquietava vendonos de perto vós sempre mo dizias, qdo vós mesma precensiastes q hindo nas ocazioens
[45]
em q podieis imaginar, q eu como homẽ me inquietase, viste tanto plo contrario, q parecia hua pedra.

[46]

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