O autor descreve o seu último ano de prisão e as pobres condições em que aí tem vivido injustamente, pois diz ser inocente dos crimes de que é acusado. Diz que se não obtiver ajuda, não se importará de tirar a vida pelas próprias mãos.
[1] |
Illustrissimos, e
Reverendissimos Senhores
As mas Lagrimas, q de Sangue Choro, são a Cauza de segunda
|
---|
[2] | vêz por aos pês de
Vs Ilmas â mimha queixa, e aflicão, q me assiste; não
|
---|
[3] | por me Considerar
ha témpo de hum anno prezo sem culpa (q esta
|
---|
[4] | serve de alivio â pena) mas sô de me ver desfavorecido,
e desemparado
|
---|
[5] | e não ter, q gastar, em hũa prizão tão dilatada; onde estou morrendo de
|
---|
[6] | fome e
padeçendo infinitas miserias, e necessides sem hum Princepe e Pastor
|
---|
[7] | da Sta Madre
Igra; se doér da sua Consçiençia, nem haver Charide e Com
|
---|
[8] | miseração de hũa sua
pobre ovelha de seu Rebanho, q tanto Cústô a JE
|
---|
[9] | SUS' christo: antes do grande odio, q
metem, em me Reter em hũa pri-
|
---|
[10] | zão, pareçe dezejar tragarme, sem haver outro motivo, mais q o
q ja
|
---|
[11] | a Vs Ilmas Com as mesmas Lagrimas, Representey;
expondome este Prin
|
---|
[12] | cepe â Cénsura de delinquente com notaveis dimminuicôes no meu cre
|
---|
[13] | dito, fama,
e honra; sendo tudo gravissimos Cazos de Restituição, de q es-
|
---|
[14] | te Princepe, fâz pouca Conta,
dandome occasião â perderme, e desesperar
|
---|
[15] | em ver me não defere, e em ver me não quer dar audiençia â
minha
|
---|
[16] | justica, e quererme imputar hum caso, q sabe mto bem, estou nelle
in-
|
---|
[17] | nocente, Como tambem testemunha toda esta terra; e he querer inco
|
---|
[18] | brir Com a minha pobre capa
os delitos de hum frade filho de hum
|
---|
[19] | seu criado, q andava amancebado Com duas
Irmâns suas: e por saber
|
---|
[20] | q eu tenho em meu poder desta verde; a clareza,
me não quiz nunca
|
---|
[21] | admmittir a Livramto: Razão por q aggravey
pa a Coroa de S Magde
|
---|
[22] | do Acordâo incluso, virão
Vs Ilmas no Conhecimto da sem Razão
|
---|
[23] | Com
q padeço innoçente: não obstante, para fazer o cazó feo, dizer o
vigro
|
---|
[24] | geral, q eu tinha Cúlpas de Rapto
stupro, e incesto; o q tudo he falço e sup
|
---|
[25] | posto: Como hey de mostrar mais claro q a
lux do mesmo sol: pois o mes
|
---|
[26] | mo Prelado lhe deu Licença, e as mandou por hum Primo pa Lisboa, e
lhe
|
---|
[27] | deo todo o dro pa os gastos, e o mais necessario, sendo tudo nomes de
fevro
|
---|
[28] | do anno passado: E eu estava nesta terra e sô no mes de Mayo, q
fui
|
---|
[29] | pa essa Unde; e me despedi do seu
servico, por me não deixar ir formar,
|
---|
[30] | Logo me teve odio, e Raiva, q em hum Princepe
Catholico se tem mto estra
|
---|
[31] | nhado nesta
terra: Como tambem injustamente de me privar do exerçi
|
---|
[32] | çio e esmola da minha missa por eu seguir este caminho do
aggro pa
|
---|
[33] | conseguir a minha Liberde:
q tenho Captiva; dipois de ter feito eCom
|
---|
[34] | a paçiençia actos
meritorios no dicurso de hum anno de prizâo: q he bas-
|
---|
[35] | tante teyma ou Omnipotençia
de hum Princepe da Igra nossa may, q
|
---|
[36] | he pia: inda no caso,
q Como grande e mizeravel pecador, q sou; Commet
|
---|
[37] | tesse, não sô
esses crimes affectados, e suppostos: mas ainda outros mayores!
|
---|