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1819. Cópia de carta de Joaquim José da Silva Mourão para sua mulher, Joaquina Teresa.
Author(s)
Joaquim José da Silva Mourão
Addressee(s)
Joaquina Teresa
Summary
O autor relata à sua mulher, entre outras coisas, factos de um crime em investigação.
Text: -
[1]
Abrantes
o primeiro de Maio
de mil oitoÇentos e dezanove
[2]
Minha querida joaquina
do corasão
[3]
Com Sumo gosto ei
de estimar que estas duas re
gras te vão achar
com as milho
ras que eu, e tu dezejas para
não termos mais que
sentir,
que a minha hé boa Deus Lou
vado, e ta ofereso muito
pron
ta para em tudo o que for do
teu gosto
[4]
Filha do
corasão está serve
de saber da tua saude e junta
mente a dizerte
que cá resebi
A tua carta datada de vin
te, nove do
corrente e nella ve
jo que me dizes o não resebe
res
carta minha o correio pa
ssado, o que me fas ademirar,
porque eu
todos os correios te
nho escrevido,
[5]
pois dis o Pa
drinho
que ta procure porque
lá a os de ter,
[6]
isto hé se ta não
tirasem, asim como
te tirarão
á do dia treze do mes passado,
[7]
pois tu deves de saber que o
ma
ior gosto, que eu tenho hé em
estar, á escreverte pois se
po
sivel fosse dezejava Sem
pre a estar sempre com a
pe
na na mão a escreverte pois
hé o maior dezabafo que o
meu
O meu corasão tem,
[8]
não po
des fazer ideia o
quanto o meu
corasão fica de apaxonado
em Rezão de tu me dizeres que
ainda não vas milhor pois não
ha coiza neste mundo que
me possa dar
alegria em eu
pensar que ei de estar viven
do auzente da tua
companhia,
e não te poder ser bom como
que eu dezejo,
[9]
mas agradese
me
a boa vontade que eu
tenho porque só Deos hé que
o sabe qual ella hé, e
por es
ta rezão a maior parte das
noites passo sem dormir Só
a comsiderar nisto mesmo,
pois trago o meu corasão ma
Mais triste
que a propria
noite pois e meu comsiderar
que ei de vir a caza, e que
te
não ei de ver, poemçeme
o corasão mais triste que
he possivel
[10]
Filha do cora
são aqui chegou o meu Sobri
nho que veio
do destacamen
to das fós de Arje, e me dis que
foi a terra mas
que não se de
morou lá mais do que qua
tro dias, e no
tempo em que
elle me dis que lá esteve ain
da lá não tinha
chegado
a carta que eu escrevi a tua
Mai, porque foi logo no prin
Cipio do mes de Abril, e a Carta
não chegou a Arganil senão
Senão de quinze por diante,
donde eu mandei a medida
das
xinelas a teu mano Mano-
el,
[11]
mas como lá está o filho
do joaquim
da soma de Bordei
ro que ha de aqui chegar no
dia dés do corrente
talves, e
lle traga as xinelas porque
teu mano disse a meu
Sobri
nho que logo que elle rese
bese a medida das
xinellas
que as fazia,
[12]
e me dis tãobem
que lá todos andão de saude,
e
que não escrevião porque
não tinhão tempo,
[13]
o Resto
do fiado que lá nos
ficou na
mão de minha cunhada iza
bel que o a de mandar pelo
Dito soldado de Bordeiro,
[14]
e a respeito da troca do fiado
que nos fizerão cá me contou
o meu sobrinho como foi a tra
passa
porque dis que falta
ra huma miada de caza a mi
nha
sobrinha Maria, e que
minha cunhada só pela não
ouvir que lhe dera huma
das
nossas,
[15]
e meu sobrinho quan
do vio o novello que veio de
peçós, que disera a Mai que
hera pouca vergonha o ella
mandar semilhante
fiado,
porque tu Logo cá o conhe
sias, que estivera em lho
não aseitar, que ó comprase
O Comprasse ella na prassa
e que o
desse a filha, e não lhe
desse do nosso, que hera pouca
vergonha, o cá
trazer ssemi
lhante fiado,
[16]
agora estou á
ver o que ella me manda,
[17]
is
to hé se vier, eu to mandarei
dizer
[18]
Esta quaresma não
ouve ca passos, nem sermoi
ns os domingos, pois só ou
ve
paixoens nas sextas fei
ras,
[19]
e tambem esteve em não
se fazer
indoenças na soma
na santa, pois se cá não es
tivesem, o
sogro, e cunhados
do Borrito dis que as não ha
via porque elles
hé que co
Correrão com todas as dispe
zas, da igreja, e
quem a pregou
foi o Padre de Aldeia Nova
[20]
Filha do corasão as novida
des desta terra são as seguin
tes
Que no dia Vinte
sete do cor
rente sahirão tres Ladroins
a huns carreteiros de
Vinho
que vinhão para esta terra
e os Roubarão, e matarão dois
dos
carreteiros, e triraram
lhe digo dos carreteiros, e ti
rarãolhe dezasete moedas,
histo distante desta terra
pouco mais de huma
Legoa
[21]
mas não morrerão Logo, e os
Logo, e os outros
carreteiros
fugirão, mas conheserão os
Ladroins donde dois ja estão
prezos na cadeia desta Vila,
[22]
porque os ditos Ladroins an
davão
com mascras na cara,
mas como elles andarão a
garrados huns com
os outros
tirarãolhe ás mascras da ca
ra de forma que
retirando
se os ditos Ladroins para es
ta terra os vierão
prender,
[23]
Levaraosnos a prezença dos
dois que dispois de os conhe
serem diserão que herão os
mesmos que os tinhão Rou
bado, e que só faltava hum
que hera soldado, e que este
Avia de
estar ferido na ca
ra, e em hum braço e pellos
signais que elles
dezião hé
o Bernardo genro do Goveia
porque elle tinha sido sol
to da cadeia
[24]
Logo foi pedir
Liçença, o cappitão e mar
chou nesse mesmo dia do
Roubo, e no dia seguinte
apareseu
no Quartel a noute
com a cara toda ferida,
e hum braço muito inxado,
[25]
e elle quando se foi não le
vava dinheiro, nenhum,
e quando veio
trazia di
nheiro, porque pagou al
gumas couzas, que cá
de
via, e gastou mais em outras
Em outras coizas, e
me disse
por disfarse que tinha hido
a santarem, e que tornava
outra
vés para lá que que
ria hir cobrar o Espinhasso,
o carapáo com
quem a mulher
tinha hido para Lisboa
[26]
se
eu te queria escrever, e eu co
mo não sabia ahinda do
que hera passado, e todo o meu
gosto
hé ter sempre porta
dor, para te escrever escrevi,
Logo,
[27]
e ele
nessa noite não
dormio no Quartel porque
teve quem o avizase, e de ma
drugada muito sedo veiome
bater á porta para eu lhe
dar a
Carta, que elle te levou
[28]
Mas ate esse tempo ain
da eu
não sabia que se fala
va nelle, e anda histo ca bem
notorio, que
elle fora hum
delles que os Roubara
[29]
agora
os que estão prezos estão
no
segredo para confesarem qu
em hera o soldado que os ti
nha acompanhado no Rou
bo,
[30]
e hum dos feridos, ja mo
rreu,
[32]
Outra mais te conto que pe
llo emtrudo dis que andara
aqui hum Homem com o diabo
as
costas em figura de gente
a tirar esmollas,
[33]
mas dis que
trazia os pés
cubertos, e hin
do daqui para Villa de Rei
De Rei
dasviado daqui qua
tro Legoas, e hindo pedir es
mola a
huma porta a mulher
lhe esteve perguntando ó Ho
mem se o mõstro
não falava
que sem o ouvir fallar que
lhe não dava esmola,
[34]
e o diabo
que lhe fizera huma carranca
com a boca, e que deitara
a lingoa mais de
hum palmo
fora da boca que a mulher sse
atemorizou muito, e que di
sera jezus, santo nome de je
zus, e que neste tempo
que
dera o diabo hum estouro e
que não tornara a paresser
[35]
mais
prenderão logo o Homem,
E que lhe fizerão dizer o
O que hera
aquelle mons
tro, e elle que dissera que he
ra o diabo
que se vira hum dia
com muita fome,
[36]
e que disse
ra que queria de
comer ainda
que fosse dado pello diabo,
e que logo lhe aparesera o dia
bo, e que lhe dissera que se
elle o trousese sete annos
ás
costas que lhe prometia
de lhe dar de comer, e tirar mui
tas
esmolas
[37]
e agora Levarão
no para o Santo oficio pa
ra
Lisboa
[38]
Recomendame
muito a todas as pesoas do cos
tume e tu
aseita o meu cora
são muito, muito saudozo, e so
Saudozo,
e só a vista terão
fim
[39]
deste teu marido do co
rasão que a vida e
saude te
dezeja por muitos annos
joa
quim joze da silva mourão
[40]
Filha do corasão se ahi for o
Bernardo entregarte a carta
tem toda a
cautella com elle
não te fassa elle alguma des
feita em caza,
[41]
á
caixa ahin
da cá não chegou
[42]
vê sse tor
nas a fallar o
cabo do Mar, e
que te diga o nome do Arrais
á quem elle a entregou a
caixa
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