António Simões Machado pede ao provedor que entregue ao corregedor a carta em que relata o assalto de que foi vítima.
[1] | tractamos a cauza; e vendo elle q ninguem lhe dava razão, vozeava
q eu lhe havia
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[2] | de pagar; ou por huma sorte, ou por outra: e q mmo á cama me havia de vir tirar
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[3] | a vida. E com effeito estando
a demanda pa dar-se a meu favor, segdo as testemunhas
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[4] | contraproduccentes, foi então a
ma catastrofe.
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[5] | Fr Miguel, Franciscano, daqui
natural, há ans andando por aqui apostata ( como agora )
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[6] | amancebado, fazendo roubos de toda a ordem;
não se attrevendo o Provincial a vello prezo
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[7] | pelos Leigos q mandava
pa isso, o fiz prender por Meliciannos; e querendo rezistir
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[8] | às baionetas, em caza da concubina, prezo disse : tenho penna não o saber
meia ora antes,
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[9] | pa fazer hir cear com
o diabo, hũ sugeito. Foi pa o convto de Lxa; porem de lá logo pa
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[10] | o de Gouvea, e
dahi pa o da Povoa de Sta Cristina, junto ou perto de Tentugal, por ser perto
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[11] | da sua terra: e
logo passou a viver em caza de Luiza Rama, sua concubina, no cazal
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[12] | do Méco, ahi perto, onde
he o acoito dos ladroins, de qm elle he o capataz, sgdo a voz
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[13] | publica, e constante.
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[14] | E
como o do organeiro q he por fora mansa ovelha, e por dentro lobo devorador, procurou
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[15] | perder-me por
todos os lados, e até malquistar-me com amos meus; e metter intrigas
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[16] | pa com todos aquelles
q de mim tivessem algũ recentimto em algũ tempo: he
o meu juizo
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[17] | q elle fosse ter com o do Frade, pa se vingarem
matando-me segdo o promittido; e rou
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[18] | bando-me, segdo o seu officio; pois
o do Martinho está criminoso em Bragança, por morte
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[19] | e roubo, alem do q se não sabe. Demais, achando-me
eu, qdo no pro sono, com mãos
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[20] | crueis, a
afogar-me; saltou logo a acavalar-se em mim hũ q fincando-me as mãos no
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[21] | pescosso, a querer-me
afogar tambem, disse por trez vezes - oh cão e logo aqui o co
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[22] | ração me dictou q ninguem
hera capaz de mostrar-me aquella vingança, senão o do Fra
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[23] | de; e mmo pelas pernas
grossas a cavalo em mim, o ajuizei como certo. Logo disse hũ
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[24] | da pte de fora
da janella - ahi vai a faca - hũ servente de dentro do quarto, a foi buscar,
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[25] | e a deu ao ameaçador; e então nascendo dos
pez da cama, hũa luz, de lanterna de furta fogo
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[26] | alumiou por mim assima , me metteo a
faca pela face direita abaixo, encaminhada
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[27] | ao pescoço; então agarrei a faca pelo corte, e lutando com a mão esquerda,
q a agarrava,
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[28] | concegui tirar-lha; e logo deixando-me elles, a deitei pela
janela fora; mas empeçando no pe
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[29] | ripeito, cahio no sobrado, á cabeceira da cama; então disse o tal de fora : ahi vai essa
pistola: o ser
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[30] | vente lhe pegou, e a viio dar ao executor; e tornando a nascer a
luz, estando pa atirar-me, disse o
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[31] | servente : cá está a faca, cá esta a faca ;
consegui tornar a tirar-lha: mas embrulhando-me capotes o braço, e mão,
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