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Maarten Janssen, 2014-

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1697. Carta de José de Sousa Moniz para o tio, Manuel Tenreiro de Melo.

ResumoO autor deseja ao tio felicidades e pede-lhe que ajude o seu sobrinho, Manuel de Magalhães Lobo (que é na verdade o réu Manuel Viegas Lobo), dando-lhe amparo e casa.
Autor(es) José de Sousa Moniz
Destinatário(s) Manuel Tenreiro de Melo            
De Portugal, Tomar, Espinhal
Para Portugal, Moncorvo, Vilarinho da Castanheira
Contexto

Trata-se de um extenso processo de bigamia, movido a Manuel Viegas Lobo, natural de Abiul (concelho de Pombal), filho de Sebastião de Magalhães e de Maria de Almeida de Amaral. Segundo a Inquisição, o réu teria levado, durante anos, uma vida de relações promíscuas, com episódios de sodomia e crime. No decorrer do processo, é utilizada frequentemente a expressão "outros crimes" para referir ilegalidades não explicitadas que o réu teria cometido e que o levaram frequentemente à prisão. Tinha sido da prisão de Montemor-o-Velho, por exemplo, que o réu se casara por procuração com Mariana de Sousa Vasconcelos, forçado por ameaças da parte da família da mulher que teria "desencaminhado". Foi um casamento "sem ânimo", já que quereria ter casado com Maria do Amaral de Melo, mas ela morrera. O casamento com Mariana de Sousa Vasconcelos não chegou a ser consumado: os esposos nunca viveram juntos porque ele estava preso, e da prisão seguiu para degredo perpétuo em São Tomé, como castigo pelos "outros crimes". A sentença de degredo foi dada em 1695 e implicava que nunca mais voltasse ao reino, sob pena de condenação à morte. Mas em São Tomé, sob o nome de Manuel Magalhães Lobo, o réu casou de novo, desta vez com Ana Correia de Carvalho, filha de Jerónimo Correia de Carvalho e de Violante de Alva, viúva de "três ou quatro maridos" e que tinha fama de rica e abastada. Para a realização do matrimónio, Manuel Viegas Lobo teve de fazer uma fiança a banhos. Decidiu então retornar ao reino para obter a anulação do primeiro casamento. Testemunhou que julgava poder fazê-lo, uma vez que o casamento nunca fora consumado e que a procuração que passara na prisão para se casar com Mariana de Sousa Vasconcelos fora feita pela sua própria mão, não sendo válida por estar preso na altura. Justificou tal convicção porque não era a primeira vez que isso acontecia: numa outra ocasião, em que igualmente se encontrava preso, fizera uma procuração por mão própria para se casar com Maria do Amaral de Melo (a mulher com quem realmente queria casar) e a procuração fora considerada inválida por ele estar preso. Chegou a Portugal dois anos depois da sentença de degredo para São Tomé, em 1697, altura em que soube ter mais uma ordem de prisão em seu nome. Alegou tal razão para não se ter dirigido logo ao Tribunal do Santo Ofício. Em vez disso, mandou citar Mariana de Sousa Vasconcelos para anularem o matrimónio, mas foi de novo preso e condenado ao degredo, agora para Angola, por cinco anos.

Do processo consta um elenco de filhos ilegítimos do réu. Tinha, por exemplo, uma filha "de uma moça cujo nome não [sabia]" e que foi criada de sua casa. A filha com esta criada chamava-se Sebastiana e na altura do processo tinha 17 anos, sendo natural de Abiul e aí moradora. Teve outro filho de uma outra mulher, Maria de Amaral. Esse filho chamava-se Francisco de Almeida, de 14 anos, e era também natural de Abiul e aí residente. Com Maria Gomes teve uma filha, Mariana, que já havia morrido, e Joana, que tinha agora 7 ou 8 anos. Com Antónia da Silva, moradora no Vale, termo de Pombal, teve um filho, Nicolau, que também já falecera.

As cartas aqui transcritas são na sua maioria de familiares do réu. O processo contém documentação interessante, como por exemplo uma fatura de despesas com escravos.

Em termos de estatuto social, Manuel Viegas Lobo teve um cargo surpreendente, o de ouvidor-mor em São Tomé. Na Relação do Descobrimento da Ilha de São Tomé, pode ler-se: "[Em 1695] é mandado degredado, para a Ilha de São Tomé, Manuel Viegas Lobo (ou Manuel Lobo de Magalhães), degredado por toda a vida devido a conturbadas aventuras amorosas. No barco em que viera para o exílio, viajava também o novo governador, José Pereira Sodré, que não hesita em nomeá-lo, à chegada, ouvidor-mor (talvez de forma interina, pois o cargo exigia formação universitária)" (p. 134).

Bibliografía:

Pinto, Manuel do Rosário e Arlindo Manuel Caldeira (2006), Relação do descobrimento da Ilha de São Tomé, Lisboa, Centro de História de Além-Mar.

Suporte meia folha de papel não dobrada escrita no rosto e verso
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 6928
Fólios [26r-v] e [28v]
Transcrição Ana Guilherme
Revisão principal Rita Marquilhas
Modernização Catarina Carvalheiro
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2009

Texto: -


[1]
tio E Sor mel tenreiro de Mello
[2]
Meu tio E Sor mtos tempos he que não emcontro quem me de novas de Vm sendo que não falto Em as dili-genciar
[3]
estimarei mto q Vm E de que tem pasado saude q minha tia a Sra D Ma E os sors meus Primos a quem me recomendo E Dona Luisa; E seus so-brinhos de Vm;
[4]
E pedimos muito de seu servico a que não faltaremos como pede a nossa obrigação.
[5]
Senhor meu o portador desta he meu sobrinho Manuel de Ma-galhaes Lobo que tem nestas partes algus homesios que para se por corrente nel-les lhe he nesesario ausentarse para parte on-de o não conhcerõ; E a surperecão deste seus nagocios hate ter dilatacão algũs meses.
[6]
E como Eu lhe desejo bom suse-so; me pareseu que não poderia estar Em parte mais acomodada para o intento que o pudese valer obras E Amparo de Vm;
[7]
as que pesso a Vm seja servido mandarlhe tomar nesse povo hua casa Em que viva o que lhe for nesessario sagredo; E que Vm lhe permita o seu Emparo
[8]
E porque vivao na grandesa de Vm espero lhe permita esta fazer; que saberei mereser Em tudo que Vm me mandar de seu servico, como desejo
[9]
guarde Deos a Vm;
[10]
espinh-al 10 de 10bro de 697 Sobrinho Amigo E muito Cativo d Vm Jozeph d Sousa monis

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