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Maarten Janssen, 2014-

Linhas do facsímile

1717. Carta de Ivo Pinheiro, carpinteiro de navios, para Manuel Domingues Leal, negociante.

ResumoO autor queixa-se ao destinatário dos seus infortúnios e revela-lhe a intenção de fugir do Brasil para Portugal.
Autor(es) Ivo Pinheiro
Destinatário(s) Manuel Domingues Leal            
De América, Brasil
Para Portugal, Lisboa
Contexto

Processo relativo a Ivo Pinheiro, cristão-velho de 39 anos de idade, carpinteiro de navios, filho de Manuel Pinheiro e de Isabel João, natural de Sapataria (Lisboa) e morador em São Salvador do Rio de Janeiro (Brasil). Foi acusado de bigamia por se ter casado uma primeira vez com Madalena Rodrigues, filha de António Lourenço (pescador) e de Margarida Rodrigues, e uma segunda vez com Luzia Rosa, filha de Manuel da Fonseca do Amaral (lavrador) e de Marcela Alvarenga, estando ainda viva a primeira mulher, com quem estava casado havia 16 anos (fazendo vida marital por sete anos) e de quem tinha dois filhos (Sebastião e Maria). O réu disse ter casado com Luzia Rosa porque um primo da mesma os surpreendeu em «amizades ilícitas» em lugar e hora suspeita. Em consequência, os familiares de Luzia Rosa ameaçaram-no de morte se com ela não se casasse. A noiva levou um dote de 150 mil réis e o réu fugiu com o dinheiro para a cidade do Espírito Santo após saber que era procurado. Ao ser apanhado, confessou o crime e repôs o dote. No seu depoimento, Ivo Pinheiro disse ter mudado de nome por ter uma dívida por saldar no Brasil e ter medo dos seus credores. Segundo o réu, teria ido para o Brasil levando consigo uns escravos para vender, escravos esses que tinha comprado com o dinheiro de um empréstimo que fizera no Brasil. Como alguns dos escravos morreram pelo caminho, ficou sem ter como pagar a dívida. Fugiu para São Salvador, onde esperava não ser achado devido à mudança de nome. Disse também que pensou que a sua primeira mulher tivesse morrido porque esta vivia «achacada» e tinha-lhe escrito uma carta em que se dizia gravemente doente. A carta escrita pelo réu a Manuel Domingues Leal (PSCR0556) foi entregue pelo destinatário à Inquisição para confirmar o seu juramento. O réu foi remetido preso na galera de António Luís Branco de volta para Lisboa e, em auto-da-fé de 16 de junho de 1720, foi condenado a abjuração de leve, a ser açoitado publicamente pelas ruas de Lisboa "citra sanguinis effusionem", a degredo para as galés por cinco anos, penitências espirituais e pagamento de custas. A carta que escreveu na prisão (PSCR0555) não tem qualquer menção em todo o processo.

Suporte uma folha de papel dobrada, escrita nas duas primeiras faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Lisboa
Cota arquivística Processo 8204
Fólios 13r-v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2308310
Socio-Historical Keywords Raïssa Gillier
Transcrição Leonor Tavares
Revisão principal Raïssa Gillier
Contextualização Leonor Tavares
Modernização Raïssa Gillier
Anotação POS Raïssa Gillier
Data da transcrição2015

Page 13r > 13v

[1]
Sor Manoel domingues leal

q esta ache a VMce melhorado o estimarei imfinito ja

[2]
eu estava pa ir nesta Lanxa e vejo q parte tam dipre
[3]
sa não he pusivel poder hir porq tenho algumas divi
[4]
das pa cobrar e algumas couzas pa vender q como eu fa
[5]
so comta de ir desta terra e a ella não tornar não po
[6]
so deixar de sair della com contas ajustadas porq me
[7]
susedeo nela huũ cazo q avia de perder a vida ou avia
[8]
de cometer tam grande crime e como a morte feia
[9]
cometi o crime de q agora me he nesesario Ritirarme
[10]
sicretamente pa escapar a vida asim q sem falen
[11]
cia alguma ei de ir em qualquer das lanxas q
[12]
ficam pa irem logo q me emporta mto falar com VMce
[13]
sobre este cazo pa ver se por via de VMce poderei ter o
[14]
axhar algum caminho pa me livrar deste prigo e g
[15]
rande castigo q mereso e sastifazer o q a VMce sou deve
[16]
dor e os mais senhores tenham pasiensia q eu não tenho
[17]
com q lhe pague q eu não no comi nem bebi nem ga
[18]
liei nem putiei a minha pouqua fortuna tam
[19]
dezaventurada q na viagem q vim de Lxa pa em
[20]
gola ao Rio de janeiro de ouro negro q trouxe vendi tres
[21]
por pouco mais de nada por estarem doentes e os outros
[22]
todos emtarrei como VMce sabe mto bem q em sua
[23]
caza asisti esa viagem e a viagem seginte comprei
[24]
doze negros de a maior parte pa ver se me podia
[25]
dezempenhar xheguei a vender coautro negros os mais
[26]
levados do diabo atras dos outros quando cuidei q me de
[27]
zempenhava acheime com duzentos mil reis em
[28]
horo e setesentos e corenta e sinco de divida despois
[29]
diso fis duas viagems as minhas q na ultima axei
[30]
me com sento e vinte mil reis e outenta de perqua
[31]
mudei de viagem pa ver se mudava de furtuna xhe
[32]
gei a esta escomugada terra pa acabar de me perder
[33]
q me comsidero ou plo mais perdido e mal afurtuna
[34]
homem q em todo o mundo pode aver e como isto asim seja
[35]
não tenho mais q esperrar nas partes do brazil nesta
[36]
frota ei de ir pa Lxa o morto o vivo querendo Deus

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