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Maarten Janssen, 2014-

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1698. Carta de [Manuel Viegas Lobo], assinada com o nome de Magalhães, para o irmão.

SummaryO autor, que assina com nome falso, pede dinheiro ao irmão para que, graças à atuação de uma intercessora, obtenha um perdão real.
Author(s) Manuel Viegas Lobo
Addressee(s) Anónimo329            
From Portugal, Lisboa
To S.l.
Context

Trata-se de um extenso processo de bigamia, movido a Manuel Viegas Lobo, natural de Abiul (concelho de Pombal), filho de Sebastião de Magalhães e de Maria de Almeida de Amaral. Segundo a Inquisição, o réu teria levado, durante anos, uma vida de relações promíscuas, com episódios de sodomia e crime. No decorrer do processo, é utilizada frequentemente a expressão "outros crimes" para referir ilegalidades não explicitadas que o réu teria cometido e que o levaram frequentemente à prisão. Tinha sido da prisão de Montemor-o-Velho, por exemplo, que o réu se casara por procuração com Mariana de Sousa Vasconcelos, forçado por ameaças da parte da família da mulher que teria "desencaminhado". Foi um casamento "sem ânimo", já que quereria ter casado com Maria do Amaral de Melo, mas ela morrera. O casamento com Mariana de Sousa Vasconcelos não chegou a ser consumado: os esposos nunca viveram juntos porque ele estava preso, e da prisão seguiu para degredo perpétuo em São Tomé, como castigo pelos "outros crimes". A sentença de degredo foi dada em 1695 e implicava que nunca mais voltasse ao reino, sob pena de condenação à morte. Mas em São Tomé, sob o nome de Manuel Magalhães Lobo, o réu casou de novo, desta vez com Ana Correia de Carvalho, filha de Jerónimo Correia de Carvalho e de Violante de Alva, viúva de "três ou quatro maridos" e que tinha fama de rica e abastada. Para a realização do matrimónio, Manuel Viegas Lobo teve de fazer uma fiança a banhos. Decidiu então retornar ao reino para obter a anulação do primeiro casamento. Testemunhou que julgava poder fazê-lo, uma vez que o casamento nunca fora consumado e que a procuração que passara na prisão para se casar com Mariana de Sousa Vasconcelos fora feita pela sua própria mão, não sendo válida por estar preso na altura. Justificou tal convicção porque não era a primeira vez que isso acontecia: numa outra ocasião, em que igualmente se encontrava preso, fizera uma procuração por mão própria para se casar com Maria do Amaral de Melo (a mulher com quem realmente queria casar) e a procuração fora considerada inválida por ele estar preso. Chegou a Portugal dois anos depois da sentença de degredo para São Tomé, em 1697, altura em que soube ter mais uma ordem de prisão em seu nome. Alegou tal razão para não se ter dirigido logo ao Tribunal do Santo Ofício. Em vez disso, mandou citar Mariana de Sousa Vasconcelos para anularem o matrimónio, mas foi de novo preso e condenado ao degredo, agora para Angola, por cinco anos.

Do processo consta um elenco de filhos ilegítimos do réu. Tinha, por exemplo, uma filha "de uma moça cujo nome não [sabia]" e que foi criada de sua casa. A filha com esta criada chamava-se Sebastiana e na altura do processo tinha 17 anos, sendo natural de Abiul e aí moradora. Teve outro filho de uma outra mulher, Maria de Amaral. Esse filho chamava-se Francisco de Almeida, de 14 anos, e era também natural de Abiul e aí residente. Com Maria Gomes teve uma filha, Mariana, que já havia morrido, e Joana, que tinha agora 7 ou 8 anos. Com Antónia da Silva, moradora no Vale, termo de Pombal, teve um filho, Nicolau, que também já falecera.

As cartas aqui transcritas são na sua maioria de familiares do réu. O processo contém documentação interessante, como por exemplo uma fatura de despesas com escravos.

Em termos de estatuto social, Manuel Viegas Lobo teve um cargo surpreendente, o de ouvidor-mor em São Tomé. Na Relação do Descobrimento da Ilha de São Tomé, pode ler-se: "[Em 1695] é mandado degredado, para a Ilha de São Tomé, Manuel Viegas Lobo (ou Manuel Lobo de Magalhães), degredado por toda a vida devido a conturbadas aventuras amorosas. No barco em que viera para o exílio, viajava também o novo governador, José Pereira Sodré, que não hesita em nomeá-lo, à chegada, ouvidor-mor (talvez de forma interina, pois o cargo exigia formação universitária)" (p. 134).

Bibliografía:

Pinto, Manuel do Rosário e Arlindo Manuel Caldeira (2006), Relação do descobrimento da Ilha de São Tomé, Lisboa, Centro de História de Além-Mar.

Support meia folha de papel não dobrada escrita no rosto e no verso
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Coimbra
Archival Reference Processo 6928
Folios [22r-v]
Transcription Ana Guilherme
Main Revision Rita Marquilhas
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2009

Text: -


[1]
Meu Irmão
[2]
não me sofre o Coração dilatar a Vm esta noticia poiz he de alivio e gosto pa todos inda q as q lhe tenho mandado sam de suma pena em q Vm he Culpado pela publiçide Com q anda nestas bandas.
[3]
tendo tantos inimigos nellas
[4]
porem Com o favor de deos avemos de venser este negco e triunfar de nosos inimigos q asim o ha deos de premetir e depois delle tudo devemos a esta Snra q com tal amor e empenho tem tomado este negco de perdão q ao dipois de fazermos varias Comsultas deu a da Snra em huã Couza q por noso Respeito quer fazer q he impusivel não dar elRe el Rey o perdão
[5]
ainda q os Cazos forão outros o negco he de tal Calidade q inda q eu dera nelle me não atrevera a pedirlhe
[6]
obraro por nos tal eiseso porq so por hum falho seu o podera ella fazer
[7]
mto lhe devemos e inda mal q tão pouco nos temos mostrado agradisidos a tam grandes obriguasois
[8]
este negco depende de sento e Corenta ou SinCoenta mil Reis de gosto e he o q ha de Custar o perdão porq Vm ofrisia mtos mil Cruzados e podia dar dez
[9]
e isto he pera serta deligençia q se ha de fazer Com elles q eu do papel não fio porq asim mo ordena a da Snra
[10]
mas faso este avizo asim pa q Vm tenha q festejar Como pa q Logo me avize se se acha Com Capasidade de poder fazer esta despeza q he o q Sera nesesaria pouco mais ou menos pa Com seu avizo me par me partir pa esas bandas a mostrar a Vm Como dentro de poucos dias dias poderemos Lograr a fortuna de Vm pa fiar deante de seos inimigos Livre das suas falsidades
[11]
finalmte temos mto q dizer e q agradeser a esta Snra a quem nem Com a mesma vida podemos bem pagar tantos favores.
[12]
isto não seja sabido de pesoa alguã q ella asim o ordena por serto Caprecho seu q direi a vista
[13]
e Vm seguir Com todo Cudado a sua pesoa porq ha decreto paçado Contra Vm Como ja o avizei
[14]
e se a Vm o Colhera não teremos bom negco nem nos sera fasil obrar nada q nos poça dar perfeito gosto e na sigurança Da sua pesoa esta toda a noça fortuna ou desgraça
[15]
e ja q deos nos tam boas esperanças não queira Vm q as mal Logremos
[16]
e q bem Logrem nosos inimigos as suas
[17]
no q toqua ao negco de não tenho boas notiçias como ja avizei.
[18]
porem Como tenho dito na Cautela da pesoa esta o Remedio de tudo e he o q aCho emtendo e emtendem todos.
[19]
dos mais negcos tenho avizado.
[20]
e darei notiçias pesoalmte q agora o não poso fazer pelo almoCreve q veio Comigo.
[21]
esCrevi me erão qua nesesarios treze mil Reis q de Resto do vistido q fis fiquei devendo ao pe Anto de faria de q não vi Resposta nem agora Letras de Vm dipois q vim Com o do padre
[22]
estou emvergonhado porq ja lhe falto ao q ajustei
[23]
asim q Vm me faça mce Remetelos por este e algum tostão mais pa Retirarme porq a esta hora me acho Com 1400.
[24]
de q hei de dar algũ a este homem q com este avizo mando.
[25]
não aja falta
[26]
e adeos te vista
[27]
Lxa 6 de Janro de 1698 Irmão q a Vm mais deza Mags

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