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1822. Carta de Rodrigo da Fonseca Magalhães para José da Silva Carvalho, Ministro da Justiça.

Autor(es)

Rodrigo da Fonseca Magalhães      

Destinatario(s)

José da Silva Carvalho                        

Resumen

O autor informa o destinatário sobre os contactos que manteve, enquanto espião, com os opositores ao regime constitucional.

Texto: -


[1]
Illmo e Exmo Snr
[2]
Á hora indicada hontem por Francisco de Alpoim, isto he ás des da manhãa, me achei em sua casa.
[3]
Depois de vagas declamações contra o Governo e Congresso, partimos para casa de Francisco Neves, a quem Alpoim me disse que ja tinha fallado em mim.
[4]
Fizemos caminho pela rua da procissão, e a huma janella baixa das casas do defunto saturnino, fallou Alpoim com hum homem ja idoso, que me disse chamar-se Madureira, transmontano, e coronel de Milicias.
[5]
Este Madureira disse que a Hespanha estava cheia de convulções, que o sistema constitucional estava espirando naquelle Reino, que immediatmte em Portugal se seguiria a subversão do nosso; que no Porto acabava de haver hum grande ruido, que estes infames vião hir-se aproximando a sua hora.
[6]
Depois da despedida, perguntei áo Alpoim que homem era aquelle?
[7]
respondeu-me que podiamos contar com a sua espada, e nada mais.
[8]
Chegamos a casa de Januario Neves ás 11 horas e hum quarto.
[9]
Não foram necessarios esclarecimentos alguns para se entrar em materia.
[10]
Alpoim começou desde logo as suas usuaes declamações;
[11]
o Neves mostrando ardentes desejos de concorrer para, por meio de huma revolução, transtornar a ordem estabelecida, concordou com Alpoim em tudo até áo momento de se tratar do plano.
[12]
Aqui differirão de opinião; porquanto Neves julgou arriscada a prisão, e deposição d' El Rei, áo qual disse que o povo tinha hum respeito supersticioso.
[13]
E posto que elle (segundo affirmou) julgasse Sua Magde muito incapaz, sabia que tudo faria quanto se lhe mandasse; e q o negocio do Infante se havia de tratar passados os primeiros tumultos.
[14]
Tãobem se oppoz a que se fallasse em cortes velhas, e em privilegios da nobreza; e disse que nada se devia prometter á Nação mais do que a convocação de novas Cortes, destruição do sistema republicano e providencias saudaveis;
[15]
por conseguinte declarou que a proclamação do Alpoim, que na vespera me fora lida, tinha muito que emendar.
[16]
Altercarão os dois, e Alpoim mostrando-se convencido, annuio ás razões do Neves.
[17]
Fallou este em Queiroz, e em hum Padre fulano Rebello;
[18]
o primeiro he official de huma das secretarias Estado, e o segundo creio que seu hospede.
[19]
Alpoim affirmou que pouco se fiava de Queiroz; mas que lhe servia para saber delle o que se passava na secretaria do Ministro. da Justiça.
[20]
não caracterisou o Pe Rebello; e acabando esto sahio áo correio.
[21]
Depois me disse Neves que este Queiroz não era affecto ao sistema, que juntamente com elle Neves, e hum outro havia posto huns pasquins que fizerão grande sensação; mas que na verdade tirava delle muitas cousas, sem lhe communicar os planos que tinha concebido porque advertia ser elle criatura do Ministro da Justiça, a casa de quem hia frequentes veses; mas que não era prudente que elle soubesse cousa alguma.
[22]
Disse-me tãobem q o Alpoim, posto que bom Moço, requeria ser tratado com cautella, porque fora outro tempo conhecido por peralvilho, e que actualmente estava mal visto do Governo. Que tinha hum homem mui seguro que se achava agora na Provincia.
[23]
Nisto chegou de novo o Alpoim, que fallando tãobem em abono deste, disse que lhe hia escrever; pois tinha pactuado com elle. corresponderem-se sob nomes suppostos; que este homem podia na Provincia ser de muito proveito, derramando o descontentamento pelo povo, e leva-lo á desesperação persuadindo o da existencia dos planos iniquos das Cortes.
[24]
Fallou Neves no filho do Sandoval, que fora preso hontem, e contou a historia da sua vinda de Badajoz a Lisboa como se segue.
[25]
Sandoval, depois que chegou a Badajoz, tentou continuar a escrever com o mesmo espirito com que o fazia em Lisboa; e tinha ja a sua primeira folha na imprensa quando chegarão dois individuos mandados desta capital pelos Massons, para por meio de intrigas com os de Badajoz obstarem á publicação dos escritos de Sandoval, o que realmente conseguirão.
[26]
Sandoval vendo-se descido da esperança de imprimir; e achando-se sem carta alguma dos seus amigos de Lisboa, ignorando se alguns successos extraordinarios terião motivado este geral silencio, manda seu filho para tirar palavra de tudo; e tivera a leveza de o despedir sem passaporte.
[27]
Chegado o rapaz a Elvas fallou com o Brigad João da Silveira, que o acolheu bem, e lhe disse que estas cousas em Portugal estavão muito melindrosas.
[28]
Depois de ter fallado com o dito Brigadeiro, foi chamado pelo Juiz de Fora mas temendo que por falta de passaporte, encontrasse tropeços para seguir a sua viagem, sahio da Praça via de Lisboa, e veio direito a Aldea gallega.
[29]
Ahi tendo fingido que fora a casa do Ministro apresentar o seu passaporte aproveitou se de huma falua, e desembarcou em Lisboa.
[30]
Veio visitar Neves contou-lhe o motivo da sua vinda, que ja fica referido, e a historia da viagem.
[31]
Hoje escreveo lhe pedindo-lhe que o fosse ver; mas este diz que não vai para se não expor a algum compromettimento; e acrescenta que não Sandoval não recebera cartas, nem outros papeis mandados pelos seus amigos de Lisboa; mas que tãobem nenhum destes recebera carta alguma das muitas que elle de Badajoz lhes escrevera.
[32]
Fallou se no Dialogo das Estatuas:
[33]
eu o li he hum papel infame.
[34]
Neves mostrou desejos de o imprimir; e inclina-se a faze-lo depois do dia 29 do corrente; porque acaba então o mez concedido áo Governo para poder deportar para terras do Reino sem processo os individuos que julgar.
[35]
Não se tratou mais cousa alguma que mereça ser mencionada.
[36]
Rogo a V E a graça de fazer esta participação presente a S Mage se o julgar conveniente.
[37]
Ds Gde A V Excia Ms Ans
[38]
Lisboa 18 de Maio de 1822
[39]
Illmo e Exmo Snr Jozé da Silva Carvalho Rodrigo da Fonseca Magalhães

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