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Maarten Janssen, 2014-

PSCR1556

1701. Carta de António Nunes Álvares, arcipreste e vigário de Ervedal, para o bispo de Coimbra [D. João de Melo].

ResumoO autor informa o bispo de Coimbra sobre as diligências que fizera em Folhadosa, no decorrer do processo de casamento de Maria Ferroa.
Autor(es) António Nunes Álvares
Destinatário(s) João de Melo            
De Portugal, Coimbra, Oliveira do Hospital, Ervedal
Para Portugal, Coimbra
Contexto

Esta carta encontra-se, juntamente com uma segunda, no processo de casamento de Maria Ferroa, habitante em Folhadosa, e António Nunes da Costa, morador em Torroselo. Maria Ferroa era uma jovem devota que desde nova desejara ser freira. Tendo professado na Ordem Terceira de São Francisco, declarou, depois disto, que viveria o resto da vida em estado de pureza e castidade, não desejando casar-se. Todavia, era assaltada por dúvidas, e a sua família pressionava-a a casar, dado que, de todos os irmãos, ela era a única que estava em condições de o fazer. Durante a Semana Santa, o pai de Maria Ferroa, Manuel Ferrão, combinara, sem a sua autorização, que ela iria casar com um jovem de Torroselo, António Nunes da Costa, que vivera largos anos no Alentejo. A jovem protestou, assim como o pároco de Folhadosa, Manuel Gil de Figueiredo, seu confessor, uma vez que ela fizera o voto de castidade. Como o pai não acreditava na veracidade dessa afirmação, e o pároco não tinha a certeza do que devia fazer, a jovem, que não sabia escrever, pediu a este último que escrevesse, em seu nome, uma carta ao bispo de Coimbra, nessa época D. João de Melo, de modo a que este a aconselhasse sobre qual decisão seria a mais correcta aos olhos de Deus (PSCR1555). Por um lado, alegava, não queria desagradar à família, por outro, não desejava quebrar o seu voto. Chegada a carta, D. João de Melo enviou o vigário e arcipreste do Ervedal, António Nunes Álvares, para averiguar a situação e falar com as pessoas da terra e com Maria Ferroa. Numa carta para o bispo (PSCR1556), o vigário dá conta da conversa que teve com a jovem, declarando que Maria Ferroa se decidira a casar pois o pai continuava a pressioná-la. Chegou-se à conclusão de que Maria Ferroa fizera o voto de castidade sem conhecimento profundo do que isso implicava, pelo que este acabou por ser considerado nulo e os noivos puderam casar.

Suporte duas folhas de papel, a primeira escrita em ambas as faces e a segunda apenas na primeira.
Arquivo Arquivo da Universidade de Coimbra
Repository Cúria Diocesana de Coimbra
Fundo Câmara Eclesiástica
Cota arquivística Processos de Casamento, Anos 1693 a 1702, "Processo de Maria Ferroa e António Nunes da Costa", [Dep.III - 1ª Secção E - Est.18 - Tab.2 - Nº1B]
Fólios [5]r-[6]r
Online Facsimile não digitalizado
Transcrição Maria Teresa Oliveira
Revisão principal Fernanda Pratas
Contextualização Maria Teresa Oliveira
Modernização Fernanda Pratas
Data da transcrição2016

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Illmo Snor

Assim pa obedecer a Va Illma pa o q estou sempre pronto, como alentado da alegria q recebi á vista da sua firma por considerar estar Va Illma com a boa dispozição, q todos os dias ainda q indigno de ser ouvido lhe peço a Deos fui a Folha-doza, na forma q me ordenou, e fis a informação pedida da vida, procedimtos, e costumes da mer relatada na carta, como tambem da qualidade dos paes, condição dos bens, e do q tem o espozo q a pertende por mer, de q qualidade he, se ella fes o voto q dis, e se o pai a constrange. Principiei a informação com cautella pa q não descobrisse o voto daquella mer, se fosse oculto, e logo achei, não aver pessoa naquelle povo sem noticia de q ella tinha feito voto de castidade; he de vinte e nove annos de idade, ocupasse em costuras, e no officio de tecedeira, está pa com o mundo em boa opinião, de bem procedida, e virtuoza. Os paes são christaons velhos, de gente honesta, bem aparentados, nobres não, poes q o pai lavra com hũa junta de boes, não em fazen-das suas, mas tambem nas alheas por jornaes, e q se criou servindo amos na provincia do alem Tejo, e tem de seo duzentos mil res em bens de rais se bem está empenhado em cem mil res, chamasse o tal homen Mel Ferrão. O espozo q a pertende por mer he de igual geração oriundo de Sen-domil, e nacido em Torresello, esteve servindo mtos annos na predita provincia do alem Tejo, da qual se recolheo pa sua patria trazendo mil cruzados, q com cem mil res que tinha de legitima, fazem quinhentos mil res, pouco mais, ou menos. Depoes desta informação com pessoas fidedignas fui á Igra tomar depoimento a mer relatada nessa carta carta, e perguntandoa secretamte se era a q por si, ou por outrem tinha escrevido a Va Illma pedindolhe conselho q estado tomaria, respondeo q sim, mas q logo no dia seguinte depoes de mandar remeter essa carta, instada pello benefficiado Mel Gracia seo parente e cominada por seos paes, se resolvera a tomar estado de casada, e lhes fizera essa promessa, se a livrassem de escrupolos de conciencia E advirtindolhe eu q visse o q fazia, poes q confessava na carta q a Va Illma escreveo se despozara com Jesu Christo fazendo votos de castidade e q nosso Snor a poderia castigar renunciando o maes perfeito estado sem necessidade, poes estava informado, q suposto lhe morreo irmão, lhe ficarão dous, q tinha ido pa o alem Tejo, outro q tinha em casa: respondeo, q não avia noticias do q foi pa o alem Tejo, e q o q esta em casa por achaques q padese he incapaz de casar no q achei falar menos verdadeira por ser contra o q achei por informação, e conheci estar ella, sem esperar por resolução de Va Illma, determinada a tomar estado conjugal. Naquelle pouco tempo q estive falando com aquella mer, descobri nella mta vontade de estar em opinião de santa sem renunciar amor proprio, porqto me disse, q quando Deos lhe nam despachara as peticoes dandolhe vida ao irmão de q fas menção na carta lhe fizera queixas, dizendolhe, basta Snor q com esta minha virtude não mereci ser de vos ouvida. E q logo pa dar a intender a não queria naquelle estado celibado, a deixara em sequidoes na oração men-tal por mto tempo, achandose até ali por mtas vezes interiormente conso-lada. E fazendolhe eu advertencia, q pa ter sequidoes na oração bastavão peccados viniaes q esfrião o fervor do Espirito, ou quererlhe Deos casti-gar algũa soberba espiritual, e q não devia pertender q elle a despa-chasse á vontade propria, mas querer o q elle fosse servido dispachar por sua santissima vontade, e q Sto Anselmo, expondo aquelle lugar da escritura q affirma fizera S Paulo tres peticoes a Deos sen q fosse ouvido, comentara, q não era grande o despacho q Deos dava á vontade das creaturas, mas aquelle q lhe qdo despacha o q he utilidade dellas. E q não tivesse pa Si, fora inspiração divina aquelle pensamto pensamento en q se lhe representou, q o estado da virgindade era vida ociosa, poes he o estado en q se serve mto a Deos, e q a poderia castigar no estado de casada por faltar ao voto q tinha feito dandolhe tribulaçoes da carne como adverte o Apostolo, e permitindo q o homen com quem queria casar lhe fizesse companhia. e respondeume q tudo sofreria com pasiencia pa marecer, q assim o mandasse eu dizer a Va Illma. Á vista da tal resolução, pergunteilhe de q modo fizera o voto, se com algũa condição, se por tempo determinado, se por engano, ou intimidada de algũa pessoa. respondeo, q o fizera absolutamente por vontade com toda a delibaraçam com animo de nunca em toda a vida deixar de viver pura, mas q não fizera este voto em presença de pessoa algũa, nem com palavras exteriores, mas com os pensamentos do intendimento, e com os affectos do coração. E lembrandome eu ser esta hũa questão mto controverssa, como Va Illma sabe melhor q eu, pa lhe dar plena informação, lhe repliquei, se fizera na idade de dezoito annos propo-sito de guardar castidade interiormte, ou se áquelle Deos q he escrutinador de corações fizera voto absoluto de cas-tidade! E disse, que não fora proposito, mas promessa interior, e q tomava aquelle estado poq seo pai a constrangia, o q achei ser verdade, por ser publico, q o pai dizia lhe avia de cortar o pescoço, se ella repugnasse aquelle casa-mento. He o q com toda a verdade descobri sobre o re-latado nessa carta q veio inclusa Em a de Va Illma a quem Deos nos conserve por m an Ervedal 23 de agosto de 1701

Humilde servo de va Illma Antonio Nunes Alvares


Legenda:

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