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Maarten Janssen, 2014-

PS1014

[1600-1621]. Carta de Lopo da Fonseca Ramires, alias David Curiel, mercador, para Domingos Ferraz Fonseca, tratante.

SummaryO autor procede a uma série de recomendações e procura dar ânimo ao amigo, informando-o do que tem sucedido com outros na fuga à ação do Santo Ofício.
Author(s) Lopo da Fonseca Ramires
Addressee(s) Domingos Ferraz Fonseca            
From Holanda, Amesterdão
To Portugal, Porto
Context

Domingos, homem solteiro, tinha cerca de 36 anos quando foi levado à presença dos inquisidores. Era "baixo de corpo, alvo e gentil homem" ‒ conforme descrição de João da Fonseca, seu amigo, acabando por delatá-lo sob pressão nos interrogatórios. Este, filho do escrivão da Fazenda da Universidade, Miguel da Fonseca, contava com 23 anos. Relata que certa vez, havia três anos, recebera no escritório do seu pai Domingos Ferraz da Fonseca, seu amigo "que costumava vir jogar às tábolas" (alusão ao jogo das tábuas).

Domingos, por pouco, não conseguira sair do reino para se refugiar em Amesterdão, onde tinha amigos com quem, amiúde, trocava cartas. Debaixo da mira do Santo Ofício, não deixara, ainda assim, de agir em defesa dos seus, servindo, não raro, de intermediário na correspondência que cristãos-novos portugueses, exilados ou ainda no reino, trocavam. As cartas intercetadas atestam quão arriscado fora este seu papel, estando os seus compadres fora do reino, já a salvo da áspera justiça inquisitorial, que tão severa fora para com a família de Domingos Ferraz: além dele, também os pais, tios, primos e um dos irmãos (António Ferraz, homem solteiro; já um seu outro irmão, Álvaro da Fonseca, jurista e letrado, conseguira passar para Itália) foram presos.

No processo de Domingos Ferraz Fonseca encontramos um conjunto de treze cartas e um bilhete, ali remetidos ou em resultado de busca domiciliária ou por intercetação do seu correio. O conteúdo das cartas evidencia a rede de contactos que este tratante natural de Trancoso e morador no Porto mantinha. O interesse por semelhantes escritos residiu, essencialmente, na possibilidade de identificação de outros cristãos-novos, na obtenção do seu paradeiro e na confirmação das culpas do réu. O seu amigo Lopo Ramires, cristão-novo e próximo da família, não obstante ter sido pronunciado pelo Santo Ofício, encontrava-se em Amesterdão, onde exercia a sua atividade de mercador. Para além de terem negócios em comum, Lopo preparava o exílio do amigo, embora sem sucesso.

A sua prisão em outubro de 1621 coincidiu com o período de transição da governação de Filipe II para Filipe III de Portugal havia poucos meses (período da União Ibérica). A correspondência apreendida junto de Domingos Ferraz Fonseca permite-nos inferir sobre a natureza das relações sociais e comerciais de cristãos-novos na Península Ibérica e contactos mantidos com Amesterdão, fazendo-se, para tal, valer da proximidade dos laços de parentesco. Possibilitam, igualmente, uma perspetiva sobre a posição de altos membros da governação na corte espanhola face aos cristãos-novos em pleno período da monarquia dual, bem como uma outra definição da política filipina e do funcionamento jurídico-administrativo no Portugal deste período. Mas também a solidariedade entre pares, as estratégias de fuga, a circulação de informação, muito embora a Inquisição pretendesse desenvolver a sua ação no maior secretismo. Questionamo-nos sobre os motivos e interesse que aproximavam este réu e alguns dos seus contactos face à corte espanhola, salientando-se manterem certos negócios ‒ com referências claras e inequívocas ao Rei e a um mebro do seu Conselho de Estado em Madrid, Baltasar de Zúñiga y Velasco.

Support meia folha de papel de carta escrita em ambas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Coimbra
Archival Reference Processo 975, Caderno 1
Folios 13r-v
Transcription Ana Leitão
Standardization Catarina Carvalheiro
POS annotation Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Transcription date2013

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A Domingos Ferraz Fonsequa No Porto Senhor Domingos Ferraz Amesterdam aos 27 de Abril

Não tenho ha muitos diaz carta vossa e bem cuidei que me não faltasseis neste correo no qual se Avizou como em 20 de fevereiro prenderão pela inquisisão ao Dom joão da fonsequa ferraz que certo me deu notavel desgosto e não menor pena que teve ate me certeficar de que toda a mais gente esta bem e vós livre de testemunhos falsos quezera deus que tudo pare em bem e que vejais aos vosso pai em sua caza com a honra que sempre teve a despeito de seus muitos enemigos dos quais devia proceder esta desventura dai gosto a deus e tende animo sofrendo com paciencia estes infortunios que elle acudio como quem he a remedealos; folguara ajudarvos no sentimento desta desventura de mais perto mas de ca vos presto para Algua cousa he deçerto que mostrarei ser mais leal amigo neste tempo que se fosse prospero, por ora nao sei a que me ei de offerecer por isso calo nesta a vontade que me fica para servirvos deveisme avizar muito largamente de vossa detreminação que quando seja de mudar para estas partes taobem nisso vos poderei dar boa Ajuda; pelo menos a gente o velho do Crasto e o gomes se devia por em salvo que os tempos vao trabalhozos e ainda mal porque cada vez o serão mais- a manuel ferraz não escrevo. esta lhe sirvirà por propria- vos vos servireis de mandar a aquela de micael de luna, e se vos for possivel a minha que foi a vossa e do recibimento dela tenho Avizo querera Nosso deus que de mais perto tenhamos otras de maior gosto e proveito assi o espero nelle e que desta inquietacão aveis de ter todos muita quietaçao esta pozamos ca a deus gracas e ainda que em terras alheas com maiores merces do que mereçemos seja elle louvado- de tudo me Avizai largo mandandome em que vos sriva a quem guarde e livre de todo Mal.

Vosso como Irmão Lopo Ramirez

Legenda:

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