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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

[1770-1772]. Carta de Bernardo da Silva do Amaral, padre, para Ana Maria de Jesus, freira.

ResumoO autor, padre, aconselha a destinatária a não tirar a sobrinha de sua casa, assegurando-lhe que não há razões para escândalo.
Autor(es) Bernardo da Silva do Amaral
Destinatário(s) Ana Maria de Jesus            
De América, Brasil, Recife
Para América, Brasil, Recife
Contexto

Este processo diz respeito a Bernardo da Silva do Amaral, presbítero secular, confessor, natural de Lisboa e morador em Pernambuco. O réu, de 46 anos, foi preso a 23 de abril de 1772 na cadeia do Recife, acusado de proferir proposições heréticas e de solicitar mulheres. Refere-se abaixo o que se sabe de cada uma das mulheres com quem esteve envolvido:

Madalena Tomásia de Jesus era casada com o desembargador João Bernardo Gonzaga, que foi quem, em Lisboa, denunciou o padre Bernardo da Silva Amaral ao Tribunal do Santo Ofício. Acusou-o de ensinar que dar beijos, abraços e outras carícias não era pecado, antes serviço de Deus, para, precisamente, as poder beijar, abraçar e acariciar.

Tomásia de Jesus Maria, ou Tomásia Isabel Gonzaga, moça solteira, de 20 anos, filha de Madalena Tomásia de Jesus e do desembargador João Bernardo Gonzaga, morou no Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição durante algum tempo, onde era confessada pelo réu. Quando vivia em casa de sua mãe, as duas costumavam dormir na mesma cama com o padre Bernardo da Silva do Amaral, que lhes fazia visitas regulares, muitas vezes sob o pretexto de fazer exorcismos e ajudar a curar moléstias. A maior parte das cartas do processo envolve uma das duas: ou a mãe, ou a filha. As cartas foram guardadas durante algum tempo por Teresa de Jesus Faria, que as entregou a Lourenço de Freitas e Abreu quando pensou ausentar-se de casa. Lourenço de Freitas e Abreu, de 50 anos, ajudante do cirurgião-mor do regimento pago da cidade de Olinda e morador no Recife, confirmou no seu depoimento ter estado em posse dos escritos de Dona Madalena Tomásia de Jesus e da sua filha.

O réu foi também denunciado por Josefa Maria dos Prazeres, divorciada de Manuel de Sousa Vieira e moradora da freguesia da Santa Sé Deolinda; por Luísa Bárbara da Conceição e Ana Joaquina da Conceição, moças solteiras, filhas do capitão António de Sousa Marinho, e de Josefa Maria de Jesus, entre outras. Também Clara Maria de Jesus, ama e empregada do serviço de casa do padre, o denunciou, dizendo tê-lo visto a assediar as confessadas com beijos e abraços, chegando a deitar-se com elas; ela própria também teria sido assediada.

Ana Maria de Jesus, de trinta e poucos anos, chamada a freirinha, que morava em casa de dona Madalena Tomásia de Jesus, também viveu com o padre durante ano e meio. Disse que algumas das coisas que escreveu foram ditadas pelo próprio padre Bernardo da Silva do Amaral. Presa em segredo na Fortaleza das Cinco Pontes da Vila do Recife, costumava andar de hábito descoberto.

Maria Catarina da Conceição, recolhida no Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, autora de duas das cartas (PSCR0599 e PSCR0600) que constam no processo, declarou no seu testemunho que estes escritos não tinham relação alguma com o padre António de Santa Catarina, que costumava ir confessar ao Recolhimento.

Inês de Jesus Maria, moça solteira de trinta anos de idade, filha de Gonçalo de Sousa também foi arrolada.

Luís de Albuquerque de Melo recebeu um dos escritos enviado por Maria Catarina da Conceição.

Teresa de Jesus Faria, de trinta e cinco anos, era escrava de Madalena Tomásia de Jesus e consta do processo que o dito padre terá andado atrás dela para que fosse sua confessada, rindo-se muito para ela. Era também madrinha de uma outra escrava de dona Madalena Tomásia de Jesus, chamada Úrsula Maria de Jesus, que terá presenciado banhos entre o padre, a senhora e a filha.

Do processo, constam ainda alguns escritos encontrados com o padre Bernardo da Silva do Amaral, os quais estão cifrados e para os quais o réu disse não ter “a grade”, por “não ser constante”. Disse também que um dos escritos era de dona Rosa Teresa do Espírito Santo, de 30 anos, filha do Mestre de Campo João Marinho e viúva de José Carlos, moradora no Engenho de São bento do Caiará, na freguesia de São Lourenço da Mata (Pernambuco). Disse ainda que dois dos escritos cifrados eram falsos, e que não entendia nada do que neles se continha. Em relação ao escrito PSCR0598, Bernardo da Silva do Amaral respondeu que eram apenas ditames que lhe tinham dado na congregação para se livrar dos seus escrúpulos. Tomásia de Jesus Maria negou que as cartas fossem dirigidas a ela, ou que tivesse escrito alguma, dizendo haver mais pessoas com o mesmo nome. Disse também que não entendia nada dos escritos cifrados e que supunha que seriam todos falsos.

Em auto-da-fé privado de 4 de março de 1776, o réu foi condenado, para o que serviram de base as cartas que constam do processo. Levou abjuração de veemente, ficou privado para sempre do poder de confessar e de celebrar missa, além de ter sido suspenso do exercício das ordens por dez anos, degredado para a cidade de Lamego, também por tempo de dez anos, donde não sairia sem licença expressa do Conselho Geral, degredado para sempre de Pernambuco, aonde não poderia mais entrar. Recebeu também penitências espirituais, instrução na fé católica e obrigação do pagamento das custas. A 29 de janeiro de 1782 foi-lhe perdoado o degredo.

Suporte meia folha de papel escrita no rosto e no verso.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 8759
Fólios 26r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2308885
Socio-Historical Keywords Maria Teresa Oliveira
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Catarina Carvalheiro
Contextualização Leonor Tavares
Modernização Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2016

Page 26r > 26v

[1]
Sra Ana Maria mto ma Sra

Dezejo a vmce toda aquela paz, e socego; todos aqueles alivios, to-

[2]
dos aqueles augmentos spirituaes, e graças Divinas, q pa mim
[3]
mesmo posso pedir, e rogar a noso Bom e Todo poderozo Ds

[4]

Sra Vmce me perdoe a confiança de lhe escrever; e pa este

[5]
perdão me pode valêr a intenção, com q pego na pena: e vem a ser
[6]
socegar a Vmce, atender pelo seu bem, e de sua sobrinha; e sobre
[7]
tudo obedecer, a qm governa ma alma, e agradar a meu Ds

[8]

Tod o cuidado de Vmce, tod as razões suas, e de outras pesoas pa

[9]
persuadir a sua sobrinha, q largue pa caza, pa onde veyo; se fun-
[10]
dão no reparo, na nota, e escandalo do mundo. Não he isto verde
[11]
não tem duvida; pois asim o diz a sua carta, asim o dizem ou-
[12]
tros, ainda pesoas Reliozas: pois sabendo eu mta couza (q na
[13]
da no mũdo vem sempre a estar oculto, como diz Jezus Cho) nun
[14]
ca tive noticia se falase, ou suspeitase mal de sua sobrinha
[15]
por estar onde está, nem por se comunicar comigo. He verde q
[16]
sujeito houve, q a infamou: porem como odio, paixão, e ma vida
[17]
do tal sujeito são couzas claras, e notorias, e q á mesma virtu-
[18]
de de sua sobrinha tem aversão: ja se ve, q nenhũ homem
[19]
prudente deve fazer cazo dos ditos; ou pa milhor dizer da
[20]
vontade da tal creatura. N Sr de a este homem mil bens; os
[21]
quaes todos os dias lhe peço, e eu sempre lhe perdoei, e perdo-o de
[22]
todo meu coração os gravisimos testemunhos, q me tem levantádo.

[23]

Como pois o escandalo do mũdo, o meterem-se almas no in-

[24]
ferno (como Vmce diz) por estar sua sobrinha na caza, onde mo-
[25]
ra; he todo o alvo dos seus cuidos, escrupulos, e deligencias: peço-
[26]
lhe Sra Ana Maria pelas chagas de Jezus Cho me ouça com
[27]
atenção nesta carta. Bem dezejava eu falar com Vmce; mas como por
[28]
ora não pode ser, peçolhe ouça as ptes, emqto Vmce me não con-
[29]
cede licença de me por a seus pes na sua prezença.

[30]

Pronũciar sentença sem ouvir as ptes não he licito, não he

[31]
bom; he antes prejudicial, e reprovado por todos Direitos natural,
[32]
e positivo. Sua sobrinha de Vmce estava morãdo em tal caza, tal
[33]
penuria, e tal dezãparo temporal, e spiritual, qual direi; pa q se
[34]
abrão os olhos a razão. Primeiramte vivia so, sem companhia al-
[35]
guã. Oh juizos humanos! Huã moça de poucos anos estar so em
[36]
huã caza, sahir so; indo so onde lhe era prescizo: isto não cau-

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