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Maarten Janssen, 2014-

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1692. Cópia de carta de António Gonçalves do Sacramento, padre, para Simão da Gama, bispo do Algarve.

Author(s)

António Gonçalves do Sacramento      

Addressee(s)

Simão da Gama                        

Summary

O autor escreve a um amigo a pedir que este apresente a sua carta no Santo Ofício.
Page 69r > 69v

[1]
Louvado seja Ds

E dey a VM. e a todos os sres e servos dessa caza, a qm me recomendo com mtas lem

[2]
branças, e á minha velha, com a saude, q tem mto de seu divino amor pa lhe fazerem mtos
[3]
servissos: eu com a q possuo estou pa servir a VS.MS. e pa os encomendar a Ds como faço.

[4]

Meu sor confesso, q tenho algũa semelhança com a jumenta de Balaão

[5]
e com Inez da Conceyção. Com a jumta porq ésta ainda q com facilidade consentia
[6]
sterni, et capistrâri, e sem a menor rezistencia seguia qualquer caminho em q éra pos-
[7]
ta, houve occazião, em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por onde Balaão
[8]
a quiz levar, e rezistiu de maneyra, q nem antes, nem depoys de a castigar com gol-
[9]
pes se lhe sujeytou a ir por elle. E não lhe ficou elle em pequena obrigação, porq se
[10]
ella não fizéra o q fez, sem duvida se iría elle meter nos fios de huã espada q em castigo
[11]
de haver tomado este caminho estáva aparelhada contra elle nas maos de Anjo, q el-
[12]
la vía, e elle não, sem embo de q eélla éra huã jumta e elle hum Propheta. Balaam
[13]
vendo ésta rezistencia, sem advertir, q éra extraordinarea e nunca vista na jumta como
[14]
ella lhe disse arguindoo, e elle ainda sendo qm éra, advertindolho, o não negou; e sem adver-
[15]
tir, q por extraordinarea, éra erro sem desculpa o querela regular pelas regras ordina-
[16]
reas, ou não suppor, q a jumta experimentáva alguã força extraordinarea, q a não dey-
[17]
chava ir por esse caminho: mas pondo os olhos somte no q se lhe reprezentou à pra vis-
[18]
ta julgou ainda q mál, q a jumta éra desobediente, teymosa, e cabecuda, e q tinha mto
[19]
bem merecido tudo qto elle lhe havía feyto: mas feyto éra assim, ou vice versa, vejase o q
[20]
diz o Textu. E vejase a providencia de Ds em acudir pola innocencia, ainda de huã ju-
[21]
menta açoutada por qm não estava obrigado a na-na açoutar pelo q fez, mas por
[22]
isso mesmo q fez, lhe estáva tam obrigado, como tenho dito. E vejase o cuidado q Ds te-
[23]
ve de reprehender a Balaam dando palavras a huã jumta não pa fallar como gente
[24]
e pa mostrar a sua innocencia, mas pa erguer, vencer, e attar a hum Propheta em pre
[25]
zença dos mesmos, q a havião visto castigar. E ainda Balaam ficára mto peor, se ven
[26]
do o q a jumta fez, e ouvindo o q a mesma disse se não dêra por entendido, e fizéra como
[27]
devia o q fez a tempo conveniente. E vejase tambem o cuidado q Ds teve em dispor q
[28]
este cazo se escrevesse pa q fosse notorio em todo o mundo com todas as suas circunstan-
[29]
cias assim louvavens pola parte da jumta como reprehensivens pola parte de Balaão

[30]

E Inez da Conceyção padeceo como a jumta e mto mays; mto mays, porq a jumta

[31]
teve contra si hum , e éslla teve contra si mtos a jumta padeceo em breve espaço, e élla
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padeceo em mtos espaços, e mtas horas, em mtos dias, em mtos mezes, e em mtos annos; a jumta
[33]
padeceo em despovoado e ella padeceo em huã corte; a jumta éra huã jumta e ella
[34]
éra, ao menos huã mer de bom juizo. E sem embo de ter valor pa padecer tanto, pa
[35]
rece q houve tambem occazião em q não quiz, ou não pode seguir o caminho, por on-
[36]
de a querião levar e devia ser o caminho de se disdizer do q havia dito confessando
[37]
q o q havia dito nem éra de Ds nem do Diabo, mas fingido por ella propria, e parece
[38]
q o rezistiu de maneyra q nem antes nem depoys de ser castigada com gólpes se sugei
[39]
tou s ir por elle, etc.

[40]

E eu tenho como disse alguma semelhança com as duas innocentes


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