PSCR1627 1760. Carta de Manuel Borges Pimentel, arrieiro de tropa, para seu pai, Eugénio Pimentel, capitão. Autor(es)
Manuel Borges Pimentel
Destinatário(s)
Eugénio Pimentel
Resumo
O autor, lamentando-se da sua sina e de estar distante dos pais, implora pelas suas bênçãos e prepara-os para a receção de notícias menos afortunadas; descreve diversas peripécias por que passou desde que chegou ao Brasil, confessa ter desobedecido às ordens do pai e anuncia ter casado em Goiás.
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Mto Meu Pai e Sor Capitam Eugenio Pimtel
Se a pena pudese expilcar o sentimente com que lhe
pego pa por meio destes Borrois se sifrarem tan
tas lagrimas que me acompanhão e tristezas
que padesu só por me ver tam distante da vista
de vmce e de sr minha Mãi pa que pudese thodas
as oras e estantes tomarlhe a bensão e já que o não
poso fazer na perzensa por estar distante agora
vou por estes dois Borrois porstarme aos pes de
vmces como filho ubidiente pa que vmces se dign-
em em me botar as suas Bensoĩs que como filho
emdigno de cá a Resebó pa por meio de dellas
Ds me ajudar já que emté ao perzenté ten-
ho andado tam dezacertadamte que me pa
rese que sera com a falta dellas do que me pare
se que vmces não ubrarão similhante tirania
pella ubrigasão que tem Recohnhesendo Eu qu-
e o que mereso hé sim huma maldisão mais
vmces como quem são e Eu como filho ainda
que emdigno , ainda que meresá mil castigos
que ochalla que pudese Resebellos pesualmte que
nisu teria mto gosto de os Reseber não lhe mere
su em tempo algum castigos senão só sim vmces
coitaremme pois sou o único filho e como na-
si aos pes de sr Minha Mãi já com as em
fellecidades escriptas que remedio tenho sen-
ão purgar neste mundo o meu fadó e vmces
conservaremse com a sina que Ds me treslla
dou no seó .
Meu Pai hoje hé que
Eu sinto a falta da boá compa de
vmce e de sra minha
Mãi hoje hé que Eu me
llembor de tanto amor
que vmce me tinha neste dia me llembor dos excesus
que vmce fazia por amar e venerar este filho inu
till que antes Eu morrese quando minha
Mãi
e sor me botou aos seus pes
e antes o navio fose a pique
quando meti pes nelle
pa vir pa estas
terras
que deixharia de agora lhe manefestar a vmce
tantos trabalhos que tenho padesido por
estas
terras . Agora dezejo e tenho dezejado 2 mil
vezes o ma-
is vil canto da estervaria de vmce que se nelle me
vi se não pasaria o que tenho
pasadó e terei pa pa-
sar em satisfasão
de todos os meus pecados que
não sei se se pagão os pecados neste mundo ou no ou
tro mais bem
afurtunado daquelles que tem
o seu pergatorio neste .
Estando no
Rio de jan-
eiro
pa continuar com os estudos em caza de
meu Tio
Anto coelho quis as minhas infilicidades
q me axhaxem com capacidade
pa soldadó de
sta Catheriná e como Eu tive
huas estorias com hu-
m celrigo filho do
portó e por elle me dizer ser
tas
Libardades emtentei a matalló adonde
semper lhe foi bater a sua porta
pa obra o que
emtentava fes queixha de
mim ao governa-
dor e andavão atras de mim a ver se me
podiam apanhar
pa me mandar pa
sta Cathe
rina
por soldado andei hums tenpos escondido
na Rosá de meu tio
Caietano Coelho e de meu
tio Antonio Coelho emté
que apareseó hum celrigo
Filho de são Paullo que
tinha hido buscar porvisaes
pa ser capellão de huma igerja em
goiazes co
mo Eu me via
perseguido de ssoldados não
tive rremedio senão fazer viagem com o di
to celrigo por seu sancristão mais pello cam
inho fazia
o que se caresiá sahindo do Rio
de jáneiro foi deus
servido a que me rouba
sem e mais ao dito
Pe que fiquei só com a ca
mizá no corpo
e vestia e chapeó que o mais tu
do nos furtarão outo negois fugidos
que
andavão pellas estrada Roubando e mata-
ndo : de que demos
mtas grasas a Ds
escrap-
armos com a vida emte a são paulló
pois
viemos fazer parada ahi na caza do dito
Pe
e gastarmos do rio a
São Paiullo
23 dias por te
rra e sinquo dias por mar e
Eu semper a pé
porque o Pe não tinha mais que
hum cavalo
pois por cá sam mtos caros estando nos
pa vri
pa
guiazes compor o
Pe cavallos pa
trazer os
seus trastes e compormé Ropá pois andava
Nú e comporme hum
cavalló pa Eu segri via
gem com elle e como o caminho hé
mto Lonje
que gatamos dois Mezes semper a
andar com
er pella minha No pozó feijão com tousinho
andar todo o
dia emte a noite e tornava a com
er feijão com toisinho agua andavasé
dias
e dias que se não bebia senão cuando se pasa
va por algums
Ribeirois ou Rios canpos mtos
compridos que
quanto mais se andava mto
mais se via a perder de
vista não se vé mais
que ceó e canpos dentro em mes e meio Eu
feitó aRieiro des cavallos tocandos pondo
lhe as cargas em sima e tirandolhos
punha pe
lla minhão e tirava a noite pondo sellas e ti
rando dos cavallos as cangalhas dos cavallos
das cargas asim
finalmte vim todo o cami
nhó
feito negor e mosó a cada estante Lem
brandome da vezes
que vmce me manda
va o cavallo ao estudo
pa Eu vir pa
caza
e não querer vmce que Eu siquer chegase
a tirar o ferio
do cavallo . e Eu por cá servin
do a outrem tirando
sellas lavando cavallos
e fazendo outras mtas
couzas as cuais as não
manefesto por não lhe mortificar a
vmce e a sra
Minha
Mai e como os trabalhos pa mim he que
naserão que
rremedio tenho senão ter pasien
cia já que os meos aRenegados pecados
asim
o querem cumpeltei a viagem e vim quinze dias
a pé discalsó e hiá
todos os dias no pasto buscar
os cavallos do Pe
todos os dias pella minhão
e a noité levallos com
mto Risco porque pellos
canpos e matos avia huma
casta de jente
por nome gaiapó que matão a
jenté com
fershas e por estadas asim mesmo punha
me a todo o Riscó e não tinha Remedio
senão fazer a minha ubrigasão que
hera
servir pois o Pe me vinha sustentamdo e
pa
gando as pasajes nas canoas dos Rios e o mais
gasto que
fazia commigo asim servio co
que fose seu negor suposto que dispois semper
Me satisfes o meu
trabalho porque foi pa a igerja
e meteme por seu
sancristão que ganhava
sincuenta outavas de ouro a outava a doze
tostois
por annó e davame de comer e asistia
com elle e continuiei com os meus
estudos
que e lle me emcinava de
grasá já sabia con e
vir Bem como he dodo pois ja podia tomar or-
dens e
queriame o Pe como que se Eu fose seu
filhó emte
me emprestava patrimonio pa
Eu me ordenar tem este
dito Pe cá em quaza
bastantes
parentes como he paullista e por ca
não faltão e a forsa fazem cazar , Eu
como
sen per fui hum doidó e não me
sube aporvei
tar na compa de
vmce quis Ds o Diabo que
por
cá fizese pior mais cada hum pa o que
nase
tive emtrada em caza de hums parentes do
tal
Pe e tinhão hum filha e apanharam me
a
consversar com ella onestamte
se como são
jentes que tem e são Riquos e briozos pegão Em
mim e metemme na
cadeia e não ouve pidi
torios que me deixhaxem e estive na cadeia
7 mezes emte que dise que cazaria e da ca
deia fui
pa a igreja aReseber a mosa e es
tou
cazadó em guiazes A mosa hé mto nober
mto onrrada bom sangue e Riqua os pais
o mesmó
deram me dois negros e duas negras e 4
sentas
outavas em ouro e huma cazas em
que moro de telha asim ubrigamme agora
os
fiadores aos benhos que os mande
buscar
e como só vmce he que pode andar com eses
Gastos e Emfados como Pai que hé
que bem sei
que dirá que não sou seu filho pois lhe não tenho
feito as
vontades , mais Ds asim o permite porque
se deus
não fose servido a Eu dar lhe a vmce tantas
mortificasois não avia asim permitri
que Eu an
dase tam errado pello mundo . Reconhesu o gran
de disabor que lhe dou a vmce em vendo estes Borrois
e
juntamte a sra
minha Mãi mais comó tive na
nasi só pa só lhe dar a
vmces disgostos e mortificasois
RecorO ao
patrosino de vmce
pa que me fasa o favor
e Esmolla de me mandar os
meus benhos com a
sertidão do parricó e asignada como hé
dadó
a virem os ditos Benhos pa estas terras e
junta
mte as minhas emquirisois
se sou judeo ou
se sou de boa jenté e ses pode vmce mandar as
que se tirarão quando Eu estava
pa entra
pa frade que antes Eu nese tenpo morrese porque
escuzaria de pasar tantos trabalhos que tenho
pasado e terei
pa pasar a sertidão como sou Liver
e
dezenpedido hé o que mais persizó se não
vier
berbemte fazemme pagra 4700 e a de vmce
ter a bondade de a mandar em tendo pesoa
sertá fixhada em huma cartá pa mim Re
metida a pesoa serta ao Rio de janeiró
pa
que emviEm pa estas
minas o soberescripto
a de ser
desta sorte : A meu filho Manoel
Borges Pimentel Morador em o
aRaial
do ferreiro comarca de villa
Boa de Gua
zes Em sua auzensia
A sra
D
Anna Maria Joaquina de jezus
Coutinhá que he minha sogra e
moramos
parede meió porque virão as cartas em oca
ziam que Eu não
esteja na terra pois an
do em negosio comprando e vendendo
fazendas e sedo hirei na bahia fazer tam
bem
negosio em Escravos e se Ds me ajudar
e
vmce me conseder Lisensa hirei ainda par
ticipar do calor da sua cuzinha . Por estar o
portador a persa
me não Largo mais com
estes Lemitados Borrois
pa asim dar algum
allivio aos meus olhos
pois mais são as lagrim-
as que caiem no papel que lletras
escrevo
com a pena só em consedirar o comó me ve
jó e comó
vmce ficará e sra minha
Mai em
sabendó que estou cazado isto tendome
detriminado que do
rrio não sahise emte
mandaremme buscar pa a sua
compa e Eu
andar tam errado mais ja quando
nasi
foi pa vri cazar em
guiazes com D
Anjella
custodia do sacramento coutinha tal
vmces
a Reconhesão por filha pois me paresé
que
ainda que andei irrado nunca dezalen
tei pois he mosá mto
asiada em tudó Ri
cá bonus vestidos Bom sangué
asim Ds
Permita que asertase em tudó nesté mun -
do e no ouo tro pois Devo Reconheser
que hei de
viver neste mundo
menos tenpo que no
outro pois neste hé por
huma orá e no outro hé pa
senper por iternidade
Asim
vmces me perdoiem a andar tam irrado
como tenho
andado e não emfado mais a vmces
nem os mullesto pois Reconhesu as mullestias
que lhe dou vmce me fara a mce de dar
mtas sauda
des A Meu Tio o
Pe
Anto Borges e mais a meu Tio
Pe
Joze Coelho e a meu tio o capitão
Anto coelho
e não escervo a
pesoá mais por andar mto
ocupado e pello portador
passei de madruga
da e esta he feita aos des oras da noite e vai
esta Remetida pello Reino De vmce
o mais inutil filho e menor criaado e
cativo
emte a morté de que deus lhe condceda a
vmce
mtos annos de vida e a
sra Minha Ma pa
meu
alivio que Ds
gde por mtos
as
hoje 15 de junho
de 1760
De vmce Filho mto
venerador
Manoel Borges Pimentel
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