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Maarten Janssen, 2014-

PSCR1312

[1648]. Carta de frei Fabião para um padre provincial não identificado.

SummaryO autor dá notícias a um provincial da sua ordem sobre a viagem que fez ao Rio de Janeiro para visitar um convento da ordem do Carmo, contando-lhe, entre outros assuntos, sobre um ataque marítimo feito pelos holandeses, sobre as eleições para prior e sobre o Padre António Soares, réu do processo em que a missiva se encontra.
Author(s) Fabião
Addressee(s) Anónimo523            
From Brasil, Rio de Janeiro
To S.l.
Context

O réu deste processo é o Padre António Soares preso a 29 de Novembro de 1630, tinha então 18 anos, por práticas de sodomia com outros religiosos do seu convento. António Soares estava a estudar no Colégio das Artes em Coimbra e, quando soube que ia ser preso, resolveu, em vez de fugir, entregar-se à Inquisição e confessar as suas culpas. Todavia, durante o cativeiro, tentou envolver-se sexualmente com os companheiros de cárcere, causando grande escândalo. Por ser menor, não lhe atribuiram pena capital e o jovem foi julgado em auto de fé privado, sendo condenado a reclusão perpétua nos cárceres do Santo Ofício e a penitências espirituais.

Três anos após o início do seu cativeiro, o padre provicial do Carmo pediu que António Soares fosse mandado para o Brasil, para um convento da sua ordem, pois o réu causava muitos inconvenientes nos cárceres da Inquisição, falando com os presos e quebrando o segredo da justiça. Deveria ir para São Paulo, mas ao chegar ao Rio de Janeiro, um ano depois, o padre provicial do Rio, Frei Martinho Moniz, compadeceu-se dele e pediu que este não seguisse para São Paulo, o que foi permitido. Assim, António Soares ficou mais de dez anos no Rio de Janeiro e acabou por não cumprir a penitência como devia: segundo um relato de Novembro de 1644 escrito pelo comissário geral da ordem do Carmo no Brasil, Fr. Luís de Mértola, que partira do reino em Julho de 1643 para visitar os conventos brasileiros, nos últimos dez anos António Soares dedicara-se à mercância, tornara-se rico e poderoso, tomara ordens de missa e fora feito prior do convento da Baía, graças a certidões falsas, mantendo as práticas de sodomia que tinham levado à sua prisão, décadas antes.

A carta aqui transcrita aparece no fim do processo e não é nele mencionada, nem o seu autor. Pelo seu conteúdo percebe-se que diz respeito a visitações que se fizeram ao convento da Baía, possivelmente com o objectivo de averiguar o comportamento de Frei António Soares. O autor, um Frei Fabião, escrevendo a um padre provicial do Carmo, menciona que o réu era o prior do convento e que era muito popular e espanta-se que Luís de Mértola, que tão mal falara do réu, e os seus amigos agora o apoiassem para a nova eleição. Por causa de danos, a leitura da data da carta não é certa. Todavia, consideramos que tenha sido escrita ou em 1645 ou em 1648, não só devido ao que se consegue ler, mas tambem porque se sabe que em 1646 António Soares ainda estava no Rio do Janeiro, mas que em 1649 já estava em Portugal, tendo sido mudado várias vezes de convento após voltar para o reino. O réu acabou por ser libertado em 1650, 22 anos após a sua prisão, por se encontrar muito doente.

Support duas folhas de papel escritas em ambas as faces.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 6919
Folios 141r-142v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2306985
Transcription Maria Teresa Oliveira
Contextualization Maria Teresa Oliveira
Standardization Raïssa Gillier
POS annotation Raïssa Gillier
Transcription date2016

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Muito Rdo pe pal

Por gran desdita tive achar esta embarcaçã em este rio de Janro ia de caminho pa esse reino em a occaziã em que nosso snor foi servido trazernos salvamto mais por milagre seu que por diligencias he industrias huma-nas. Muitos forã os milagres q em o discurso de nossa viagẽ succederã, he todos attribuo ao santo christo desse convento a quem mto parti-cularmte me encomendei, he sempre trouxe no curacao, porq alem das tempestades q tivemos, he vista de velas q pareciã de inimigos a que fogimos depois de nos apartarmos de nossa armada, nos livrou o snor de algus bai-xos em que demos em o cabo de S. Thome, he em outras paragens perigozas achandonos com mto pouca altura de agoas, he mto arriscados Escapamos tambem de sinco ou seis naos de olandezes que estiverã mtos tempos a vista desta barra não deixando entrar embarcassã algũa, he assĩ se tem ja por couza certa que duas embarcassoes q partirã dessa barra dous pouco mais ou menos antes da nossa armada em hũa das quais mandava alen dessa pouco de azulejo ao pe fr Anto he hũa imagẽ como a do santo christo dessa caza forã quei-madas pellos olandezes pello menos es-te navio em que o santo christo porq ha novas certas q o snor sahio em caixã daqui cento he tantas legoas aonde chamã a cananea, os naturaes da terra se dis que lansarã delle com a piedade, he veneracã divida mui alegres com este thezouro soberano, o qual logo comessou a fazer grandissimos milagres o pe fr Anto vigro desta caza faz grande deligencia pollo trazer a este convto mas entendo não conseguira seu intento, apareserã também elle mtos barris de azeite, he outras mtas fazendas com dous beques de navios queimados, por onde se entende q os navios se attracarã e q pallejando com valor se vierã a queimar assĩ o nosso como o do inimigo, he dizem q delles se tem por provavel levarẽ os inimigos pa Olanda com outras prezas q fizerã he sei se tambem daria em suas maos hũa caravella q partio oito dias diante de nos com infantaria da qual temos novas, nẽ tam pouco do navio de Mari-nho dias que partio em nossa companhia, he se adientou em o caminho, posto q hoje chegou hũa nova q aparesia navio ao largo com os mastros pode ser quebra-dos pode ser q seja elle. de todos estes perigos nos livrou o snor, porq se com as derotas q tivemos nos não detiveramos ate o inimigo largar o posto que tinha era impossivel escapar de suas mãos.

Não foi menor a merse que o snor me fez em chegar Eu com vida a esta terra, porq todo o caminho vim doente com grandissimos achaques, de que ainda fico com pouca melhoria, he esta he a cauza por q não tenho dado satisfassã algũa as obrigacois de meu officio, porq nẽ sei quando acabarei de convaleser porq he esta terra mto per-judicial a saude.

Novas da terra he Estar com mto pouca fortificã, querera nosso snor trazer sedo salvador correa pa a fortificar, porq alias corre grande perigo No que toca as couzas desta caza ha mto que dizer das variedades destes frades porq tudo deu tam grande volta depois de despedido o pe fr Mel de Santa Maria, que não so os amigos, mas ainda os maiores emulos do pe fr Anto se unirão pa o acclamarẽ por vigro acabado o tempo de seu priorado, he nesta Elleicã lhe não faltou so voto, antes os achei todos mto contentes, he com mta pas, he uniã disendo mi-lagres de seu governo, e maravilhas de seus procedimtos o q mais me Espanta he que todos os amigos do pe fr Luis de Merthola são os que mais o engrandessẽ com tam grande affecto, que todos o aclamã por futuro prior, he dizem q se Eu o não tornar a reeleger an de ficar em esta caza he o mesmo pe fr Anto esta hoje abonando o pe fr Luis, he todos os que seguirã suas partes, he so destes me da boa informacã pa os occupar em os cargos da religiã, tornando toda a culpa desas inquietacois ao pe fr Basilio, he ao vigro pal passado da vizita que fizer confirmo a ordem de VP constara o que passar a verdade, se os visitados a quizerẽ falar.

Da pessoa do mesmo pe fr Anto não tenho ate gora ouvido queixa de consideraçã nẽ de caza nẽ de fora, porq todos o louvã he ninguẽ o vitupera Em couza de porte, he cuido q na visita não avera quem lhe de culpas segundo os vejo unidos, he pacificos nemine discrepante mas antes de visitas posso fallar nestas materias com certeza por não saber se os coracois estão conformes com os vivas, he acclamacois q lhe publicã com atova he se me ei de por agora julgar pello q vejo com os olhos, digo que não vi melhor prelado no bom trato q da aos subditos assĩ no refeitorio, como em tudo o mais, he todos elles o confessã. as obras que tem feitas são mtas e mto grandiozas, os sacramentos que fez são mtos, he mto ricos, he sei como em tam pouco tempo pode obrar tanto, no culto divino he tam esmerado he tam solicito, que não mentirei se disser que Excede a esse convento em sua perfeiçã, he assĩ digo que em cazo q tivera mtas culpas, não sendo estas da primeira classe se lhe poderã dissimular por estas boas partes. tenho feito diligencia se tem feito as dividas q la se publicavã não me sabem dizer nada com certeza, mas diz Elle que acabada a safra de asucre a de safar todas as dividas, he deixar a ca-za moente e corrente. he acressentado com o Engenho que comprou. o que tudo bem considerado venho a ter escru-polo de o tornar a reeleger, porq por estas partes não acho frade algũ sufficiente pa por Em seu lugar aon-de se requere mto grande agençia, he nenhũ ha q seja de tanta utilidade como Elle, os sogeitos mais dignos estão em a Baia, he he certo que an de querer vir de la pa esta caza pellos perigos q ha com estes olande-zes. Comtudo Eu detremino tornalo a reeleger, nẽ ainda nomealo, porq se o nomear he certo q todos an de votar nelle a froixo, he a rezã por q lhe ei de fazer este favor he por malquistado com a maior parte dessa provincia pella informacã q la corre de sua pessoa, mas Eu cuido que não he o diabo tam feo como o pintã, he não cuide VP que eu estou peitado delle porq nẽ elle, nẽ outro algũ se attreveo ate gora a offereserme couza algũa pella ex-encã que tenho mostrado; mas fallo a verdade he o que tenho alcansado, se da visita constar outra coiza, ou o tempo a descobrir tornarmees a retratar, porq Em todas Estes abonos fallo com esta cautela.

Fasso advertencia a VP q neste convento ha des ou doze irmãos pa ordenar, he q são mais os irmãos q os frades de missa. he ha quem satisfassa as obrigacois do convento. he em as outras cazas sera o mesmo. O bispo na Bahia temos novas q esta morrendo E no cazo q Ds o leve; ha outro remedio q irẽse se ordenar a esse reino, he forsa q VP de licensa pa ir mandando os mais antigos. o pe fr Anto dis q se obriga a fazer os gastos do caminho aos q forẽ desta caza, Avizeme VP se me da licensa pa os mandar.

Com dos carvalho fallei encomendandolhe mto os negocios de VP he disendolhe que nelles avia Eu de ser parte he alcansar todo o favor q fosse necessario, porq tenho o goverdador , e mais snores desta terra por mui affei-coados q me tem feito infinitas honras. Perdoe VP serlhe tam molesto q por agora tenho outros mimos q lhe mandar mais q estas perluridades do q passar nas visitas he eleicois avizarei, a VP. a quem ds me gde mtos annos. do Rio de Janro a 1 de Janro de 648

Humilde subdito he servo de VP fr Fabião

Legenda:

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