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Maarten Janssen, 2014-

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1776. Carta de Joaquim de Foios para José Anastácio da Cunha, matemático e poeta.

SummaryFrei Joaquim de Foios elogia a obra do destinatário. A Inquisição resumiu assim o conteúdo do documento: "Carta de Joaquim de Foyos datada em Lisboa a 17 de julho de 1772 em que lhe reprehende de traduzir a oração universal de Pope que contem cousas que não cabem no homem cristão esta faz algua carga ao R[éu]".
Author(s) Joaquim de Foios
Addressee(s) José Anastácio da Cunha            
From Portugal, Lisboa
To S.l.
Context

Carta já publicada por Teófilo Braga (1898:621-623). Pequena biografia de José Anastácio da Cunha (1744-1787), preparada por Fernando Reis para a página "Ciência em Portugal" do Centro Virtual Camõeshttp://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p7.html:

Matemático e poeta, nasceu em Lisboa a 11 de maio de 1744. De ascendência humilde, o seu pai, Lourenço da Cunha, era um pintor com alguma notoriedade, que passou um curto período em Roma de forma a melhorar a sua técnica. A sua mãe, Jacinta Inês, foi criada e recebeu educação elementar. José Anastácio da Cunha foi educado em Lisboa, no Convento de Nossa Senhora das Necessidades que pertencia à Congregação do Oratório. Segundo testemunhos do próprio Anastácio da Cunha à Inquisição, os Oratorianos ensinaram-lhe Gramática, Retórica e Lógica até aos 19 anos. No que diz respeito à Física e à Matemática foi um autodidata. Em 1764 foi colocado nomeado Tenente do Regimento de Artilharia do Porto e colocado na praça de Valença do Minho. O Regimento de Artilharia do Porto era constituído por uma maioria de oficiais estrangeiros, muitos deles protestantes, que influenciaram Anastácio da Cunha. Terá então aderido a ideais como a tolerância, o deísmo e o racionalismo, que vieram a integrar a sua produção científica e poética.

Devido à sua relação de amizade com os oficiais britânicos, aprendeu a falar inglês fluentemente o que, juntamente com os conhecimentos que tinha de outras línguas como o francês, latim, grego e italiano, lhe permitiu traduzir autores como Voltaire, Pope, Otway, Horácio, Rousseau, Holbach, Helvetius e outros. Pensa-se que foi neste período que aderiu à maçonaria, por influência dos seus amigos estrangeiros.

Em 1769 fez, a pedido do Major Simon Frazer, uma memória sobre balística, intitulada Carta Fisico-Mathematica sobre a Tehoria da Polvora em geral e a determinação do melhor comprimento das peças em particular, onde apontava erros e falta de precisão que encontrou em alguns trabalhos sobre artilharia. Em 1773 o Marquês de Pombal nomeou-o lente de Geometria na Universidade de Coimbra, na sequência da Reforma da Universidade levada a efeito em 1772. Anastácio da Cunha não encontrou ambiente propício ao desenvolvimento e aplicação das suas capacidades e após a morte de D. José I, em 1777, foi denunciado à Inquisição, preso em 1 de julho de 1778 e acusado de envolvimento com os protestantes ingleses em Valença, de ler Voltaire, Rousseau, Hobbes e outros autores perigosos e de corromper as gerações mais novas através da sua eloquência. Foi considerado culpado das acusações e excomungado, afastado do seu cargo na Universidade, dos seus títulos e viu confiscados os seus bens. Foi ainda condenado a participar num auto da fé e a ficar encerrado na Congregação do Oratório em Lisboa, após o que seria deportado para a cidade de Évora durante 4 anos. Foi ainda proibido de voltar a Valença e a Coimbra. Após dois anos nos Oratorianos a sua pena foi reduzida a residência obrigatória nos Oratorianos.

Entre 1778 e 1781 teve que se dedicar ao ensino privado para subsistir e em 1783 foi contratado pelo Intendente Pina Manique para o Colégio de S. Lucas da Casa Pia como professor de Matemática, tendo aí elaborado o programa pedagógico da Casa Pia. Enquanto esteve na Casa Pia concluiu a sua obra Princípios Mathematicos. Por volta de 1785-86 perdeu a sua posição na Casa Pia, por razões que se desconhecem. Morreu a 1 de janeiro de 1787.

O processo inquisitorial de José Anastácio da Cunha foi inicialmente estudado e parcialmente publicado por Teófilo Braga, António Baião e João Pedro Ferro: Teófilo Braga (1898) Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza. Tomo III 1700-1800. Lisboa,Typographia da Academia Real das Sciencias (pp. 611-636), António Baião (1924/1953) Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, Vol. II, Lisboa, Seara Nova (2ª ed.) e João Pedro Ferro (1988) "O processo de José Anastácio da Cunha (1744-1787)", in Inquisição: Comunicações apresentadas ao 1.º Congresso Luso-Brasileiro sobre Inquisição, Vol. III, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Estudos do Século XVIII, pp. 1065-1086.

Sobre a vida e obra de José Anastácio da Cunha, consulte-se a edição de Maria Luísa Malato Borralho e Cristina Alexandra de Marinho (2001) José Anastácio da Cunha: Obra literária, Vol. I, Porto, Campo das Letras.

Support uma folha de papel dobrada escrita em todas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Coimbra
Archival Reference Processo 8087
Folios 46r-47v
Transcription Leonor Tavares
Main Revision Rita Marquilhas
Contextualization Leonor Tavares
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2009

Text: -


[1]
Sr Jozè Anastasio da Cunha.
[2]
Não lhe sei encarecer, o qto, muito tempo, desejava boas noti-cias suas.
[3]
O Tenente João Baptista, em que VM tem grande admirador, e hum amigo, que conhece e sabe avali-ar o seu merecimo foi quem me deu noticias individuaes;
[4]
e isto mto por acaso, porque eu não tinha conhecimo algum do tal João Bapta mas vindo aqui à livraria desta casa, me fallou na sua Arithmetica Universal, e me repetio alguns versos, dos que VM tinha feito.
[5]
de-pois me trouxe a Arithmetica e os versos, os quaes a-ctualme parão na ma mão.
[6]
Qto a confissão, que VM faz dos seus erros, creyo que he em pte necessaria, e em parte não.
[7]
E primeirame pelo que toca aos versos, prescindindo da materia, não são in-dignos de apparecer, porque em todos elles são os pensa-mtos verdadeiros, e muito frequenteme nobres e poeti-cos;
[8]
assim a huns sustenta os a verdade, a outros levan-ta os a novidade, a belleza, e ainda a sublimide.
[9]
A Ode sobre a Empresa da Academia de Valencia he hum Dithyrambo, de que gostei muito.
[10]
Os Heroicos, que tem por epigraphe Veritati sacrum contem muita coiza boa e verdadeirame poetica.
[11]
Porem a materia de quasi todos os outros versos não sei eu, nem saberá ninguem desculpar
[12]
corrompe e perde não o Christão, mas ate o homem.
[13]
Sim estão de coizas deste genero cheyas as obras dos poetas, mas a ninguem salvão os peccados dos outros.
[14]
A oração universal de Pope contem coizas, que nem cabem no homem Christão.
[15]
Vejo que VM ha de dizer, que brincava, como poeta;
[16]
porem qdo tornar a trazer a memoria aquelles bons principios, que VM algum dia teve, e pelos quaes escrupulizava ate de abraçar aquelle genero de vida, que não de si máo, mas estava sogeito a alguns perigos de consciencia;
[17]
qdo digo eu, tornar a fazer re-flexão sobre tão bons principios, conhecerá com o claro enten-dimo que tem, que fez mal.
[18]
Porem basta disto, e perdoe toda a molestia, que lhe tenha cauzado.
[19]
Da sua Arithmetica não sou eu, nem posso ser juiz competente.
[20]
Eu não aprendi de Geometria mais que aquella, que julguei preciza para me dar a clareza o entendimo, segurança no raciocionio, e methodo.
[21]
De calculo toquei tanto, qto era necessa-rio pa esta mesma Geometria.
[22]
Assim não passei mto da Algebra e da Geometria Elementar.
[23]
Donde pode estar certo, que aquillo, que vou a dizer, não de homem, que enten-da a materia, mas de quem deseja satisfazer de algum modo ao que me pede na sua carta.
[24]
Isto supposto, digo, que a sua obra he de hum Homem, que tem feito progressos grandes no calculo;
[25]
e suppostos ogs poucos subsidios, que em Portugal pa o adiantamo das sciencias Mathema-ticas, cuido, que disse pouco em dizer grandes.
[26]
Dois livros Livros que eu vi mostrão, que a obra toda conterá mtas verdades e muitos conhecimos que atè agora estavão ocultos a todos os nossos Naturaes, e que entre nós se vay chegando aonde mto tempo chegarão as outras naçoens da Europa.
[27]
Do calculo costumava eu dizer, que era semente, que ou não nacia absolutame ou ao menos não pegava bem, nem se lograva no nosso terreno;
[28]
mas com os conhecimos a que VM tem chegado, e creyo, que à sua imitação chegarão outros, mudarei de linguaguem.
[29]
Este o juizo, que faço da sua obra qto ao seu merecimo absoluto, e a sciencia, que mostra em seu autor: não o faço tão favoravel pelo merecimo que diz respeito aos leitores, e a instrução, que nella podem ter principalme os principiantes, para quem ella se quer inculcar; porque a acho summame conciza, e por conse-quencia quasi no mesmo gráo difficultosa.
[30]
Em dois li-vros pequenos chega VM as Equaçoens do quarto gráo, começando dos primeiros elementos:
[31]
ha obras extensas, como a Arithmetica dos Geometras de Deidier, que sego ma lembrança, não passão das Equaçoens do 3o
[32]
Huma obra elementar he necessario que se detenha em cada huma huma das coizas, e que deduzindo humas das outras não com rigor de demonstração, senão tambem com clareza e evidencia.
[33]
o que se não pode fazer em marcha mto rapida.
[34]
Sei que Descartes censurando o de fazer conciza a sua Geometria respondeo, que não tinha empenho de compor obras grandes nem que as suas fossem intendidas de idiotas;
[35]
porem aquelle Filosofo era hum espirito de invenção raro, e escrevia não para expor o que se sabia das sciencias, mas para descubrir o que se ignorava ainda nellas.
[36]
Este juizo, que eu tinha feito da sua Arithm e communicado ao Tene João Bapta vi que era o mesmo, que depois formou hum tal P. Monteiro, que aqui , e de cuja Mathematica ouço dizer bem.
[37]
eu não o conheço.
[38]
Estimarei que nestes novos estu-dos da Universide o empreguem a VM porque me persua-do, que ha de ficar o publico bem servido, e a VM tiramno da vida mais miseravel, que eu considero, que he a de soldado.
[39]
João Baptista fazlhe neste ponto todos os bons offos de grande amigo.
[40]
Tinha mto mais que dizer, mas for-çoso acabar, se fizer primeiro huma advertencia, que nacerá de escrupulo, e não seria necessaria, e he, que a verdade dos pensamos de que fallo acima, he a verdade precizame practica.
[41]
Ds gde a VM ms as
[42]
Lisboa 17 de Julho de 1776 De VM Criado, amo e apaixonado Joaqm de Foyos

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