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1822. Carta de Rodrigo da Fonseca Magalhães para José da Silva Carvalho, Ministro da Justiça.

Author(s)

Rodrigo da Fonseca Magalhães      

Addressee(s)

José da Silva Carvalho                        

Summary

O autor pede ao destinatário que aceite que ele deixe de conviver enquanto espião com os opositores ao regime constitucional.

Text: -


[1]
Illmo e Exmo Snr
[2]
Tenho a honra de participar a V Excia que hoje fui a casa do Neves ás 11 da manhãa, e ali achei o padre Rebello, que me olhou com demasiada attenção, e fez ao primeiro acenos cuja significação eu não pude entender.
[3]
Não me foi portanto possivel entrar no conhecimento do projecto em que o dito Neves e Alpoim estão de mandarem imprimir huma proclamação; digo da hora que escolhem para isso; pois ja resolverão não imprimir, por muito longo, o Dialogo das Estatuas.
[4]
He verdade que hontem me assegurarão que se imprimiria de hoje para amanhãa; mas podia haver qualquer motivo que obstasse a isso.
[5]
Tencionei pois voltar ao anoitecer; e assim o fiz.
[6]
Achei Neves, que me disse não ser possivel fazer-se esta noute mais do que a composição, por não haver tempo bastante para o resto; e que disto mesmo ja tinha dado parte a Alpoim, o qual conviera em differir a impressão para amanhãa á noute.
[7]
Eis aqui o estado deste negocio, que na verdade entendo não se dever deixar progredir; e sobre isto peço a V Excia licença para fazer algumas observações.
[8]
Não creio, por muitas razões, que estes homens tenhão segurança de que eu coopero efficazmente para o fim que elles se propõem.
[9]
Tem-me pedido que alicie gente, o que eu não não farei de maneira alguma, mas até me opporei sempre a que elles proprios o fação como até hoje tem soccedido; pois ainda Alpoim e Neves me não fallarão em homem, que chamar (e muitos hão sido) de que eu lhes não tenha feito a mais ruim pintura: ja attribuindo-lhe máo caracter, ja inconstancia e falta de segredo; conhecido liberalismo etc succedendo dizer eu isto ou de pessoas que inteiramente desconheço ou de algumas que tenho por mui dignas.
[10]
Neste estado de violencia em que me acho, e que mal soffro, eu mesmo me vejo compromettido
[11]
por mais de huma razão temo vir a ser descuberto como falço adherente ao indigno sistema dos facciosos.
[12]
Não temera eu o mal, que disso me pode resultar, se delle proviesse alguma utilidade á causa publica.
[13]
Na verdade eu julgo que ha combinados para a execução alguns homens (não muitos;) o que de proposito se me occulta; mas não tenho esperança de os vir a conhecer, porque como ja disse, não alicio ninguem; e huma activa aliciação me poderia acreditar aos olhos dos conspiradores.
[14]
Sendo isto assim, creio não dever continuar em minhas observações, porque nada addiantarei.
[15]
Alem de que o tempo que se da a estes desgraçados serve de augmentar o numero dos criminosos (porque apezar da minha opposição, elles hão de aliciar quem puderem) e de aggravar com crimes novos, e de cada vez maiores a situação desditosa dos que se tem declarado chefes de rebelião.
[16]
A Justiça e a humanidade imperiosamente ordenão que se atalhe o progresso do mal.
[17]
Eu não tenho cessado de affligir-me por ver como estes miseraveis correm ao precipicio.
[18]
He-me violentissimo ouvir de continuo os discursos mais absurdamente atrozes, e os planos mais infames, e crueis.
[19]
V Excia terá a bondade de desculpar a minha ousadia; mas no estado em que me acho, julgo poder dizer os meus sentimentos; porque he necessario soffrer o que eu soffro para avaliar-se o quanto importa pôr termo a tantos males.
[20]
Rogo a V Excia que tenha a bondade de levar esta participação á Presença de S Magde se assim o tiver por conveniente, para que o mesmo Senhor determine o que for servido.
[21]
Ds Gde A V Excia por muitos annos
[22]
Lisboa 31 de Maio de 1822
[23]
Illmo e Exmo Snr José da Silva Carvalho Rodrigo da Fonseca Magalhães

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